No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central – DUTRA e SILVA (VH)

DUTRA e SILVA, Sandro. No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017. 304 p. HEIZER, Alda. Natureza e Política: A ocupação de Mato Grosso de Goiás entre 1930 e 1950. Varia História. Belo Horizonte, v. 34, no. 65, Mai./ Ago. 2018.

No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central tem como objetivo apresentar o processo de ocupação de uma região de floresta tropical, mais conhecida como Mato Grosso de Goiás, a partir da análise das políticas de colonização entre 1930 e 1950.

O texto é bem escrito, distribuído em duas partes, ancorado em documentação textual e iconográfica variada, matéria-prima de rigorosa investigação. Privilegia a reflexão sobre os acontecimentos locais à luz de contextos mais amplos e se traduz numa contribuição efetiva “à internacionalização da História ambiental nas Américas” (Dutra e Silva, 2017, p. 16).

Com prefácio de Stephen Bell e apresentação de Donald Worster, ambos professores de universidades norte-americanas e autores preciosos para os argumentos apresentados, o livro propõe uma reflexão sobre como o mito do oeste em Goiás foi construído antes mesmo de se traduzir numa política governamental de colonização e imigração, proposta durante o Estado Novo (1937-1945).

De início, Sandro Dutra e Silva apresenta ao leitor suas escolhas teóricas bem como a opção feita por inserir suas próprias memórias, reforçando seu interesse pela representação do passado. O impacto causado pela cor do primeiro pôr do sol visto pelo autor, ainda menino, no Planalto Central e, mais tarde, ao revisitá-lo, nas descrições do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, de forma proustiana, é, no mínimo, instigante para quem inicia a leitura.

Além disso, para o autor, os sentidos que a paisagem do cerrado tiveram sobre ele são hoje muito mais afetivos e expressão de sua identidade goiana de raízes mineiras. É nesse momento que tem início a aventura do leitor, pelos versos de Cora Coralina, pelas descrições do menino de doze anos que olhava o Cerrado pela janela do automóvel do pai e por sua experiência acadêmica, em 2008, ao participar de um encontro da Sociedad Latinoamericana Y Caribeña de Historia Ambiental (Solcha), em Belo Horizonte – para o autor, um divisor de águas em suas pesquisas sobre a expansão da fronteira agrícola (Dutra e Silva, 2017, p. 29).

O livro oferece uma reflexão sobre o Oeste que ultrapassa a categoria de sertão: o Oeste Eldorado no Brasil central que se opõe a uma noção presente na historiografia brasileira sobre sertão como lugar hostil, terra de índios bravios.

Sandro Dutra e Silva, ao trabalhar fontes variadas, apresenta ao leitor elementos sobre o Oeste como “lugar” de promessas de terras livres, férteis e à disposição de homens e mulheres que se dispusessem a trilhar “a marcha para o Oeste”.

Num exercício constante de situar suas preocupações em um quadro teórico mais amplo no seio da história, e da história ambiental, em particular, o autor busca aproximações e distanciamentos com a tese do historiador norte-americano Frederick Jackson Turner (1861-1932) sobre o mito americano do começo absoluto, da identificação da marcha para o Oeste norte-americana, tão caros às discussões sobre fronteiras, mobilidade social e migrações, e que não poderiam estar de fora desse tipo de abordagem. O autor traz para a cena os autores brasileiros que se apropriaram em diferentes momentos da temática da fronteira, das reflexões sobre o homem e o mundo natural.

Ao apresentar o caso do Oeste brasileiro e o conteúdo ocupação e da colonização do Mato Grosso de Goiás, a obra traz suas especificidades: a destruição trazida pela expansão para o Oeste, a colonização de desflorestamento, a criação de projetos de cidades “signos do provisório” e a convivência lado a lado de projetos excludentes, espaços de modernidade e conservação, em análises muito bem sucedidas por meio de fontes documentais e vivência pessoal.

Um exemplo é o da cidade de Goiânia e o seu protagonismo no contexto da “marcha para o Oeste”. A cidade moderna, projetada em 1930, para seguir os passos de Belo Horizonte, sua precursora, mantinha traços da tradição rural, fato que causou estranhamento a Lévi-Strauss em sua visita, em 1937, ao testemunhar a convivência do palácio e os carros de boi num mesmo espaço (Dutra e Silva, 2017, p. 127).

Outro momento importante do livro é quando o autor traz à cena o lugar do povo outsider: “o outro lado do rio das almas”, a cidade estigmatizada, Barranca, como era conhecida. Anápolis, Ceres, sede da Colônia Agrícola de Goiás (CANG) e outros centros importantes “irradiadores das políticas de colonização”, estão presentes e são analisados historicamente.

Os personagens dessas histórias que se entrelaçam são muitos e poderíamos citar dentre eles Bernardo Sayão, que permitiu ao autor reconhecer os códigos através dos quais a história foi mediada (Dutra e Silva, 2017, p. 256).

Foi durante a década de 1940 e início dos anos 50 que o estado de Goiás utilizou uma intensa propaganda sobre migração e colonização bem como participou de parcerias com instituições e governos com a finalidade de atrair colonos, tanto nacionais como estrangeiros, para ocupar o território goiano. Período em que várias investidas de ocupação foram realizadas, como foi o caso dos alemães que, no pós-guerra, se instalaram no Paraná, mas que tiveram Goiás como primeira opção.

O livro chama a atenção para a criação de centros urbanos e analisa a formação das cidades na fronteira do Oeste do Brasil, consideradas núcleos de civilização. Barranca é um exemplo. Contrastes muito bem apresentados, como as imagens do baile da elite local no clube, o teatro e a rua, as imagens de Rialma, são contundentes.

Por fim, Sandro Dutra e Silva apresenta em seu livro questões que se localizam na fronteira de diferentes campos do saber e que estão na ordem do dia, como a destruição florestal e a perda da diversidade biológica.

O autor apresenta mudanças e permanências no tempo: não é essa afinal a tarefa a que se devem dedicar os historiadores?

Referências

DUTRA e SILVA, Sandro. No Oeste, a terra e o céu: a expansão da fronteira agrícola no Brasil central. Rio de Janeiro: Mauad X, 2017. [ Links ]

Alda Heizer – Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rua Jardim Botânico, 1008, Rio de Janeiro, RJ, 22.470-180, Brasil. [email protected].