Redes de produção e circulação da música popular nas Américas do Século XX / Tempo e Argumento / 2017

O Dossiê Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX: apresentação O dossiê intitulado “Redes de produção e circulação da música popular nas Américas no século XX” tem em si uma provocação acerca da importância desta forma de manifestação artística e cultural no desenvolvimento histórico do continente e seus reflexos em outras regiões planetárias no ambiente de interação.

A ideia da circulação de pessoas e música não surgiu, obviamente, no século XX e XXI, porém teve como diferencial, neste período, o surgimento dos meios massivos de captação, divulgação e comercialização dos sons, definindo modelos de formação nacional associados ao desenvolvimento da indústria cultural no capitalismo vigente.

A noção de rede – estruturas de sociabilidade – esteve presente na elaboração de diferentes circuitos e cenas musicais que, muitas vezes, extrapolaram os lugares de origem, atravessando limites regionais, nacionais e oceanos, a exemplo do Atlântico.

Difícil conter dentro das fronteiras os modelos e representações fragilmente construídos pelos perfis nacionalistas, especialmente a partir do embate de tradições de distintos grupos humanos que buscavam sua identificação e pertencimento nos mesmos espaços ocupados. O ideal romântico do popular, que inspirou boa parte desta definição por diferentes países nas primeiras décadas do século XX, principalmente embalados pelas canções gravadas da nascente indústria fonográfica, foi pouco a pouco se diluindo. Diante do contínuo movimento identificado nas diásporas, multiplicavam-se também os bens culturais comercializados como efeito e fenômeno decorrente da falência e construção dos modelos de representação que não mais atendiam às necessidades do capitalismo em expansão. A modernidade líquida já instalada em suas dimensões.

“Acordes d’Álem Mar – Memórias das Bandas Filarmônicas Portuguesas nas Américas”, como o título já evoca, aponta para a diáspora lusitana e a disseminação, nas Américas, das bandas filarmônicas dentro dos moldes existentes em Portugal e sua importância como elo agregador, constructo identitário para os imigrantes . Sob oposto viés investigativo, “Xô, fado! Nacionalismo e antilusitanismo na terra do samba” aborda a hostilidade à presença portuguesa em território brasileiro, associada à propagação do fado em contraposição ao samba, como indicativo de portugalidade e brasilidade, respectivamente.

As disputas envolvendo o samba como identidade nacional ganham novo fôlego em “Afinidades eletivas: a Funarte e o samba carioca como patrimônio da cultura nacional”. O artigo inventaria e analisa a vasta rede de sociabilidade composta por jornalistas, músicos e produtores culturais que, ocupando lugares de poder nos meios de comunicação e em instituições públicas, negociam com política cultural do regime militar, nos anos de 1970 e 1980, a monumentalização de artistas e repertórios do universo musical do Rio de Janeiro como patrimônio da cultura nacional. O embate acerca dos repertórios eleitos como representação de brasilidade evidencia-se em “Nas asas da Varig e da Panair: o Conjunto Farroupilha e o espalhamento da música popular brasileira e gaúcha nos anos 50 e 60 do século XX”, ao analisar as tensões que permeiam a inserção nacional e a projeção internacional da música dita regional.

A configuração local na construção histórica da identidade também é o cerne do artigo “Música, metáforas e lugar: Os sons do Rio da Prata”, especialmente destacando os trânsitos entre países como Uruguai e Argentina, no período pós-ditadura militar, definindo formas poéticas e musicais específicas. Finalizando o dossiê, no rastro da articulação dos grupos que incluem e excluem repertórios, legitimando ideologias hegemônicas e contra-hegemônicas, “Ayudar a aquellos artistas que transformaron la canción en un arma de lucha”: o papel das Juventudes Comunistas na difusão da Nova Canção Chilena (1968-1973)”, enfoca as políticas culturais partidárias voltadas ao movimento, explicitando seu papel na construção de redes de sociabilidade dentro e fora do país.

Acrescentando-se ao conjunto de textos reunidos, vale também destacar a realização da entrevista feita pela etnomusicóloga Susana Sardo ao Colecionador José Moças, tematizada pela formação da Coleção de discos 78 rpm (1900-1950), sediada no Acervo que leva seu nome e encontra-se sob a guarda da Universidade de Aveiro / Portugal.

Aos autores, entrevistadora e entrevistado, agradecemos a contribuição que ora divulgamos. Aos leitores, desejamos que desfrutem dos escritos que provocam uma estendida compreensão sobre a produção e circulação da música e os efeitos que suscita, considerando sua historicidade e espaço de enunciação.

Márcia Ramos de Oliveira

Tânia Costa Garcia

(Organizadoras)


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; GARCIA, Tânia Costa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.9, n.22, 2017. Acessar publicação original [DR]

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