Património Arquitetónico e arqueológico. Noção e Normas de proteção – LOPES (LH)

LOPES, Flávio. Património Arquitetónico e arqueológico. Noção e Normas de proteção. Lisboa: Caleidoscópio, 2012. Resenha de: VIEIRA, Clara Bracinha. Ler História, n.63, p. 199-203, 2012.

1 A obra consiste numa análise das políticas de salvaguarda do património cultural em Portugal, nos últimos cem anos, através da investigação sobre a legislação aplicável e o conceito de património cultural imóvel.

2 Flávio Lopes é arquiteto e executa, desde há mais de duas décadas, tarefas no âmbito da proteção do património edificado, como técnico no Instituto Português do Património Cultural (IPPC), depois IPPAR e IGESPAR, tendo desempenhado em diversos momentos funções de direção e, assim, acompanhado as mudanças políticas e as consequentes alterações dos conceitos e das prioridades.

3 Na primeira parte da obra, é analisada a evolução histórica do quadro legislativo e dos procedimentos para a conservação dos bens imóveis com valor histórico ou artístico, de 1901 a 2001. Na segunda parte é feito um resumo dos conteúdos da legislação posterior a 2001.

4 Começando pelo Alvará de 20 de agosto de 1721 constata-se a determinação de inventariação e conservação de todos os monumentos antigos que expressam o passado de Portugal.

5 Com a extinção das ordens religiosas em 1834, colocou-se a questão de saber o que fazer com os edifícios notáveis das igrejas e conventos reconhecendo-se a importância da sua conservação. É mencionada a corrente de opinião que levou o Estado a fazer obras de restauro em alguns dos monumentos mais representativos e, em 1880, a constituir a Lista dos Edifícios Monumentais do Reino.

6 Mas é sobretudo sobre o período que decorre de 1901 a 2001 que incide o estudo. Logo em 1901 foi aprovada a orgânica do Conselho dos Monumentos Nacionais a quem competia estudar e propor as medidas de preservação do património monumental, e aprovado o decreto que estabelece os critérios de classificação, assentes em valores históricos, arqueológicos e artísticos. São classificados 454 monumentos nacionais. O mesmo decreto prevê expropriações e o conflito de interesses públicos e privados.

7 Com a República foram mais uma vez extintas ordens religiosas e agudizou-se a urgência de acautelar a preservação do património edificado, sendo nesse contexto criado, em 1911, o Conselho de Arte e Arqueologia que tinha como missão proceder à classificação dos monumentos, bem como propor e apreciar projetos de restauro. É ainda prevista a possibilidade do Estado executar obras nos edifícios classificados de propriedade particular se provada a incapacidade financeira dos seus proprietários para as realizar.

8 A partir de 1919 é ao Ministério da Educação Pública que cabe decidir sobre o património monumental. Em 1924, a Lei n.º 1700 permitiu a intervenção do Estado nos espaços envolventes dos imóveis classificados que deles distassem menos de 50 m, possibilitando o exercício do direito de preferência de compra e a expropriação para a demolição de edifícios, alegando motivos estéticos, de insalubridade ou de enquadramento. A expressão «Imóvel de Interesse Público» passa a ser usada para designar os imóveis com considerável interesse artístico, histórico ou turístico.

9 De 1926 a 1932, três diplomas legais criam a possibilidade de classificação do património arquitetónico e arqueológico em graduações inferiores à de monumento nacional, estabelecem proteção aos bens em vias de classificação e instituem zonas de proteção. Nessas zonas é obrigatório parecer do Conselho Superior de Belas Artes para novas construções ou intervenções no existente.

10 A difusão das teorias de Giovannoni sobre o interesse na proteção
das áreas envolventes dos bens classificados leva à publicação, em 1932, do decreto que aprofunda a noção de proteção da envolvente dos bens classificados e cria a possibilidade de demarcação de áreas vedadas à construção, acautelando o enquadramento urbanístico, artístico e paisagístico.

11 Entretanto, em 1929, depois de uma disputa de poderes entre o ministério que tutelava as obras públicas e o Ministério da Instrução Pública e Belas Artes, é criada a DGEMN, a quem caberá conservar e restaurar o património monumental e elaborar propostas de delimitação de zonas de proteção de monumentos nacionais e de imóveis de interesse público, excluindo os imóveis sob tutela das forças armadas.

12 Em 1936, foi extinto o Conselho Superior de Belas Artes e criada a Junta Nacional de Educação, a quem coube a responsabilidade da proteção de monumentos e na área da arqueologia. A zona de proteção do património arquitetónico era agora entendida como defesa estética. Quanto à proteção dos terrenos envolventes das escavações arqueológicas, foi fundamentada pela necessidade de precaver futuras escavações.

13 Em dezembro de 1940, foi estabelecida uma nova divisão administrativa do país e atribuídas às câmaras municipais competências para as tarefas de preservação, defesa e aproveitamento dos monumentos e da paisagem, e para as apoiar foram criadas as Comissões de Arte e Arqueologia que emitiam pareceres e sugeriam às câmaras municipais o que entendessem conveniente para a preservação dos valores arquitetónicos e valores paisagísticos e para o desenvolvimento turístico.

14 A primeira referência legislativa à classificação de conjuntos classificados foi feita em 1948, com a classificação do aglomerado urbano de Marvão.

15 Em 1949, as câmaras municipais passaram a poder propor a classificação como monumento nacional ou imóvel de interesse público, de elementos ou conjuntos com valor arqueológico, histórico, artístico ou paisagístico que existissem no concelho, promovendo a sua classificação como valor concelhio.

16 Quanto às competências dos responsáveis pelos projetos de novas construções em zonas de proteção de monumentos houve, em 1954, a determinação de serem assinados por arquitetos ou por construtores civis. Mas só em 1988, será atribuída exclusivamente aos arquitetos a responsabilidade de subscrever projetos de arquitetura de obras de recuperação, conservação, adaptação ou alteração dos bens imóveis classificados ou em vias de classificação e das respetivas zonas de proteção.

17 A Junta Nacional de Educação verá as suas atribuições regulamentadas e consolidadas em 1965, em 1970 e em 1971, mas é então criada a Direção-Geral dos Assuntos Culturais, com funções de organização do cadastro dos bens inventariados ou classificados e a defesa e valorização de todos os bens culturais.

18 O conceito de «zona de proteção» vai evoluindo criando-se, para além da que decorre da distância de 50m do monumento, a «zona especial de proteção» que exige reconhecimento de utilidade pública.

19 Entre 1975 e 1980, houve reestruturações orgânicas na área da cultura e o Instituto Português do Património Cultural passou a depender da Secretaria de Estado da Cultura, e a ter como competências planear, promover a pesquisa, proteger e salvaguardar os bens do património cultural e definir diretrizes para a defesa e conservação desse património.

20 Os bens imóveis foram agrupados nas categorias de monumentos, conjuntos e sítios, sob influência da Convenção do Património Mundial Cultural e Natural promovida pela UNESCO em 1972.

21 A Lei n.º13/85, de 6 de julho, foi a primeira Lei de Bases do Património Cultural Português, e traduz as orientações do Conselho da Europa. Os critérios de avaliação são baseados nos valores histórico, arqueológico e artístico, mas são acrescentados os «interesses científico, técnico e social». Surgem ainda critérios complementares como os de integridade, autenticidade e exemplaridade. Há disposições para que se mantenha a relação entre o bem cultural e o local onde foi criado, e de proteção ao enquadramento «orgânico, natural ou construído» dos bens culturais imóveis. É o reconhecimento do valor atribuído ao enquadramento.

22 Por outro lado, os proprietários passaram a poder requerer ao Estado, em defesa dos seus interesses, a expropriação dos seus bens quando se localizassem em zonas de proteção.

23 A noção de «conservação integrada» do património cultural, defendida pela UNESCO que, desde 1975, difundia os conceitos de «salvaguarda dos conjuntos históricos» e de «planos de salvaguarda», bem como a Lei Malraux sobre a salvaguarda de áreas urbanas antigas, vem a traduzir-se numa disposição da Lei n.º 13/85 que determina a elaboração de planos de salvaguarda para as áreas classificadas. Os objetivos e o conteúdo material destes planos não estão ainda definidos nesta lei, ficando dependentes de legislação futura. Teve como consequência a aprovação em 1985 do Programa de Reabilitação Urbana (PRU), alterado em 1988 pelo Programa de Reabilitação de Áreas Degradadas (PRAUD), que financiavam a reabilitação de edifícios em áreas degradadas, e levam à delimitação de áreas de reabilitação urbana e criação de gabinetes técnicos locais (GTL).

24 Na segunda parte da obra, são analisadas as normas e os conceitos desde 2001, ano em que foi publicada uma nova Lei de Bases do Património Cultural, até 2012. Nessa altura, a salvaguarda do património cultural estava sob a responsabilidade do IPPAR e do IPA criado em1997.

25 A Lei n.º 107/2001, ao assentar a proteção do património arquitetónico e arqueológico na classificação e inventariação dos bens, responsabilizou os proprietários e as entidades que os administravam pela sua preservação.

26 Foram ainda redefinidos os critérios de classificação, essencialmente os valores estéticos, os valores religiosos, os valores históricos, os valores da memória coletiva e o interesse científico e é feita a conversão das antigas classificações para as novas designações. Assim, os antigos «valores concelhios» passaram a ser «bens de interesse municipal», as categorias de «conjunto» e «sítio» serão objeto de revisão e as anteriores classificações de bens culturais imóveis e zonas de proteção avaliadas caso a caso. Também os conceitos de «conservação» e «restauro» foram alterados, passando a incorporar a compreensão da obra, o conhecimento da sua história e o seu significado, bem como as ações para garantir a sua preservação, restauro e valorização.

27 Em 2007 com o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE) os dois organismos fundiram-se num único, o Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico (IGESPAR). No mesmo ano foram criadas as Direções Regionais de Cultura do Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

28 Em 2012, o Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), a salvaguarda do património arquitetónico e arqueológico ficou a depender da Direção Geral do Património e das Direções Regionais de Cultura do Norte, Centro, Alentejo e Algarve.

29 A alteração dos conceitos levou à alteração dos critérios de classificação, pelo que a lei da Reabilitação Urbana regulamentou as figuras do Plano de Pormenor de Salvaguarda e do Plano de Pormenor de Reabilitação Urbanapermitindo finalmente a sua concretização, de iniciativa municipal, onde ficarão estabelecidas as hierarquias dos valores e regras de gestão urbana dos conjuntos arquitetónicos. Mas mantém-se o parecer vinculativo do IGESPAR, I.P., sobre projetos ou intervenções em imóveis individualmente classificados de interesse nacional mesmo que inseridos em área abrangida por um plano de pormenor de salvaguarda.

30 Estabelece ainda o mecanismo da venda forçada de imóveis, que obriga os proprietários que não realizem as obras a que foram intimados, à alienação dos bens em hasta pública.

31 O último capítulo trata das normas aplicáveis aos bens classificados como Património Mundial, e também dos conceitos e dos critérios de classificação.

32 Da bibliografia constam autores que vão desde os teóricos da preservação de bens culturais até aos juristas que estudaram ou produziram alguma da legislação referida. Nas últimas páginas figura uma utilíssima listagem da legislação referida ao longo do texto, de 1901 a 2012.

33 Da leitura da obra ressaltam como constantes, a disputa pela tutela do património entre a Educação, a Cultura e as Obras Públicas e entre a administração central e a administração local, as tentativas de sobrepor os interesses do Estado aos interesses dos particulares, a influência da UNESCO e do Conselho da Europa na alteração dos conceitos, e o progressivo alargamento do conceito de imóvel classificado, passando do bem individual para a zona envolvente de proteção do monumento e desta para o conjunto arquitetónico e para a área de reabilitação integrada.

34 Não foi mencionada a legislação que regulamenta a proteção das paisagens como, por exemplo, os planos de ordenamento das áreas protegidas que, de outra forma, tiveram também um papel importante na defesa dos valores da paisagem rural portuguesa. Subjacente à sucessiva redação legislativa está a interação dos atores particulares, investidores, técnicos e construtores, com os poderes públicos da administração local e central, espelhada na constante alteração dos conceitos.

35 Falta a avaliação da eficácia deste corpo legislativo na real proteção do património construído e da paisagem em Portugal.

Clara Bracinha Vieira – Doutoranda em História Moderna e Contemporânea no ISCTE-IUL e investigadora do CEHC-ISCTE-IUL. A sua área de investigação são as técnicas de construção em Lisboa. E-mail: [email protected]

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