Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global | Richard Barbrook

Agraciado com o Prêmio Marshall Macluhan, na categoria “Livro do Ano sobre Ecologia de Mídias 2008”, Futuros Imaginários é resultado de pesquisa documental aliada à recordações de uma experiência pessoal marcante de seu autor, o inglês Richard Barbrook: a Feira Mundial de Nova York de 1964. Embora não seja um historiador de formação, o Doutor em Ciências Políticas e professor de Hipermídia da Faculdade de Ciências Sociais, Humanidades e Letras da Universidade de Westminster, resgatou com competência este importante episódio ocorrido durante sua infância, situado durante os efervescentes anos 1960, época em que ele crescia na cidade que sediou o tal evento. Acrescendo às suas memórias uma cuidadosa pesquisa amparada num conjunto de variadas fontes bibliográficas, que contribuíram para que ele reconstituísse o período compreendido entre 1964 e 1966, quando o tal evento preenchera a agenda cívica norte-americana, para dali extrair reflexões atualizadas acerca dos rumos das sociedades contemporâneas em detrimento da relação de seus sujeitos com as tecnologias que vêm desde então dando o tom de seu desenvolvimento.

Enfocando os desvios das utopias tecnológicas que anunciavam o advento de sociedades futuras baseadas no intenso fluxo de informação, bem como de uma nova economia adequada aos novos paradigmas de um novo contexto global, centrado entre o processo de desenvolvimento de novas linguagens midiáticas e sua aplicação em políticas internacionais de uma nova espécie de imperialismo, diga-se, virtual, o livro posiciona os Estados Unidos, fortalecidos com o fim da Guerra Fria, na vanguarda desta corrida pela liderança tecnocientífica, destacando sua influência sobre o quadro econômico e cultural mundial. Desde aquela época a construção de uma rede de informações, que viria a ser denominada como internet já se apresentava como a meta primordial de uma corrida tecnológica que determinaria as futuras lideranças mundiais merecendo, por isso, total atenção do governo norte-americano.

A obra também apresenta os paradoxos deste país como pioneiro de um suposto comunismo cibernético, ocasionado pelas intenções de implementação de uma ideologia de combate ao socialismo russo, mas que se mostrou substancialmente próximo às ideologias soviéticas que intencionavam combater. Negando o stalinismo, os estadunidenses, como propõe o autor, criaram uma Esquerda da Guerra Fria amparada por teorias marxistas e macluhanistas, que acabaram criando sua própria versão de futuro imaginário socialista. A ideologia americana do consumo, disfarçada em meio à políticas neo-liberais guiadas por profecias de um determinismo tecnológico, que outrora fora responsável pela criação dos futuros imaginários norte-americanos jamais concretizados, estabeleceu um inédito espaço de participação política, demandando novas táticas de ativismo que soubessem explorar as novas linguagens midiáticas. E tudo veio se configurando numa nova e complexa rede de relações sociais que desviou a realidade daquilo que, na Guerra Fria, parecia ser um destino quase certo.

As sociedades contemporâneas desenvolveram-se amparadas sobre três ícones tecnológicos fundamentais, que vieram desde o fim da Segunda Guerra Mundial ditando o curso de seu progresso: energia nuclear, viagens espaciais e os computadores, com a ambição de um dia se chegar à almejada inteligência artificial. Em plena Guerra Fria, os Estados Unidos da década de 1960 preocuparam-se em apresentar ao público as aplicações pacíficas destas tecnologias que alimentavam a indústria bélica. Como constata Richard Barbrook, a Feira Mundial de Nova Iorque de 1964, evento que por dois anos procurou divulgar para os norte-americanos e para todo o mundo que aquele país era o pioneiro nos mais diversos quesitos, científicos, econômicos e sociais, contou com a participação de órgãos governamentais, grupos religiosos e as principais empresas e instituições financeiras estadunidenses, trazendo à cena os computadores da IBM, os reatores nucleares da General Eletric e os foguetes espaciais da NASA, que se destacaram como as principais atrações dentre os 140 pavilhões que compunham o evento, seduzindo toda uma geração de indivíduos ávidos em consumir um futuro tornado produto, sem perder de vista o dever patriótico. Prometiam algumas das principais ideias já apresentadas ao público pela ficção científica – tradicional fonte geradora de futuros imaginários –, como as viagens de turismo espacial, energia farta e barata para todos e robôs inteligentes dentro dos lares e ambientes de trabalho, poupando seus proprietários de riscos e esforços desnecessários.

Tudo isso deveria acontecer, como prometiam os expositores, dentro de duas ou três décadas. Mas apesar dos avanços conquistados nestas três áreas, nenhuma destas metas fora atingida da forma como haviam sido divulgadas. No entanto, cumpriram os seus papéis naquele momento, que eram o de convencer os cidadãos quanto a importância do desenvolvimento de tais tecnologias para que estes dessem seu apoio coletivo incondicional a tais empreendimentos, ao custo de que mantivessem sua posição privilegiada no cenário mundial. Este apoio não viria enquanto a população estivesse aterrorizada pela possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial, afinal, as consequências dos conflitos mundiais anteriores se faziam ainda presentes. Era necessário inverter as imagens que pululavam no imaginário daquela geração, que testemunhara os ataques nucleares ao Japão, para que enxergassem que os

[…] reatores nucleares eram geradores de eletricidade barata, e não fábricas de bombas atômicas. Foguetes eram construídos para levar heróicos astronautas para o espaço, não lançar ogivas nucleares em cidades russas. No momento em que eram colocados em exibição pública, quase todas as pistas de suas origens militares desapareciam.[1]

As revoluções tecnológicas do pós-Segunda Guerra, que vieram na forma dos reatores nucleares, foguetes espaciais, satélites e computadores não trouxeram a revolução social que o projeto iluminista incumbira-se de promover. Segundo Barbrook, a invasão da tecnologia nesta segunda metade do século XX, sobretudo sob a forma dos computadores, para dentro dos locais de trabalho criou uma competição desigual entre o trabalhador comum, assalariado, e uma nova força informacional de trabalho, que concentrava em si o controle sobre todo o ritmo de produção, sem exigir direitos ou, sequer, remuneração: as máquinas pensantes. Embora a inteligência artificial ainda esteja restrita ao campo de temas da ficção científica, os softwares de gerenciamento adotados pelas empresas, como ferramenta de controle da produção, são um fato.

Ele ainda lembra que a fabricante de computadores IBM veio desde o final da Segunda Guerra Mundial promovendo […] a fantasia ficcional das máquinas pensantes (mas), […] ironicamente, a fantasia otimista dos gurus dos computadores dos anos de 1960 confirmou o pesadelo dos escritores de ficção cientifica dos anos 1930: a inteligência artificial era o inimigo da humanidade.[2]

A inclusão progressiva de todos, a partir do desenvolvimento tecnocientífico, fora uma meta não alcançada pelas sociedades modernas, que apenas viu ampliarem-se as disparidades sociais. Atento a este contra-senso, Barbrook pretendeu apontar as contradições de uma sociedade cujo desenvolvimento tecnocientífico se mostrou proporcional aos seus desavanços sociais. As tecnologias originalmente idealizadas para servir ao homem mostraram, a partir dos anos 1940, sua outra face: “ao invés de criar mais tempo de lazer e melhorar os padrões de vida, a informatização da economia sob o fordismo aumentaria o desemprego e cortaria os salários”[3], tornando o homem uma força de trabalho cada vez mais dispensável, pois que, como enfatiza o autor, “a nova tecnologia era um servo dos chefes, não dos trabalhadores.”[4]

A cada página, Barbrook conduz o leitor à constatação de que embora, em parte, os referidos ícones tecnológicos mais influentes da segunda metade do século XX, acima citados, passassem gradualmente a dividir o espaço com novas tecnologias, notadamente voltadas aos campos da comunicação e da informática, as últimas quatro décadas prosseguiram perpetuando a avidez desta sociedade pela tecnologia aplicada ao cotidiano, marcando esta etapa atual da história como uma era da informação. As transformações sociais compreendidas nesse período são na obra apontadas como consequentes desta nova relação homem-tecnologia que se desenvolveu com esta geração, da qual o autor faz parte, fortemente influenciada pelo contexto da Guerra Fria, mas que vira esta meta nacional de manutenção de sua hegemonia esvair-se dentro de um novo e amplo cenário mundial que convencionou-se chamar, erroneamente na opinião de Barbrook, de Aldeia Global, sem negar a permanência das aspirações pelos avanços técnicos que continuam guiando o curso progressista das sociedades contemporâneas ao redor do globo.

Ao final da leitura, oferece-se um item chamado Tradução em Imagens que é uma compilação de ilustrações produzidas pelo artista plástico inglês Alex Vennes. Ordenadas em sequência e acompanhadas de título e legendas, propiciam uma leitura imagética da obra complementando as questões discutidas. A edição brasileira também conta com ilustrações de Lúcio de Araújo e Cláudia Washington, que antecedem cada um dos quinze capítulos que compõem o livro, totalizando 447 páginas entre o prefácio, assinado por Wanderlynne Selva, uma introdução à edição brasileira redigida pelo próprio Barbrook e as referências bibliográficas.

Cabe também lembrar que esta adaptação para o português de Imaginary Futures é resultante de um esforço conjunto entre seu autor, que doou a propriedade intelectual de sua obra para a tradução e subsequente lançamento em língua portuguesa e os pesquisadores e colaboradores do DES).(CENTRO, que, desde 2002, realizam por todo o Brasil projetos de pesquisa e eventos voltados às discussões acerca das novas tecnologias de mídia e seu impacto sobre as sociedades contemporâneas. Futuros Imaginários constitui-se numa enriquecedora referência aos estudiosos com interesse nas relações entre história, mídias e contemporaneidade fornecendo, a partir das “profecias novaiorquinas” não cumpridas, uma base de elementos de apoio a uma leitura do contexto atual, que nos auxiliam no entendimento dos processos engendrados num dado presente que nos conduzem a este ou aquele futuro.

Notas

1 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 68.

2 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 100 e 102.

3 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 94.

4 BARBROOK, op. cit., 2009, p. 96.

Luiz Aloysio Rangel – Graduado e mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Desenvolve pesquisa sobre temporalidades e representações urbanas na produção cinematográfica, com foco nas relações entre humanidades e tecnologias e fenômenos da contemporaneidade. Atua como pesquisador do Arquivo Estado.


BARBROOK, Richard. Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo: Peirópolis, 2009. Resenha de: RANGEL, Luiz Aloysio. As profecias nova-iorquinas não cumpridas. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.6, p. 373-380, jan./jun. 2011. Acessar publicação original [DR]

Desenvolvimento, justiça e meio ambiente | José Augusto de Pádua

O livro Desenvolvimento, justiça e meio ambiente, concebido sob a orientação de Eliezer Batista e do professor Ignacy Sachs, é parte da coleção Humanitas, da Editora UFMG, e foi organizado por José Augusto Pádua, doutor em Ciências Políticas pelo Iuperj e professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde coordena o Laboratório de História e Ecologia. Pádua é ainda autor de O que é ecologia e Ecologia política no Brasil, e de vários artigos em livros, periódicos científicos, revistas e jornais publicados no Brasil e no exterior.

O livro reúne dez artigos de autores de diversas áreas do conhecimento – Economia, Direito, Arquitetura, Pedagogia, Relações Internacionais, Filosofia e Ciências Políticas. Entre os autores, há professores universitários, gestores públicos e diplomatas, além de uma promotora de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e um ativista, sócios do Instituto Socioambiental (ISA). A variedade de perspectivas se adéqua bem ao eixo central do livro – desenvolvimento e sustentabilidade social e ambiental –, que convida a um olhar trans, multi e interdisciplinar e interessa ao conjunto da sociedade, não apenas a uma ou outra especialidade. Esse olhar se reflete no estilo dos artigos, que podem ser compreendidos por qualquer leitor leigo. Leia Mais