Circulação transnacional de livros de leitura e de manuais pedagógicos (entre fins do século XIX e início do século XX) | Cadernos de História da Educação | 2022

Os estudos relativos à transnacionalidade de artefatos e práticas pedagógicos, bem como o seu potencial de transnacionalização, têm se apresentado há um par de anos em periódicos de História da Educação de diversos países ocidentais. Com isso, o exame do tema avançou consideravelmente, mas está longe de ter se esgotado; há muito o que estudar sobre os livros escolares e sua circulação mundo afora. Por isso, esse dossiê investe no aprofundamento de um tópico relativo ao tema: circulação transnacional de materiais pedagógicos impressos, quer tenham nascido com destinação escolar quer tenham ganhado ulterior uso escolar. Tornou-se quase que sinônimo da modernidade a circulação de materiais impressos dados ao acesso pelas mais diferentes formas que vão do empréstimo à venda superfaturada; da impressão em folha solta a encadernados luxuosos; de versões vernaculares a traduções pouco ou nada amistosas, incluídas às muitas “apropriações” alimentadas por peculiares visões dos “gostos locais”.

Os livros de leitura, os livros didáticos, os compêndios ou manuais para formação do docente da escola primária, são documentos privilegiados neste dossiê, com vistas à análise da circulação transnacional desses fragmentos de cultura por meio dos quais se veiculam saberes e valores. O dossiê conjuga pesquisas que examinam livros, a partir de recortes temporais distintos, mas que privilegiam do século XIX às primeiras do século XX, de forma a compor um certo corpus analítico e de fontes. Assim, esta proposta objetiva discutir a produção e a circulação de livros produzidos em Portugal, na Itália, e no Brasil para pensar a história da educação a partir das diferentes projetos educacionais impressos nesses artefatos culturais. Aportes teóricos da História Cultural e História da Educação sustentam as análises que mobilizam, para além de livros, legislações, relatórios, jornais, correspondências, dentre outros materiais.

Justino P. De Magalhães abre o dossiê com o artigo Livro escolar – adaptação e tradução no Portugal de Oitocentos: do ‘aprender pelo livro’ ao ‘mestre-livro’, efetuando incursões em terras européias, a francesa em especial, na medida que recolhe elementos que lhe permitem explicar a criação do livro escolar moderno não só em terras portuguesas como brasileiras. Adentrando o século XIX, seu artigo acompanha os diversos momentos em que o livro vai se transformando em livro para uso escolar com distinção entre o livro para o aluno e o livro para o professor. Em fins do Oitocentos, o autor já tem em mãos uma diversidade de formatos de livros escolares, o que lhe permite afirmar que a proliferação do livro escolar, do pequeno livro e do periódico estão na origem da aculturação de massas. As transformações que registra no livro de uso escolar em relação aos demais livros e que lhe conferem especificidade permitem que conclua ser ela decorrente da regulação e do controle da produção e do acesso, bem como o fato de ser portador de orientações para a leitura.

O artigo de Samuel Castellanos, Livros de leituras ou manuais de civilidade como cultura material da escola maranhense para o ensino do ler e do vir-a-ser, como o próprio título indica, trabalha sobre livros/manuais que circularam no Maranhão do Oitocentos; são materiais que lhe permitem interrogar os pontos de contato entre “livros de leitura de autores maranhenses e manuais de civilidade não nacionais”, quais sejam: espanhóis, portugueses e franceses. É instigante como aí se enseja sua interlocução com o artigo de Justino Magalhães. Castellanos busca em R. Chartier e N. Elias referências conceituais para pensar os livros/manuais como suportes de regras que postas em circulação para a criação do sujeito civilizado. Posto face a face, os materiais maranhenses e europeus permitem que ele conclua que as variações percebidas naqueles são indicativas das novidades dos programas de ensino, nos métodos e nos usos prescritos daqueles materiais “como pretexto na formação do leitor em formação independentemente de seus níveis de leitura, da restrição de aprovação e indicação das obras que não cumprissem com as reformas da instrução, obrigando-as a uma reformulação e a um ajustamento segundo as prescrições nos dispositivos legais”.

O terceiro artigo desse dossiê é de Mirian J. Warde, Adaptações e traduções: cartilhas e livros de leitura “de americanos para filipinos” (início do século XX), opera um deslocamento, em relação aos anteriores, ao examinar livros escolares estadunidenses – cartilhas e livros de leituras – utilizados nas Filipinas pelos Estados Unidos durante os primeiros anos da ocupação, início do século XX, implicando operações, também essas, de deslocamento e imposição de uma cultura sobre a outra. O artigo foi provocado, originalmente, pela notícia de que a estadunidense The Arnold Primer, de Sarah Louise Arnold, indicada para adoção em São Paulo na versão traduzida e adaptada para escolares brasileiros (1907), teria sido também adaptada para escolares filipinos (1904), porém, não traduzida. O que seria “adaptação” em uma circunstância que sequer se pode chamar de transnacional? Uma condição na qual a confrontação entre culturas oblitera completamente os significados de civilização e barbárie, dissipam qualquer ilusão de que haja fronteiras entre esses dois modos de representação das culturas? Neste artigo são exploradas, especialmente séries documentais compostas por relatórios anualmente preparados pelo governo dos Estados Unidos nas Filipinas, acrescidas de um leque bastante diversificado de outras fontes.

Um novo deslocamento é operado com a inclusão dos três artigos a seguir que põem em cena dois países, Brasil e Itália, tanto mantendo as suas distâncias e diferenças quanto destacando suas interconexões.

Terciane Luchese com o artigo ‘Quando il mondo era Roma’: livros escolares para fascistizar os italianos no exterior, o caso brasileiro (1922-1938) contribui para que mantenhamos o exercício de abandono de qualquer laivo romântico que por ventura ainda guardávamos em relação aos livros escolares. Neste artigo, Luchese examina um livro – que dá título ao artigo – no contexto em que a Itália fascista, por meio de seus cônsules, enviava livros para as escolas italianas no Brasil, com o intuito de cativar os emigrados para os princípios e práticas daquele regime que ascendera ao poder em 1922, com Mussolini, e só foi encerrado com a derrota do Eixo na Segunda Guerra Mundial. Roger Chartier é também seu vetor conceitual para as análises construídas sobre uma extensa base documental e bibliográfica. Luchese se pôs como desafio “compreender as políticas educacionais e culturais da Itália e sua vinculação com o contexto brasileiro e gaúcho durante os anos 1920 e 1930, em especial atentando para políticas, produção, circulação e distribuição de livros escolares fabricados durante o fascismo para as ‘escolas italianas no exterior’” que ela enfrenta em dupla direção: de um lado, examinando as políticas italianas e “suas relações/ressonâncias em terras brasileiras” e, de outro, pelo exame de um livro específico destinado à “juventude no exterior”.

Por sua vez, artigo de Claudia Panizzolo, Livros escolares para a escola elementar italiana nos dois lados do Atlântico: o estudo do Libro d’appunti de Giovanni Soli (entre o final do século XIX e início do século XX) opera um deslocamento temporal, para fins do século XIX e início do XX, e geográfico. Apresenta como objetivo compreender as políticas educacionais, a produção, a circulação e a distribuição de livros escolares para a península e escolas italianas no exterior, especificamente em São Paulo- Brasil. Panizzolo examina uma rica variedade de fontes documentais como os relatórios de cônsules, ofícios, despachos, circulares ministeriais e anuário das escolas italianas, além do ‘livro de anotações’, objeto central de sua análise. Mobiliza o corpus conceitual em especial de Chartier e Choppin para definir os procedimentos e as direções de análise, e após detalhado estudo sobre os livros em circulação na Itália e no Brasil, discordando de análises menos aprofundadas, conclui que os livros que foram distribuídos pelo Consulado italiano eram recém-publicados, de expressiva circulação na Itália e muito contribuíram para inventar o italiano na Península e fora dela.

O último artigo do dossiê escrito por Michelina D’Alessio, intitulado Manuais e livros de texto para os professores italianos da emigração no início do novecentos, lança luzes sobre um fenômeno importante para a história da educação, brasileira e italiana, que é a preparação dos professores de emigração, ou seja, aqueles profissionais que pretendiam emigrar além-mar para diversos países, entre os quais o Brasil. A autora faz uso de um corpus documental diversificado que inclui manuais, livros de texto, os quais eram direcionados para esse público de professores emigrantes. A análise efetuada por D’Alessio coloca em cena uma perspectiva pouco explorada ainda dentro da temática da escolarização e/ou educação dos imigrantes italianos que é relativa ao percurso formativo dos professores que emigrariam. Ao longo do texto, na análise dos manuais e livros de texto, a autora observa, também, o papel do Estado italiano nos assuntos referentes a emigração para o exterior. Ainda, a partir do texto é possível compreender a emigração italiana a partir de um ponto de vista transnacional que a coloca dentro de um panorama internacional e interconectado.


Organizadores

Claudia Panizzolo – Universidade Federal de São Paulo (Brasil) https://orcid.org/0000-0003-3693-0165     http://lattes.cnpq.br/7842950333039932 E-mail: [email protected]

Mirian Jorge Warde – Universidade Federal de São Paulo (Brasil) https://orcid.org/0000-0002-1119-6729  http://lattes.cnpq.br/2154986656715564 E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

PANIZZOLO, Claudia; WARDE, Mirian Jorge. Apresentação. Cadernos de História da Educação, v.21, e115, 2022. Acessar publicação original

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Imagens da Infância / Revista Brasileira de História da Educação / 2014

Os autores foram convidados a colaborar com um dossiê em torno de imagens da infância. Traçamos alguns parâmetros comuns, mas longe de definições sobre um único conceito de imagem ou de infância.

Compartilhamos avaliações sobre o andamento dos estudos sociais e históricos da infância; a originalidade das produções recentes em relação às produções vindas dos anos 1980 e 1990, marcadas pelas referências a Ariès e a Foucault; os impasses ou os dilemas da produção dos últimos dez anos no âmbito da Sociologia e da História da infância.

Duas vertentes, ao menos, vêm interpondo dificuldades para o aprofundamento das pesquisas sobre a infância produzidas no Brasil dos últimos anos, no âmbito dos estudos sociológicos e históricos. De um lado, os trabalhos que se autoproclamando pós-coloniais pretendem projetar a criança para além das fronteiras nacionais, a favor do seu cosmopolitismo. É nesses trabalhos que se encontram as teses defensoras tanto da existência de ‘culturas infantis’ autônomas a serem estudadas e protegidas da intervenção e da apropriação adulta como do ‘protagonismo infantil’ que, realizado entre as crianças, protege-as da ‘cultura adulta’, social e historicamente hegemônica.

Não é difícil vislumbrar nessa vertente a tendência regressiva de recuperar um passado idílico no qual a criança, livre da intervenção punitiva do adulto e das suas instituições castradoras, teria vivido a sua plena essência. No limite, portanto, essa vertente vem inviabilizando abordagens sociológicas e históricas da infância.

De outro lado, soma, a favor dessa vertente, a tendência de demonizar toda e qualquer abordagem que esteja inscrita nos campos médico, biológico e, especialmente, no campo psicológico, responsabilizados pelas visões distorcidas que teriam sido produzidas sobre a infância desde fins do século XIX. A visão médica e biológica, que pasteuriza, esteriliza, mede, esquadrinha, normatiza e normaliza a criança e prescreve uma infância. A psicológica, que mede a inteligência, prescreve o desenvolvimento, divide as crianças por idades, por capacidade mental, elabora standards para observar, etapa por etapa, da infância até a adolescência.

Embora essa vertente admita que aqueles discursos científicos e suas derivações tecnológicas, clínicas e pedagógicas tenham produzido as imagens de infância do último século, aqueles discursos são desqualificados e descartados em bloco, sem que sejam diferenciados entre si, examinados e criticados em seus fundamentos, em sua lógica interna e em seu poder de se fazerem hegemônicos.

Com esses parâmetros em mente, compusemos este dossiê, visando contribuir para os estudos sociológicos e históricos da infância, considerando, de um lado, que não basta anunciar a crítica às perspectivas que historicamente vêm naturalizando a infância, assim como não basta imputar responsabilidades, pois é indispensável realizar, de modo competente, a crítica interna para desmontar aquelas perspectivas; de outro lado, não basta anunciar a superioridade das perspectivas sociais ou históricas sem atestá-las como tal.

Trabalham nessa direção os dois artigos de autores estrangeiros e três artigos de autores nacionais. Os dois primeiros artigos operam em sentidos que podem ser considerados como ‘história do presente’ ou como ‘desmontagem de representações históricas’. Nos dois casos, são perspectivas sedimentadas ao longo do tempo que estão sendo abaladas por novas perspectivas – teóricas ou práticas – em crescente expansão em tempos atuais.

O artigo de Nancy Lesko e Stephanie D. McCall, Cérebros cor-derosa e educação: uma análise pós-feminista da neurociência e do neurossexismo, traz à cena um problema de longa tradição no campo da Educação: a apropriação cientificamente descompromissada de resultados de pesquisas desenvolvidas em outros campos científicos, a partir de perspectivas ideológicas ou politicamente comprometidas; no caso por elas examinado, apropriação de resultados da neurociência. Lesko e McCall descrevem algumas imagens de meninas veiculadas na literatura recente que pretendem com elas fundamentar diferenças inatas entre meninas e meninos, mulheres e homens, e assim sustentar a heterossexualidade como natural. As derivações políticas dessas pressuposições são espantosas: alertam-nos, de modo contundente, que nenhuma das conquistas da educação norte-americana progressivista ou da aqui chamada ‘escola nova’ é irreversível. Da mesma forma, cresce nos Estados Unidos a defesa da escolarização doméstica. Ao longo da exposição, as autoras sustentam críticas às teses defensoras do uso seletivo de dados neurocientíficos, mostrando que as pesquisas do cérebro que estabelecem sua distinção por gênero é ‘pseudociência’.

O artigo de Mariano Narodowski examina as transformações ocorridas nos processos de transmissão intergeracional e os impactos que elas produzem na construção das narrativas sobre a infância. No primeiro movimento do artigo, o autor chama Margaret Mead para apoiá-lo na relativização da tese durkheimiana de que a educação é o processo de transmissão cultural da geração mais velha à geração mais nova. Essa relação que vai dos mais velhos aos mais jovens só se daria em algumas circunstâncias históricas. Nas atuais circunstâncias, em que aquela relação vai deixando de ser assimétrica, em que a cultura vai sendo ‘desierarquizada’, jovens e crianças vão ganhando equivalência com os adultos. No segundo movimento do texto, Narodowski trabalha os efeitos da nostalgia produzida pela perda das relações assimétricas adultos-jovens / crianças. O nivelamento dos sujeitos sociais, a perda de hierarquia entre os mais velhos e os mais jovens estaria na base dos clamores nostálgicos pela velha infância (a ‘nostalgia reflexiva’ de Boym). No terceiro e último movimento, com o objetivo de ilustrar a busca simbólica da assimetria perdida, Narodowski traz à cena um capítulo da 23ª temporada da série Os Simpsons. Com essa ilustração, ele dá a ver que, na ‘nostalgia reflexiva’, não se trata da busca de um momento mágico ou mítico da infância nem da restauração de um passado melhor; o que está em jogo, apenas, ‘é a aproximação às vivências infantis que ordenavam a vida de uma maneira estável e previsível’, e que estão agora transformadas.

Em dois artigos, o foco recai sobre a Psicologia e os ramos que têm a criança e a infância como objetos; no conjunto, esses artigos efetuam a crítica tanto do processo de produção como dos processos de difusão e apropriação dos saberes gerados pelo campo psicológico ou pelos seus derivados diretos. A História da educação no Brasil muito se beneficiará desses estudos que fazem a análise interna de ramos psicológicos que moldaram o campo e as imagens de infância com as quais ele opera.

O artigo de Regina Campos, Maria Cristina Gouvea e Paula Cristina Guimarães busca analisar a recepção da obra de Binet e o uso dos testes no Brasil, nas primeiras décadas do século XX. Foram focalizados os autores que, em períodos históricos distintos, produziram críticas ao uso indiscriminado dos testes, ou enfrentaram resistências por parte de autoridades educacionais ao seu uso nas escolas. São eles: Manoel Bomfim, Maria Lacerda de Moura e Helena Antipoff. O objetivo das autoras não é fazer a crítica da obra de Binet, mas, sim, analisar o que denominam ‘as contrafaces da História da Psicometria no Brasil’, conferindo visibilidade às tensões e aos embates no uso dos testes na educação brasileira. Nos resultados apresentados, o artigo evidencia que o fato de a recepção de Binet e dos testes psicométricos no âmbito da educação ter sido crescente e vitoriosa não teria ocorrido sem resistências e reticências, tais como as interpostas pelos três autores destacados. Exame, aliás, destacado pelas autoras como fundamental para que se possa proceder criticamente em face da psicologização do campo pedagógico.

O texto de Mirian J. Warde trata da formação do campo dos estudos da criança nos Estados Unidos – o child study – sob a égide de G. Stanley Hall, nos anos em torno de 1880 a 1910. O artigo centra-se na luta dos discursos que disputavam a legitimidade para falar da criança, dos ‘seus’ adultos e das ‘suas’ instituições, para, assim, falar em seu nome. Aborda um momento importante, no qual a Psicologia está se afirmando como nova ciência e está construindo a sua hegemonia em assuntos pertinentes à criança e suas circunstâncias.

A importância de Stanley Hall na história dos estudos sobre a criança e o adolescente é confirmada pela literatura especializada. Do ponto de vista aqui adotado, o destaque a Hall deve-se, especialmente, ao fato de ter deslocado os parâmetros dos estudos e dos debates sobre a criança, suas relações com a Pedagogia e as reformas escolares, com os professores primários e pais; Hall polemizou em todas as frentes e formou um número vultoso e relevante de acadêmicos e líderes educacionais.

O artigo examina também o fato de Stanley Hall estar à testa de muitas frentes do movimento de institucionalização da Psicologia e da sua afirmação como campo autônomo de estudo; sua relação com a Psicologia não o teria impedido de entender o child study como um campo para o qual confluíam muitas disciplinas centradas em um único tema – a criança – cujos resultados deveriam ser revertidos em favor da Educação. No entanto, ainda que pregasse a favor da conjugação de vários pontos de vista no estudo da criança, Hall contribuiu decisivamente para produzir a hegemonia da Psicologia sobre as demais disciplinas, no que tange aos estudos da criança. O exame de suas iniciativas, portanto, dá a ver as complexas e tortuosas trajetórias percorridas pelo child study das quais resultam hegemonias e subordinações originalmente não planejadas.

Embora não seja seu foco, o artigo de Warde aponta para o peso da religiosidade na trajetória intelectual de Hall enquanto pugnava ferozmente pela subordinação dos estudos da criança, do adolescente e da Educação aos ditames da ciência. O tema, que aqui é apenas tangenciado, é o centro das atenções do artigo de Claudia Panizzolo.

O artigo de Panizzolo examina uma dimensão do projeto civilizatório dos metodistas no Brasil especificamente destinado à conquista, melhor seria dizer, ao amoldamento da alma infantil. Os missionários e educadores norte-americanos que fundaram igrejas e escolas metodistas no Brasil, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX, criaram a Revista Bem-te-vi, destinada às crianças. No artigo, Panizzolo examina a construção e a difusão da imagem de criança impressa nas páginas da Revista e oferece evidências de que o projeto civilizatório dos metodistas, em termos gerais, não colidia com as proposições das lideranças que comandaram a implantação e a consolidação da República no Brasil. No que tange à Educação, a autora aponta que a Revista Bem-te-vi veicula mais um, entre tantos projetos em circulação e em disputa que pretendem civilizar as crianças, e que apresentam em comum a necessidade de moldar a infância para a modernidade. O caminho adotado foi o da centralidade da criança, do respeito às normas higiênicas, da disciplinarização do corpo e da mente das crianças (por meio da civilização de hábitos e condutas), e da valorização do ato de observar na construção do conhecimento das crianças.

Nesse sentido, constata certas convergências entre as idealizações da infância dispostas pelos metodistas e as idealizações liberais e republicanas postas em circulação no mesmo momento histórico.

Que os cinco artigos aqui reunidos contribuam não só para a ampliação das pesquisas sociais e históricas sobre a infância, mas, principalmente, para problematizar perspectivas e fertilizar novos programas investigatórios.

São Paulo, outono de 2013


WARDE, Mirian Jorge; PANIZZOLO, Claudia. Apresentação. Revista Brasileira de História da Educação, Paraná, v.14, n.2, maio / ago., 2014. Acessar publicação original [DR]

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