Protestantismo e regime militar no Brasil: Perspectias / Mnemosine Revista / 2014

Com este Número Especial a Mnemosine Revista inaugura um novo estágio em sua trajetória e sua linha editorial. Por decisão do seu Conselho Editorial e do Programa de Pós-Graduação em História, além dos seus dois números regulares anuais, serão publicados números especiais a cada ano.

Também a um fato distintivo neste número considerando, sobretudo, que a Revista prioriza textos inéditos em suas edições. Este Número Especial variou este escopo, admitindo a inserção de textos já trazidos a comunidade científica. Este fato decorreu de uma intenção específica que foi reunir em um único lugar discussões sobre o tema das relações entre o protestantismo e o Regime Militar no Brasil, com vistas a indicar a trajetória das discussões sobre tal objeto nos últimos dez anos, e acompanhar sua evolução ou eventual involução. Na verdade, o volume seria maior incluindo trabalhos pioneiros e textos publicados no exterior, mas não foi possível este intento.

Os estudos sobre a inserção do protestantismo brasileiro têm ganhado maior intensidade a partir dos anos 80. Mas a questão política não ganhou um espetro satisfatório, sobretudo, pelo fato que aas instituições religiosas tendem a restringir o acesso a documentos que, a seu juízo, possa comprometê-la. Neste particular, foram rarefeitos os estudos sobre as obscuras relações do protestantismo com o regime militar, que somente em anos mais recentes têm sido objeto de análises mais substantivas.

Assim, quase todos os textos apresentados tratam das expressões e relações do protestantismo com o Golpe Militar a partir das principais denominações religiosas, as mais antigas no Brasil, que são, em geral, reunidas sobre a tipologia de protestantismo de missão, ou, equivocadamente, protestantismo histórico, equivocadamente uma vez que todos os grupos são históricos. A exceção deste tratamento, aparece no texto trincheiras da verdade: o fundamentalismo evangélico e a ditadura militar brasileira, de Lyndon de Araújo Santos e Adroaldo José Silva Almeida, que discutem as relações protestantismo-golpe da perspectiva do fundamentalismo religioso.

O professor Vasni de Almeida, trata do ambiente metodista, e analisando “o silêncio, a defesa da ordem, a denúncia das injustiças sociais e a defesa da democracia”, demonstra como a problemática que levou a crise política e a instituição do estado militar, esteve na ordem do dia das discussões naquele grupo religioso.

Três trabalhos versam sobre a Igreja presbiteriana do Brasil IPB apoia a gloriosa revolução, de Silas Luiz de Souza, Poder e memória: o autoritarismo na igreja presbiteriana do Brasil no período da ditadura civil-militar pós 1964, de Valdir Gonzalez Paixão Junior, e Diálogos entre religião e política: discursos e práticas da Igreja Presbiteriana do Brasil (1962-1969), de Márcio Ananias Ferreira Vilela. De perspectivas diferenciadas os trabalhos tratam do apoio político material e simbólico oferecido pelos presbiterianos ao estado de autoritário, e o reflexo do modelo de autoritarismo militar instituído como modelo de gestão institucional na Igreja Presbiteriana do Brasil.

Outros três trabalhos remetem a tradição batista, Na antecâmara do Golpe. O Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil, 1963, de João Marcos Leitão Santos, Os batistas e o governo militar: Deus salve a pátria, da professora Elizete da Silva e “O comunismo é o ópio do povo”: representações dos batistas sobre o comunismo, o ecumenismo e o governo militar na Bahia (1963 – 1975) de Luciane Silva de Almeida.

O primeiro trabalho é uma análise do Manifesto da Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, demonstrando como, apesar de retoricamente infenso a militância política, os batistas, pelos seus ministros, apresentaram um texto destoante com o tradicionalismo político que marca o protestantismo no Brasil, surpreendendo a comunidade evangélica, e conseguindo ampla repercussão.

Os dois outros textos analisam o compromisso político que caracterizou a relação majoritária dos batistas com o novo regime, primeiro Elizete da Silva, toma o slogan “Deus Salve a Pátria” adotado pelos batistas, sugerindo que o regime deposto se caracterizava como uma ameaça a sobrevivência da pátria. Em perspectiva similar Luciane Almeida, tomando a região de Feira de Santana como referência para a experiência nacional, mostra que este agente ameaçador da pátria era o “comunismo ateu”, expondo a retórica que se estabelecia contra o comunismo nos periódicos batistas.

Nos dois trabalhos que completam este Número, estão A ASTE e a ditadura militar, de Manoel Bernardino de Santana Filho e o referido Trincheiras da verdade: o fundamentalismo evangélico e a ditadura militar brasileira, de Lyndon Santos e Adroaldo Almeida. A ASTE, instituição organizada para congregar os seminários teológicos protestantes no Brasil, possuía por isso em seus quadros agentes intelectuais privilegiados. Com a instituição do estado militar a ASTE foi atingida diretamente em seus quadros, pelas mesmas práticas que se manifestaram em outros setores, da “traição, delação, e perseguição”, esvaziando seu potencial de fórum de reflexão teológica e político-social.

Na análise de Santos e Almeida, fica esclarecida como a lógica que permeia o fundamentalismo religioso esteve na base das opções políticas do protestantismo brasileiro, que se traduziu como “movimento difuso conquistou, então, espaços e posições de poder e de controle de instituições”, “acirrando a oposição e a crítica ao comunismo, ao modernismo, ao ecumenismo, ao liberalismo moral e ao catolicismo”, discurso que se manifestou em todas as tradições religiosas protestantes majoritárias no Brasil.

João Marcos Leitão Santos – Editor


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.5, n. especial, 2014. Acessar publicação original [DR]

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Teoria e método / Mnemosine Revista / 2012

É lugar comum a constatação de virada epistemológica a que foi submetida as ciências históricas no século passado tipificado na apropriação de novas abordagem, novos objetos, e novos problemas (LeGoff & Nora, 1988), exigindo novos exercícios teórico s e metodológicos para o sabre e o fazer históricos.

Em 1985 a professora Sandra Pesavento dava conta de que oitenta por cento do que se fazia em história no Brasil era em diálogo com a história cultural. Isto pode significar uma demarcação identitária para a historiografia brasileira, mas não deixa de acender um sinal de alerta, no sentido de submeter todo e qualquer objeto a um paradigma comum de análise, como, por exemplo, na crítica que Gomes (2002) faz sobre as relações desta com a historiografia religiosa.

Este número de nossa revista dedicou-se a teoria e o método, notadamente na sua aplicação a objetos potencializados dentro da história como a literatura e a imagem. No texto do Dr. Cabral Filho são discutidas possibilidades teóricas e metodológicas do uso da imagem fotográfica no trabalho historiográfico, a partir de uma revisão na literatura selecionada, com vistas a indicar a importância de tratar as imagens fotográficas como indícios históricos que, pelo apelo visual que lhes é inerente, são potencialmente capazes de redimensionar a interpretação dos eventos sob análise do historiador, onde os homens, as cidades, os objetos e as paisagens dão a ver de modo que o passado quase que pode ser tocado no presente.

Dois trabalhos, do Dr. Gervácio Batista e de Benjamim Montenegro nos quais a problemática é a relação com a literatura. O primeiro pondera sobre a presença de uma determinada técnica de composição que se apresenta nas crônicas de jornalismo literário do escritor inglês Charles Dickens. Voltado a supressão das fronteiras entre texto e imagem, aquele autor elaborou um meticuloso e preciso estilo de interpretação da vida urbana na Londres vitoriana, pautado em uma postura indiciária, não explorada satisfatoriamente nas investigações dos historiadores.

Na segunda interpelação sobre literatura e história, Montenegro busca identificar relações entre história e literatura ficcional “do ponto de vista da recorrência a imagens literárias recortadas pelo historiador” quando se elege uma fonte sensível às vivências cotidianas de outro tempo, e por ela o historiador se dedica a exploração, da condição humana, dentre outras sensibilidades. Do ponto de vista operativo a abordagem é propositiva no sentido de indicar como os textos ficcionais são documentos como quaisquer outros, e a universalidade dos gêneros literários para tal fim e a possibilidade de recorrência aos Romances históricos tomados como documentos de epocais no âmbito do diálogo história e literatura.

O Dr. João Marcos Leitão se volta ao esforço de resgatar a perspectiva história dos primórdios dos tempos modernos, trazendo a baila uma perspectiva da concepção de história de Nicolau Maquiavel, pouco referido como historiador, dada a “paternidade da política moderna” que lhe foi atribuída, enfatizando sua contribuição a politologia em detrimento da questão histórica.

O Dr. André Figueiredo apresenta um exercício de metodologia no tratamento da Inconfidência Mineira a partir da apresentação da documentação selecionada, se dedica a indicar a recorrência do sequestro de bens, apontado como relevante recurso analítico por se constituir uma fonte privilegiada para a compreensão dos mecanismo em operação na Inconfidência Mineira.

Fecha este número dois artigos na seção de fluxo contínuo. Um do Dr. Aldenor Alves Soares voltado a um estudo do presente na análise que faz de um conflito havido da Igreja Anglicana do Brasil, na diocese do Recife, em torno da questão da sexualidade, e o de Muriel Diniz, tratando da história política da Paraíba no século XVIII, da perspectiva das relações entre a igreja e do Estado a partir da biografia do padre Antônio Soares Barbosa envolto nas relações políticas que margearam o governo e interesses privados nas Capitanias de Pernambuco e Paraíba

Este número tem uma peculiaridade: reflete parte das discussões que têm aparecido no âmbito da Pós-Graduação em História da UFCG, pela contribuição dos seus docentes, na história política, na literatura, na imagem, etc. A aparência de um dossiê doméstico, a aparência apenas, vai revelar ao leitor num espaço menos disperso, as possibilidades de interlocução com paradigmas diversos e proposições de investigações criativas.

Boa leitura a todos!

João Marcos Leitão Santos – Doutor. Editor


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.3, n.2, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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História e política / Mnemosine Revista / 2012

Temos um número tornado especial da nossa Revista, o que se deve ao diálogo interdisciplinar, aberto a outros saberes, no Dossiê Política e História.

Os textos apresentados neste número não foram apenas de visitação à história política como mais correntemente conhecemos na historiografia. Predominantemente, os textos neste número abrem diálogo da política e a história do presente.

Assim são as discussões de Clóvis Melo sobre as conclusões da sua pesquisa descritiva, que sugere que as práticas instituídas no país mantém um modelo consolidado ao longo do tempo. José Maria Nóbrega relata o status permanente da nossa democracia em busca de consolidação, mensurando o nível de accountability horizontal de algumas instituições coercitivas, instituídas em nossa sociedade. De igual forma, Gomes Neto traz a baila o fenômeno da judicial politics, para interpelar sua ação na ambiência social do país, textos que se tornam especialmente importantes se percebermos a história do tempo presente como um momento particularmente favorável asa observação do tempo passado sobre o presente, e, enfim, como uma permuta inevitável entre memória e acontecimento, como queria Rioux.

Como perspectiva consolidada, afirma Tètard sobre o estudo do político, que o retorno da história política tiveram e têm ainda um papel aglutinador e dinâmico, mas que qualquer obra sobre o político e a história política não podem trazer senão resposta parciais, de onde decorre a necessidade da interlocução com outros saberes que advém da própria dinâmica da cultura e da demanda social.

Ao trazer a tona temática como a sustentabilidade, como faz Sérgio Araújo investigando as ações do Estado, de empresas e da sociedade diante do ambiente natural visitando os conceitos de política, poder tenta mapear comportamentos social diante dos recursos de garantia da existência, quebra o paradigma da pura e simples cronologia pretérita para apontar a história na direção das perspectivas sociais em seu inalienável pertencimento individual e coletivo. Por isso mesmo no texto de Eugênio Carvalho com o sugestivo título “O domínio das águas”, o Recife se faz no tempo, aponta para a experiência das cidades, que se erguem, segundo Carlos Pena Filho, dos sonhos dos homens, procura mapear as “práticas realizadas ao longo de todo o século XX”, aponta para o problema da percepção imposta pelas condições históricas, como ambiente mesmo das sociabilidades.

Mais próximos da tradição historiográfica em si estão os textos de Ariosvalber Oliveira, Jean Patrício e Emerson Lucena e Fabio San Martins. O primeiro e o último remetem a tematizações cuja demarcação temporal é o Brasil Império. Ariosvalber toma o problemática a relação crônica e a pesquisa histórica para entender tramas políticas e os interesses dos liberais e conservadores em torno da questão da abolição e suas conseqüências, ao passo que San Martins sobre as questões econômicas que do Império incorporaram-se aos problemas da ordem republicana nascente.

Jean Patrício e Emerson Lucena voltam-se a um período mais recente da vida republicana, a Quarta República. Ambos tratam de tópicos pontuais e na perspectiva política. A pesquisa de Emerson é inovadora no sentido de apontar a relação entre comunistas e protestantes, estes últimos, sempre retoricamente reticentes a aproximação com as esquerdas. Jean, por sua vez, buscou entender as práticas políticas do processo de “redemocratização” na Paraíba durante o período de 1945- 1947, discutindo como tais práticas e grupos políticos influenciaram o processo político republicano.

O número se encerra com a entrevista do professor Antonio Paulo Rezende, concedida a Gláucia de Souza Freire onde faz importantes considerações sobre a experiência de historiador e sobre o fazer história.

João Marcos Leitão Santos


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.3, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Religião / Mnemosine Revista / 2011

Afasta-se o tempo em que as percepções mais estreitas das relações sociais e das sociabilidades se animaram por banir ou enclausurar os estudos das histórias religiosas, atribuindo-lhes adjetivos que depunham contra os próprios enunciadores, sobretudo, no contexto de vários cursos de História, quando se manifesta entre os discentes crescentes interesses pelos temas religiosos.

Lembra Gomes (2002), ao referir a emergência da História Cultural como não –sinônimo da expropriação de outras construções dos saberes históricos, que a nova história religiosa que postula a nítida distinção e a inequívoca articulação dos dois campos parece a tendência mais promissora, sem entender articulação como “mixagens semânticas e instrumentalizações indevidas…” e reconhece que a nova história religiosa tenta responder as novas questões colocadas pelos renovados campos da história, multiplicando, desta forma, novos objetos, novas problemáticas, novas abordagens, novas temáticas.

A compreensão de que a grande inovação atribuída à história religiosa, sobretudo, a partir dos anos 80 “está na onipresença, nos novos objetos, nas novas problemáticas, nas novas abordagens para as antigas questões” parece não permitir outra constatação senão a de uma exigência de re-elaborações metodológicas calcadas em uma problematização do objeto mais precisa, cuja agenda mais emergente aponta para a questão da superação dos apriorismos / reducionismos; a possibilidade / impossibilidade de descrições e compreensões valorativas, da significação das autonomias e singularidades da religião, que forja novas identidades a partir de uma compreensão da chamada “função social e cultural” da religião.

Este fato ganha realce, principalmente, se lembramos com Ignasi Saborit que o “… Brasil, onde a religião é protagonista de destaque nas mudanças e conflitos sociais” (SABORIT, 1991, p. 9) [1] , não é compreensível aos seus investigadores sem que se visite “ caserna e a sacristia”. São estas constatações sumariamente descritas aqui que se propôs o aproveitamento de alguns trabalhos elaborados no curso de Pós-Graduação em História, na disciplina História das Religiões e manifestações Culturais no Brasil no Brasil, e de outros pesquisadores que contribuíram com este número da Revista.

Manteve-se o caráter diverso e eclético das contribuições, como indicativo da abrangência do fenômeno religiosose das possibilidades múltiplas no seu tratamento, que vieram desde a visitação ao período da América Portuguesa, até a fé em simbiose com turismo religioso nas múltiplas traduções das religiosidades que circularam entre irmandades religiosas católicas, jesuítas em trânsito, até um olhar anglicano sobre o Brasil oitocentista que nascia.

Nota

1. SABORIT, Ignasi Terradas. Religiosidade na Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

João Marcos Leitão Santos


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.2, n.2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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