Natureza e cultura / Revista Brasileira de História / 2006

O problema dos nossos tempos é que o futuro não é mais como era antigamente.
Paul Valéry

Pensar a relação entre natureza e cultura significa considerar necessariamente o elemento tempo. Assim foi com a mudança cultural fundadora da vida contemporânea, a passagem do tempo intrínseco do homem medieval ao tempo mecânico da Renascença e dos mercadores. Quando se passou a exigir orientação temporalmente exata, uma nova relação natureza e cultura se impôs caracterizando um novo tipo de sociedade.

Hoje, o tempo da história se acelera vertiginosamente. É um tempo marcado, por um lado, pela analogia entre velocidade e exatidão, e, por outro, pelas mudanças, dúvidas e destruições, que contrastam com outros tempos, da permanência, da continuação e da memória. Essas tensões da contemporaneidade têm levado os historiadores a se debruçarem sobre estudos que contemplam a temática natureza e cultura, e o resultado disto é que, por sua vez, este interesse tem causado impactos na disciplina, ampliando horizontes e favorecendo pesquisas alternativas. Enfim, as novas pesquisas têm contribuído para a renovação temática e metodológica, redefinindo, ampliando e favorecendo o questionamento das polarizações dicotômicas.

Entretanto, assim como o Angelus novus de Klee, na seminal metáfora de W. Benjamin — alegoria na qual a tempestade da modernidade arrasta o homem ao progresso, não mais concebido como a panacéia dos males humanos —, o historiador procura pensar o fluxo da evolução histórica a partir dos limites e perspectivas de seu tempo. Ele quer “dominar” o passado, mas ao mesmo tempo é ultrapassado pela força das circunstâncias — esta não permite que sua vontade se concretize.

O resultado desse embate — considerados os limites da área de atuação de que dispomos em nosso periódico — é o que se pode ler neste número da Revista Brasileira de História. Os estudos que aqui apresentamos procuram, cada um a seu modo, ampliar os limites da disciplina e abrir áreas de pesquisa, buscando observar no passado mudanças e permanências, descontinuidades e fragmentações, apresentando possibilidades que se compõem e recompõem continuamente.

Os artigos presentes neste dossiê percorrem vários aspectos da temática natureza e cultura. A partir de relatos deixados por intelectuais formadores de suas disciplinas, tais como Élisée Reclus, Capistrano de Abreu e Caio Prado, Antonil e Rocha Pita, destacam-se os textos de Regina Horta Duarte (“Natureza e sociedade, evolução e revolução: a geografia libertária de Élisée Reclus”), Dora Shellard Corrêa (“Historiadores e cronistas e a paisagem da colônia Brasil”) e Francisco Eduardo de Andrade (“A Natureza e a gênese das Minas do Sul nos livros de André João Antonil e Sebastião da Rocha Pita”).

Tomando a literatura como campo de análise, Valdeci Rezende Borges (“Culturas, natureza e história na invenção alencariana de uma identidade da nação brasileira”) aborda a obra de José de Alencar, e Daniel Faria (“Makunaima e Macunaíma. Entre a natureza e a história”) procura entender a questão do desejo romântico pela natureza como resposta a conflitos políticos contemporâneos.

Cultura material e patrimônio são os eixos pelos quais Maria Clara Tomaz Machado (“(Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi — do trabalho ao festar (1950-2000)”), Flávia Arlanch Martins de Oliveira (“Padrões alimentares em mudança: a cozinha italiana no interior paulista”), Sandra Pelegrini (“Cultura e natureza: os desafios das práticas preservacionistas na esfera do patrimônio cultural e ambiental), Silvia Helena Zanirato e Wagner Costa Ribeiro (“Patrimônio cultural: a percepção da natureza como um bem não renovável”), apresentam reflexões nas quais ações sociais implicam interpretações da relação entre natureza e cultura no tempo.

O ambiente em sua forma mais direta — as estradas, as florestas e os fluxos d’água — compõe o cenário para outros três artigos: Marcos Lobato Martins (“As variáveis ambientais, as estradas regionais e o fluxo das tropas em Diamantina, MG: 1870-1930”); Franciane Gama Lacerda (“Entre o sertão e a floresta: natureza, cultura e experiências sociais de migrantes cearenses na Amazônia”); Glaura Teixeira Nogueira Lima (“O natural e o construído: a estação balneária de Araxá nos anos 1920-1940”).

Seguem-se ainda duas resenhas, compostas por José Eduardo Franco (Jesuítas e Inquisidores em Goa), e Reinaldo Nishikawa (Fronteiras: paisagens, personagens, identidades).

Conselho Editorial


Conselho editorial. Apresentação. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.26, n.51, jan. / jun., 2006. Acessar publicação original [DR]

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