Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo | Cristina Nilmara Perissini

A presente resenha se faz pertinente porque através dela coloco algumas preocupações referentes às normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), citações de fontes e revisão textual. Questões que ficaram evidentes na obra “A História da Panificação em São Paulo”, da autora Nilmara Cristina Perissini.

Com o livro em mãos, tive o primeiro contato com o resumo do currículo da autora, que é formada em História pela UNORP (Centro Universitário do Norte Paulista), e também autora dos seguintes livros: “Do Trigo ao Pão Sem Complicação”, lançado em 2003, e “Palestra Esporte e Clube. Histórias e Memórias”, lançado em 2000. É também responsável pelo Memorial da Panificação de São Paulo desde 1995. Além disso, vem de uma grande família de padeiros. A referida obra eleita para resenha possui dez capítulos e cento e setenta páginas, onde são narrados os principais acontecimentos que envolveram um dos mais antigos alimentos: o pão.

As padarias foram e são ao mesmo tempo um misto de comércio e indústria, e enfrentaram durante as décadas de 10 e 20 a concorrência de outros comércios, como os “quiósques”, que se dispunham a vender pão ao meio de moscas, bebidas alcoólicas, café, leite, cigarros de palha, fumo de corda, biscoitos, balas, jornais, bilhetes de loteria, graxas, cordas para sapateiros, entre outras mercadorias, que prejudicavam o aroma, o sabor e a higiene do pão. Estas e outras questões fizeram com que um grupo de panificadores liderados por Carlos C. Calia, Manuel R. Ladeira e Bignardi Albano fundassem a União Cooperativa dos Proprietários de Padarias de São Paulo, em 11 de fevereiro de 1915, e mais tarde, em 6 de junho de 1935, o Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria.

Essas organizações foram bastante importantes, pois defendiam a classe patronal dos panificadores, assim como também organizavam as relações com os padeiros. A maioria dos panificadores era de italianos, portugueses e espanhóis. Essa pequena diversidade de nacionalidades resultava também em uma diversificação na fabricação de pães.

As padarias das famílias italianas e espanholas faziam pães que pesavam entre um a dois quilos, e eram conhecidos como filões, roscas ou panholas.

Esses pães foram chamados de caseiros, pois eram feitos com fermentação natural, o que os tornava mais saborosos no dia seguinte. A maioria dos fregueses adquiria pão para dois ou três dias, permitindo assim que a padaria pudesse ficar fechada um dia por semana, oferecendo descanso semanal aos empregados, uma polêmica discussão sobre os direitos trabalhistas de padeiros e de funcionários ligados ao ramo panaderil.

O final da década de 20 e início da década de 30 marcou a presença das padarias chamadas “francezas”, que eram comandadas por portugueses.

Essa denominação estava relacionada à fabricação de pães que utilizavam o fermento biológico, esse derivado da cana de açúcar e do amido extraído da mandioca. Esse sistema de trabalho para a produção de pães permitiu aos padeiros fabricarem várias fornadas diárias, com pão quente toda hora.

Essa forma portuguesa de trabalhar inovou o modo de administrar as padarias, que a partir de então poderiam revezar os funcionários em turnos de trabalho, e garantia o funcionamento sete dias por semana à disposição do freguês, 20 horas por dia aproximadamente.

Havia também já no início do século XX as confeitarias de luxo, que se localizavam no Largo do Rosário e na Rua XV de Novembro. Temos como exemplo desse período a Confeitaria Castelões, que ficava aberta até às dez horas da noite. Outras de destaque foram a Fasoli, a Nagel, a Brassiere e Progredior, todas localizadas na rua XV de Novembro. Algumas delas como a Fasoli tinham até apresentação de orquestra.

A presente obra traz uma imensa contribuição para a área de humanas, sobretudo aos historiadores. Foi de suma importância a leitura deste livro para a pesquisa, e continua a ser relevante e pertinente às discussões no Núcleo de Estudos da História Social da Cidade – NEHSC – da PUC-SP, pois Nilmara consegue dar um panorama sobre tão importante tema, ainda mais quando traz à tona os problemas da história da panificação em São Paulo.

Isso posto, o motivo dessa resenha é chamar a atenção para as lacunas deixadas na obra que, sem dúvida, é de suma importância.

De início, algo chamou a atenção quando a autora narra sobre a alimentação portuguesa na ocasião do “descobrimento” do Brasil. Segundo a sua narrativa, houve um choque de paladar entre a base alimentar estruturada no pão, vinho e azeite, e os novos alimentos e sabores da culinária indígena, em que o consumo de mandioca e seus derivados, como a farinha, predominaram sobre a farinha de trigo.

Nessa discussão, a autora cita uma frase de José de Anchieta no século XVI: “Já deu trigo mas não o querem… Apenas semearam alguns grãos para hóstias e bolinhos…”

A citação acima não é devidamente indicada na presente obra resenhada. De onde foi tirada? De um livro? De uma carta? De um jornal? A dúvida sobre a fonte ficou eloqüente. A referida citação encontra-se na obra de Ernani Silva Bruno (1984, p. 33).

Nilmara continua a narrar sobre essa relação do homem com o pão, a escassez do trigo e hábitos alimentares. Assim, aponta que por volta de 1616, a Câmara Municipal de São Paulo registrou em suas Atas diversos pedidos de licenças para a instalação de moinhos. Mas também a autora não indica a localização das referidas atas [1], como também não indica a fonte documental sobre o trabalho feminino das chamadas padeiras, as quais era permitido fabricarem e venderem pães.

Mais adiante, a autora afirma que nos meados do século XIX, a sociedade paulistana estava influenciada pela presença dos imigrantes italianos na fabricação do pão de trigo. Com as famílias desses imigrantes surgiram as padarias italianas, como a Padaria Santa Tereza, fundada em 1872 e instalada na rua Santa Tereza, próxima à Praça da Sé; a Padaria Ayrosa, fundada em 1888, no Largo do Paissandu; a Padaria Popular, fundada em 1890, da família Di Cunto, na Rua Visconde de Parnaíba.

Após breve citação dos logradouros panaderis, a historiadora apresenta um depoimento oral do Senhor Alfredo Di Cunto, mas também não esclarece a fonte da entrevista. Algumas indagações surgiram: quando foi realizada a entrevista? Quem o entrevistou? A entrevista foi publicada na íntegra? O que foi perguntado ao Senhor Alfredo? Qual a importância desse cidadão no processo de panificação de São Paulo? O documento se perde por não ser devidamente apresentado.

Após esses e outros dados narrativos, o livro segue com um caderno de seis fotos, respectivamente: a Padaria Franceza; a Santa Tereza; a Nova Padaria Franceza; a Confeitaria da Sé; a Padaria União Brasileira; e a carrocinha de entrega de pão. Nenhuma das fotografias possui indicativo de arquivo, se este é público ou particular, e as datas das respectivas imagens são incertas. Por exemplo: por volta de 1900; por volta de 1910; entre outras questões lacunares sobre o trabalho com iconografia.

As atividades do ramo panaderil envolviam muitas questões a serem resolvidas e muitos problemas a serem enfrentados, desde a relação com a exportação do trigo quanto ao preço e venda do pão.

Com essa discussão, a autora cita um documento que se refere à Alimentação da Classe Obreira de São Paulo. Também não se sabe se é um livro, uma Tese, uma Dissertação, ou outro tipo de fonte documental, nem tão pouco a data e o local de publicação.

São inúmeras as citações de livros, Atas, depoimentos orais, revistas, jornais, relatórios de congressos e cartazes de cursos de panificação que não apresentam indicação de fontes, e o que existe de indicação está fora dos padrões da ABNT.

A autora não apresenta Bibliografia no final do livro, como também organização dos documentos utilizados como fontes. Alguns poemas e crônicas que foram utilizados também não estão devidamente apresentados. Vale ressaltar que a documentação eleita pela autora é variada e rica.

Outra questão que está em evidência é a falta de revisão textual, onde o revisor com o olhar atento deve corrigir os erros de digitação e impressão gráfica.

Ocorre que os historiadores têm uma responsabilidade muito grande com a transmissão da História, seja pelo ensino e/ou pela pesquisa, como também com os resultados obtidos por este ofício, expressos em artigos, resenhas, Teses, Dissertações, livros, comunicações, palestras, aulas, oficinas entre outros. Deve-se pensar como contribuir com qualidade e de forma diferenciada para a produção do conhecimento.

Sem dúvida, Nilmara Cristina Perissini tem dado grandes contribuições à historiografia, e com respeito e admiração pela colega de oficio, ouso resenhar a sua obra de forma crítica, pois a mesma trouxe-me preocupação com a referida documentação apresentada de forma lacunar e, por isso, não pude saborear melhor o saber sobre a história de um dos alimentos mais antigos do mundo, o pão!

Nota

1 As referidas atas encontram-se no Arquivo Municipal Washington Luiz, localizado na cidade de São Paulo, local por mim pesquisado recentemente.

Referência

BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo: arraial de sertanistas (1554-1828). São Paulo: Hucitec, 1984. v. 1.

Márcia Barros Valdívia – Professora Doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Integra o Núcleo de Estudos da História Social da cidade – NEHSC – da PUC-SP. Atualmente desenvolve projetos de pesquisa junto ao NEHSC, entre eles “Padeiros Portugueses em São Paulo”, “Padarias na Cidade de São Paulo”, “Cantinas Portuguesas e a Cidade de São Paulo” e “História da Vila Madalena.


PERISSINI, Cristina Nilmara. Da União à Fundação. A História da Panificação em São Paulo. São José do Rio Preto: Mundial, 2005. Resenha de: VALDÍVIA, Márcia Barros. Para escrever e fazer pães: a necessidade da técnica e do método. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade. São Paulo, n.2, 2009. Acessar publicação original [DR]