El Imperio Luso-Español y la Persia Safávida. Tomo I: 1582-1605 – FERNÁNDEZ (LH)

FERNÁNDEZ, Luis Gil. El Imperio Luso-Español y la Persia Safávida. Tomo I: 1582-1605. Madrid: Fundación Universitaria Española, 2006. Resenha de: BORGES, Graça Almeida. Ler História, n.57, p. 153-156, n. 57, 2009.

1 Luis Gil Fernández, Professor Emérito da Universidade Complutense de Madrid, tem centrado a maior parte da sua obra no domínio da Filologia Clássica, mas este livro não é o primeiro contributo do autor para o desenvolvimento das matérias de que se ocupa1, e sobre a sua qualidade bastará dizer que foi distinguido em 2007 com o Prémio Nacional de História de Espanha, atribuído pelo Ministério da Cultura daquele país.

2 As relações entre a Europa e a Pérsia Sefévida nos séculos XVI e XVII têm sido, na última década, alvo de um crescente interesse por parte da comunidade académica. Parte da literatura produzida tem-se ocupado das relações diplomáticas, e particularmente daquelas que adquiriram maior intensidade, ou seja, as que se desenvolveram entre a Monarquia Sefévida e a Coroa dos Habsburgos espanhóis. O que não é de estranhar, visto que, do lado persa, a maior abertura ao ocidente europeu se verificou precisamente no período em que Portugal, a principal potência europeia então instalada em Ormuz e no Golfo Pérsico, se encontrava integrado na Monarquia hispânica dos Habsburgos.

3A obra aqui em apreço – El Império Luso-Español y la Persia Safávida – vem assim juntar-se a outros trabalhos recentes, assinados por Rudi Matthee, Willem Floor ou Rui Loureiro. Rudi Matthee enquadrou a necessidade de encontrar parceiros europeus no quadro da política económica do Xá Abbas I (r. 1587-1629)2. Willem Floor, num trabalho sobre a história política e económica de cinco importantes portos do Golfo Pérsico – Ormuz, Baçorá, Bandar-Abbas, Mascate e Bandar-e Kong – durante o período sefévida, onde reserva especial atenção para a influência europeia na região, dá relevo às principais aproximações diplomáticas entre a Pérsia e a Europa3. Rui Loureiro, por sua vez, tem dedicado os seus últimos trabalhos tanto a Ormuz como a alguns intermediários na diplomacia entre os dois reinos, como Don García da Silva y Figueroa e Frei António de Gouveia4.

4É também um pouco de cada um destes tópicos que Luis Gil procura desenvolver nos cinco capítulos em que se divide este seu último livro. Não há, contudo, um fio condutor explícito a ligar os vários capítulos. Se nos dois primeiros, mais gerais, o autor procura contextualizar a aproximação diplomática entre a Coroa Ibérica e a Pérsia Sefévida, nos restantes reserva maior atenção para os pormenores das embaixadas trocadas entre os dois reinos, nas suas principais motivações, nas particularidades dos seus embaixadores, nas vicissitudes das suas aventuras diplomáticas e nos resultados, positivos ou negativos, conseguidos junto de ambos os soberanos.

5A obra ressente-se, aliás, da falta de uma introdução, que teria sido importante não só para o autor esclarecer o modo como estruturou este livro e os seus presumíveis sucedâneos (já que este se apresenta como o vol. I), mas também para situar o leitor nos pressupostos problemáticos e nas ideias principais em que assenta este trabalho.

6Apesar de a escolha deste período específico (1582-1605) carecer de uma fundamentação explícita por parte do autor, é inegável que Luis Gil escolheu um período-chave, uma época em que o relacionamento entre persas e ibéricos ganha uma nova intensidade, marcada inicialmente por interesses comuns que se foram gradualmente dissipando com o desenrolar do primeiro quartel do século XVII. O autor inicia a baliza temporal deste primeiro tomo em 1582, ano que aponta equivocadamente para as Cortes de Tomar (p. 25), quando as coroas de Portugal e Espanha se unem sob o reinado de Filipe II5, monarca que daria um novo impulso à diplomacia entre a Coroa Ibérica e a Pérsia. É necessário ter em conta que esta é a primeira parte de uma obra constituída por dois volumes, terminando o segundo (ainda sem data de publicação anunciada) com a expulsão dos portugueses de Ormuz pelos persas, em 1622, auxiliados por ingleses e holandeses, inimigos dos Habsburgos na Europa e no ultramar, pelo que a data escolhida pelo autor para fechar este primeiro tomo não parece ter especial relevância.

7A maior intensidade de relações com a Coroa Filipina está em larga parte relacionada com o controlo que os portugueses mantinham sobre Ormuz. Ormuz constituía o elo de ligação mais forte entre estas duas potências geograficamente tão afastadas e a presença portuguesa na região desde o início do século XVI permitia um conhecimento bastante profundo daquela potência do Médio Oriente, o que, por si só, em muito facilitava a diplomacia. Luis Gil demonstra bem a importância da presença portuguesa no Golfo Pérsico para as relações entre os dois reinos ao dedicar-lhe o primeiro capítulo deste livro, que se concentra particularmente na situação instável de Ormuz em finais de Quinhentos, dando a pequena ilha o mote para uma boa parte dos diálogos diplomáticos entre ambos os soberanos.

😯 intervalo em análise diz respeito a um momento da governação sefévida em que o seu líder, o Xá Abbas I, o Grande, procurava alianças no outro lado das fronteiras do tradicional inimigo turco, ou seja, na Europa em geral. Se é verdade que Ormuz figurava invariavelmente nos argumentos do Império luso-espanhol e da Monarquia Sefévida para uma aproximação recíproca, também é evidente que a ambos movia o interesse comum de ver o poder turco reduzido. No seu segundo capítulo, Luis Gil demonstra como o rei espanhol, sendo um dos soberanos cristãos mais poderosos da Europa, com ambições hegemónicas tanto no continente como no Mediterrâneo, e tendo consequentemente no Império Otomano um dos seus principais inimigos, cedo se apercebeu de como tal inimizade comum daria uma força substancial aos seus argumentos diplomáticos no trato com a Pérsia. Do mesmo modo, também os soberanos sefévidas se serviriam da ameaça turca para aliciar os soberanos cristãos a unir esforços aos seus.

9O autor vai enquadrar os interesses de Filipe II dentro de uma preocupação mais geral que envolvia toda a Europa, precisamente a de minimizar o assédio turco constante nas suas fronteiras orientais e no Mediterrâneo. Dedica especial atenção às principais iniciativas conjuntas levadas a cabo a partir da sexta década de Quinhentos pelos governantes europeus, entre os quais se contavam sempre o Papa, o Imperador Habsburgo e o soberano espanhol, além de outros, entre os quais os monarcas portugueses, nomeadamente D. Sebastião.

10Os três últimos capítulos do livro em análise são essencialmente descritivos. Não se pode dizer que o autor sustente a sua obra numa tese, mas sim nalgumas ideias fortes que procura realçar no decorrer do livro, nomeadamente os motivos que suportavam cada empreendimento diplomático: a concertação de esforços contra o inimigo otomano; as relações comerciais entre a Pérsia e a Europa, particularmente no que dizia respeito ao comércio da seda; a salvaguarda do domínio português sobre Ormuz e sua presença no Golfo Pérsico; o desvio da seda persa por Ormuz em detrimento da rota do Levante; e a missionação religiosa na Pérsia.

11Dando sempre particular relevo à correspondência que as diferentes embaixadas e os seus representantes faziam correr entre o Xá e os soberanos habsburgos, nestes três últimos capítulos Luis Gil segue de perto as movimentações destes emissários em toda a Europa. Com uma base documental extremamente rica, o autor consegue desenhar (quase) todo o percurso diplomático dos principais agentes nas relações entre os dois reinos (maxime Sir Anthony Sherley e Frei António de Gouveia), salientando constantemente as suas ambiguidades, entendimentos, desavenças, sortes e azares, e demonstrando um interesse particular no cerimonial inerente a cada embaixada. Para tal, o autor levou a cabo um intensivo trabalho de investigação, baseando-se num considerável número de fontes primárias, algumas delas desconhecidas. O recurso a relatos de viagem e memórias, bem como às cartas intensivamente trocadas entre os emissários diplomáticos, o soberano espanhol e os seus representantes na Europa, e o próprio Xá, provou-se muito enriquecedor para a obra. Esta é, aliás, uma das principais contribuições do trabalho de Luis Gil, que o completou com o recurso a uma consistente bibliografia, a qual pecará apenas por não ser um pouco mais actualizada.

12Em resumo, o contributo deste livro para o desenvolvimento da matéria tratada é notável, uma vez que nos traz informação fresca, principalmente no que diz respeito aos pormenores das embaixadas trocadas entre a Coroa Filipina e a Pérsia Sefévida. Este é, no entanto, um tema que continua ainda a carecer de maior aprofundamento historiográfico. E, uma vez que esta se apresenta como a primeira parte de uma obra mais vasta, é o que se espera do próximo volume que Luis Gil Fernández vier a dedicar ao tema.

Notas

1 Do autor, ver também: «Sobre el trasfondo de la embajada del shah Abbas I a los príncipes cristiano (…)

2 Rudi Matthee, The Politics of Trade in Safavid Iran: Silk for Silver, 1600-1730, Cambridge: Cambrid (…)

3 Willem Floor, The Persian Gulf: A Political and Economic History of Five Port Cities, 1500-1730, Wa (…)

4 Rui Loureiro, Ormuz: 1507-1622. Conquista e Perda, Lisboa, Tribuna da História, 2007; «After the Fa (…)

5 Recorde-se que as Cortes de Tomar tiveram lugar em 1581.

Graça Almeida Borges – CEHCP-ISCTE-IUL

Consultar a publicação original