História, Linguagens e Movimentos / Projeto História / 2017

A Revista Projeto História, do Programa de Estudos Pós-Graduados em História da PUC / SP tem, historicamente, apostado na pluralidade teórica, temática e historiográfica, com particular ênfase na recuperação da historicidade e das vozes silenciadas. A revista também busca se afastar da endogenia, que muitas vezes marca a vida universitária. Nosso propósito é o de dar voz e vez a pesquisadores de outros estados do país e mesmo de outros países, em particular da América Latina. Nosso compromisso com uma sociedade aberta, democrática e includente não se dissocia do projeto de editorial, marcado pelo pluralismo, diversidade e diálogo com a produção intelectual em curso.

Esse volume da Revista Projeto História, intitulado História, Linguagens e Movimentos, buscou captar um traço decisivo da historiografia contemporânea: a multiplicidades de objetos de estudo. Dois elementos foram priorizados, por um lado as “Linguagens”, com ênfase nos estudos envolvendo as relações entre música, cinema, teatro, literatura e o periodismo. Conectado a isso, o dossiê da presente edição buscou valorizar os movimentos coletivos nos campos cultural, social, político e econômico. Conscientes dos riscos da “história em migalhas”, da hiperespecialização e do academicismo, buscamos aproximar as diferentes esferas da existência a fim de oferecer aos nossos leitores artigos que discutam assuntos diversos, que vão do debate econômico no Brasil do século XIX ao imperialismo norte-americano no Pós-Guerra. Da Igreja no medievo às relações culturais entre o Brasil e Portugal no século XX. Da imigração europeia às sensibilidades literárias em torno da experiência traumática da Segunda Guerra Mundial. Outra ênfase deste número está dedicada às conexões latino-americanas, dos embates entre bandeirantes e indígenas no interior dos impérios ibéricos às conexões entre Brasil e México ou ainda Cuba e Uruguai. Os artigos publicados possuem caráter interdisciplinar, capazes de colocar em diálogo diferentes temporalidades, saberes e tradições. Com esse dossiê, buscamos manter nossa tradição de promover um amplo debate sobre a diversidade historiográfica e a renovação da historiografia.

O artigo do professor Everaldo Andrade, intitulado “Mário Pedrosa e a construção do espaço imperial dos EUA sob o capitalismo monopolista” tematiza a trajetória intelectual empreendida pelo importante pensador brasileiro. O artigo analisa as linhas de força que levaram o país à uma ditadura militar em 1964, num contexto em que o capitalismo norte-americano desempenhou um papel decisivo na implantação de ditaduras no Brasil, bem como em outros países da América Latina, durante a Guerra Fria.

O artigo de Adailson José Rui, “O Caminho de Santiago no século XII: espaço de propagação dos ideais reformistas da Igreja”, discute o uso de fontes do século XII, principalmente do Liber Sancti Iacobi e da História Compostelana como espaço de propagação de ideias que visavam afirmar, entre os peregrinos, o poder do Papa e a centralização da Igreja em Roma. Estas discussões, inclusive o debate sobre o celibato, ensejaram um processo que acabaria por conduzir à reformas na vida da Igreja.

Leandro Mendanha e Silva e Paula Guerra aportam aos leitores da Projeto História o artigo “Encruzilhadas atlânticas: representações sobre Ângela Maria em Portugal, Angola e Moçambique”. No texto, os autores tematizam a maneira como a imprensa portuguesa tratou a passagem de Ângela Maria por Portugal e pelas chamadas “províncias ultramarinas”. As trocas artísticas e musicais nos jornais e revistas portuguesas sobre a relação Brasil-Portugal são importantes contribuições dos autores.

O artigo “A reforma da natureza e da agricultura: o exemplo dos inquéritos e dos congressos agrícolas no último quartel do Império”, de Roberta Barros Meira, investiga o inquérito realizado em 1874 pelos diferentes ministérios (Fazenda, Justiça e Agricultura), bem como os dois congressos agrícolas realizados em 1878. Essa documentação permite acessar o pensamento agrário brasileiro do último quartel do Império. Nesses discursos aparecem demandas nacionais ou regionais relacionadas a diferentes ângulos, como o ambiental, o político e o econômico.

O artigo intitulado “Indígenas, bandeirantes y fronteras coloniales ibéricas en América”, dos professores Hernán Maximiliano Venegas Delgado e Hernan Venegas Marcelo, representa uma contribuição internacional desse volume, pois promove uma análise da ação dos bandeirantes e resistências indígenas, apresentando um balanço da produção historiográfica sobre o tema, tanto em língua portuguesa quanto espanhola.

O texto do professor Ival de Assis Cripa, estudioso da história e cultura mexicana, “Quando a Ficção Se Confunde Com a História, Quando a Vida Parece Ficção: Manuel Benício, Heriberto Frías e suas estratégias originais de sobrevivência Intelectual”, tem como elemento central a análise da produção de dois intelectuais e periodistas – um brasileiro, Manuel Benício e, um mexicano, Heriberto Frías – que cobriram, respectivamente, a Guerra de Canudos e a Guerra de Tomóchic, ocorrida no México em 1892. Nesse artigo, o autor analisa artigos de jornal e obras literárias desses dois jornalistas, buscando refletir, dentro do espirito desse volume e de forma interdisciplinar, o que o autor intitula de “o embaralhamento entre o jornalismo e a literatura”, onde podemos acrescentar, também, a história.

Nessa mesma linha interdisciplinar vinculando história e literatura, temos o artigo “Entre enigmas e traumas: memória, história e literatura em três contos de Bernhard Schlink”, dos professores César Martins Souza e Luis Junior Costa Saraiva, que analisa três contos do escritor alemão Bernhard Schlink – A Menina com a Lagartixa, A Circuncisão e Johann Sebastian Bach em Rügen – vinculados à episódios traumáticos da Segunda Guerra Mundial, o texto apresenta uma discussão importante e atual sobre memória e silenciamento de episódios perturbadores e incômodos.

Finalizando os artigos diretamente vinculados ao tema do dossiê, temos “Quando sahir de caza, arme-te com o signal da Cruz”: instruções para a rotina de um menino cristão em um manual pedagógico português do século XVII”, da professora Giana Lange do Amaral e do professor Fernando Cezar Ripe que promove uma análise interdisciplinar, de um manual pedagógico português do século XVII, articulando uma discussão com a Educação, a Literatura de Comportamento Social, o discurso religioso.

Entre os artigos livres optamos por publicador o texto de Victor Andrade de Melo, Vivian Luiz Fonseca e Fabia Faria Peres, intitulado “Patrimônio esportivo: um tema de investigação”, por tratar de um debate entre o patrimônio esportivo e o processo de patrimonialização no Rio de Janeiro. Para os autores, essas ações contribuem para lançar novos olhares para o passado por meio do esporte impactando a maneira de se conceber a cidade através do estimulo às reflexões sobre o espaço público.

O texto de Almir Félix Batista de Oliveira, chamado “E o patrimônio no livro didático de História?” discute a temática do patrimônio cultural inserida no livro didático de História, em torno dos universos escolar e da sociedade. Para o autor, o papel educativo define a identidade e o caráter das relações passado-presente-futuro. Sendo necessário lembrar que a universidade precisa, cada vez mais, discutir o ensino de história, pois é uma das razões de ser da universidade.

O texto de Mariana Martins Villaça, “Cuba e a esquerda uruguaia: o Encontro da OLAS (Organización Latinoamericana de Solidaridad, 1967) nas páginas de Marcha”, apesar de incluído na seção de artigos livres, também dialoga com o tema do dossiê, ao apresentar uma análise do periódico uruguaio de esquerda Marcha, buscando mostrar “[…] os embates entre as organizações políticas a respeito de quais delas integrariam o Comitê uruguaio para participar do Encontro da Olas (Organización Latinoamericana de Solidaridad) em Havana, em 1967, representando, assim, a “vanguarda” da esquerda uruguaia naquele momento”. Nesse trabalho verificamos uma interessante discussão sobre imprensa, cultura e movimentos.

O último artigo desse volume, de Silvana Seabra Hooper, intitulado Geração e Juventude: O debate sobre a geração AI-5, apresenta uma análise do conceito de “geração” e promove uma discussão sobre as características dos jovens que viveram a violência do Ato Institucional nº 5, em 1968.

O volume conta também com uma excelente entrevista, realizada pela professora Jussaramar da Silva, em junho de 2016, com a jornalista Leneide Duarte-Plon, autora da obra “A tortura como Arma de Guerra – Da Argélia ao Brasil: Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado”. Essa entrevista gira em torno de outra entrevista, que a jornalista fez com o general francês Paul Aussarresses. Esse militar atuou no Brasil como adido militar e foi um dos responsáveis pela disseminação, em território brasileiro, da Doutrina da Guerra Revolucionária ou Doutrina de Guerra Suja.

No fechamento do volume, temos a Notícia de Pesquisa, “Boas maneiras para crianças e jovens: O controle dos corpos na civilidade erasmiana no século XVI” de Ana Luísa Pisani com tema diretamente vinculado à proposta desse dossiê temático, através do pioneiro trabalho literário do humanista do século XVI, Erasmo de Rotterdam, em especial o livro de etiqueta direcionado para jovens.

Esperamos que as páginas dessa revista possam contribuir, mais uma vez, para o debate historiográfico através de uma leitura agradável e instigante. A pluralidade e a diversidade deste volume é nossa aposta no debate, na abertura e no diálogo historiográfico, teórico e temático.

Luiz Antonio Dias

Alberto Luiz Schneider

Os editores


DIAS, Luiz Antonio; SCHNEIDER, Alberto Luiz. Apresentação. Projeto História, São Paulo, v.59, 2017. Acessar publicação original [DR]

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