A Inquisição em foco, dois séculos após sua extinção: Estruturas, personagens, vítimas e possibilidades de análise | Mnemosine Revista | 2021

The public hanging of witches in Scotland. Coloured engraving 1678. Illustration The Granger CollectionAlamy
The public hanging of witches in Scotland. Coloured engraving, 1678. Illustration: The Granger Collection/Alamy

O dossiê que aqui apresentamos à Revista Mnemosine é fruto de um convite feito aos organizadores pelos responsáveis pela Revista e foi proposto e pensado a partir dos esforços de reflexão em torno de uma data marcante para os estudos acerca do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição de Portugal: em 2021, comemorou-se os 200 anos de sua extinção, ocorrida por votação unânime das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação portuguesa em 31 de março de 1821, naquele alvorecer da monarquia constitucionalista lusa.

O encerramento das atividades inquisitoriais, após 285 anos de atuação e milhares de denúncias, confissões e processos, foi dos mais importantes desdobramentos da Revolução Liberal do Porto, ocorrida em 1820, e que teve ainda como uma de suas consequências, na outra franja do Atlântico, a independência do Brasil, em 1822 – data marcante da qual agora celebramos igualmente o bicentenário, apesar de outras independências que se fazem cada vez mais urgentes em nossa realidade – a dar fim aos mais de três séculos de dominação política portuguesa na América. Ventos de liberdade, cada um ao seu modo, que permitiam a Portugal e Brasil novos rumos e sonhos de progresso, sabemos bem, nem sempre concretizados. Leia Mais

Arquitetura, Cidade e Documentação / Mnemosine Revista / 2020

Entendendo-se que documentar é registrar, organizar informações textuais e gráficas sobre objetos investigados, esse dossiê enfoca a documentação de pesquisas arquitetônicas e urbanísticas em cidades brasileiras – dialogando com as variantes da história, cultura, arquitetura e cidade.

Parte-se do princípio que os edifícios e as cidades, devem também ser considerados documentos construídos que trazem em suas essências, elementos e condicionantes que os compõem e nos seus respectivos conjuntos composicionais- caracterizam e atribuem valores aquele determinado bem.

Considerando-se então, que a documentação é o somatório de fontes primárias coletadas em arquivos privados, públicos- compostas de materiais de projetos, como plantas baixas, cortes, fachadas, perspectivas, esboços, mapas, gráficos, fotografias, textos originais- e do próprio bem material construído em si, seja uma edificação, ou lugar- a proposta desse dossiê é apresentar ao público interessado no tema, as maneiras pelas quais tais “objetos” vêm sendo trabalhados, no que diz respeito às suas políticas de preservação e conservação.

Dessa maneira, esse dossiê reúne através de dez artigos, alguns resultados de estudos de professores, pesquisadores, arquitetos, historiadores- vinculados a programas de pós-graduação, e grande parte dos autores atuando como membros do comitê nacional de documentação do Icomos Brasil.

Através dos trabalhos de investigação e de análises críticas produzidas pelos autores, resgata-se a documentação das arquiteturas de distintas linguagens, ou de cidades de diversas regiões brasileiras, com escalas que vão desde centros urbanos interioranos, até cidades polos.

Tal diversidade investigatória proporcionará ao leitor, o conhecimento de uma multiplicidade cultural rica e com identidade marcante, que analisada com olhares diversos, será aqui apresentada em forma de artigos trabalhados, tanto textualmente, quanto graficamente, pois a imagem em tais estudos possui um papel fundamental.

As imagens documentais da história da arquitetura e da cidade são informações básicas e importantes na construção desse saber, pois enriquecem e ilustram as informações textuais. Através de desenhos realizados à mão, ou utilizando-se de programas gráficos contemporâneos, como AutoCAD, sketchup, entre outros, as ferramentas digitais vêm contribuindo de forma fundamental na produção de documentos complementares ao resgate patrimonial.

E acredita-se ser de fundamental importância o diálogo entre história e imagem, gerando uma rica documentação sobre determinado objeto, seja esse uma obra, ou um lugar.

Assim, na produção dos artigos que aqui se apresenta, observou-se que o tema voltado para a documentação da modernidade arquitetônica esteve presente em quatro artigos voltados para objetos arquitetônicos protomodernos e modernos presentes nas cidades de Recife, Campina Grande, São Luis, São Paulo.

Esses quatro artigos tratam de casos isolados de profissionais com trajetórias marcantes, ou de conjuntos arquitetônicos.

Como exemplo de casos isolados, pode-se citar o artigo que tratou do resgate documental da obra do arquiteto português Delfim Amorim e sua atuação em Recife, através de um olhar específico em uma obra residencial moderna, e que infelizmente foi abruptamente demolida- a Casa Miguel Vita (1958); o caso do Teatro Municipal Severino Cabral (1962-1988), projetado pelo mestre campinense Geraldino Duda; e o artigo que enfocou a obra de Rino Levi, com o objetivo de analisar como se deu a aproximação entre artistas e arquitetos, e quais foram os resultados desse intercâmbio de atuações na arquitetura moderna brasileira, tomando como estudos de casos, o Edifício Prudência (1948) e o Teatro Cultura Artística (1950), implantados na cidade de São Paulo.

Como casos de documentação de conjuntos, foram produzidos três artigos: um voltado para a análise documental de detalhes da arquitetura Art déco em São Luís do Maranhão.

A discussão sobre a documentação de lugares e cidades transitou por regiões interioranas nordestinas como Cabaceiras, e Campina Grande, na Paraíba; e Gravatá do Ibiapina, em Pernambuco, ricas em seus conjuntos históricos e em seus acervos patrimoniais; bem como, pelos calçadões famosos da praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.

O tema da cultura vernácula que vem sendo valorizada na discussão patrimonialista está presente em artigo que trata sobre a arquitetura popular de platibanda nordestina, no qual foram realizadas notas sobre enquadramentos discursivos e terminologias do acervo regional.

A documentação do design de superfície presente na produção de ladrilhos hidráulicos do edifício do Paço dos açorianos de Porto Alegre enriquece o dossiê, dialogando saberes da história, arquitetura e do design, trazendo à tona o uso de tecnologias digitais no resgate e na salvaguarda desse elemento construtivo considerado patrimônio material industrial.

E fechando nosso dossiê, o instigante artigo que trata sobre o medievalismo na arquitetura contemporânea como experimento arqueológico. O autor explicou que existe um ramo peculiar da arquitetura contemporânea que tenta [re]construir o passado utilizando métodos e técnicas medievais, auto- proclamadas como experimentos arqueológicos.

Através da leitura dos artigos aqui apresentados, poderão ser adquiridos conhecimentos que subsidiem estudos, trabalhos de investigação, pesquisas que conectem os distintos saberes, e que façam que as ideias circulem, alimentando a rede voltada aos estudos históricos arquitetônicos e urbanísticos, interligando culturas e cidades, através da produção e preservação documental.

Alcilia Afonso de Albuquerque e Melo – Doutora em Projetos Arquitetônicos (ETSAB / UPC / Espanha). Professora adjunta do curso de Arquitetura e Urbanismo / UFCG e Professora efetiva do PPGH / UFCG


ALBUQUERQUE E MELO, Alcilia Afonso de. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.11, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Instituições Educativas / Mnemosine Revista / 2020

Reformas educacionais, relatórios, anuários, atas, livros de matrícula, livros de pontos, atas de fundação, revistas pedagógicas, jornais, boletins, cadernetas, livros didáticos, impressos de planejamento, cadernos escolares, atas de reuniões pedagógicas, eventos comemorativos, imagens, mobiliário, arquitetura… Ufa?! Quantas fontes são cartografadas para se inquirir a(s) história(s) de uma instituição, colocada como sinônimo e essência de educação, como é a escola.

Peter Gay [1] aponta que a educação foi sequestrada pela escola, dela se apossou e sobre ela se estabeleceu regimentos, currículos, formações, comportamentos, sensibilidades… A escola é produto da História, sofre mutações e se adéqua as necessidades que surgem no percurso de constituição e ressignificação de uma sociedade. Ela é ciência, é conteúdo e disciplina. Mas, também é vida que pulsa, que educa, que orienta sobre as diversas lentes que lêem o mundo, nós mesmos e o outro. Instituição presente nos longos anos da vida de um sujeito, em seus mais diversos níveis educacionais, a escola produz memórias, pensa a urbe tanto quanto é pensada por uma pedagogia da cidade. Ela tem um lugar de fala, de conformação, de instituição e normatização de saberes, mas também se conduz pela criatividade, pela reinvenção, pelas trocas e experiências sensíveis que formam tanto quanto transformam os indivíduos.

Posta pelo avesso pelos diversos domínios da História, a escola vem sendo pesquisada, mais enfaticamente, pela História da Educação, dentro do que se concebeu como História das Instituições Escolares. Mas tão complexo e híbrido é este espaço, que outros olhares e apropriações ainda são possíveis, como da História da Saúde, da Geografia e Psicologia Escolar, da Sociologia, Antropologia e Filosofia da Educação, entre outras áreas de pesquisa. Dentro da história das instituições escolares, estudiosos como Demerval Saviani e Justino Magalhães se dedicaram a pensar a escola por meio do que ela institui. Saviani (2007, p.5) concebe as instituições escolares como “[…] necessariamente sociais, tanto na origem, já que determinadas pelas necessidades postas pelas relações entre os homens como no seu próprio funcionamento, uma vez que se constituem como um conjunto de agentes que travam relações entre si e com a sociedade à qual servem”. Já Justino Magalhães (2004), por sua vez toma a definição de uma “Instituição educativa” de forma mais ampla, para além das fronteiras impostas pelos muros escolares.

Tais instituições são “um complexo organizado, uma totalidade em organização e devir; matriz conceitual e interdisciplinar que institui um modelo científico, orgânico-funcional” (MAGALHÃES, 2004, p.113). Segundo o autor uma epistemologia da instituição educativa compreende desde a materialidade (o instituído) – como condições materiais, espaços, meios didáticos e pedagógicos; à representação (o institucionalizado) – aspectos referentes a memórias e arquivos, estatutos e currículo. A apropriação (a instituição em si) compreenderia as aprendizagens, os ideários, as identidades do sujeito e da própria instituição. Nesta perspectiva, abre-se a possibilidade de pensar em uma cultura educacional mais ampla, para além dos muros da escola, que contemple as práticas educativas (re)configuradas nos mais diversos discursos, tanto de cunho econômico e político como higiênico, médico e também educacional, dando vazão a formulação de um modus vivendi que nossa sociedade exibe como normal, saudável e científico.

A instituição escolar e / ou educativa possui, assim, uma cultura própria. Faria Filho (2007, p.195), toma a cultura escolar [2] como um tipo específico de “[…] formação / organização cultural quando configurada pela escolarização. Ela permite articular, descrever, analisar, de forma complexa, os elementos-chaves que compõem o fenômeno educativo escolar”. As culturas escolares se situam nesse entrosamento entre os “macroprocessos” de escolarização e os “microprocessos” escolares, ou seja, na constituição das relações entre a escola, suas práticas e os sujeitos. Nesta mesma direção, porem agora pensando fora do âmbito do cotidiano escolar, Pinheiro (2009, p.108) amplia esta concepção, apontando a ideia de uma “cultura educacional” como aquela que é constituída pelos saberes que perpassam a produção de “[…] artistas, intelectuais e pessoas simples, do povo, que contribuem para a produção de leituras e de interpretações sobre o passado e o presente educacional”.

Vimos, neste contexto, que diversas são as formas de pensar e registrar a história (ou os fragmentos dela) de uma instituição educativa e de suas práticas. O historiador, em suas escolhas teórico-metodológicas, pode produzir uma narrativa que adentre a história da instituição, mas seus pares podem ainda optar, em produzir uma escrita histórica da instituição pelas suas vizinhanças, pelos os aspectos que acometem os atores sociais que passaram por ela. O prédio e seus espaços (arquitetura, releitura de espaços físicos, o uso do espaço para disciplina, apropriação dos espaços), a identidade institucional, sua cultura (material) escolar, a inserção e atuação da instituição no ambiente social são outras temáticas possíveis de se relacionar quando se intenta em pesquisar uma instituição educativa. Desde o contexto histórico às circunstâncias específicas de criação e instalação da escola, desde às reformas educacionais aos novos ambientes de educação que surgem no ciberespaço; desde os métodos à experiência das práticas educativas; desde as festas escolares às normas disciplinares que punem com castigos os corpos transgressores.

Discursos, experiências, regulações… Uma educação do corpo, mas também das sensibilidades perpassa a instituição escolar e / ou educativa. É para pensar este lugar que esse dossiê coloca o propósito de reunir trabalhos – frutos de pesquisas concluídas e / ou em andamento – com vistas a constituir um leque de possibilidades de leitura sobre as práticas educativas que perpassam essas instituições, sejam elas escolares ou organizacionais, dispersas, difusas, híbridas, ou em suas mais diversas nuances.

Neste contexto, o dossiê abre suas discussões com O COLÉGIO NOSSA SENHORA SANT’ANNA E AS PRÁTICAS DE EDUCAÇÃO FEMININA, EM ARACAJU-SE, artigo de Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas que traz o objetivo de analisar as práticas escolares desenvolvidas pelo Colégio Nossa Senhora Sant’anna no processo de formação das jovens da elite sergipana. A autora contextualiza o cenário de escolarização da mulher, vinculando-a à modernização da sociedade, à higienização da família e à formação de futuros cidadãos nos primeiros anos da república brasileira.

Já no debate trazido pelo artigo DE PÉ NO CHÃO TAMBÉM SE APRENDE A LER: DAS SALAS DE ESTAR DAS PROFESSORAS LEIGAS, AOS ACAMPAMENTOS ESCOLARES DE PALHA DE COQUEIRO (1961-1964), de Aliny Dayany Pereira de Medeiros Pranto, temos a discussão sobre o desenvolvimento da campanha “De pé no chão também se aprende a ler” na cidade de Natal | RN, durante a década de 1960. Por meio das narrativas de professoras e ex-alunas, a autora expõe desde a fase inicial da Campanha à sua expansão com os acampamentos escolares. Tal campanha, segundo a autora, visava a educação de crianças, jovens e adultos que habitavam as periferias de Natal e não tinham acesso à educação formal.

No texto de Adlene Silva Arantes, temos a discussão sobre o HIGIENISMO E EDUCAÇÃO EM GRUPOS ESCOLARES PERNAMBUCANOS, durante os anos de 1911 a 1930. A autora traz o intento de compreender quais as orientações dos médicos para a promoção de uma educação higiênica nos grupos escolares de Pernambuco. Para tanto, ela analisa documentos da instrução, relatórios de grupos escolares, legislação educacional e teses de medicina sobre higiene dentro do período estudado, e conclui que para higienizar a escola e, consequentemente, a sociedade era preciso que a educação e a medicina atuassem juntas no sentido de salvar a nação e a pátria brasileira que se queria como sadia e regenerada.

Seguindo esta mesma vertente higiênica está o artigo MORAL, HIGIENE E PROPAGANDA ESPORTIVA: OS FILMES FIXOS RELACIONADOS AO CORPO E À ATIVIDADE FÍSICA NOS ARQUIVOS DO CEDRHE (SÉCULO XX) do autor Jacques Gleyse. O texto foi traduzido por Avelino A. de Lima Neto e apresenta um estudo acerca de práticas corporais presentes em cento e um filmes produzidos entre os anos de 1932 e 1960. As películas fílmicas aqui analisadas pertencem ao arquivo do Centro de Estudos, de Documentação e de Pesquisa em História da Educação (CEDRHE), da Faculdade de Educação da Universidade de Montpellier, e costumam ser utilizadas como recursos didáticos nos mais diversos níveis de ensino, em colônias de férias e em outros espaços formativos. Esse conjunto de filme, segundo o autor, aponta para uma correspondência com as recomendações dos livros didáticos no que concerne às práticas de higiene e instruções morais e, bem como revela uma quase total invisibilidade das mulheres nas atividades físicas, sendo suas imagens fortemente associadas aos estereótipos de gênero.

No artigo O GRÃOZINHO: DE UNIDADE FEDERAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL À LABORATÓRIO DE ENSINO DO CURSO DE PEDAGOGIA (1980-2013), as autoras Vivian Galdino de Andrade e Janiely da Costa Cunha produzem uma versão da história de uma instituição escolar infantil existente no Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias (CCHSA) da Universidade Federal da Paraíba, que nos anos de 1980 foi criada para atender os filhos dos funcionários públicos da instituição. Em 2013, tal espaço educativo deixa de funcionar como escola, sendo reformulado pedagogicamente para se constituir como Brinquedoteca e Laboratório de Ensino do Curso de Pedagogia do Campus III. O artigo contribui com o amplo debate em torno das pesquisas realizadas a respeito da história das instituições escolares no estado da Paraíba.

O texto de autoria de Joedna Reis de Meneses e Júlio César Miguel de Aquino Cabral traz um rico debate sobre as PEDAGOGIAS DO TEMPO: O JORNAL A IMPRENSA SOB A DIREÇÃO DO PADRE LUÍS GONZAGA DE OLIVEIRA (PARAÍBA, 1952-1965). Pensadas como “saberes historiográficos”, essas pedagogias são apresentadas pelos autores como imagens de um passado gestado a partir dos discursos de padre Luís Gonzaga de Oliveira, nas páginas do Jornal A Imprensa, entre os anos de 1952 e 1965.

Finalizamos este dossiê com o artigo O TUCA COMO INSTITUIÇÃO DE RESISTÊNCIA: EXPERIÊNCIA TEATRAL E MILITÂNCIA ESTUDANTIL NA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC SP (1964-1979), de autoria de Francisco de Assis de Sousa Nascimento. O texto problematiza o Teatro TUCA (casa de espetáculo da Pontifícia Universidade de São Paulo – PUC∕ SP) como um lugar de memória, de profissionalização e de compromisso com a luta democrática entre os anos de 1964 e 1979. Este espaço de resistência, segundo o autor, preserva os estigmas de incêndios criminosos, além de um moderno arquivo, repositório de vasta documentação, que evoca sensivelmente a vida de artistas que lá se apresentavam, como diretores, encenadores, cenotécnicos e o público em geral.

Fechando o dossiê, apresentamos o texto dos professores Azemar dos Santos Soares Júnior e Laelson Vicente Francisco intitulado “TRATANTO EFFICAZMENTE DE SUA EDUCAÇÃO’: A COMPANHIA DE APRENDIZES MARINHEIROS DO RIO GRANDE DO NORTE (1872-1890), tem por objetivo analisar a formação e os primeiros anos de atuação da Companhia de Aprendizes Marinheiros que funcionou na Província do Rio Grande do Norte, com sede na cidade do Natal, na segunda metade do século XIX.

Acreditamos que estes artigos aqui trazidos, convidam o leitor a se aprofundar em figuras históricas e conceituais, que esboçam desde a história de instituições educativas, recortadas num dado tempo e espaço, como os colégios, teatros e grupos escolares, às práticas educativas vivenciadas e reguladas no interior dos discursos existentes em periódicos jornalísticos, filmes e narrativas orais. Eis o nosso convite e o desejo a uma boa e significativa leitura!

Notas

1 https: / / educacaointegral.org.br / reportagens / uma-breve-historia-da-educacao-da-escola /

2 Segundo Faria Filho (2007), quando mencionamos “cultura escolar” estamos nos referindo a um constructo teórico que permite, metodologicamente, organizar a pesquisa. Já quando citamos “culturas escolares” estamos fazendo referência a um objeto ou campo de estudo, são elas o processo e o resultado das experiências dos sujeitos, dos sentidos construídos, compartilhados e disputados pelos atores que fazem parte da escola.

Azemar dos Santos Soares Júnior – Professor Doutor. Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd / UFRN) Universidade Federal de Campina Grande (PPGH / UFCG)

Vivian Galdino de Andrade – Professora Doutora. Universidade Federal da Paraíba (UFPB\Campus III) Universidade Federal de Campina Grande (PPGH / UFCG)


SOARES JÚNIOR, Azemar dos Santos; ANDRADE, Vivian Galdino de. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.11, n.1, jan / jun, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Política e Administração no Brasil Colonial / Mnemosine Revista / 2019

O dossiê que ora a Revista Mnemosine apresenta tem como temática a Política e administração no Reino e Brasil colonial tem como propósito apresentar um conjunto de estudos voltados para uma temática tão antiga quanto atual. Tomando como fio condutor a política e administração no período moderno, pretende-se contemplar uma variedade de trabalhos com recortes geográficos e temporais distintos, apresentando perspectivas e análises com ênfase nos séculos XVIIXVIII. Desta feita, o dossiê reúne estudos que pretendem iluminar debates e reflexões acerca da administração reinol e colonial de forma plural, expressando assim a multiplicidade dos estudos, sem jamais pretender esgotar as possibilidades de análises.

Cabe ressaltar que todos os artigos são de jovens doutores e doutorandos oriundos de universidades do Nordeste, região que nos últimos 20 anos recebeu investimentos maciços na educação, refletindo-se na abertura e melhoramento de cursos de pós-graduação na área de História. Apesar de alguns terem feito o doutorado ou estarem cursando o programa de doutoramento em universidades sudestinas, como USP, UFRJ e UFF, percebe-se a maturidade construída ainda na graduação, por meio de laboratórios e grupos de pesquisas das universidades do nordeste.

E é sobre as chamadas Capitanias do Norte do Estado do Brasil que o dossiê se concentra, apesar de um artigo que compõem a coletânea ser sobre o reino de Portugal. Muito tem crescido a produção local de temas que interessam não somente à região das Capitanias do Norte, mas de fato aos estudiosos do império ultramarino português. A jurisdição é um termo tão naturalizado que muitas vezes, ao ser utilizado, o receptor logo se remete a um pedaço de terra, algo material ou, em outras palavras, a uma coisa ou bem tangível por meio de poderes delegados. O dossiê, entretanto, pretende inovar ao pensar em jurisdição como um termo mais amplo. A pluralidade das questões relativas à política e administração se expressa também quando o recorte está centrado no governo das capitanias ou das câmaras, tema que acabou por ser foco das pesquisas incluídas no dossiê, sem se favorecer, entretanto, a predominância de uma única visão.

Assim, o dossiê é composto por sete artigos escritos por 3 doutores e 4 doutorandos. Inicia-se com uma sofisticada análise sobre a cerimônia de preito e menagem, sobretudo aquelas prestadas pelos capitães-mores das Capitanias do Norte do Estado do Brasil, e as implicações deste ritual na arquitetura político-jurisdicional de subordinação das circunscrições administrativas. Escrito por Marcos Arthur Viana da Fonseca, doutorando na UERJ, o ensaio Faço preito e homenagem a Sua Majestade e a Vossa Senhoria em suas mãos”: a cerimônia de preito e menagem e as jurisdições nas Capitanias do Norte (1654-1700) é uma primorosa análise da cerimônia, por meio de uma erudição das fontes e bibliografia. Os dois artigos seguintes também abordam a política e administração das Capitanias do Norte. O artigo do professor Thiago Alves Dias, da Universidade de Pernambuco, intitulado O mito das capitanias anexas: aspectos da política colonial e da administração das conquistas no norte do Estado do Brasil, séc. XVII e XVIII traz uma provocante reflexão sobre o termo anexas, tão controverso para as capitanias vizinhas a Pernambuco. Baseando-se em aspectos econômicos, o autor procura mostrar que o fim da subordinação política com a desanexação ocorrida em fins do século XVIII, para os casos da Paraíba e Ceará, e início do XIX para o Rio Grande, não alteraram o controle econômico exercido pela capitania de Pernambuco. O terceiro artigo, Capitães-mores em movimento: perfil e trajetória dos governantes das capitanias do Rio Grande e Ceará (1656 – 1754), escrito pelo doutorando da UERJ Leonardo Paiva de Oliveira, faz um estudo comparativo das trajetórias dos governantes coloniais, tendo como foco os candidatos ao posto de capitão-mor das capitanias do Ceará e do Rio Grande e mostra interessantes semelhanças e peculiaridades de cada capitania. O quarto trabalho, Ouvidores, capitães-mores e governadores no esquadrinhamento do território colonial (Sertões do Norte, século XVIII), do professor da UERN, Leonardo Cândido Rolim, desloca-se mais para o oeste, analisando a região entre as fronteiras do Ceará e Piauí, que denomina de Sertões do Norte, também analisa a atuação dos governantes na conformação do território destes sertões. Assim, esse primeiro conjunto teve como foco a governança das capitanias, analisando-se as jurisdições, trajetórias, questões econômicas e conformação de territórios.

O segundo conjunto de artigos é iniciado pelo trabalho da professora Érica Lôpo de Araújo, da UFPI, A Restauração portuguesa e a guerra no reino: entre a corte lisboeta e a província do Alentejo (1642-1643) retorna à primeira metade do século XVII para discutir os problemas políticos envolvendo os militares em plena Guerra de Restauração na região do Alentejo. Posteriormente, no artigo Uma cidade entre porcos, maganos, becos, rios e casas de taipa: administração e políticas urbanas camarárias na cidade do Natal (primeira metade do século XVIII) do doutorando da UFF, Kleyson Bruno Chaves Barbosa foca na administração camarária, trazendo luz ao cotidiano camarário ao abordar os problemas do dia-a-dia que as autoridades enfrentavam. Por último, o trabalho da doutoranda da UFPE, Lana Camila Gomes de Araújo e professora da UFCG, Juciene Ricarte Apolinário, intitulado Entre o péssimo e o bom governo de Pedro Monteiro de Macedo: a administração da capitania da paraíba (1734 – 1744) é abordado os problemas que o governante Pedro Monteiro de Macedo vivenciou na Capitania da Paraíba, mostrando a complexidade do jogo político, envolvendo diversos agentes na lida diária da governação.

O dossiê, portanto, intenta contribuir para a discussão da Política e administração no Brasil colonial por uma perspectiva mais ampla, reconhecendo a pluralidade e excelência dos trabalhos realizados sobre a governança das Capitanias do Norte do Estado do Brasil. Esperemos que o leitor aprecie estas análises.

Carmen Alveal – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 21 de fevereiro de 2020


ALVEAL, Carmen. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.10, n.2, jul / dez, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História e Ciências Ambientais / Mnemosine Revista / 2019

Partidas de diversas problemáticas, as abordagens historiográficas acerca de questões ambientais começaram a exercer presença na década de 1970, e logo se transformaram em um campo de pesquisa com abrangência em diversas áreas do conhecimento. No Brasil, em 2011 a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) consolidou a inclusão das Ciências Ambientais em seu contexto e, recentemente, a História Ambiental vem ganhando voz e espaço nessa discussão. Como exemplo para a expansão recente da área de ciências ambientais, podemos citar que, hoje, o Brasil conta com mais de 120 programas de pós-graduação somente na nesse campo, incluindo cursos de mestrado, mestrado profissional e doutorado. Tem crescido a importância e a expansão do segmento com o passar dos anos. Os desdobramentos do campo envolvem gestão ambiental, recursos naturais, tecnologia, ambiente e sociedade em atuações que vão desde as ciências humanas, naturais e sociais às exatas. Em nossa Universidade Federal de Campina Grande há um programa de Mestrado e Doutorado em Recursos Naturais situado na Área de Ciências Ambientais que tem progressivamente atraído mais historiadores que por lá entrelaçam seu trabalho e sua formação. Dois dos professores de nosso Programa de Pós-Graduação em História da UFCG, um geógrafo e um historiador, são, simultaneamente, professores efetivos deste Programa de Pós em Ciências Ambientais. Muitos de nossos egressos do Mestrado em História terminam por lá sua formação no Doutorado. Em Ciências Ambientais não basta tematizar a relação entre natureza e cultura, mas, o esforço e de entrelaçar métodos e contribuições de diversos saberes para a abordagem de um tema tão complexo. Foi pensando nesse movimento que elaboramos este dossiê organizado cujo tema é História e Ciências Ambientais.

Logo no primeiro artigo temos a associação entre um agrônomo e um historiador. Daniel B. P. Araújo e Veneziano G. de Souza Rego abordam o tema “História Ambiental e Impactos Antrópicos na Estação Ecológica do Pau-Brasil, Mamanguape – PB.” Na sequência Mara Karinne Lopes Veriato Barros e Patrícia Herminia Cunha Feitosa exploram “O Açude Saulo Maia e Sua Função Estratégica no Abastecimento do Agreste Paraibano nos Anos de 2017 e 2018”, textos em que se entrelaçam saberes jurídicos, historiográficos e de engenharia hídrica. Seguindo, temos os geógrafos Maria Aparecida Gomes Sousa e Sérgio Murilo Santos de Araújo que tematizam uma “Análise da Sustentabilidade do Município de Barra de São Miguel-PB a partir do Plano Territorial de Desenvolvimento Rural Sustentável do Cariri Oriental.” Seguindo, partimos para a abordagem dos relevantes temas que envolvem gestão e saúde, no artigo “História das Ciências e o uso do Processo Oxidativo Avançado H2O2 / UV para degradação de micropulente ambiental: ivermectina nas águas destinadas ao abastecimento humano”, assinado por Andreza Costa Miranda e Paula Mikacia Umbelino Silva. Cleber Vasconcelos de Oliveira (in memorian) e Janaina Barbosa da Silva”, ambos geógrafos, abordaram “Aspectos históricos e geográficos da pesca no Brasil: contexto, cenários e perspectivas” Elisângela Silva Porto e Ângela Maria Cavalcanti Ramalho, geógrafa e socióloga, abordaram “História Ambiental Urbana e a qualidade de vida em Campina Grande sob a ótica do “residir e viver” na última década.” Finalmente, Taciana de Carvalho Coutinho, bióloga molecular e José Otávio Aguiar, historiador, produziram seus “Ensaios de História Ambiental Urbana: As Transformações na Terra Indígena de Umariaçu a partir do Crescimento do município de Tabatinga”.

José Otávio Aguiar


AGUIAR, José Otávio. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.10, n.1, jan / jun, 2019. Acessar publicação original [DR]

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História e Meio Ambiente: interdisciplinaridades / Mnemosine Revista / 2018

A Mnemosine Revista, publicação do Programa de pós-Graduação em História da UFCG, é uma revista aberta à múltiplas áreas do conhecimento, em sintonia com a emergência de novos temas, questões e acontecimentos que desafiam a análise dos historiadores. Assim, o presente Dossiê reúne artigos variados selecionados por nossos pareceristas para o volume 2018.2.

Entre os diversos artigos, temos reflexões interdisciplinares que apresentam um entrecruzamento entre a História Ambiental e a área de Ciências Ambientais da Capes, mas, também, resultados de pesquisas sobre escravidão, patrimônio cultural, história Social e História do Pensamento Político e Econômico, apresentados à livre concorrência da chamada da Mnemosine por meio de fluxo contínuo.

Abrindo o volume de forma interdisciplinar, temos o geógrafo Sérgio Murilo Santos Araújo e a doutoranda em Ciências Ambientais Bárbara Denise Ferreira Gonçalves, analisando as tentativas de implementação de sistemas agroflorestais “sustentáveis”, num esforço de escrever uma história ambiental da agricultura nos Sertões do Rio Pajeú. Na sequência, segue o ensaio que escrevi com o historiador Pedro Henrique Dantas Monteiro sobre a compreensão da natureza e as nuances das apropriações do pensamento liberal clássico pelos deputados estaduais cearenses no Segundo Reinado. Continuando, temos os Pesquisadores de Ciências Ambientais Gesinaldo Ataíde Cândido e Joyce Aristercia Siqueira Soares discutindo sobre os projetos e a implementação de um parque eólico para a produção de energia elétrica no litoral da Paraíba na última década.

O Jurista Ademar Cássio Ferreira Neto e a historiadora Mara Karinne Lopes Veriato Barros discutem a trajetória histórica dos planos de acessibilidade turística do centro histórico do município de Areia-PB.

Os historiadores José Pereira de Souza Júnior e Oslan Costa Ribeiro enfocam as narrativas sobre a Igreja Matriz do Município de Canavieiras, narrativas essas históricas veiculadas pelo jornal “Monitor do Sul” que pretendia reforçar seu caráter de patrimônio histórico e arquitetônico.

As biólogas e Cientistas Ambientais Márcia Adelino da Silva Dias e Lais da Silva Barros discutem em caráter histórico e ambiental, a peculiaridade da produção artesanal da comunidade Tradicional Quilombola de Chã da Pia-PB.

Em continuidade, ainda em paradigma de História Ambiental, contribuem os historiadores Celso Gestmeier do Nascimento e Éverton Alves Aragão que estudam as representações do Rio Amazonas no filme “Aguirre, a cólera dos deuses”, produção cinematográfica de 1972.

Em mais uma contribuição historiográfica, André Luiz Rosa Ribeiro e Janete Ruiz de Macedo reflexionam em caráter etno-histórico sobre as manifestações de origem africana na cidade de Salvador- BA, entre 1930 e 1950.

Fechando o dossiê, Leandro Nascimento de Souza e Tássia Fernandes Carvalho Paris de Lima apresentam uma fina discussão documental sobre os africanos livres do Arsenal da Marinha de Pernambuco na década de 1850.

José Otávio Aguiar – Professor do Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Gestão de Recursos Naturais na UFCG. E-mail: [email protected]


AGUIAR, José Otávio. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.2, jul / dez, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Histórias e experiências (entre) cruzadas: sobre a escravidão, relações étnico-raciais e colonialismo / Mnemosine Revista / 2018

No Brasil, temas como escravidão, diáspora africana, colonialismo e relações ético-raciais já se firmaram nas investigações das Ciências Humanas e, de modo específico, dos estudos históricos. Atualmente, na História, inúmeras agendas de pesquisas vêm sendo desenvolvidas em torno desses e de outros temas conexos, entre os quais: história indígena, cidadania, educação, religiosidade, relações de gênero, movimentos sociais, identidade e violência. Tais interrelações temáticas têm tomado como objeto não apenas as relações sociais estabelecidas em nosso país, mas diante de outros recortes espaciais, em especial a partir de América, África e Europa.

Os artigos presentes neste dossiê foram elaborados por pesquisadores (as) que se inserem nesse novo contexto de pesquisas. Marley Antônia Silva da Silva, em seu artigo Do norte da África ao norte da América Portuguesa (1755-1815), destaca as conexões transatlânticas das populações africanas com foco no Grão-Pará e a Alta Guiné, no norte da África. O artigo se apresenta como um guia para adentrarmos as tramas sociais dos interesses e condições históricas que condicionaram dinâmicas escravistas e outras dimensões da diáspora africana forçada, que conformaram as populações das regiões de São Luís e Belém, entre o final do século XVIII e início do século XIX.

Em Para libertar o meu filho: Estratégias utilizadas por forras e escravas ao alforriarem na segunda metade do século XVIII em Minas Gerais, Carlo Guimarães Monti nos apresenta as estratégias de mulheres escravizadas em busca por alforrias. Nesta linha, levantou e avaliou um amplo escopo documental, composto de inventários e testamentos de senhores de escravizados. Sua análise foi constituída com vistas nas redes familiares, pontos fundamentais para os escravizados alcançarem seus intentos de liberdade. Deteve-se também sobre o caráter privado das alforrias, como instrumento fundamental para a tentativa de manutenção da sujeição dos escravizados.

Marcelo Ferreira Lobo, em Para além da alforria: Mobilidade e sobrevivência de Libertos no Brasil (Grão-Pará, 1800-1888), analisa as noções de cidadania e direitos construídas ao longo do século XIX no Grão-Pará. Para isso, lançou mão de problematizações sobre as possibilidades de mobilidade social e liberdade no cotidiano de mulheres e homens alforriados, a partir da análise de testamentos de senhores e libertos. Investigou, desse modo, regiões intermediárias entre a escravidão e a liberdade, onde se fizeram presentes reinvenções do paternalismo, mas também as lutas de negras e negros frente a miséria, insegurança econômica e perseguição das forças de segurança.

Pedro Nicácio Souto, em Escravidão e Pecuária na Paraíba: São João do Cariri (1870-1888), discorre sobre as singularidades das formas de escravidão ocorridas em São João do Cariri – PB, no final do século XIX. São apresentados diferentes aspectos do panorama econômico, social e demográfico local, nas últimas décadas da escravidão. Delineiam-se particularidades da sociedade escravista desta localidade, marcada pela importância da pecuária e da agricultura de subsistência. Souto aborda como as relações sociais em torno da pecuária influenciaram as maneiras como constituídas as experiências dos escravizados e suas relações junto aos senhores.

No artigo Em defesa da classe: Pós-Abolição, racismo e imprensa negra em Campinas e Piracicaba, Willian Robson Soares Lucindo aborda os jornais produzidos nas cidades paulistas de Piracicaba e Campinas no pós-abolição. Apresenta importante chave interpretativa para a compreensão do racialismo e do racismo enquanto fundamentos de criminalização das populações negras. Para tanto, deslinda ações diversas dos grupos dominantes e de mulheres e homens negros subalternizados, ressaltando também a importância da imprensa negra no debate público e na denúncia das concepções preconceituosas em (re)estruturação naquele contexto.

Em A Docência como Missão na América Latina: Reflexões sobre a formação professores e professoras de história na Amazônia Oriental, Maria Clara Sales Carneiro Sampaio efetua um movimento reflexivo sobre sua experiência docente na regência de disciplinas relacionadas a história da América e história indígena, na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). Sampaio articula experiências vivenciadas na história recente da Amazônia Oriental com realidades mais distantes no espaço e tempo, visando o melhor entendimento das tensões e desafios presentes no contato entre os missionários e os povos indígenas durante a colonização da América.

O dossiê se encerra com o artigo As vozes escritas de Pepetela: identidade angolana, literatura e colonialismo em “Mayombe” e “A geração da utopia”. À luz da hermenêutica e de uma postura etnográfica, João Matias de Oliveira Neto nos apresenta uma análise de dois romances históricos do escritor angolano Pepetela. Tomando como objeto essa literatura, o autor reflete sobre as dinâmicas identitárias e as percepções de diferentes sujeitos sociais, constituídas nos processos colonial e pós-colonial pelos quais passou o atual Estado de Angola. Tais questões se fazem presentes na escrita de Pepetela, a partir das situações históricas experienciadas e refletidas pelos personagens.

Sob os auspícios deste quadro, emoldurado por abordagens em diversas perspectivas, convidamos os(as) leitores(as) a imergirem nessas múltiplas historicidades vivenciadas no Brasil, Angola e outros locais de colonização Ibérica em contextos coloniais e pós-coloniais.

Sérgio Luiz de Souza – Professor Adjunto no Departamento de Ciências Sociais, Universidade Federal de Rondônia (UNIR) – Campus Porto Velho, onde atua no Programa de Mestrado em História e Estudos Culturais. Pesquisador associado ao Centro de Estudos das Línguas e Culturas Africanas e da Diáspora Negra (CLADIN) da UNESP / Araraquara. E-mail: [email protected]

Janailson Macêdo Luiz – Professor Assistente da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, Campus Marabá. Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]


SOUZA, Sérgio Luiz de; LUIZ, Janailson Macêdo. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.9, n.1, jan / jun, 2018. Acessar publicação original [DR]

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Ensino de História, memória e cidades / Mnemosine Revista / 2017

Reconhecer a cidade como um texto, nos convida a mergulhar na polissemia das experiências urbanas. A trajetória de ensino, pesquisa e extensão direcionada à história e à geografia local mediada pelos narradores dos bairros, das praças e dos demais espaços públicos conduz ao encontro com as memórias individuais e coletivas locais. Investir em uma cultura política de resistência ao processo de globalização implica em reconhecer as vozes locais que foram silenciadas pela memória oficial celebrativa herdeira da História Positivista.

Conforme sugeriu Walter Benjamin, a história à contrapelo tem uma dimensão política muito profunda, as pesquisas que ousam adentrar o cotidiano dos corpos invisíveis da e na cidade do passado e do presente coloca os leitores em contato com o avesso da história oficial. Essa dobra no fazer historiográfico pode ser experienciada por diversos caminhos metodológicos como a Educação Patrimonial, a Pedagogia da Cidade, a história oral e outros percursos de caminhada pela cidade que apresentem a sua diversidade social e cultural no que diz respeito às dimensões étnicas, de classe, gênero e gerações e que demonstrem o quanto o fazer e o viver urbano é plural, contraditório e complexo.

Dando visibilidade a essa complexidade do viver urbano no Brasil e na Argentina, ou seja, em experiências urbanas latino americanas, caminhemos pelas diversas cidades brasileiras de estados da região Nordeste como Pernambuco com o olhar voltado para a cidade de Recife e mais intensamente no estado da Paraíba onde são narradas experiências urbanas da capital João Pessoa, de uma cidade média, a chamada Rainha do Agreste da Borborema, Campina Grande , adentremos cidades interioranas menores como Umbuzeiro e Pedro Velho. Ainda seguindo nossa caminhada pelo Nordeste, vamos ao encontro das experiências urbanas da cidade de Currais Novos no estado do Rio Grande do Norte. Do Nordeste em direção à região norte do país, Amazonas, mergulharemos nas experiências citadinas de Currais Novos. De modo a ampliar nossa cartografia enquanto caminhantes nos dirigimos ao Sudeste do Brasil por meio de uma experiência de pesquisa 8 histórica fundamentada na cultura política da cidade do Rio de Janeiro e dando passos mais ousados e internacionais, caminharemos pelas trilhas da cidade de Buenos Aires movidos pela pedagogia citadina museológica.

Esse dossiê expressa e enfatiza a pluralidade das sociabilidades e sensibilidades citadinas nordestinas, nortistas, norte rio-grandenses e da região sudeste, mais especificamente, cariocas e no âmbito internacional, as experiências urbanas de Buenos Aires, com o olhar voltado para os museus. Esse mergulho historiográfico amplia as possibilidades investigativas sobre as cidades e o ensino de história local, bem como nos convida a aprofundar o diálogo entre ensino e pesquisa no processo de educação histórica de modo a provocar nos educandos o desejo de ler suas cidades e escrever outras histórias citadinas para além da cidade vertical. Outros leitores, narradores, escritores e ouvintes das cidades entram em cena deshierarquizando quem faz e quem conta a história, entrelaçando saberes acadêmicos com saberes experienciais, dando passagem às vozes dos pescadores, barbeiros, antigos moradores, às crianças, aos militantes de movimentos sociais urbanos de modo a afirmar a polissemia do texto cidade em suas variadas temporalidades e espacialidades.

A autora Alana Cavalcanti nos convida a mergulhar no Rio Sanhauá e nas águas do mar da Praia de Tambaú nos possibilitando encontros com os pescadores, veranistas, e moradores do centro e do litoral pessoense movida pela inquietação com relação ao processo de mutação da vitrine urbana do centro para o litoral.

Em seu artigo “MEMÓRIAS FLUVIAIS DO IMAGINÁRIO PESSOENSE: O RIO SANHAUÁ COMO NASCEDOURO DA CIDADE DE JOÃO PESSOA- PB E CONSTRUTOR DE IDENTIDADES, ela enfatiza como o Centro da cidade, no final do século XIX a meados do século XX, foi palco das várias transformações da cidade de João Pessoa na Paraíba, como também precursor dos equipamentos modernos de acordo com o contexto. Partindo da escuta das histórias de vida de antigos moradores por meio da narrativa de suas memórias citadinas, a pesquisadora se fundamentou teórico e metodologicamente na História Cultural e suas múltiplas representações (CHARTIER,1990), entendendo a cidade como um texto (CERTEAU, 2014). A metodologia da história oral (BOSI, 2003) e (MONTENEGRO, 1992), também foi fundamental para o desenvolvimento dessa pesquisa. Dessa forma, o presente artigo, busca contribuir com os estudos e debates acerca da cidade, memória e história oral e as mudanças de representações dos espaços citadinos em sua historicidade local.

O segundo artigo escrito pela historiadora da UFRGS, Carmen Zeli de Vargas Gil intititulado” CONVIDA, INTERPELA E DESAFIA: mediações em instituições de memórias de Buenos Aires convida o leitor a reconhecer a importância do@ educador@ histórico como um mediador no conhecimento e reconhecimento das instituições de memórias no meio urbano. Propõe-se a discutir três experiências identificadas na cidade de Buenos Aires, durante o ano de 2015, em um intenso trabalho de acompanhar escolas em espaços de memórias nesta cidade que congrega tantos museus. Que pressupostos assumem em relação ao público escolar? Outorga-se aos alunos um lugar de escuta somente? Como a pergunta pode ser o fundamento da participação ou da transmissão de ideias e valores? Trata-se de interrogantes que estruturam as reflexões tecidas neste texto com ênfase no trabalho pedagógico do Parque de la Memoria, Casa Nacional del Bicentenario e o Museo Etnográfico Juan B. Ambrosetti. A autora enfatiza em seu texto como nessa trajetória dialógica de aproximação, foi possível perceber a importância da pergunta no processo de mediação; a pergunta que convida a olhar mais de perto, interpela, desafia e instiga o diálogo. Portanto, Freire é a inspiração para esta reflexão, assumindo que todo conhecimento começa com a pergunta ou a necessária curiosidade que produz a busca.

Saindo da experiência da Pedagogia da cidade na Argentina, mais especificamente na cidade de Buenos Aires e voltando às tramas citadinas brasileiras, nos deparamos com a narrativa histórica do autor carioca Charleston José de Sousa Assis, historiador vinculado à Universidade Federal Fluminense, que nos convida a pisar o chão carioca caminhando pelas ruas da cidade, pondo-nos em contato com os revoltosos e suas reivindicações no que concerne aos transportes locais, exercendo sua cidadania e buscando a materialidade de seus direitos enquanto moradores, à cidade. Os tumultos de 1987 pelo aumento nas tarifas de ônibus: apontamentos sobre classes populares e cultura política no Rio de Janeiro. Ele nos relata que em 30 de junho de 1987, milhares de pessoas participaram de uma revolta popular no Centro da cidade do Rio de Janeiro, cujo estopim foi um aumento das tarifas de ônibus. Durante cerca de oito horas foram depredados mais de 100 ônibus, entre vários outros alvos. Fundamentado no historiador E. P. Thompson, o autor ressalta que o anormal pode nos auxiliar a desvendar as normas do cotidiano, por esta razão este artigo parte daquele protesto para investigar a cultura política do carioca no período da transição da ditadura para a democracia, que teve como marcos fundamentais a Campanha Diretas Já, os eventos envolvendo a eleição e morte de Tancredo Neves e o sucesso efêmero do Plano Cruzado. Aos registros produzidos na cobertura daquele protesto serão cotejadas às falas de outros populares presentes em cartas encaminhadas à Assembleia Nacional Constituinte e em produtos culturais. No referido período, assistiu-se ao surgimento de uma unidade comum entre os setores populares e os médios empobrecidos em torno de valores como democracia, soberania popular e justiça social, derivados de experiências comuns tanto no campo material quanto no simbólico e vivenciadas, pelo menos, desde meados dos anos 1970, quando da reorganização popular contra a ditadura. A julgar pelas evidências, os manifestantes de 30 de junho de 1987 foram resultado da cultura política surgida tanto do efeito pedagógico daqueles eventos quanto das inúmeras frustrações reiteradamente experimentadas pela sociedade em função dos arbítrios da ditadura.

Do Rio de Janeiro diretamente para a Rainha da Borborema, o historiador Cid Douglas Souza Pereira nos leva a olhar para A CIDADE DE CAMPINA GRANDE CONTEMPLADA POR SEGMENTOS LABORAIS: MEMÓRIA, TRABALHO E VIDA. Conforme afirmou, este artigo apresenta uma discussão em torno das categorias conceituais de trabalho e outras demarcações que fundamentaram a sua pesquisa de Mestrado. Para tentar compreender o mundo do trabalho e dos trabalhadores, em especial os antigos barbeiros de Campina Grande – PB, entre os anos de 1960 a 1980, o autor diz que almejou, a partir da memória, recompor o cenário urbano desses labutadores, os quais fazem do seu ofício uma arte que caminha na contramão das implementações da modernidade, e praticam isso no momento em que, em nome de costumes e hábitos, conservam antigas tradições. Dessa forma, assim como os de “cima”, as pessoas comuns são capazes de narrarem sua trajetória de vida e a história da cidade onde vivem, entrelaçando memória individual e coletiva. Aprenderemos muito com os barbeiros narradores campinenses, uma vez que as barbearias eram e são potenciais espaços pedagógicos masculinos, onde os homens aprendem e ensinam ser homens e a ser citadinos.

Ainda caminhando pelo estado da Paraíba, vamos ao encontro de outros personagens históricos militantes que foram invisibilizados pela história e memória oficial paraibana. A historiadora Eliete de Queiroz Gurjão Silva em seu artigo “PARAÎBA 1817: HISTÓRIA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO”, ao mesmo tempo que denuncia o silenciamento de uma memória local de extrema relevância, mostra o protagonismo da Paraíba na Revolucão de 1817; a importãncia desta no contexto do início do século XIX; recuperando e ressignificando sua memória; conforme a autora descreveu em seu texto, ela procurou descrever e divulgar seu patrimônio sobrevivente na cidade de João Pessoa-PB. Neste sentido faz uma crítica à historiografia que praticamente ignora a participação das demais províncias na rebelião, narrando-a como apenas A Revolução Pernambucana, tecendo, assim, um véu de esquecimento que apagou-a da memória dos paraibanos. Esse processo de construção de uma nova narrativa com relação á Revolução de 1817 e de denúncia do silenciamento dessa experiência social foi constatado através da execução do projeto que é relatado no final do texto. A historiadora caminhou pela pesquisa-ação ao ir ao encontro das narrativas que reconhecem os protagonistas da revolução de 1817 na Paraíba ao realizar uma pedagogia da cidade por meio de um projeto de extensão cujos objetivos foram: salvar o que restava do patrimônio e da memória da Revolução de 1817 na Paraíba, restaurar placas referentes à Revolução e realizar um trabalho de Educação Patrimonial, tentando sensibilizar parte da população local sobre a importância e significado desse patrimônio, procurando reforçar seu sentimento de pertença e autoestima.

E por falar em lutas, movimentos sociais e invisibilidade dos protagonistas militantes, façamos uma viagem espaço-temporal da cidade de João Pessoa para a comunidade Pedro Velho numa temporalidade bem mais próxima de nós leitores. A autora Ellen Layanna de Lima em seu artigo “UMA COISA É VOCÊ SE MUDAR DE ONDE VOCÊ MORA OUTRA COISA É VOCÊ SER EXPULSO”: ORIGEM E TRAJETÓRIA DO MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGEM NA PARAÍBA” narra as tramas políticas e sociais da comunidade de Pedro Velho no ano de 2004 que foi vítima de uma experiência significativa de perda material e simbólica com o rompimento da barragem de Argemiro Figueiredo (Acauã) na Paraíba. Segundo a historiadora, este fato acarretou o aprofundamento das desigualdades sociais, ao passo que produziu centenas de famílias que além de pobres, ficaram sem terra para manter a atividade agrícola, atividade que garantia o sustento da maioria dos Pedro velhences. Para além de um prejuízo econômico, a população ainda enfrentou a suplantação de bens culturais e a perda de suas referências tradicionais. Acreditando no rompimento das “barreiras do silencio” a autora nesse artigo contou um pouco da história de Pedro Velho, comunidade inundada no mês de Janeiro de 2004, e seus desdobramentos (sendo um de seus principais a formação do Movimento dos Atingidos por Barragens) a partir do olhar de moradores e militantes. Sua pesquisa teve como principal ferramenta metodológica a história oral. Ao adentrar o cotidiano dessa comunidade em ‘ruìnas’ através das narrativas dos moradores militantes, não militantes e de diversas gerações , a pesquisadora chega a conclusão que a perda de referência no âmbito material e cultural foi algo presente na fala dos entrevistados, tal perda engrenou a produção de estratégias de adaptação e resistência. Neste sentido, para ela, a memória, a organização social e a inspiração pela luta, foram pontos notáveis na fala dos narradores que procuramos destacar.

As crianças também são protagonistas urbanos, o historiador Humberto da Silva Miranda, professor da UFRPE trata de uma pedagogia da cidade por meio da ênfase do seu trabalho na importância da participação das crianças na escrita desse texto cidade de modo horizontal, combatendo o olhar vertical com relação à urbs. Em seu artigo”-QUANDO A RUA SERÁ MINHA? HISTÓRIA, INFÂNCIAS E O DIREITO DE VIVER A CIDADE” o autor, conforme ele mesmo afirma, objetiva debater a relação entre a cidade e o “viver a infância” a partir da preocupação de como foi construída, historicamente, a noção de criança cidadã. Tendo como foco o âmbito da rua, ele procurou discutir como esses espaços se tornaram, ao longo do século XX, cenários das mais diferentes formas de sociabilidades nas cidades. As ruas como espaço de brincadeiras e de conversas tornaram-se locais de moradia, de trabalho e até de exploração sexual. A grande pergunta que moveu o seu caminho investigativo é como o Sistema de Justiça brasileiro produziu dispositivos legais a fim de garantir o direito das crianças viverem o espaço urbano? A partir desta pergunta, o historiador analisou textos legais como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Plano Nacional de Convivência Familiar e Comunitária investigando como estas leis produziram o discurso sobre o direito da criança viver a cidade.

Dando continuidade a essa reivindicação do direito á cidade pelos moradores comuns e da relevância de sua participação social na cena urbana, voltamos á cidade de Campina Grande e chegamos ao maior bairro da cidade dessa cartografia citadina, uma vez que possui mais de 30.00 habitantes, o bairro das Malvinas que conforme enfatizado pela historiadora Keila Queiroz e Silva, esse bairro diz muito de Campina Grande e seus moradores ao gritarem por justiça e pertencimento local. O artigo “OS BAIRROS DIZEM A CIDADE: O MAPEAMENTO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DOS “OUTROS” MORADORES URBANOS” coloca em evidência os outros cartógrafos de uma cidade plural e dos de baixo, denunciando e estranhando as narrativas históricas e midiáticas que dão visibilidade aos grupos políticos dominantes e invisibilizam as tramas históricas locais dos sujeitos ordinários e suas artes de fazer, fazendo uam viagem certeauniana e também benjaminina pela cidade de Campina Grande. A nossa escolha teórico-metodológica historiográfica certeauniana e benjaminiana deu passagem a outras vozes, a outros rostos, a outras paisagens, a outras formas de luta, resistência e sociabilidade que nos permitiram reescrever o texto cidade, colocando em cena novos personagens e novas sensibilidades urbanas, reconhecendo o protagonismo histórico dos sujeitos ordinários (CERTEAU:1994) que não aparecem nos livros didáticos, nem nos documentos oficiais. Amparada na metodologia da história oral, a autora trabalhou com histórias de vida dos moradores de bairros populares da cidade de Campina Grande e identificou a partir de suas narrativas, o patrimônio cultural tecido por eles em seu cotidiano do trabalho, do lazer e da sociabilidade dentro do bairro. Através de sua atuação no Programa Pet-Educação, a pesquisadora juntamente com seus alunos orientandos fez um mapeamento do patrimônio cultural imaterial dos moradores e registrou esse legado através da produção de um documentário com relatos biográficos dos artistas mapeados.

Retomando nessa caminhada por diversas trilhas urbanas geográficas, adentremos o universo das “MEMÓRIAS DO TRABALHO NA MINERAÇÃO BREJUÍ: PROPOSTA PARA USO DA HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO MÉDIO INTEGRADO EM MINERAÇÃO, EM CURRAIS NOVOS / RN”, artigo esse que tem como autores os historiadores Cléia Maria Alves, Francisco das Chagas Silva Souza, Olivia Morais de Medeiros Neta.

Neste artigo eles narram que entre os anos de 1945 a 1981, a Mina Brejuí, em Currais Novos-RN, se destacou nacionalmente pela produção de sheelita. Ela hoje é um parque temático e guarda uma memória do trabalho. Logo, é um lócus constitutivo de uma memória histórica de um determinado grupo social, os mineradores. Portanto, possui um potencial educativo à medida que expressa algo memorável, contribuindo de forma que os educandos possam situar-se como sujeitos históricos em um processo de construção e compreensão de tempos e espaços dos “lugares de memória”. A pesquisa do referido autor tem o objetivo de discutir sobre proposta de uma unidade didática sobre a História Local da Mineração Brejuí como contributo para as aulas de História e as reflexões sobre o mundo do trabalho, no Ensino Médio Integrado em Mineração, na Escola Estadual Manoel Salustino, em Currais Novos-RN. Podemos considerar que o autor educador contribui para a escrita de uma pedagogia da cidade de Currais Novos, história escrita com os seus educandos, entrelaçando ensino e pesquisa.

Cruzando as fronteiras entre o Nordeste e o Norte brasileiro, seremos convidados a ler o artigo do autor Paulo de Oliveira Nascimento. Tendo esses narradores como nossos guias citadinos, chegaremos na cidade de Eurunepé no estado do Amazonas. O artigo “NARRADORES DE EIRUNEPÉ: Oralidade, Narrativa e Ensino de História na (re) construção de uma Memória Coletiva urbana”.

Nascimento afirma que a memória coletiva possui uma significativa gama de vestígios do passado de uma cidade. Segundo esse autor, Na Amazônia, esta memória coletiva desempenha um papel muito importante enquanto fonte histórica, dada a quase inexistência de quaisquer outros vestígios. Memória reatualizada, Memória disputada, Memória viva, esta chega à sala de aula através da fala dos alunos e alunas, que ouvem as histórias de seus pais e avós. Neste texto, eles tratam das relações entre a Memória Coletiva e o Ensino de História, a partir de sua experiência didático-pedagógica com alunos e alunas da 1ª e 2ª série do Ensino Médio, do IFAM / Campus Eirunepé. Esse relato de experiência de ensino e pesquisa se destaca como mais uma colaboração nesse dossiê no sentido de repensar e ampliar os caminhos metodológicos no processo de educação histórica.

De volta à Paraíba, mais especificamente à cidade de Umbuzeiro na Paraíba e encerrando nossa caminhada por diversas cidades e suas complexidades, encontramos o artigo de Tatiane Vieira da Silva “AZUL OU ENCARNADO, NÃO IMPORTA A COR DO ORNATO, A MATIZ É UMA SÓ. É FESTA EM UMBUZEIRO, É DIA DE VAQUEJADA!”. Nesse artigo a autora enfatiza que a cultura local exerce um papel singular no cotidiano dos pequenos centros urbanos, na medida em que provoca sociabilidades, integra as referências identitárias e os sentimentos de pertença. Ela diz a cidade de Umbuzeiro ressaltando A cidade paraibana de Umbuzeiro, sediou por várias décadas uma das vaquejadas mais antigas da região. Essa prática rural adentrou o espaço urbano, conquistou adeptos, atraiu multidões e se tornou a melhor e mais afamada festa daquelas paragens. Sua pesquisa foi norteada pela metodologia da história oral (ALBERTI, 2011) e das fontes jornalísticas (LUCA, 2011). O que possibilitou que a referida pesquisadora investigasse a historicidade da vaquejada de Umbuzeiro e mergulhasse nas experiências vividas, relembrando hábitos, valores, e práticas da vida cotidiana daqueles que vivenciaram aquelas festas, conforme ela mesma salienta em seu trabalho. Começamos nossa caminha entre o rio e o mar pessoense e concluiremos imersos na experiência das vaquejadas da cidade de Umbuzeiro. Desejo uma prazerosa caminhada pelas cidades aqui apresentadas e representadas a todo@s os@s leitore@s.

Keila Queiroz e Silva – Doutora (UAED / UFCG)


SILVA, Keila Queiroz e. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.4, out / dez, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História e Correspondências / Mnemosine Revista / 2017

História e Correspondência: “vestígios de estranha civilização”?

(…) “Sábios em vão

Tentarão decifrar

O eco de antigas palavras Fragmentos de cartas, (…)

Vestígios de estranha civilização” (…)

(Futuros amantes – Chico Buarque, Paratodos, 1993)

Em um mundo de comunicação instantânea possibilitada pelas tecnologias da informação e comunicação, talvez soe estranho o interesse de historiadores pelas correspondências em seus mais variados estilos e épocas. Distância e ausência são, até os dias atuais, motivos para a efetivação do ato de escrever cartas, de se corresponder. As cartas, como os e-mail’s e mensagens enviadas por aplicativos como o whatssap, movem-se entre a presença e ausência, ao mesmo tempo em que à distância, mantemos os vínculos. Forma utópica da conversa, registro particular do mundo, a troca de cartas, cuja origem se perde na antiguidade, atingiu o auge na Europa Ocidental, como forma de escrita pessoal, durante os séculos XVIII e XIX, e como consequência do processo maciço de alfabetização.

Cartas são necessariamente escritas para um destinatário, seja uma única e particular pessoa, seja um conjunto maior de leitores, conhecido ou não pelo remetente que, por sua vez, também pode ser um indivíduo ou um coletivo. De maneira geral, cartas são escritas para serem lidas por certa pessoa, selando um “pacto epistolar” abarcando assuntos variados e até íntimos e um pouco secretos. Nesses casos, elas podem ser cuidadosamente guardadas pelo destinatário, como um bem de valor afetivo incomensurável, como um “objeto de memória”. Contudo, não é incomum que, justamente pelas mesmas razões, elas sejam destruídas (até a pedido do remetente) ou sejam mantidas a distância de qualquer outro leitor, como se uma aproximação indevida pudesse implicar invasão de privacidade, não importando a distância decorrida entre o momento da escrita da carta e o da leitura efetuada.

A concepção desse dossiê surgiu a partir de nossos interesses em articular História e Correspondência, por ser este um campo em que temos atuado, por considerarmos bastante profícuo para a compreensão da produção Intelectual. Campo que vem sendo bastante praticado, sobretudo contemporaneamente, na academia a partir da disponibilização dos acervos privados de intelectuais que mantiveram a prática epistolar. No entanto, ressalte-se que a prática epistolar pode ser localizada já nas sociedades do antigo Oriente Próximo, na Grécia Helênica, no império Romano, no medievo romano-germânico, etc. Há, sem dúvida, uma vasta documentação que se apresenta ao historiador interessado em produzir biografias privadas, intelectuais, políticas, dentre as muitas outras dimensões que este tipo de fonte congrega.

Assim, o dossiê teve como objetivo maior juntar artigos e pesquisadores que focalizem o contato entre História e correspondência, propondo-se, portanto, a explorar os múltiplos aspectos da correspondência, a partir dos resultados de investigações que aprofundem o uso dessa fonte como objeto da produção historiográfica.

O primeiro artigo que compõe o dossiê, “Meu caro freguês dos domingos”: cartas de Monteiro Lobato a Anísio Teixeira, de autoria de Emerson Tin, aborda a leitura da correspondência mantida entre Monteiro Lobato e Anísio Teixeira nos permitindo não apenas reconstruir as relações de admiração e afeto mantida entre esses dois importantes intelectuais da primeira metade do século XX, mas também refletir sobre o papel da imprensa na história do Brasil, a partir da reconstrução do curioso caso “Miss Brasil”, narrado por Lobato a Anísio Teixeira.

O segundo artigo “Cumpro meu destino de porteiro-apresentador neste Nordeste”: a correspondência de Luís da Câmara Cascudo e José Américo de Almeida (1922-1978), Giuseppe Roncalli Ponce Leon de Oliveira busca demonstrar que Cascudo, mesmo tendo estabelecido uma rede de sociabilidade intelectual “modernista”, não deixou de estabelecer contatos com uma rede de sociabilidade intelectual “regionalista”. Embora a respectiva correspondência com José Américo de Almeida não estabeleça um circuito fechado de diálogos e ideias, é possível, por intermédio de um cotejamento minucioso das fontes, remontarmos aspectos dessa experiência e de sua relevância para a formação intelectual de Luís da Câmara Cascudo.

O terceiro artigo, Acuidade miraculosa do poeta nada: Câmara Cascudo entre cartas, ensaios e poemas, Marcos Silva problematiza a condição ensaísta de Luís da Câmara Cascudo nos campos de literatura e cultura com maior atenção para sua poesia e correspondência. Este texto comenta o estudo de Dácio Galvão sobre a Poesia de Câmara Cascudo presente no corpo da correspondência estabelecida com Mário de Andrade e realça seus diálogos com aqueles outros gêneros textuais.

No quarto artigo, Entre amigos: diálogo epistolar entre Vingtun Rosado e Raimundo Nonato da Silva Paula Rejane Fernandes e Hélia Costa Morais exploram e analisam a correspondência trocada entre os intelectuais Jerônimo Vingt-un Rosado Maia e Raimundo Nonato da Silva. Por meio das correspondências, as autoras acreditam que podemos ler a respeitos das pesquisas que vinham realizando e, principalmente, sobre as formas como os dois intelectuais mobilizavam forças para publicar suas obras e o modo como a troca de cartas auxiliou neste processo.

No quinto artigo, O Governo provisório de Getúlio Vargas e as lideranças políticas do Rio Grande do Sul e de São Paulo (1930-1932) Antônio Manoel Elíbio Júnior, pretende discutir as articulações das elites políticas do Rio Grande do Sul e de São Paulo, durante o Governo Provisório de Getúlio Vargas, arregimentadas em torno do Partido Republicano Riograndense – PRR, Partido Libertador – PL, Frente Única Gaúcha – FUG, Partido Republicano Paulista e Frente Única Paulista – FUP. Após a “Revolução de 1930” as lideranças políticas destes dois estados procuraram mobilizar inúmeros artifícios e estratégias para viabilizar suas demandas e interesses junto ao Governo Vargas. Assim, o que se analisa, principalmente a partir das correspondências trocadas pelas elites partidárias, são os embates acerca da participação das alianças na esfera de poder do executivo federal.

O sexto artigo, Para Serem Atendidas: cartas ao Interventor Magalhães Barata, Pará (1930-1935), escrito por Michele Rocha da Silva apresenta como diversos segmentos sociais, pela ótica de seus efeitos, em diálogo com o Governo, vivenciaram a experiência política em seu cotidiano frente às propostas reformistas da primeira Interventoria de Magalhães Barata (1930-1935) no Pará. Para tanto, investigou-se as cartas que homens e mulheres enviavam ao Interventor. Com bases nos suportes teóricos da história social e cultural, essa pesquisa buscou compreender que ideias, crenças, valores, identidades culturais, próprios dos missivistas e construídos em meio as suas experiências e vivências culturais, econômicas e políticas, foram fatores determinantes para a reinterpretação do discurso do Governo de Intervenção e, nos limites de suas possibilidades, permitiram a negociação com o mesmo.

No sétimo artigo, Dos Leitores: cartas ao jornal “O Estado de São Paulo” (1961-1964), Vitor Arzani Martins busca a problematização das correspondências entre público leitor e jornal ao passo que discute os procedimentos metodológicos para a análise deste tipo de fonte. Levanta hipóteses acerca da seleção, publicação e diagramação das cartas e seus significados, bem como problematiza a veracidade de tais documentos.

No oitavo artigo, Escritos e deslocamentos Literatura epistolar no processo de e / imigração portuguesa (São Paulo-Portugal 1890-1950) Maria Izilda Santos de Matos investiga a presença dos e / imigrantes portugueses em São Paulo (1890 e 1950). Entre várias questões abordadas, buscando recuperar as redes constituídas, as sociedades de saídas e de acolhimento, os preparativos para viagens, desejos de reunificação familiar e sensibilidades envoltos nesse processo. O texto encontra-se assentado numa ampla documentação epistolar, as cartas analisadas foram localizadas na antiga Hospedaria dos Imigrantes (atualmente depositadas no Arquivo Público do Estado de SP-APESP) e em Arquivos Distritais portugueses.

No nono artigo, Cartas e descobertas: o território paulista nos escritos de Taunay (1865-1866), Airton José Cavenaghi analisa a produção epistrográfica de Alfredo de Taunay (1865-1866), durante sua jornada na região do conflito da Guerra do Paraguai, quando atravessou o território da Província de São Paulo. Procura compreender os aspectos narrativos e etnográficos desta produção textual, associando-a as percepções do caminho e ao território da jornada, a recepção recebida nos lugares de hospedagem, bem como a análise e recuperação de narrativas associadas aos processos constituintes do setor de serviços de hospitalidade, nesse momento histórico específico. Além disso, apresenta a relação entre a produção das narrativas de Taunay, associando-a a outras produções documentais de outros personagens, presentes ou não, nas suas narrativas originais.

No décimo artigo, Comunica-me as ocorrências da casa: o Padre Ibiapina e as minorias segregadas do século XIX, Noemia Dayana de Oliveira e João Marcos Leitão Santos a luz das categorias de instituições e minorias oferecem importante chave analítica para compreender processos socioculturais do Nordeste do século XIX. Principalmente a partir da intervenção do padre Ibiapina que geria as Casas de Caridade através de cartas, como se evidencia de forma mais precisa nas correspondências dirigidas a irmã superiora Demásia de Pocinhos / PB. Ao recolher essas cartas e observá-las amiúde os autores problematizam as relações institucionais travadas entre o idealizador desse projeto expressivo em termos sociais e culturais, além da significativa extensão territorial, e as mulheres responsáveis pela organização e manutenção desses espaços. Igualmente, interroga-se o discurso do padre que se direciona a defesa dos pobres e miseráveis, sem perder de vista a importância de colaborar para a transformação do cotidiano de muitos homens e mulheres em situação de pobreza que caracterizava a sociedade do Nordeste oitocentista.

O último artigo que compõe o respectivo dossiê, Carta a Proba, de Santo Agostinho, Marinalva Vilar de Lima analisa a carta-resposta de Agostinho a Proba; cujos temas, da valorização da beatitude, da felicidade, da vida bem-aventurada, do cuidado com as ilusões provocadas pela riqueza material, pelos deleites e pelos desejos carnais, constituem a base de sua argumentação. Carta que, a priori, foi destinada à viúva Proba, mas que posteriormente integra o hall da produção agostiniana em sua vontade de edificação e defesa do credo cristão, projetando a “vida eterna” em detrimento da “vida no tempo”.

Por fim os artigos aqui apresentados, nos mostra que caberá ao historiador decidir o que irá buscar nesses documentos, fazendo deles fontes ou objeto de História da Literatura, da Educação, da Cultura, etc. Ao consideramos as cartas como fontes de pesquisa, é nos solicitado todos os procedimentos de crítica documental que são usualmente empregados a toda documentação escrita, acrescida da preocupação baseada no seu caráter subjetivo anteriormente mencionado. As considerações feitas sobre essa dimensão da “escrita de si” remete à constatação que as informações nelas contidas serão sempre versões individuais ou coletivamente construídas sobre determinados fatos e acontecimentos. Esperamos que esta coletânea venha a estimular esse profícuo debate.

Giuseppe Roncalli Ponce Leon de Oliveira – Professor Doutor (Bolsista PNPD-CAPES / PPGH / UFCG

Marinalva Vilar de Lima – Professora Doutora (UAHis / PPGH / UFCG)


OLIVEIRA, Giuseppe Roncalli Ponce Leon de; LIMA, Marinalva Vilar de. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.3, jul / set, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História e ensino de história / Mnemosine Revista / 2017

A construção deste dossiê segue recortes temáticos, temporalidades e espacialidades diversas, porém, tem como fio condutor trabalhos que refletem sobre temas ligados a História cultural das instituições escolares: refletindo sobre questões ligadas a educação infantil, profissional e do campo; representações e práticas do cotidiano escolar; identidades e diferenças; construção de masculinidades; disciplinarização dos corpos e relações de gênero.

No artigo que introduz o dossiê “Refúgio das crianças”: os institutos de amparo as crianças desvalidas e a adestração de corpos na Paraíba (1889-1930), os autores Azemar dos Santos Soares Júnior (UFRN), Edna Maria Nóbrega Araújo (UEPB) e Joedna Reis de Meneses (UEPB), nos conduzem a cidade da Parahyba entre o final do século XIX e início do século XX, cartografando subjetividades construídas pela pedagogia, medicina, polícia para as práticas de disciplinarização dos corpos infantis, durante o período de 1889 a 1930.

Os caminhos / descaminhos da educação profissional no Brasil e no Rio Grande do Norte no século XX são abordados em dois artigos. O primeiro sobre “O ensino profissional no Rio Grande do Norte: uma análise das ações do estado entre os anos de 1908 e 1957” é resultado do mapeamento das ações do governo Potiguar referente ao ensino profissional, no período de 1908- 1857. As autoras Karla Katielle Oliveira da Silva (IFRN) e Olívia Morais de Medeiros Neta (UFRN) refletem especialmente, sobre as criações de instituições, cursos e subvenções, para o ensino profissional no estado.

O segundo artigo, sobre “O ensino profissional no Rio Grande do Norte: uma análise das ações do estado entre os anos de 1908 e 1957” os autores Karla da Silva Queiroz (UERN) e Francisco das Chagas Silva Souza (IFRN), nos convidam a refletir sobre o processo de industrialização e as políticas educativas de formação profissional no Brasil ao longo do século XX.

As autoras, Ana Claudia de Andrade Costa (UFERSA) e Kyara Maria de Almeida Vieira (UFERSA), no artigo “O olhar e o sentir: aula de campo como metodologia de ensino e aprendizagem” nos convidando a pensar acerca da aula de campo como metodologia de ensino e aprendizagem. Apontando, dentre outras questões, para a luta e o protagonismo das mulheres, que lutam todos os dias contra as desigualdades de gênero e o capitalismo para manterem de forma solidária, saudável e sustentável a agricultura familiar, a agroecologia e a economia no oeste potiguar.

Experiências em sala de aula, práticas educativas sobre o corpo, filosofia da diferença, estas são algumas das questões analisadas no artigo “Porta giratória da diferença: “quem de nós não foi ainda amaldiçoado (a) pela víbora?””, a autora Eronides Câmara de Araújo (UFCG), nos convida a refletir sobre a relação do “Eu com o Outro”.

Em “entre vivências e experiências: o PIBID de História do CERES / UFRN e a Escola Estadual Monsenhor Walfredo Gurgel (Caicó- RN – 2012-2014), as autoras Ana Carla de M. Trindade (UFPB) e Jailma Maria de Lima (UFRN), refletem sobre a importância do PIBID de História para a formação docente dos licenciandos, relatando algumas das experiências desenvolvidas no cotidiano escolar.

No artigo “Pedagogias da virilidade: modelos e avessos do homem trabalhador em A Bagaceira (1928)” os autores, Matheus da Cruz e Zica (UFPB) e Carlos André Martins (UFCG) a partir do romance “A Bagaceira” escrito por José Américo de Almeida (1887-1980) e publicado em 1928 e chama-nos atenção para refletir sobre as representações de masculinidades e virilidades, enquanto “instituinte da própria ideia de região”.

No artigo Receitas e conselhos: “O Livro das Noivas“ pedagogizando a família, a autora Regina Coelli Gomes Nascimento (UFCG), propõe uma reflexão acerca da construção de modelos femininos e discursos disciplinadores das relações de gênero para formação das famílias na década de 1930, a partir da leitura de “O Livro das Noivas” de Receitas e Conselhos Domésticos, publicado em 1929.

No texto da professora Suelly Costa (SEC / PB), “O patronato agrícola de bananeiras: uma experiência de atendimento e educação para a infância pobre na Paraíba (1924-1934)”, está posta a discussão sobre a criação e dinâmica interna do Patronato Agrícola de Bananeiras entre os anos de 1924 e 1934, avaliando o desenvolvimento de ações escolares assentadas no ideário civilizador e de modernização do setor agrícola brasileiro à época, com remissão aos rumos da educação profissionalizante desenvolvida nessas instituições se firmaram na tradição da modernidade, nacionalismo e ideologia do progresso, e a ação reflexa dos proprietários rurais em particular no âmbito da sociedade civil

Em “Bem-estar / mal-estar docente: a perspectiva dos professores de história da educação básica”, de Gabriela Alves Monteiro, em pesquisa que incorporou entrevistados em escolas das redes públicas e privada apresenta-se a tentativa de identificar os fatores que mais influenciam a incidência do bem-estar e do mal-estar docente a partir da perspectiva dos professores de História da educação básica, e a partir disso indicar os níveis de bem-estar no trabalho apresentados pelos professores. Para tanto, utilizou-se a Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET) proposta por Paschoal e Tamayo (2008), e a técnica de análise de dados da estatística descritiva e a análise de conteúdo.

No texto de Mariane Vieira da Silva e do professor Antônio de Pádua Carvalho Lopes “A função de direção escolar na legislação educacional piauiense (1910-1947)” é investigado o processo histórico que instituiu a configuração da prática da direção escolar no ensino primário piauiense entre 1910 e 1947, a partir da legislação, sua dimensão legal imposta a partir de 1910, dentro dos grupos escolares implantados no estado, e a dinâmica que levou as variações dessa função mapeadas neste artigo , notadamente os critérios de escolha, remuneração, qualificação e experiência para o exercício deste, particularmente a mudança no critério de experiência docente para a de domínio de conhecimentos em torno da administração escolar, sobretudo, por intervenção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos / INEP.

Assim, envolvendo professores pesquisadores de diferentes instituições (IFRN, UFCG, UFPB, UEPB, UFRN, UFESA, SEC / PB, UFPI) os textos ora apresentados abordam aspectos diversos de práticas educativas, campo de discussão que cada vez mais se afirma e firma nas pesquisas educacionais e historiográficas. Boa Leitura!

Jailma Maria de Lima – Pós- doutora em História pelo PNPD / UFCG e professora do DHC / UFRN

Regina Coelli Gomes Nascimento – Pós-Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas (UFPB) Professora do Programa de Pós-Graduação em História Universidade Federal de Campina Grande

Organizadoras


LIMA, Jailma Maria de; NASCIMENTO, Regina Coelli Gomes. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.2, abr / jun, 2017. Acessar publicação original [DR]

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História e Linguagens / Mnemosine Revista / 2017

História e linguagens, arte e sociedade

Carl Schorske, em seu belíssimo livro Pensando com a História, apresenta aos seus leitores as particularidades de Clio, musa da História, a qual tece o seu tecido com os fios colhidos em outras disciplinas, formando um mosaico único que chamamos de narrativa histórica. Segundo o autor, a habilidade maior desta musa está em saber trançar os materiais colhidos e os conceitos adotados, que não necessariamente foram plantados ou criados por ela, em um tear do tempo que de fato é seu, construído a partir de perspectivas particulares, próprias do seu oficio.

Pensar a história como um campo interdisciplinar não é apenas admitir a possibilidade de se utilizar objetos e conceitos de outras áreas para a construção do conhecimento histórico. Ao contrário, é partir do pressuposto de que o historiador pode estabelecer canais de comunicação a partir das especificidades do seu ofício, fazendo perguntas e estabelecendo interlocuções que o diferencie dos sociólogos, dramaturgos, cineastas, críticos, etc. Sendo assim, eleger um objeto artístico como fonte de uma dada pesquisa requer, por parte dos pesquisadores, o enfrentamento dos desafios teórico-metodológicos inerentes a um espaço de conhecimento que se encontra nas fronteiras entre saberes específicos. Cabe, tal como proposto por Carl Schorcke, tornar “significativas e frutíferas” essas relações, construindo uma trama que permita o enfrentamento de novas e instigantes questões.

Tal reflexão diz muito sobre os trabalhos que serão apresentados nesse dossiê, haja vista que o elemento que os unem é justamente esse olhar múltiplo para o campo historiográfico, compreendendo os homens (tanto os estudados, como os que os estudam) como seres multifacetados, entremeados em diferentes teias de relações, as quais podem (ao menos parcialmente) ser apreendidas a partir das linguagens artísticas outrora construídas por eles. Sob esse prisma, a ideia chave para a compreensão dos mesmos é o de interdisciplinaridade, pensada aqui não apenas como teoria, mas como uma segunda pele que reveste desde a escolha dos temas até a urdidura dos textos.

Neste sentido, o diálogo entre História e Arte pressupõe não apenas encarar o estudo das linguagens e da ficção (em qualquer recorte temporal e espacial) como objetos de pesquisa para o historiador, como também a constante compreensão e desafio do próprio fazer histórico e sua escrita como variantes de perspectivas representacionais, simbólicas, de formação e de contatos com determinados grupos sociais e de estudo. Por outro lado, uma problemática que se apresenta é se debruçar sobre questões da especificidade da análise da obra-de-arte, seja ela cinema, teatro, música, literatura ou artes visuais. Ao prender-se em uma visão mais “panorâmica” da história da arte, as ideias e as diversas obras são estudadas como pontos abstratos que, em conjunto quantitativo, formam o número de produções ao longo da história.

Analisar dessa maneira não significa perder a ligação que elas compõem entre si, mas, sobretudo, compreender suas peculiaridades e as singularidades de seus autores naquele determinado momento de produção. Dessa forma, buscou-se trabalhos que conciliassem, independente da região ou período da pesquisa, esse contato entre o interno e o externo da obra (suas características estéticas e sociais), unindo texto e contexto – para utilizar um termo de Antonio Candido.

Sob esse prisma, parte-se do pressuposto de que a História é um campo múltiplo, que acolhe uma infinidade de possibilidade de temas, bem como de perspectivas teórico-metodológicas. E é justamente essa diversidade e interdisciplinaridade, bem como o rigor intelectual e interpretativo, as marcas que este dossiê busca trazer aos seus leitores. Por isso, para além do eixo principal “História e Linguagens”, tem-se aqui algo mais amplo que é a relação entre cultura e homem, em diferentes temporalidades e espaços.

Em um dossiê que se apresenta com uma amplitude de temas na área das linguagens e da cultura humana em seus artigos, ainda se destaca, em meio aos estudos teatrais, cinematográficos e imagéticos de maneira geral, a valorização precisamente da imagem em si mesma, para além do próprio texto. Em seu ensaio Mundo Imagem, a ativista e escritora americana Susan Sontag nos diz algo realmente muito impactante: o mundo não é texto, é imagem! A colocação da autora choca de imediato, pois ela é diametralmente oposta a proposta de uma sociedade que se entende essencialmente como letrada e que muito valoriza o conhecimento escrito. Esses elementos são centrais numa concepção iluminista e evolucionista para o que se entende como “moderno”, em contrapartida para o “primitivo” e “não racional” que privilegiaria o oral.

Apesar desse “mito” da modernidade, ao observarmos em longuíssima duração diferentes agentes e grupos sociais, o que se percebe é um constante uso e / ou apropriação de imagens para a produção de discursos político-sociais, religiosos e culturais, e esse é um dos principais elementos de contribuição dos artigos aqui propostos, enriquecidos com discussões também sobre música, literatura, entre outros. Nesse ínterim, justamente para abrir o dossiê, propõe-se a disposição do artigo “Happy Birthday, ‘Sgt. Pepper’: as comemorações de aniversário do mais emblemático álbum dos Beatles”, que constrói análises sobre a relação entre música e recepção a partir da problematização da memória musical e da indústria cultural do país através da análise da imprensa brasileira sobre as comemorações desse álbum dos Beatles.

Dialogando teatro, encenação, ator e literatura dramatúrgica, Dolores Puga Alves de Sousa, André Luis Bertelli Duarte e Rodrigo de Freitas Costa formam uma tríade de discussões historiográficas acerca do universo teatral e televisivo da década de 1960 e 1970 no Brasil. Com o artigo “Análise do espetáculo teatral: a encenação de Gota D´água nos anos de 1970 no Brasil”, Dolores Puga avalia as premissas do diretor Giani Ratto, sua trajetória, ideias estéticas e políticas para esse momento histórico no país. Em “Mirandolina – da Estala jadeira de Goldoni à Favorita do Bairro de Vianinha: adaptação televisiva de um clássico italiano da década de 1970”, André Duarte analisa as historicidades tanto do texto original Mirandolina, de Carlo Goldoni na Veneza dos anos de 1753, quanto às adaptações na TV de Oduvaldo Vianna Filho para o Brasil de 1970. Já no artigo “Ruth Escobar e o início dos anos 1960 no Brasil: a atriz luso-brasileira frente aos desafios do engajamento teatral”, Rodrigo de Freitas Costa propõe um debate acerca do teatro engajado nacional a partir da avaliação da trajetória profissional da atriz luso-brasileira Ruth Escobar.

Na leva de análises cinematográficas, têm-se o diálogo tanto entre cinema e teatro, quanto de cinema e religiosidade. O dossiê apresenta, assim, um colóquio entre produções fílmicas brasileiras dos anos de 1960 e 1970. Inicia com o texto “[In]convenções representacionais em Navalha da Carne (1967 / 1969) de Plínio Marcos: Perfomances da Contraviolência”, de Robson Pereira da Silva, que discute o texto teatral de 1967 Navalha da Carne, de Plínio Marcos, e sua adaptação cinematográfica realizada pelo diretor Braz Chediak, em 1969, compreendendo o Brasil dos anos de 1960 para a década posterior com as análises do chamado “milagre econômico” e o estado de exceção. Já Fábio Leonardo Castelo Branco Brito e Edwar de Alencar Castelo Branco apresentam o texto “Estilhaços, diáspora e desterritorialização: vivências juvenis nos super oitos Por enquanto (1973) e Tupi Niquim (1974)”, abordando análises fílmicas de Carlos Galvão sobre as vivências de jovens teresinenses no Rio de Janeiro nos primeiros anos da década de 1970, os quais compartilharam experiências com o poeta e letrista piauiense Torquato Neto em um processo de desterritorialização geográfica e afetiva.

No quesito cinema e religião, o dossiê apresenta o viés cômico da vida de Cristo, pelo olhar do grupo Monte Pyton e sua obra de 1979, no texto “A Paixão de Brian – uma breve análise do filme A Vida de Brian sob o viés da Paixão de Cristo”, de Tami Coelho Ocar, o qual analisa o estudo de Jesus histórico e suas representações. Complementando esse viés, Lair Amaro dos Santos Faria propõe um debate entre várias produções fílmicas que retratam a narrativa da ressureição de Lázaro, exclusiva do evangelho de João, pelo artigo “A ressureição de Lázaro nas telas do cinema”, abordando a diferença significativa entre os públicos do evangelho e da cinematografia.

Na linha de diálogo entre cinema e televisão, Victor Henrique da Silva Menezes ainda enriquece o dossiê com seu texto “Quando (não) há interesse pela ‘Rainha da Bitínia’. Recepções antigas e modernas da virilidade de Júlio César”, que, embora não trabalhe com a perspectiva religiosa, explora análises da antiguidade e suas recepções fílmicas, problematizando as imagens criadas da figura de Júlio César nas películas e abordando questões acerca da virilidade e do masculino.

Em contrapartida, fomentando análises da perspectiva religiosa na imagem feminina, Juliana Batista Cavalcanti – em seu texto “Um Discipulado CoIgual. Repensando a Categoria de a*delfoiVgunai’ka” –, analisa a função das mulheres no movimento cristão e sua atuação missionária nos paleocristianismos, levantando críticas sobre os silenciamentos da temática pela forma como se estabeleceram as traduções para o português. Em diálogo com análises da imagem feminina, María Cecilia Colombani explora, em seu texto “Los vasos “hablan”: lãs mujeres enimágenes. Mismidad y Otredadenlaficción genérica”, a representação da mulher nos vasos de cerâmica do período arcaico e clássico gregos, problematizando a relação do “mesmo” e do “outro” em uma dada cultura.

Ainda na relação historiográfica com a imagem, o dossiê apresenta artigos no diálogo imagem / poder e imagem / moralidade nas artes visuais, a partir de análises de Portugal e Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX. Assim se fundamenta o texto de Rodrigo Henrique Araújo da Costa, “Imagens das realezas do Império absolutista português: um estudo da relação entre o poder político da Coroa e as pinturas dos monarcas portugueses (1706-1826)”, que problematiza a questão das propagandas monárquicas a partir da avaliação das figuras retratísticas oficiais dos reis portugueses, nas pinturas, em comparação às trajetórias das nobrezas reais. E, da mesma forma, se configura o texto de Laila Luna Liano intitulado “Luzes e trevas: a moral ilustrada nas imagens de William Hogarth na Inglaterra do século XVIII”, o qual aborda as obras do pintor e gravador inglês William Hogarth (1697-1764) e o pensamento de moral nele suscitado.

O dossiê ainda apresenta outra análise sobre as terras britânicas, no entanto do século XV, abordando a relação entre imagem e morte. No texto “Da Carne ao Alabastro: formas de mostrar o corpo a partir da tumba de Alice de La Pole (Inglaterra, séc. XV)”, Amanda Basilio Santos explora as representações mortuárias a partir da iconografia presente na tumba transi da Duquesa de Suffolk, Alice de la Pole. A imagem ainda está presente em diálogo com a religiosidade no artigo “O medievo e a função das imagens na liturgia: uma breve tradução cultural do culto de São Francisco da comunidade Nova Assis em Capanema do Pará”, de Leonardo de Souza Câmara e Roberta Alexandrina Silva. Nesse texto, propõe-se fazer uma tradução cultural do culto de são Francisco por meio dos objetos litúrgicos na romaria à comunidade Nova Assis em Capanema do Pará em diálogo com o culto ao santo no medievo. Além disso, a perspectiva religiosa é mais uma vez abordada no texto “A Voz Que Grita no Deserto: João Batista Histórico e Seu Movimento”, de Vítor Luiz Silva de Almeida, no qual se analisa criticamente a trajetória de João (cognominado Batista) e seus seguidores inseridos nos movimentos e agrupamentos sociais de resistência na Palestina romana do século I.

Para finalizar a apresentação, o dossiê se fundamenta de artigos que exploram a literatura em suas diversas relações: seja pela perspectiva religiosa em conjunto com sua recepção, seja pela análise literária em conto ou pela estrutura e teoria literária. Em seu texto “Ireneu de Lyon e a Gnose Paleocristã: o uso do discurso performático em AdversusHaereses – século II EC”, Nathalie Drumond Alves do Amaral problematiza a pluralidade de interpretações sobre os ensinamentos de Jesus de Nazaré na realidade do paleocristianismo do século II, analisando o empenho discursivo como os do bispo Ireneu de Lyon, da região da Gália em sua obra Adversus Haereses.

Ao mesmo tempo, em seu texto “O sincretismo cultural nas aventuras de Pedro Malasartes”, Talitta Tatiane Martins Freitas propõe uma reflexão acerca do arquétipo do anti-herói e malandro, por meio da figura de Pedro Malasartese do folclore presente em seus contos. No texto “A descoberta das estórias como superação: Pingo-de-Ouro e Dito”, Mayara de Andrade Calqui parte de uma perspectiva psicanalítica das perdas afetivas e do luto nas estórias de Guimarães Rosa. Fechando o dossiê, no texto “Para além do velho mundo: problemáticas da dramaturgia comparada no Brasil”, Alexandre Francisco Solano explora o debate da formação da Literatura Comparada no mundo e, posteriormente, na América Latina, para apontar dificuldades e caminhos encontrados na comparação entre obras literárias e apresentações teatrais.

Os temas são ricos e múltiplos. Convidamos a todos a desfrutar desta proposta de enlace entre História, Linguagens, Arte e Sociedade. Tenham todos uma boa leitura!

Talitta Tatiane Martins Freitas – Doutora. Professora substituta no curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS / CPCX). Integrante do NEHAC – Núcleo de Estudos em História Social da Arte e da Cultura. Pesquisadora CNPq do grupo de pesquisa “História Cultural”.

Maria Dolores Puga Alves de Sousa – Professora Adjunta do curso de História da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS / CPCX). Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ / PPGHC). Pesquisadora CNPq do grupo de pesquisa “História, Cultura e Sociedade” e do grupo “Universo Dialógico – Grupo de Pesquisa em Cultura, Política e Diversidade”.

Maria Juliana Batista Cavalcanti Miranda Tavares – Doutoranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ / PPGHC). Pesquisadora e Coordenadora da Coordenadoria Cristianismos do LHER – Laboratório de História das Experiências Religiosas (IH-UFRJ).


FREITAS, Talitta Tatiane Martins; SOUSA, Maria Dolores Puga Alves de; TAVARES, Maria Juliana Batista Cavalcanti Miranda. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.8, n.1, jan / mar, 2017. Acessar publicação original [DR]

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Patrimônio Cultural e Ensino de História / Mnemosine Revista / 2016

Ensinar história por meio de registros culturais é considerar que professores e professoras têm no próprio vivido seu objeto de ensino e aprendizagem. A sociedade em seus gestos arbitrários de lembrança e esquecimento produz rastros materiais e práticas culturais vinculadas a tradições, sons, saberes, que, potencialmente, servem para identificar as disputas simbólicas implicadas nos usos que são feitos do passado.

Tanto professores quanto estudantes em contato com registros culturais elaboram narrativas que são tensionadas frente à narrativas acadêmicas e à história ensinada. As narrativas elaboradas são híbridas e exercem influências nas matrizes curriculares. Os estudantes elaboram sentidos em diálogo com a história ensinada pelos professores que, por sua vez, utilizam das percepções subjetivas e propõem outras formas de entender a história, mais próxima do vivido, incorporando lembranças despertadas no contato com o patrimônio cultural.

Esse movimento é interferente na cultura escolar. As estratégias de uso educativo do patrimônio geram um saber ensinado original, em diálogo com outros materiais pedagógicos em sala de aula.

Este dossiê reúne artigos que refletem sobre as práticas de memória e aprendizagens da história. Textos que se propõe a compreenderas potencialidades de do trabalho com fios de memória tecidos por disputas simbólicas, em que estão presentes gestos de esquecimento, exercícios de rememoração e intencionalidades educativas. Vincula-se aos estudos que configuram os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio da cultura material e que se propõe a analisar sujeitos ignorados por uma narrativa histórica canônica e triunfalista.

O primeiro artigo discute a memória histórica na tensão com as narrativas produzidas em livros didáticos e outros materiais disponibilizados na escola. Joan Pagés e Joan Llusá (Universidade Autônoma de Barcelona) apresentam experiências desenvolvidas na formação de professores e alunos da educação básica. Com foco nas memórias traumáticas, analisam como os sujeitos constroem tramas narrativas em que estão presentes gestos de lembrança e esquecimento. O uso da história oral é destacado como método para verificar esses gestos na confrontação com o que é ensinado nas escolas.

O artigo de Vitória Azevedo da Fonseca intitulado Educação Patrimonial Encontra o Ensino de História: perspectivas teóricas em práticas educativas, propõe uma reflexão sobre o uso do patrimônio em sala de aula. A autora apresenta atividade construídas em salas de aula da educação básica focadas em uma educação sensível que são interferentes na elaboração de sentidos para a disciplina história.

Em outra perspectiva, Marcela Mazilli apresenta as construções simbólicas que estão presentes na elaboração das narrativas museais. Em Museu do Diamante: o projeto de construção de uma identidade nacional por meio da criação de museus em Minas Gerais pelo SPHAN nas décadas de 1940-1950, a autora revela os projetos políticos presentes no colecionismo que deram origem aos museus no Brasil na década de 40. Apresenta, em diálogo com a educação, um espaço potente para o debate sobre a nacionalidade e as escolhas arbitrárias presentes nos museus.

Leonardo Palhares e Helena Azevedo analisam a presença do ausente quando discutem escolhas feitas por professores da educação básica no ensino da história e cultura indígena. Os autores apresentam experiências desenvolvidas em uma escola de Belo Horizonte em que os estudantes expressaram suas concepções acerca dos povos indígenas por meio de imagens. Questionam em que medida os livros didáticos mobilizados por professores em sala de aula possibilitam uma reflexão sobre a cultura indígena na medida em que muitos apresentam estereótipos sobre esses sujeitos esquecidos em uma narrativa histórica canônica e triunfalista.

O artigo subsequente destaca a legislação pertinente sobre a educação indígena em diálogo com conceitos presentes em uma literatura especializada. Elisom Pain, Patrícia Magalhães e Tatiana de Oliveira Santana, propõem olhar para a educação escolar indígena em processos na relação com o patrimônio cultural. No artigo Educação Escolar Indígena como Patrimônio Cultural, os autores discutem as leis relacionadas a educação indígena interconectadas a conceitos como de interculturalidade e entre- lugar.

Luciano Roza apresenta a possibilidade de discutir a positivação das memórias afro-brasileiras e africanas em museus digitais. Em seu artigo O Museu Digital da Memória Afro-Brasileira e Africana: potencialidades para o reposicionamento da experiência histórica afro-brasileira no mundo virtual discute as transformações nas representações sobre o negro no questionamento de narrativas históricas trazendo como possibilidade o uso da internet. O autor questiona em que medida esses instrumentos são usados para revelar o protagonismo de sujeitos antes subalternizados pelo discurso histórico ou se também podem circunscrever o passado do negro a eventos muito específicos impossibilitando a representação de suas ações a movimentos políticos mais amplos como o processo de independência do Brasil, por exemplo.

Os quatro últimos artigos estão focados na chamada educação museal. A Educação Museal é um processo no qual são ofertadas atividades pedagógicas pelos pelas instituições de guarda e preservação, mas também propostas por professores que realizam visitas com estudantes a esses espaços de formação e outros sítios e monumentos cuja questão da memória e do patrimônio cultural implique em uma abordagem educativa. Esse processo está relacionado à capacidade dos museus de produzirem conhecimentos. Os museus são instituições privilegiadas que propõem uma narrativa memorial constituída na visualização de objetos de cultura material, legendas, focos de luz, totens multimídia, entre outras soluções expográficas. Dessa forma, a educação por meio dos museus se estabelece na visualização de bens materiais expostos ao olhar que potencializam a aprendizagem sensível da cultura

Soraia Dutra e Maria do Céu analisam experiências educativas desenvolvidas em Inhotim, a partir de materiais pedagógicos disponibilizados para professores no projeto Descentralizando o acesso. As autoras investigam ações desenvolvidas por professores que utilizaram desses materiais e propõe discutir como museus e escolas podem estabelecer parcerias garantido a especificidade de cada espaço institucional.

Júlio César Virginio em Práticas de Memória em Ensino de História: as ressonâncias de uma prática com o museu, apresenta as potencialidades do espaço museal para ensinar história. Em seu texto, apresenta reflexões sobre as ressonâncias de uma prática educativa no ensino de história desenvolvida em um museu da cidade de Belo Horizonte no ensino da Pré-História do Brasil. Segundo o autor, a prática educativa e de memória é parte de um processo iniciado antes da visita e que prossegue após a visita, considerando as dinâmicas próprias da sala de aula.

Marlene Jéssica Souza Brito e Elizabeth Aparecida Duque Seabra em Saberes dos estudantes sobre patrimônio Cultural nas aulas de história apresentam os resultados iniciais de um projeto de trabalho desenvolvido junto a estudantes do ensino fundamental e médio na cidade de Couto de Magalhães de Minas, na região do Alto Jequitinhonha. O trabalho aponta as formas como os estudantes se apropriam do patrimônio cultural da cidade frente às demandas de preservação e como utilizam esses espaços públicos. A partir das respostas dos estudantes frente à questão da memória e patrimônio local foram elaboradas categorias capazes de entender o movimento de apropriação que inclui valores econômicos, afetivos, identitários e históricos.

Em outro artigo, Soraia Dutra expõe resultados de uma pesquisa feita no setor educativo do Museu Histórico Abilio Barreto. Em A Reinvenção do Museu e o Reencontro com a Escola, a autora debate sobre a importância de estruturação setores educativos nos museus. Localiza ações desenvolvidas no MHAB e analisa expectativas dos professores na relação com o museu, discutindo a escolarização de práticas pedagógicas.

Por último, Jezulino Lúcio, Maria Fernanda e Laudiene Maciel relatam uma experiência desenvolvida na cidade de Campanha, Minas Gerais, em que usam o museu e a cidade em processos formativos com professores e estudantes de uma escola pública. Em Itinerários e Visões da Cidade: Educação para o Patrimônio nas Relações com as Narrativas Visuais da História, os autores debatem o espaço urbano e as relações subjetivas impresas em modos de ver e sentir a cidade nas práticas culturais que são definidoras de identidades. O projeto desenvolvido na cidade de Campanha estabeleceu relação entre a narrativa do Museu Regional do Sul de Minas e o espaço urbano. Por meio de atividades formativas com professores e estudantes, discutimos o patrimônio oficializado pela politica publica municipal e os gestos arbitrários da narrativa museal, ao mesmo tempo em que revelamos outras formas de ler a cidade estimulando habilidades visuais, auditivas e táteis.

Esperamos que esse dossiê possa estimular atividades que considerem as referências culturais para o ensino de história compreendendo as potencialidades de aprendizagens que rompem com visões unívocas sobre o nosso passado. Os textos apresentam os diferentes espaços formativos que interpretam o vivido por meio das referências culturais, em metodologias aplicadas no contexto escolar e fora dele. Consideramos ainda que o debate proposto contribui para um ensino de história sensível, crítico e reflexivo que têm como foco a rediscussão do lugar de grupos esquecidos pela escrita da história nos processos de luta e transformação política e social.

Jezulino Lúcio Mendes Braga – Doutor. Departamento de Organização e Tratamento da Informação Escola de Ciência da Informação Universidade Federal de Minas Gerais

Elizabeth Aparecida Duque Seabra – Professora de Prática de Ensino de História Coordenadora do PIBID UNIVERSIDADE FEDERAL DOS VALES DO JEQUITINHONHA E MUCURI


BRAGA, Jezulino Lúcio Mendes; SEABRA, Elizabeth Aparecida Duque. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.7, n.4, out / dez, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Educação Confessional Protestante no Brasil / Mnemosine Revista / 2016

A presença oficial de protestantes no Brasil data de 1810, com a chegada dos primeiros ingleses e alemães na corte real do Rio de Janeiro, motivados pela abertura dos portos aos países amigos de Portugal. Em 1822 ergue-se a primeira capela anglicana, e em 1827, os imigrantes alemães, radicados no Rio de Janeiro, constroem seu primeiro templo para celebrar o culto reformado. Entretanto, como integrante do campo educacional, a presença de protestantes só é percebida nas últimas décadas do século XIX. É neste período de grandes mudanças, que representantes das sociedades missionárias norte-americanas metodistas, presbiterianas, congregacionais e batistas chegam ao Brasil com propósitos idênticos de evangelizar e educar a nação de acordo com os ideais de uma civilização cristã. A partir do final da década de 1910, alguns grupos pentecostais, dentre eles a Assembléia de Deus, instalam-se no Brasil e com o passar do tempo erigiram templos e fundaram suas primeiras escolas passando também a disputar espaço no campo educacional brasileiro.

Diante do discreto mas crescente interesse pela pesquisa sobre a história da educação protestante no Brasil e do surgimento de novas abordagens interdisciplinares que levam em conta o pluralismo das forças sociais, políticas e culturais dos contextos analisados, novas indagações podem ser formuladas sobre as mudanças administrativo-pedagógicas e sociais introduzidas pelas escolas protestantes no campo educacional. A busca por estas respostas permite-nos atribuir um sentido para a construção de suas identidades culturais e educacionais de uma forma mais abrangente e trazer a discussão para o centro do debate da História da Educação Brasileira.

Esse dossiê reuniu oito artigos de pesquisadores e estudiosos, de diversas regiões do Brasil, que tem investigado distintos aspectos dessa particularidade da educação brasileira, revendo conceitos e apresentando novas perspectivas de análises; questionando práticas e discursos nem sempre claros nas interações entre igrejas e escolas. São educadores, historiadores, pedagogos, sociólogos e teólogos que aqui apresentam suas contribuições para a reflexão dessa modalidade de escola compreendida em sua interface com questões religiosas, de gênero, políticas e culturais. A relevância desses estudos pode ser percebida na diversidade das fontes utilizadas para a elaboração dos artigos. O dossiê traz contribuições de ações educativas desenvolvidas por metodistas, batistas, presbiterianos e assembleianos no Brasil do final do século XIX e início do XX, e do grupo religioso tcheco denominado de hussitas, no século XVI.

Abre o conjunto de artigos o texto de Sérgio Marcus Pinto Lopes, A crença na superioridade dos valores ocidentais e a fundação das escolas. Fruto de sua tese de doutorado, o autor procura identificar as principais características da educação protestante realizada pelos metodistas no Brasil e coloca-las em relação a outras práticas educacionais protestantes desenvolvidas ao redor do mundo. Sérgio Marcus revela que a crença na superioridade das propostas políticas, econômicas, culturais e sociais do ocidente pode ser percebida como uma característica comum aos diversos contextos.

O artigo de Cesar Romero Amaral Vieira e Thais Gonsales Soares, intitulado A presença de escolas protestantes na educação brasileira do final do século XIX, analisa o contexto da educação nacional das últimas décadas do período monárquico, de modo a perceber os principais aspectos sociais, políticos e culturais que propiciaram as condições necessárias para a implantação e desenvolvimento de escolas protestantes na província de São Paulo. Os autores partem do princípio de que para os partidários do republicanismo os modelos educativos praticados no Império eram considerados inadequados para as pretensões de seus projetos políticos.

Em Mulheres metodistas e ensino: enfrentamentos femininos na educação escolar, Vasni de Almeida analisa os esforços feitos para a fundação de duas escolas metodistas no interior do estado de São Paulo, apontando às origens dos recursos para a manutenção e as parcerias com setores sociais locais para desenvolvimento do projeto educacional proposto. O autor revela sinais de um ensino afinado com os interesses de uma sociedade que carregava as marcas do regime republicano instaurado. Analisa as principais mudanças que se processaram na educação oferecida pelas missionárias e suas opções pela formação da mulher para atuar na assistência social dentro e fora das igrejas. O estudo sinaliza para uma prática educacional como elemento de empoderamento feminino.

No artigo Colégios Batistas no Brasil: instrução, evangelização e disputas no campo religioso, Elizete da Silva e Maria do Carmo Souza Santos apresentam um estudo sobre a educação batista e analisam as práticas pedagógicas desenvolvidas por estas escolas no enfrentamento com os modelos tradicionais oriundos das escolas católicas.

Em O sagrado como elemento de territorialização das missionárias batistas na educação escolar no antigo norte goiano, Maiza Pereira Lôbo apresenta uma pesquisa que também se dedica ao estudo da educação batista. Busca entender, a partir do conceito de territorialização, a ação das missionárias no desenvolvimento da educação escolar no antigo norte de Goiás no enfrentamento com grupos religiosos católicos em prol do monopólio do campo religioso.

Sob o título Horace Lane e a formação de uma rede de escolas americanas no Brasil (1885-1912), Ivanilson Bezerra da Silva analisa o protagonismo de Horace Manley Lane na proposição da criação de uma rede de escolas americanas nas cidades que se configuravam como importantes centros no cenário político brasileiro, entre os anos 1885-1912. Estratégia essa que tinha o intuito de disseminar a cultura e os valores do presbiterianismo norte-americano no cenário nacional.

Reginaldo Leandro Plácido e Valdinei Ramos Gandra, no artigo Centenário das Assembleias de Deus no Brasil (1911-2011): “memórias ensinadas, subjetividades fabricadas”, apresentam as práticas de ensino no interior das Igrejas Assembleias de Deus. O artigo analisa as estratégias identitárias ensinadas nestas igrejas diante da fragmentação do campo religioso pentecostal, ocorrido especialmente, a partir da segunda metade da década de 1980.

Thiago Borges de Aguiar e Maria Aparecida Corrêa Custódio no artigo intitulado O que perguntam as crianças: o catecismo de Lukáš de Praga (1501) refletem sobre a influência do grupo religioso hussitas nos escritos de Lutero. Os autores demonstram que no âmbito das relações entre catecismos e educação escolar nos movimentos cristãos do século XVI, o Dětisnké Otázky [pergunta das crianças], considerado como um dos instrumentos educativos da União dos Irmãos, marca a aproximação entre a cultura universitária, a instrução elementar e a confessionalidade hussita, com sua visão de salvação pela fé, caridade e esperança.

Encerra este dossiê um artigo atípico do professor Charles Wood, da Methodist University. Atípico, pois, flexibilizando as diretrizes editoriais da revista a editoria resolveu sugerir a reedição de um artigo sobre educação teológica e educação confessional. A importância atribuída a este texto e sua integração neste dossiê obedeceu a duas razões principais. Primeiro, uma razão histórica, uma vez que desde as suas origens a educação protestante no Brasil teve entre os seus objetivos oferecer uma instrução escolar para aqueles nacionais, ou “nativos” – como se dizia – que iriam ser incorporados ao ministério pastoral e as missões protestantes. Em segundo lugar, uma dimensão contemporânea, pois, cento e cinqüenta anos depois de sua introdução no Brasil, o lugar da educação em relação a formação de quadros ainda não é uma questão pacificada sendo tema revisitado de forma recorrente nos órgãos diretivos das diversas denominações protestantes até hoje. Para ale disso, considere-se que este clero formado no âmbito das instituições teológicas confessionais, em regra vão operar como “intelectuais orgânicos” dos grupos religiosos, alçados a diversos espaços de liderança, portanto, tomando para si a tarefa de formulação mais direta ou mais tangencia daquela filosofia da educação que permeia os diversos universos escolares das denominações protestantes.

Esperamos que os textos aqui reunidos possam contribuir para fazer avançar a reflexão sobre a história da educação protestante, tanto em nível nacional como internacional, auxiliando no desenvolvimento de novas pesquisas sobre esta temática.

Desejamos a todos uma boa leitura!

Cesar Romero Amaral Vieira

Vasni de Almeida


VIEIRA, Cesar Romero Amaral; ALMEIDA, Vasni de. Apresentação. Mnemosine Revista, Campina Grande – PB, v.7, n.3, jul / set, 2016. Acessar publicação original [DR]

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África e Brasil: Saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XV- XXI) / Mnemosine Revista / 2016

O dossiê temático África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIII-XXI) reuniu artigos e resenhas contendo informações, descrições e análises resultantes de pesquisas e estudos relacionados com Brasil e África, particularmente, os países africanos de língua oficial portuguesa: Angola, Cabo Verde e Moçambique. O presente dossiê contempla análise e interpretação das realidades sanitárias, sociais e ambientais na África e no Brasil.

Acervos bibliográficos, bases de dados e de documentação disponíveis na atualidade, possibilitaram variadas abordagens, tendo por base uma diversidade de objetivos de investigação e com características tipológicas de fontes documentais similares, como relatos de viajantes, militares, religiosos e administradores coloniais, obras literárias, iconografia, noticiário e reportagens da imprensa, relatórios médicos dos serviços de saúde, dados técnicos, diários, memórias e autobiografias.

As novas e futuras abordagens multidisciplinares, como a história ambiental, história mundial, a história das ciências, da saúde e das doenças, a antropologia médica e a etnobotânica, entre outros campos disciplinares, encontram espaços de atuação que possibilitam a obtenção e a ampliação do conhecimento de conjunto e comparado, monográfico e temático, empírico e teórico, nacional, regional e global de grande elenco de fenômenos e processos sociais relacionados à saúde humana e às doenças, sobretudo aquelas de incidência em áreas tropicais, à vida social e material e do meio ambiente na África e no Brasil.

Os dez artigos que integram o dossiê África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIII-XXI) oferecem assim uma diversa amostra da amplidão deste panorama acessível aos leitores interessados e aos pesquisadores em variados campos das artes, das ciências e humanidades.

A autoria dos trabalhos também espelha essa grandeza, diversificada procedência institucional, disciplinar, investigativa e geracional. Ela traduz a complexidade e o potencial que as abordagens integradoras e multidisciplinares comportam no âmbito do estudo da história, da saúde e das doenças, do meio ambiente em escala nacional e continental. Procurou-se alcançar e houve êxito no equilíbrio numérico e espacial dos textos.

Em cinco deles os objetos de estudos estão referidos ao continente africano. Em todos eles há o esforço em compreender os desafios que se abrem neste século e o quanto estes são devedores de imagens, interpretações, informações e representações do passado. Os momentos anteriores ao colonialismo europeu, à sua presença e legados no continente africano, as disputas sob a Guerra Fria e, logo, as novas angústias e esperanças sob a globalização dos mercados e da cultura no século XXI. Tomados em suas respectivas escalas nacionais, territórios étnicos e mesmo continental, os artigos trazem à tona aspectos relevantes, dados e informações inéditos e originais, empenho interpretativo, fecundas perspectivas analíticas e metodológicas e a proposição de questões para o debate intelectual, científico, cultural e político no tocante às trajetórias e os destinos coletivos na África e no Brasil.

História e evolução da epidemia da infecção por VIH em Angola, de Maria Helena Agostinho (Angola), Aspectos da história da malária em Moçambique no período colonial, de Emília Virginia Noormahomed (Universidade Eduardo Mondlane / Moçambique) e Virgílio Estolio do Rosário (Universidade Nova de Lisboa / Portugal), Imperialismo, colonialismo, guerra civil e crise identitária: violência contra crianças acusadas de feitiçaria em Angola, de Andréa Pires Rocha (Universidade Estadual de Londrina) e José Francisco dos Santos (Universidade Federal do Oeste da Bahia) e Literatura e ideologia colonialista: Júlio Verne e a conquista científica da África, de Carlos Eduardo Rodrigues e José Henrique Rollo (Universidade Estadual de Maringá), Cabo Verde e a luta pela água. Uma discussão sobre meio ambiente e estrutura agrária, de Dora Shellard Corrêa (Centro Universitário Fundação Instituto de Ensino para Osasco), oferecerem apetitoso caleidoscópio das imbricações entre condição individual e social, de um lado, e, de outro, as perspectivas da razão, de seus instrumentos e de suas instituições na ânsia de controle e de mudança social em espaços e territórios secularmente submetidos à ação dos grupos e das sociedades humanas na África. Este conjunto de análises recobre um tempo longo na história social africana.

O segundo conjunto, igualmente formado por cinco artigos, concentra atenção em situações regionais e nacionais do Brasil. Acoplado a ele, o artigo de Jean Luiz Neves Abreu (Universidade Federal de Uberlândia), Doenças e climas dos trópicos do Império Português: Brasil e África (séculos XVIII-XIX), cumpre estimulante papel de preâmbulo, articulação e transição de espaço e tempo, África e Brasil, alargando o horizonte analítico para o futuro que virá: a construção dos estados e das sociedades nacionais. São os estudos sobre A dengue no Brasil: políticas públicas, neoliberalismo e aquecimento global – uma confrontação inevitável (1990- 2010), de Roger Domenech Colacios (Universidade Estadual Paulista), “A fisionomia do Rio Grande do Sul” nos anos de 1930: a natureza pelo olhar do padre Balduíno Rambo, de Daniel Porciúncula Prado e Zuleica Soares Werhli (Universidade Federal do Rio Grande), Haikais fotográficos: representações de natureza nas imagens de Haruo Ohara (Londrina, 1930-1950), de Richard Gonçalves André (Universidade Estadual de Londrina), O fenômeno da mortandade de peixes na imprensa brasileira (1870-1930), de Ramiro Alberto Flores Guzmán (Universidade Estadual Paulista). Uma vez mais, agora na costa ocidental do Atlântico, indivíduo e sociedade, cultura e poder, ser humano e natureza, estão fortemente ligados em contraditórias e singulares articulações fenomênicas e conferem relevância, distinção e originalidade ao conhecimento histórico das realidades observadas, esmiuçadas e explicadas nestes artigos.

A sua disposição em sequência espacial alternada não impossibilita a apreensão deste fio condutor e de identidade do dossiê. Ele surgiu espontaneamente e pode ser identificado com nitidez na leitura dos artigos, tornando -se indisfarçável ainda que sob a manta de temas, objetos, períodos, documentação e localização histórica. Há duas resenhas que completam este dossiê África e Brasil: saúde, sociedade e meio ambiente (séculos XVIIIXXI) e apontam outros elementos diretamente referidos à identidade e unidade temática daquelas pesquisas.

A Rede Internacional de Pesquisa História e Saúde, organizada em Goiás, em outubro de 2013, responsável pela compilação destes artigos agradece a generosa colaboração das autoras e dos autores, bem como aos editores de Mnemosine, pela oportunidade de leitura, difusão e promoção dos estudos reunidos pelo dossiê.

Paulo Henrique Martinez (Faculdade de Ciências e Letras de Assis / Universidade Estadual Paulista / Brasil)

Virgílio Estolio do Rosário (Instituto de Higiene e Medicina Tropical / Universidade Nova de Lisboa / Portugal)

Philip J. Havik (Instituto de Higiene e Medicina Tropical / Universidade Nova de Lisboa / Portugal)


MARTINEZ, Paulo Henrique; HAVIK, Philip J.; ROSÁRIO, Virgílio Estolio do. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.7, n.2, abr. / jun., 2016. Acessar publicação original [DR]

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História Indígena na Contemporaneidade: Diálogos interdisciplinares e pesquisas colaborativas / Mnemosine Revista / 2016

Este dossiê organizado pela Drª Juciene Ricarte, da Universidade Federal de Campina Grande e pelo professor que assina esta apresentação nasceu da constatação inevitável que cada vez mais vem sendo ampliado os estudos sobre a temática indígena e com uma característica marcante: na área de História. São diversas pesquisas realizadas nos programas de pós-graduação espalhados pelo país – e fora dele –, que juntamente com os estudos antropológicos iniciados na década de 1980 definitivamente tornaram os indígenas um tema significativo entre os nas Ciências Humanas e Sociais.

O contexto sociopolítico vivenciado nas últimas décadas, com as mobilizações dos próprios indígenas pelo reconhecimento, conquistas e garantia de direitos, os conflitos quase sempre bastante violentos enfrentados pelos índios com as invasões das terras que habitam; a constatação oficial do crescimento demográfico indígena; as reinvindicações de políticas públicas específicas para essas populações e a considerável presença indígena nos centros urbanos, dentre outros temas, desafiam os estudos acadêmicos para refletirem sobre situações supostamente resolvidas com o advogado “desaparecimento” ocorrido ou gradual dos índios, como equivocadamente se acreditava em uma perspectiva evolucionista.

Nas pesquisas recentes são revisitadas fontes conhecidas bem como novos e diversos documentos foram explorados. Os diálogos com categorias antropológicas, sobretudo, as reflexões sobre as relações socioculturais em contextos de dominação e hegemonia políticas enriquecem os estudos históricos, inclusive quando as reflexões também dão conta de temporalidades precedentes na nossa história de onde se originaram as questões contemporâneas. Os textos ora publicados situam-se, portanto, nesse esforço de discutir, buscar compreender certos aspectos de situações, contextos, evidenciando a partir de uma abordagem histórica os indígenas como protagonistas.

Nesse sentido, no texto “A experiência de trabalhadores tutelados: a presença de indígenas em obras públicas da Província de Alagoas”, Aldemir Barros da Silva Júnior pensando o indígena com a categoria “trabalhador tutelado” no Século XIX, baseado principalmente em documentos da Diretoria Geral dos Índios em Alagoas, discutiu as diversas formas e os espaços em que ocorreu o trabalho indígena naquela Província a partir de meados do Século XIX. O autor discorreu sobre a utilização compulsória da mão-de-obra indígena principalmente nas obras públicas de aterros e construções de canais na alagada Maceió, a capital alagoana.

Um trabalho em condições insalubres, do qual os indígenas fugiam antes mesmo dos recrutamentos forçados nas aldeias a mando de autoridades provinciais ou diretores dos aldeamentos. Em um contexto sociopolítico em que recrudesceram as disputas pelas terras dos antigos aldeamentos situados em regiões de férteis e bastante irrigadas, invadidas por fazendeiros, os índios elaboraram diferentes estratégias para se livrar do trabalho coercitivo, como trabalhar nas fazendas o que lhes garantia até certo ponto autonomia para negociações e o sustento para si e para as famílias.

O estudo torna-se muito importante em pelo menos dois aspectos. O primeiro, quando tratou do trabalho indígena, tema desconhecido e até certo ponto um tabu nas discussões sobre a História do Brasil. E o segundo, porque mesmo no que passou após os anos 1980 a se chamada no país como a “nova história indígena”, ainda não se debruçou devidamente sobre o assunto. Isso porque além da comum alegada ausência de fontes para abordar a temática, o trabalho indígena foi desconsiderado em razão da ênfase na utilização da mão-de-obra negra escravizada e afirmações da “inadaptabilidade” dos índios para o trabalho. O que resultou no senso comum no arraigado preconceito de “preguiçoso” atribuído aos indígenas.

Portanto, o texto de Aldemir ao evidenciar a importância, as formas, os espaços e o protagonismo, particularmente dos Xukuru-Kariri (Palmeira dos Índios / AL), no trabalho indígena, contribui sobremaneira para um tema desconhecido e além do mais em se tratando de discussões relativas ao Nordeste, onde durante muito tempo foi negada a existência de indígena nessa Região. São reflexões relevantes também porque possibilita compreender as dinâmicas das atuais relações com as disputas pelas terras e o trabalho indígena naquela localidade, inspirando pensar em outros lugares no Nordeste.

No texto “Tradições adormecidas: práticas culturais e narrativas no cotidiano das índias parteiras da Aldeia Forte-Baía da Traição”, Aline de Castro retomou uma discussão muito cara aos indígenas no Nordeste: a afirmação de expressões socioculturais, saberes, conhecimentos “tradicionais” em espaços onde a população circunvizinha não indígena, autoridades e poderes públicos em geral, negam a existência indígena. E ainda mais se tratando de mulheres indígenas parteiras, desqualificadas frente ao exaltado saber médico como “herança” Ocidental, porém que esconde interesses mercantis.

Ao discutir as práticas das parteiras indígenas na Aldeia do Forte, Baía da Traição / PB, a autora evidenciou a importância de saberes específicos no contexto e conectados com a afirmação das expressões socioculturais indígenas, notadamente como tema inédito para as reflexões históricas e como contribuição para compreensão das relações dos povos indígenas na nossa sociedade em tempos atuais.

As migrações indígenas, principalmente para os centros urbanos, tem sido um tema de alguns estudos. A contribuição original de Edmundo Monte com o texto “História e memórias de migrações no Nordeste indígena: o “vaivém” dos Xukuru do Ororubá (Pesqueira / PE)”, estar no enfoque sobre um povo indígena habitando o Nordeste. É até possível afirmar que os estudiosos sobre migrações na Região não conseguiram perceber as particularidades identitárias indígena de alguns migrantes, o que é compreensível diante do até recentemente afirmado sistemático discurso da inexistência indígena no Nordeste.

No texto, o autor discutiu as migrações de período mais longo para o Sudeste em geral São Paulo, e sazonais dos índios Xukuru do Ororubá, habitantes em Pesqueira e Poção, região do Semiárido pernambucano, que em épocas de secas se deslocavam principalmente o “Sul”: a região da Mata Sul de Pernambuco e Norte alagoana, em busca de trabalho na lavoura canavieira. Baseado em memórias orais, Edmundo Monte buscou compreender as motivações, experiências cotidianas de sociabilidades e as formas do trabalho realizado pelos indígenas nos locais para onde se destinaram. As reflexões possibilitam além de discutir o desconhecido trabalho indígena, atualizá-las nos debates contemporâneos sobre os índios no Nordeste.

Para o pesquisador que se dedica ao estudo da temática indígena no Nordeste em suas peculiaridades, as experiências de povos indígenas em outras regiões no país parece algo distante. O que pode ser relativizado na leitura de textos como o de Manoel Gomes Rabelo Filho, intitulado “Interpretações do Kanaimî no contexto religioso Macuxi” onde o autor discorreu sobre uma dimensão mítica e religiosa, fundamental para aquele povo indígena habitante em Roraima.

Baseado na categoria das representações sociais, na literatura socioantropologica que tratou do assunto e ainda em entrevistas orais com indígenas que vivenciaram experiências distintas com o Kanaimî, o pesquisador Manoel Rabelo buscou refletir sobre os significados dessa entidade mítica para o universo religioso Macuxi. Uma discussão que possibilita conhecer outras situações, bem como de alguma forma aproximar-se das abordagens sobre as expressões religiosas indígenas em nossa Região.

No texto “O Estado Novo e os povos indígenas: o silêncio das palavras”, Zeneide Rios de Jesus analisou a política de colonização empreendida naquele período com a chamada Marcha para o Oeste, quando ocorreram invasões de terras indígenas ignoradas pelas reflexões históricas da época e posteriores. A autora evidenciou a participação de intelectuais no projeto governamental e como a imprensa silenciou a respeito dos impactos das políticas governamentais sobre os povos indígenas.

A discussão sobre as relações entre políticas governamentais, violências contra os povos indígenas e atuação da imprensa são bastante atuais. E as reflexões apresentadas no texto, questionam o papel dos historiadores na escrita da História do Brasil republicano e como pensam o lugar dos povos indígenas nos processos históricos recentes. E ainda o silêncio sobre o tema no Ensino de História.

Os Tupinambá em Olivença de forma sistemática tem a identidade étnica negada por fazendeiros, imobiliárias e empresários do turismo, invasores das terras habitadas pelos indígenas, em uma região paradisíaca no Sul da Bahia. A afirmação identitária Tupinambá e as mobilizações desses indígenas por reivindicação e garantia de direitos foram discutidas por Edson Silva e Tamires Brito no texto “Índios Tupinambá / BA: ‘o manto foi roubado’! O despertar pelos encantados de uma “identidade adormecida”’.

Observando um contexto de permanentes tensões, com várias formas de violências contras os Tupinambá, desde as prisões e assassinatos de lideranças, queima de casas, perseguições e expulsões de indígenas, a partir da pesquisa historiográfica e também de memórias orais, os autores buscaram evidenciar as diferentes estratégias dos indígenas para afirmação étnica, marcada pela dimensão simbólica intimamente relacionada com as expressões religiosas. A situação vivenciada pelos Tupinambá é por demais emblemáticas para discussões de processos semelhantes vivenciados por outros povos indígenas no Brasil.

As relações entre as expressões religiosas e a identidade étnica foram também analisadas por José Peixoto e Lucas Gueiros, no texto “Religiosidade e encantamento: o pagamento de promessa no ritual indígena Jiripankó”, onde os autores trataram dos rituais desse povo indígena habitante no Sertão de Alagoas. O estudo foi baseado nas reflexões de teóricos clássicos da Antropologia, assim como estudos recentes e ainda a partir de uma pesquisa e observações de campo, buscando melhor compreender os significados da prática do ritual para a afirmação da identidade indígena.

As reflexões apresentadas no texto somam-se aos poucos estudos que foram dedicados à temática das expressões religiosas indígenas no Nordeste atual. E possibilita pensar sobre as leituras indígenas dos encontros no passado dos universos religiosos nativos e colonial, as traduções e expressões indígenas desse encontro, as (des)continuidades, ressignificações, reformulações, associações e afirmações identitárias correlacionadas no universo simbólico religioso Jiripankó, possibilitando pensar outras situações assemelhadas ocorridas em áreas mais antigas da colonização, a exemplo do Nordeste.

A este conjunto de debates somam-se outros trabalhos de fundamental importância, resultantes do III Seminário Internacional América Indígena: processos de mediação e mestiçagens, que teve lugar no campus da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em Seropédica entre os dias 28 e 29 de setembro de 2015, sob a coordenação das profas. Izabel Missagia e Vânia Moreira e contou com o auxílio da CAPES.

Os artigos apresentados contém as reflexões do Dr. José Ribamar Bessa Freire e Ana Paula da Silva, Professor do Programa de Pós-Graduação em Memória Social da Universidade do Rio de Janeiro / UniRIO e doutoranda do mesmo programa, onde discutem o protagonismo e a atuação política indígenas na dinâmica de conflitos e interesses que marcaram o período historicamente conhecido como França Equinocial, notadamente o caso dos índios embaixadores na França, sobretudo Itapucu, refletindo sobre a participação destes na produção de “redes globais de conhecimento e poder” suas estratégias em contextos de interação sociocultural e política, destacando especialmente o papel de mediadores e articuladores de alguns líderes indígenas que a exemplo dos embaixadores Tupi foram buscar uma resposta oficial para seus problemas.

Juciene Ricarte da Universidade Federal de Campina Grande discute processos de incorporação de algumas chefias indígenas na política da administração portuguesa no Brasil nos sertões das capitanias do norte e o fundamento da legislação indigenista nas fronteiras interétnicas que lhe oferecia fundamento, notadamente o Diretório dos Índios na segunda metade do século XVIII. Nesse processo as lideranças adquiriam status de intermediários políticos que os conduziram a ostentar patentes de oficiais das vilas implantadas a partir do Diretório, por vezes em favor dos seus grupos étnicos de origem trazidos a ordem. Constata-se, que as iniciativas de cooptação e valorização das chefias indígenas tornaram-se tradição do Estado monárquico português no trato com as populações conquistadas, objetivando o controle de novas populações.

Além destes, o conjunto de textos se encerra com às conferências de abertura e encerramento do evento, a primeira, realizada pelo professor Hal Langfur, da Universidade de Nova Iorque em Buffalo, que em sua conferência inaugural apresentou o estado da arte dos debates das questões etinoindigenas através de um recenseamento de pesquisas e debates sobre as questões relacionadas as populações indígenas, relacionando os estudos realizados nos Estados Unidos e no Brasil consideradas as suas convergências e singularidades. Na conferência de encerramento, a Drª. Danna Levin Rojo da Universidade Autonoma Metropolitana, México, apresentou em sua conferência a organização e a burocracia do estado colonial, investigando a relação do estado colonial espanhol como agente interventor e as populações indígenas nos diversos espaços de convívio em que estes foram assimilando os nativos como servidores o colaboradores que aparecem referidos indistintamente na documentação investigada como “índios amigos”. É uma análise comparativa de experiências nos diversos territórios ocupados que permite reconhecer que estas populações nativas agiram muitas vezes como artífices conscientes de seu próprio destino e não como meros objetos da manipulação habilidosa do espanhol invasor, num complexo tecido de relações.

Enfim, os textos que compõem o Dossiê são contribuições significativas para pensarmos os índios na História do Brasil, particularmente no Nordeste. E se revestem de igual importância quando também pensados na perspectiva dos questionamentos provocados pela demandas para efetivação da Lei 11.645 / 2008, que determinou na Educação Básica a inclusão do ensino da história e culturas dos povos indígenas, com a reclamada ausência de subsídios sobre o assunto. Além disso, o papel da academia seja de formar pesquisadores na pós-graduação e professores nos cursos de licenciatura, embora ao final todos sejam de alguma forma e em algum nível docentes, requer o (re) conhecimento sobre os povos indígenas como sujeitos sociopolíticos na História do Brasil e a superação de desinformações, equívocos e preconceitos sobre o tema. E os textos ora publicados em muito contribuirão para que isso ocorra. Resta desejar boas leituras, reflexões e discussões.

Edson Silva – Doutor Professor da Universidade Federal de Pernambuco / CA e da Pós-Graduação em História da Universidade federal de Campina Grande.


SILVA, Edson. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.7, n.1, jan. / mar., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Americanidades / Mnemosine Revista / 2015

A Revista Mnemosine vem a público em 2015.4 com a temática da Americanidade em suas páginas. Refletir sobre a América hoje é tarefa fundamental para cientistas sociais, momento em que mais uma daquelas crises econômicas ditas “globais” nos atinge com suas particularidades, mas também com suas generalidades, tornando-se, como quase sempre, política e social. Os autores tiveram total liberdade para tratar a temática de forma bem ampla, sem limitações de temas específicos dentro dessa generalidade, pois acreditamos que somente a criatividade e o livre pensar poderá nos ajudar nesses tempos difíceis.

Ival de Assis Cripa nos leva ao período da conquista da América e recupera visões de autores fundamentais para se compreender a América Latina, mais especificamente o já conhecido autor mexicano Octavio Paz e o pensador contemporâneo Serge Gruzinski, não somente confrontando o pensamento de ambos, mas também de Tzvetan Todorov.

José Pereira Júnior apresenta reflexões sobre a chegada do espiritismo da França para a América Latina, focando particularmente o Brasil pelo fato de melhor acesso à documentação e número de adeptos. A trajetória religiosa de Allan Kardec até Fancisco Xavier e Divaldo Franco é central no artigo, na medida em que é vista também como forma de resistência à hegemonia católica na América Latina.

Edfaildo Eudes de Lima Amaro nos traz um tema aparentemente já muito estudado por historiadores, ou seja, a figura de Evita Perón e sua mitificação. A maior novidade de seu trabalho reside, no entanto, em explorar a imagem de Evita ainda hoje no ciberespaço, através da Fundação Eva Perón, criado para que a mesma não seja esquecida e, ao mesmo tempo, fornecendo uma documentação nova para historiadores distantes dos arquivos argentinos.

Celso Gestermeier do Nascimento e Hilmaria Xavier Ribeiro procuram contribuir em dois aspectos com Mnemosine: tanto numa discussão acerca do uso de fontes para o historiador – filme, romance, músicas – quanto a respeito da memória do fato histórico. E isso é feito a partir da percepção política e do transcorrer das diferentes perspectivas de tempo para os principais personagens do filme “A casa dos espíritos”.

Adriano Díez Jiménez está preocupado com as migrações de colombianos que tem aumentado para a província de Sevilha, na Espanha e de como eles são submetidos a duras condições de vida e de sucesso econômico proporcionando-nos, também, reflexões acerca de metodologia de trabalho e da formação / ou não de laços sociais com suas comunidades de origem.

Andréia Brito de Souza e Claudimara Cassoli Bortolotto também analisam a temática da imigração, só que desta vez o foco é a imigração haitiana para o Brasil na atualidade, em particular as cidades de São Paulo e Cascavel e como esse processo afeta as cidades enquanto espaço de diversidade cultural e o próprio Estado nacional que não pode deixar de lado as demandas desses imigrantes.

Quando lembramos o significado da dimensão religiosa para a formação social da América Latina, e em particular a dinâmica de reconfigurações em suas expressões ao longo do século XX, ganha importância o texto de João Marcos Leitão Santos com um estudo de uma faceta particular que se disseminou no protestantismo latinoamericano a partir dos anos setenta do século passado, que foi a associação de intelectuais leigos e teólogos organizados em associações de diversos perfis, e com menor grau de vinculação institucional com as denominações protestantes, no caso, o autor investiga as gêneses da Fraternidade Teológica Latinoamericana / FTLA a partir do seu emblemático encontro de Jarabacoa, Costa Rica, em 1983.

Celso Gestermeir do Nascimento – Doutor. Professor de História da América da Unidade Acadêmica de História e Professor da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Campina Grande.


NASCIMENTO, Celso Gestermeir do. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.6, n.4, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Urbanidades / Mnemosine Revista / 2015

Em boa hora chega este Dossiê Temático, o qual surge em atendimento a duas exigências: de um lado, para fins de manter periodicidade da Revista Mnemosine e, de outro, para criar um canal de reflexão em torno dos estudos acadêmicos sobre o urbano, um campo que vem ganhando cada vez mais força no seio da comunidade historiadora e que ocupa um lugar garantido na historiografia brasileira nos dias que correm.

A Revista Mnemosine, ainda que tenha sido criada para ser uma espécie de caixa de ressonância das pesquisas orientadas nas linhas de pesquisa do PPGH / UFCG, sempre foi além desse caráter endógeno, abrindo-se desde o momento de sua criação para as devidas interações e trocas historiográficas, extensivo a outros saberes no âmbito das humanidades, isto em termos regionais e / ou nacionais, imprimindo, por assim dizer, uma linha de editoração também de caráter exógeno. A prova está neste Dossiê, em que, como veremos abaixo, comporta não só um conjunto significativo e diverso de contribuições de pesquisadores de diversas partes do país sobre o urbano, como pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, História, Geografia, Recursos Naturais.

Dossiê também chega numa hora propícia se se considera que se trata de uma proposição da Linha de Pesquisa I, do PPGH / UFCG, denominada Cultura e Cidades, em que seus pesquisadores têm em mente, com esta publicação, duas metas: contribuir para o enriquecimento do debate interno com os pós-graduandos da Linha; criar um canal permanente de diálogo com pesquisadores do urbano Brasil afora, em especial com os que estão vinculados ou estiveram vinculados aos inúmeros cursos de pós-graduação em história e áreas afins nas diversas regiões do país. De resto, para que se conheça e ganhe maior visibilidade o que tem sido feito em Campina Grande, desde que o nosso Mestrado foi criado, no tocante à afirmação de um corpo de pesquisadores em história urbana com forte acento na História Cultural e na História Social, aos quais vieram se somar, em anos recentes, profissionais que pesquisam sobre o urbano com recortes temáticos sugeridos pelos Estudos Culturais.

O fato é que a linha de pesquisa Cultura e Cidades, do PPGH / UFFG, ainda que profundamente marcada por toda uma diversidade temática e epistemológica – fruto das muitas influências que marcaram seus pesquisadores nos cursos de pós-graduação em História e áreas afins na UNICAMP, UFPE, UFPB, entre outras IFES -, tem funcionado com um mínimo de coesão interna, significando, com isto, que diversidade na unidade tem sido o leitmotiv dos que a fazem. Portanto, foi com base nessa perspectiva de pluralidade temática e epistemológica que este Dossiê foi pensado, em que se garante um mínimo de autonomia autoral e textual para cada um dos trabalhos, mas sem perder de vista certa convergência no trato do urbano em sintonia com o espírito da linha de pesquisa referida, a saber, seus inúmeros recortes sobre o urbano, seus vínculos epistemológicos com a História Cultural, a História Social, a História Política, os Estudos Culturais, seu lugar-comum no tocante à ideia de que não existem ilhas de história e, por conseguinte, sua apreensão da vida cotidiana e seus devidos nexos com dimensões totalizantes, holísticas etc.

Os dez artigos que compõem este Dossiê formam sem dúvida um conjunto multifacetado. Provenientes de diversas partes do país ou do próprio PPGH / UFCG, os artigos em questão comportam diferentes recortes temáticos associados à história urbana e diferentes olhares em termos de epistemologia e / ou aporte teórico. Também diversas são as fontes pesquisadas por cada autor, com o consequente uso dos métodos hoje na ordem do dia para fins de bem processá-las.

O artigo intitulado CIDADE SOB A ORDEM SANITARISTA (JACOBINA – BAHIA – 1955- 1959), de autoria de Edson Silva, focaliza um conjunto de ações normativas e disciplinares, em âmbito público e privado, no cotidiano da cidade mencionada no título. Trata-se, entre outras coisas, de demonstrar as práticas de resistência e / ou rebeldia da população jacobinense às exigências de certa gestão municipal, com o beneplácito de profissionais da imprensa, no tocante à adoção de hábitos de feição médico-sanitarista.

O artigo com o título CORPO, SAÚDE E TRABALHO: O(S) DISCURSO(S) ANARQUISTA E SOCIALISTA EM RELAÇÃO AO(S) CUIDADO(S) DE HIGIENE EM PORTO ALEGRE (1900-1910) é de autoria de Eduardo da Silva Soares e Glaucia Vieira Ramos Konrad. Texto se debruça sobre periódicos anarquistas relativamente à cidade de Porto Alegre do início do século XX, confrontando-os em seguida com a bibliografia corrente acerca do tema. Desses usos e confrontos, emerge uma proposta de análise preocupada, entre outros, com os fatores que seguem: detecção dos sonhos anarquistas no tocante a uma sociedade livre dos poderes constituídos e, consequentemente, da opressão; identificação das precárias condições de vida e trabalho da gente oprimida em contraste com a vida burguesa; mapeamento das doenças, a tuberculose incluída, que afetam o bem estar físico e mental dos trabalhadores; enfoque de todo um universo imagético, com destaque para as linhas críticas de caráter anarquista, com vistas ao fomento de uma consciência de classe, vale dizer, ao modo como os trabalhadores traçam de forma consciente os caminhos da luta contra a opressão.

O artigo IMAGENS DA MODERNIZAÇÃO NO CONTEXTO TEATRAL: SERTÃO, URBANIZAÇÃO E PROGRESSO NA CUIABÁ DOS ANOS 1940 PELA OBRA DE ZULMIRA CANAVARROS é de autoria de Antonio Ricardo Calori de Lion. Voltado à análise dos traços arquitetônicos da Cuiabá – capital matogrossense – dos anos 1940, o texto explora, por meio de um vínculo visível com a História Cultural, os elementos sensíveis, esteticamente falando, da nova arquitetura implicada no processo de modernização da cidade, e tudo isto com base na apropriação / recepção da produção cultural de Zulmira Canavarros, que, segundo palavras do próprio autor, “se firmou enquanto personalidade influente no cenário cultural cuiabano”.

O artigo assinado com o título de AS SOMBRAS DAS IMAGENS: A GUERRILHA URBANA NO CARIRI CEARENSE EM 1967 é de autoria de Assis Daniel Gomes. A guerrilha urbana contra a ditadura militar no Brasil, como é público e notório, tem sido costumeiramente recortada como objeto de estudo no tocante ao eixo Rio – São Paulo. Tanto é assim que existe uma significativa historiografia a respeito. Poucos sabem da existência de guerrilha urbana em outras áreas do país, menos ainda em se tratando do Cariri cearense. Pois é exatamente de guerrilha urbana na região caririzeira cearense que trata este trabalho. Por meio do periódico intitulado “Jornal Unitário”, relativo ao ano de 1967, o autor colige todo um feixe de discursos e imagens visuais presentes em suas páginas, com vistas à demonstração do modo como forças da repressão entraram em ação para, nas palavras do autor, “desorganizar e exterminar a formação de guerrilheiros nesse território”. De resto, um jornal a serviço do regime ditatorial recém-implantado, deixando claro sua pretensão, devidamente explorada pelo autor, no tocante ao convencimento de que os guerrilheiros eram inimigos da nação, devendo prevalecer na região, por isso mesmo, uma espécie de lei do silêncio.

O artigo FORMAÇÃO DAS FAVELAS NUMA CAPITAL PLANEJADA: Belo Horizonte e Região Metropolitana, assinado por Francis Albert Cotta e Wellington Teodoro da Silva, analisa as contradições do planejamento da capital mineira, um planejamento incapaz de comportar / incomodar toda uma massa empobrecida. O resultado não poderia ser outro, favelização em meio ao propalado planejamento e tentativa de ordenamento urbano. O corolário de tudo isso? Uma cidade cujo projeto de racionalização da ordem urbana, que se queria higienizada / disciplinada, se desfaz ante toda uma torrente de gente empobrecida que, em sua maioria oriunda do êxodo rural, se vê obrigada a morar nas favelas, à margem de qualquer política pública, praticamente desamparada no que se refere à presença do Estado.

O artigo intitulado ITINERÁRIOS CAMPINENSES NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XX: PERCURSOS, MEMÓRIAS E TERRITÓRIOS, de João Paulo França, se propõe a descortinar os possíveis itinerários das vivências cotidianas nas ruas, becos e logradouros da Campina Grande da primeira metade do século XX. Lançando mão de fontes como jornais, propagandas e fotografias, o autor rastreia os percursos, territórios e memórias dos campinenses e / ou forasteiros que eram atraídos pela cidade na temporalidade referida. E mais: ainda que não tenha certezas à mão, o autor aceita o desafio de explorar o passado campinense, com o que é possível explorar, o mais proximamente possível, isto é, em termos verossímeis. Ademais, comparando-se a um flâneur, que sentia-se em casa ao adentrar a flanerie, o autor parece estar a exigir do leitor uma certa cumplicidade para fins de que ele, leitor, também sintase igualmente em casa ao percorrer esses itinerários da vida campinense à época mencionada.

O artigo ÍNDICE DE SUSTENTABILIDADE URBANA MUNICIPAL: UMA ANÁLISE DA GESTÃO URBANA DE CAMPINA GRANDE-PB, de Maria de Fátima Martins e Gesinaldo Ataíde Cândido, tem a pretensão de refletir sobre o quanto um espaço urbano dado precisa de mecanismos de sustentabilidade para tornar a cidade minimamente viável em termos econômicos, urbanísticos e ambientais. Com este fim, os autores lançam mão do Plano Diretor da cidade de Campina Grande relativo ao ano de 2006, estabelecido pela Lei Complementar n° 003, de 09 de outubro, em conformidade com o que estabelece o Estatuto da cidade. Partindo do pressuposto de que os espaços urbanos carecem de mecanismos de sustentabilidade, os quais devem ser geridos por políticas públicas adequadas devidamente monitoradas, os autores se debruçam sobre o Plano Diretor referido para verificar até que pontoo Índice de Sustentabilidade Urbana em Campina Grande tem pontos positivos. Enfim, um modelo de análise criado, a partir de certos indicadores, para avaliar a experiência de Campina Grande, mas que, como admitem os autores, poderia ser aplicado a outras realidades, desde que se atente para as peculiares de cada local. No caso em apreço, a parte da vida urbana campinense que requer mais atenção em termos de sustentabilidade, é a dimensão urbanística, isto em decorrência “da cidade dispor de infra-estrutura básica de funcionamento com sistemas de abastecimento de água, energia, coleta de resíduos, esgotamento sanitário, transporte público, espaços públicos com áreas de lazer, entre outros”. Mas claro, nada disso pode ser melhorado a contento; nada disso pode ser incrementado de modo dinâmico; nada disso, enfim, tornar-se-á realidade se o Plano Diretor Municipal não puder contar, para fins de viabilizar políticas públicas para tornar a cidade sustentável, se não estiver associada a uma gestão democrática e participativa. Ora, sem uma estrutura institucional e política que dê garantias democráticas no tocante à participação dos munícipes, nenhum plano diretor viabilizará a cidade em termos sustentáveis.

O artigo A SOCIONATUREZA DOS RIOS URBANOS: A EVOLUÇÃO DA REPRESENTAÇÃO DO RIO COMO INTANGÍVEL NO IMAGINÁRIO DA CIDADE, da autoria de Luiz Eugênio Carvalho, volta-se à explicação da reconstrução conceitual em se tratando das ações de drenagem urbana. Ao invés das antigas apreensões dicotômicas entre homem e natureza ou entre materialidade e representação, o texto chama a atenção para o caráter híbrido dessas relações. Portanto, nada de colocar construção material de um lado, representações do outro. Com a própria palavra o autor: “a construção material de cidades ambientalmente mais adequadas passa pela transformação das representações que temos de seus elementos componentes, neste caso com destaque para os rios urbanos”. Se posicionando contra certa noção naturalizada acerca dos rios que cortam as cidades, o autor esclarece não são tão intangíveis assim como nos quer fazer crer a legislação

Gervácio Batista Aranha – O autor é doutor em história pela UNICAMP e professor da UFCG.


ARANHA, Gervácio Batista. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.6, n.3, jul. / set., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Livros e leituras / Mnemosine Revista / 2015

Livros, leitura e múltiplas interpretações

“A maior parte do tempo de um escritor é passado na leitura, para depois escrever; uma pessoa revira metade de uma biblioteca para fazer um só livro.” Samuel Johnson

As palavras do escritor e pensador inglês Samuel Johnson (17091784) permite-nos conjecturar sobre a complexidade existente para se elaborar um texto: de início, a escolha de um assunto e sua consequente pesquisa; depois, a seleção de textos que possibilitem o estudo do conteúdo a ser pesquisado, que pode ser realizada em bibliotecas. A seguir, vem à leitura dos textos selecionados e, por último, a redação.

Hoje, no primeiro semestre de 2015, passados aproximadamente duzentos de cinquenta anos das palavras escritas por Samuel Johnson, e graças aos avanços tecnológicos, o acesso aos textos tornou-se facilitado, muito em decorrência da informática. Para muitos, com o advento e a proliferação da internet, a mudança de suporte, a tela e o teclado – que pode ser do computador, de telefones móveis ou dispositivos portáteis – substituindo o papel e a tinta, aumentou a eficácia no armazenamento, na manipulação e na maneira de comunicação e acesso aos textos anteriormente restritos apenas aos ambientes físicos de bibliotecas localizadas nos grandes centros (que podem estar perto ou longe do leitor) ou nos rincões mais afastados do planeta.

Na internet, as bibliotecas virtuais e os grandes repositórios de textos e livros permitem ao pesquisar o acesso a uma infindável quantidade de informações que, anteriormente, não se tinha. A cada ano, a quantidade de publicações e o aparecimento de periódicos científicos online aumentam substancialmente, ao ponto de não sabermos, ao certo, por exemplo, o número de revistas científicas existentes. As estimativas variam muito: a página do SciELO permite o acesso a mais de mil periódicos científicos em textos completos. O Portal de Periódicos CAPES dá acesso a mais de 35 mil revistas científicas.

Apesar de todas as facilidades no acesso aos textos e a dinâmica interativa da leitura e da escrita propiciada pelo computador, muitas pessoas ainda são reféns do folhear o papel físico e do sentir o cheiro de um bom livro “velho”. Outros aderiram ao texto digital, por propiciar leitura interativa e coletiva, em virtude das várias janelas hipertextuais multissequenciais que se podem abrir a todo o instante, fazendo com que a unidade de leitura se encaminhe rumo a novas e inesperadas conexões entre textos.

Ao lado dessas duas maneiras de acesso aos textos – impressos ou digitais – existem os leitores e pesquisadores que imprimem os textos online para lê-los no papel. Seja qual for a sua predileção, os textos do dossiê que vocês – leitores da revista Mnemosine – terão acesso, a seguir, foram escritos por leitores-intérpretes que compareceram a bibliotecas no desafio de escrever, após revirar os seus acervos na busca de respostas a suas inquietações e indagações de pesquisa.

Os onze artigos que constituem o presente dossiê analisam, a sua maneira, diversificadas práticas culturais e políticas transmitidas por agentes que intervieram nos episódios e processos históricos que participaram, possibilitando-nos conhecer, após as investigações de seus autores, as representações de mundo, os conceitos, as linguagens, as conjunturas históricas e as suas mais diversas formas culturais e políticas, registradas em uma determinada historicidade.

Guiando-se pela lógica de que a produção textual está imersa em circunstâncias, incidentes e intencionalidades do autor, operadas, por exemplo, para ensinar e desenvolver um espírito de universalidade, o dossiê se abre com o artigo de Rubens Leonardo Panegassi (Universidade Federal de Viçosa, UFV), que contextualiza a produção do humanista português João de Barros e o seu posicionamento político frente ao contexto histórico existente no reinado de dom João III.

Ainda com ambientação em Portugal, Adriana Angelita da Conceição (Pós-Doutoranda em História pela Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP) apresenta-nos a obra “O governador de praças”, de Antonio de Ville Tolozano, que serviu às discussões políticas travadas pelo vice-rei marquês do Lavradio durante seu governo no Brasil.

A fundação da Biblioteca Pública de Lisboa, em 1796, ocorrida durante a regência de dom João, serviu de mote para Juliana Gesuelli Meirelles (Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUCCAMPINAS) apresentar o bibliotecário régio Antonio Ribeiro dos Santos e discutir a circulação de livros particulares naquele período.

A seguir, Francisco Topa (Universidade do Porto, em Portugal) comenta a obra literária de João Mendes da Silva e descortina as suas indicações de leitura no contexto do Rio de Janeiro de finais do século XVII.

Encaminhando-nos rumo à América hispânica, chegamos a Clementina Battcock (Universidad Autónoma Nacional de México, UNAM) e Sergio Botta (Sapienza Università di Roma, Itália) que lançam luz sobre a guerra entre incas e chancas representada na obra “Historia del nuevo mundo” (1653), do cronista Bernabé Cobo.

Já Patricia Escandón (pesquisadora do Centro de Investigaciones sobre América Latina y el Caribe, CIALC, da Universidad Nacional Autónoma de México, UNAM) apresentanos a obra “Historia general del Perú”, do frei Martín de Múria.

Utilizando-se dos fotolivros “Au Mexique” e “Brésil”, de Pierre Verger, Carlos Alberto Sampaio Barbosa (Universidade Estadual Paulista, UNESP, câmpus de Assis) discute a importância dos fotolivros na construção de uma cultura visual latino-americana e como Verger ajudou a elaborar uma identidade visual naqueles dois países na primeira metade do século XX.

Por intermédio das análises de Neuzimar Campos e Silva (Frade da Ordem Franciscana) e Neimar Machado de Sousa (Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD) chegamos ao filósofo argentino Enrique Dussel, considerado um dos mais destacados expoentes da Filosofia da Libertação e do pensamento latino-americano.

O romance “Um rio imita o Reno” serve de inspiração para Rodrigo Luis dos Santos (Mestrando em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS) comentar a construção realizada por Clodomir Vianna Moog sobre o imigrante e descendente não vinculado de forma opcional à sociedade brasileira nas décadas de 1930 e 1940.

Roger Domenech Colacios (Universidade Estadual de Londrina, UEL, e Pós- Doutorando em História na Universidade Estadual Paulista, UNESP, câmpus de Assis) analisa as alterações realizadas pelo filósofo das ciências Bruno Latour em sua obra “Vida de laboratório: a construção dos fatos científicos”, escrita em coautoria com o sociólogo britânico Steve Woolgar, referente às edições francesa e brasileira, publicadas em 1988 e 1997, respectivamente, permitindo-nos pensar se as alterações realizadas em um texto impresso são apenas transformações dentro de uma obra ou se são transformações de um autor.

Assim, como autores e leitores que somos, cabe-nos praticar múltiplas interpretações dos impressos e textos eletrônicos que nos aparecem a cada dia.

Boa leitura!

André Figueiredo Rodrigues – Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras, da Universidade Estadual Paulista (UNESP), câmpus de Assis.


RODRIGUES, André Figueiredo. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.6, n.1, jan. / mar., 2015. Acessar publicação original [DR]

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Africanidades / Mnemosine Revista / 2014

A escravidão e seus vestígios

Passados mais de 126 anos desde o final oficial da escravidão no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea, pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, ainda sentimos, nos dias de hoje, os reflexos de termos sido o último país das Américas a abrir mão do trabalho forçado, em que algumas pessoas da sociedade detinham o direito de propriedade sobre outras pessoas.

A abolição da escravidão, por se celebrar na pompa oficial com um feriado nacional, mascara um passado que se quer esconder: o permeado por histórias de tragédias, preconceitos, injustiças e violência nas relações econômico-sociais, em que centenas de milhares de negros passaram, da noite para o dia, de um regime de dor, exploração e humilhação, para um regime pré-democrático, em que a igualdade de direitos e oportunidades deveria prevalecer.

A História, infelizmente, conta-nos outro enredo: aquele em que os negros e os seus descendentes foram alijados e / ou não adequadamente integrados às regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado.

Com base no Censo de 2010, é-nos permitido saber que a população negra soma hoje 50,1% dos cidadãos brasileiros e que existe – ou melhor, que ainda persiste – um abismo entre brancos e negros difícil de ser ultrapassado. Sem ficar nos números, que podem ser consultados no site do IBGE (www.ibge.gov.br), basta observar o acesso aos serviços básicos de saúde, saneamento e educação, e as informações econômicas relacionadas à renda e ao emprego, para percebermos que muito ainda temos que avançar rumo a tão propalada democracia racial.

Mesmo com as marcas visíveis deixadas pela escravidão e os fenômenos relacionados a ela na formação da sociedade brasileira, muitas pessoas e pesquisadores das Ciências Humanas fazem seus escritos como se no Brasil nunca tivesse existido escravidão. Dentro da necessidade de se ampliar ou de não se fazer esconder o passado que nos toca, é que este Dossiê – “A escravidão e seus vestígios” – foi organizado.

Em seus pouco mais de “500 anos de história”, o Brasil contou com o sistema escravista nada menos que 388 anos. Neste período, como nos ensinou Luiz Felipe de Alencastro, em O trato dos viventes, “a escravidão não dizia respeito apenas ao escravo e ao senhor, mas gangrenava a sociedade toda”, criando um padrão de relações sociais e de trato político que deixou marcas graves na sociedade brasileira.

Stuart Schwartz, em Segredos internos, mostrou-nos que em decorrência da escravidão, no período colonial, a organização social resultou em uma sociedade de múltiplas hierarquias de honra e considerações, de múltiplas categorias de trabalho, de complexa divisão de cor e de formas variadas de mobilidade e mudança.

Pensando-se na máxima transmitida por Luiz Felipe de Alencastro, de que o Brasil foi um país criado na concepção de que o trabalho é escravidão, iniciamos o Dossiê com o artigo de André Figueiredo Rodrigues (Universidade Estadual Paulista – UNESP, câmpus de Assis), que investiga os escravos como força de trabalho dominante, nas fazendas e lavras de alguns dos homens mais ricos do final do século XVIII, em Minas Gerais, os proprietários da comarca do Rio das Mortes envolvidos na Inconfidência Mineira (1788-1792). Dora Celton, Mónica Ghirardi e Federico Sartori, todos da Universidad Nacional de Córdoba, desvendam, por meio da perspectiva sócio- demográfica, o universo do trabalho escravo em uma área rural administrada conjuntamente por jesuítas e franciscanos, em Córdoba del Tucumán, na Argentina, durante a segunda metade do século XVIII.

Esses dois textos iniciais demonstram que a escravidão, em qualquer lugar ou tempo, visava a diversas finalidades, entre as quais as econômicas. E, todas exerceram, em graus diversos, importantes influências. Neste cenário, praticamente existente em quase toda a América, onde a escravidão tornou-se a forma predominante de organização do trabalho, o cativo, em sua luta diária, procurava criar condições para flexibilizar o sistema, com a criação de espaços de autonomia.

Espaços de autonomia foram buscados, por exemplo, nos festejos realizados pelas irmandades de escravos, que se utilizavam dessa oportunidade para reforçar laços de identidade e para construir um ideal de vida para além do cativeiro, como nos mostra o texto de Alisson Eugênio (Universidade Federal de Alfenas, UNIFAL). Reafirmando a existência desses espaços de autonomia e das ambiguidades, que podem ser observadas na segunda metade do século XIX, Marcelo Eduardo Leite (Universidade Federal do Cariri, UFCA, câmpus de Juazeiro do Norte) nos apresenta, por intermédio de fotografias, cenas da escravidão que ilustram um Brasil real e um Brasil que se pretendia esconder, através de discursos civilizatórios propagandeados pelo Segundo Império.

O Segundo Império, no avançar da segunda metade do século XIX, viu florescer ações de resistência e se consolidar autonomias. Revoltas pipocavam por todo o país e eram abafadas por ações governamentais. Ocorriam fugas em massa e a queima de fazendas, criando um clima de ansiedade, tanto no campo quanto nas cidades. A polícia não tinha condições para controlar esses movimentos, que não foram poucos e esparsos, e o clima de incerteza rodeava a população. Neste contexto, Lucia Helena Oliveira Silva (Universidade Estadual Paulista – UNESP, câmpus de Assis) nos leva a conhecer as diversas maneiras de luta pela liberdade proporcionadas por mulheres no período final da escravidão, na região de Campinas, no Estado de São Paulo. Em semelhança a este assunto, Régia Agostinho da Silva (Universidade Federal do Maranhão – UFMA) apresenta as “falas” sobre escravidão e abolição, no Maranhão, mediadas pelas poesias de Gonçalves Dias (1823-1864) e Trajano Galvão (1830- 1864).

Ariosvalber de Souza Oliveira (mestre pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG) vai ao Rio de Janeiro, na segunda metade do oitocentos, resgatar as ressonâncias escravistas traçadas e criticadas por Machado de Assis no conto “Pai contra a mãe”.

Em continuidade às críticas contra a política escravista imperial, o artigo de Milton Carlos Costa (Universidade Estadual Paulista – UNESP, câmpus de Assis) analisa o movimento pelo fim da escravidão na pena de Joaquim Nabuco (1849-1910), o maior líder abolicionista brasileiro.

No tocante a abolição, Iraci del Nero da Costa e Julio Manuel Pires, ambos da Universidade de São Paulo (USP) trazem à tona, em caráter comparativo, discussão sobre a supressão do capital-escravista mercantil e a eclosão de movimentos abolicionistas em diversas partes da América, notadamente Haiti, Canadá, Guianas, Antilhas, Bolívia, Argentina, Peru, Equador, Uruguai, México, Paraguai, Estados Unidos, Cuba e o Brasil.

Ainda no cenário internacional comparativo, regressamos as relações atlânticas envolvendo o Brasil, a Guiné Equatorial e Cuba, pela ótica de Pedro Acosta-Leyva (Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB, câmpus dos Malês, na Bahia), no que diz respeito às negociações, intercâmbios e mediações que definiram a territorialidade brasileira e de Guiné Equatorial, e a dinamização da sociedade cubana em relação ao tráfico, ao desenvolvimento cultural-religioso e a indústria açucareira.

Na contemporaneidade, vestígios da escravidão serão lidos por Margarita Aurora Vargas Canales (Universidad Nacional Autónoma de México – UNAM) em crítica literária que realiza a cinco romances do martiniquenho Édouard Glissant (19282011), um dos mais importantes escritores do Caribe francês, permitindo-nos conhecer a experiência de uma pessoa que buscou nas raízes africanas os sentimentos de valorização da cultura nascida nas Antilhas.

Francisca Pereira Araújo (mestranda em História na Universidade Federal de Campina Grande – UFCG), a quem cabe o desfecho do Dossiê, mostra as formas de sobrevivência de afro-brasileiros na cidade de Campina Grande, entre 1945 e 1964, ao recuperar, por meio de relatos orais de idosos negros e não negros, as modificações observadas na cidade em relação ao mundo do trabalho, ou melhor, na recuperação de vestígios escravistas que marcam profundamente a economia, e por que não dizer a cultura e a política nacionais, desde o final da escravidão no Brasil. Nada mais atual que as palavras, em tom de presságio, escritas em sermão, na segunda metade do século XVII, pelo padre Antônio Vieira (1608-1697): “A liberdade é um estado de isenção que, uma vez perdido, nunca mais se recupera; quem foi cativo uma vez, sempre ficou cativo, porque ou o libertam do cativeiro ou não; se o não libertam, continua a ser cativo do tirano; se o libertam, passa a ser cativo do libertador.”

Boa leitura!

André Figueiredo Rodrigues – Professor do Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras, da Universidade Estadual Paulo (UNESP), câmpus de Assis.


RODRIGUES, André Figueiredo. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.5, n.1, jan. / jun., 2014. Acessar publicação original [DR]

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Protestantismo e regime militar no Brasil: Perspectias / Mnemosine Revista / 2014

Com este Número Especial a Mnemosine Revista inaugura um novo estágio em sua trajetória e sua linha editorial. Por decisão do seu Conselho Editorial e do Programa de Pós-Graduação em História, além dos seus dois números regulares anuais, serão publicados números especiais a cada ano.

Também a um fato distintivo neste número considerando, sobretudo, que a Revista prioriza textos inéditos em suas edições. Este Número Especial variou este escopo, admitindo a inserção de textos já trazidos a comunidade científica. Este fato decorreu de uma intenção específica que foi reunir em um único lugar discussões sobre o tema das relações entre o protestantismo e o Regime Militar no Brasil, com vistas a indicar a trajetória das discussões sobre tal objeto nos últimos dez anos, e acompanhar sua evolução ou eventual involução. Na verdade, o volume seria maior incluindo trabalhos pioneiros e textos publicados no exterior, mas não foi possível este intento.

Os estudos sobre a inserção do protestantismo brasileiro têm ganhado maior intensidade a partir dos anos 80. Mas a questão política não ganhou um espetro satisfatório, sobretudo, pelo fato que aas instituições religiosas tendem a restringir o acesso a documentos que, a seu juízo, possa comprometê-la. Neste particular, foram rarefeitos os estudos sobre as obscuras relações do protestantismo com o regime militar, que somente em anos mais recentes têm sido objeto de análises mais substantivas.

Assim, quase todos os textos apresentados tratam das expressões e relações do protestantismo com o Golpe Militar a partir das principais denominações religiosas, as mais antigas no Brasil, que são, em geral, reunidas sobre a tipologia de protestantismo de missão, ou, equivocadamente, protestantismo histórico, equivocadamente uma vez que todos os grupos são históricos. A exceção deste tratamento, aparece no texto trincheiras da verdade: o fundamentalismo evangélico e a ditadura militar brasileira, de Lyndon de Araújo Santos e Adroaldo José Silva Almeida, que discutem as relações protestantismo-golpe da perspectiva do fundamentalismo religioso.

O professor Vasni de Almeida, trata do ambiente metodista, e analisando “o silêncio, a defesa da ordem, a denúncia das injustiças sociais e a defesa da democracia”, demonstra como a problemática que levou a crise política e a instituição do estado militar, esteve na ordem do dia das discussões naquele grupo religioso.

Três trabalhos versam sobre a Igreja presbiteriana do Brasil IPB apoia a gloriosa revolução, de Silas Luiz de Souza, Poder e memória: o autoritarismo na igreja presbiteriana do Brasil no período da ditadura civil-militar pós 1964, de Valdir Gonzalez Paixão Junior, e Diálogos entre religião e política: discursos e práticas da Igreja Presbiteriana do Brasil (1962-1969), de Márcio Ananias Ferreira Vilela. De perspectivas diferenciadas os trabalhos tratam do apoio político material e simbólico oferecido pelos presbiterianos ao estado de autoritário, e o reflexo do modelo de autoritarismo militar instituído como modelo de gestão institucional na Igreja Presbiteriana do Brasil.

Outros três trabalhos remetem a tradição batista, Na antecâmara do Golpe. O Manifesto dos Ministros Batistas do Brasil, 1963, de João Marcos Leitão Santos, Os batistas e o governo militar: Deus salve a pátria, da professora Elizete da Silva e “O comunismo é o ópio do povo”: representações dos batistas sobre o comunismo, o ecumenismo e o governo militar na Bahia (1963 – 1975) de Luciane Silva de Almeida.

O primeiro trabalho é uma análise do Manifesto da Ordem dos Ministros Batistas do Brasil, demonstrando como, apesar de retoricamente infenso a militância política, os batistas, pelos seus ministros, apresentaram um texto destoante com o tradicionalismo político que marca o protestantismo no Brasil, surpreendendo a comunidade evangélica, e conseguindo ampla repercussão.

Os dois outros textos analisam o compromisso político que caracterizou a relação majoritária dos batistas com o novo regime, primeiro Elizete da Silva, toma o slogan “Deus Salve a Pátria” adotado pelos batistas, sugerindo que o regime deposto se caracterizava como uma ameaça a sobrevivência da pátria. Em perspectiva similar Luciane Almeida, tomando a região de Feira de Santana como referência para a experiência nacional, mostra que este agente ameaçador da pátria era o “comunismo ateu”, expondo a retórica que se estabelecia contra o comunismo nos periódicos batistas.

Nos dois trabalhos que completam este Número, estão A ASTE e a ditadura militar, de Manoel Bernardino de Santana Filho e o referido Trincheiras da verdade: o fundamentalismo evangélico e a ditadura militar brasileira, de Lyndon Santos e Adroaldo Almeida. A ASTE, instituição organizada para congregar os seminários teológicos protestantes no Brasil, possuía por isso em seus quadros agentes intelectuais privilegiados. Com a instituição do estado militar a ASTE foi atingida diretamente em seus quadros, pelas mesmas práticas que se manifestaram em outros setores, da “traição, delação, e perseguição”, esvaziando seu potencial de fórum de reflexão teológica e político-social.

Na análise de Santos e Almeida, fica esclarecida como a lógica que permeia o fundamentalismo religioso esteve na base das opções políticas do protestantismo brasileiro, que se traduziu como “movimento difuso conquistou, então, espaços e posições de poder e de controle de instituições”, “acirrando a oposição e a crítica ao comunismo, ao modernismo, ao ecumenismo, ao liberalismo moral e ao catolicismo”, discurso que se manifestou em todas as tradições religiosas protestantes majoritárias no Brasil.

João Marcos Leitão Santos – Editor


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.5, n. especial, 2014. Acessar publicação original [DR]

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História e gênero / Mnemosine Revista / 2013

Existem momentos na vida onde a questão de saber, se pode- se pensar diferentemente do que se pensa e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir (Michel Foucault).

Nos últimos trinta anos, inúmeros foram os estudos e pesquisas relacionados a questões de gênero no Brasil. Os quais propiciaram maior compreensão acerca das interações humanas.

Indubitavelmente, a distribuição de poder entre homens e mulheres é desigual e, frequentemente, sua disputa ocorre de forma violenta. Ou seja, o conceito de gênero pode ser compreendido como uma relação de poder e dominação do homem sobre a mulher. Demonstrando que o papel masculino é consolidado historicamente e reforçado por modelos sociais – como a patriarcal. Essa dinâmica social culminou em relações violentas entre os sexos e demonstra que a submissão das mulheres não é algo espontâneo, mas sim, uma indução no processo de socialização das pessoas.

Associado aos movimentos feministas, os conhecimentos sobre as questões de gênero constroem e reconstroem a categoria em um evolver histórico, expressando como homens e mulheres se organizam socialmente, evidenciando como a parceria entre tais movimentos e a academia, através de diversos laços – lato sensu e stricto sensu, congressos, conferências, cursos entre outros – valida e valoriza as ações políticas empreendidas pelos movimentos, subsidiando-os teoricamente e, como também, em inúmeras situações, concedendo aos mesmos sua infraestrutura, possibilitando a integração entre ambas as instâncias.

Neste sentido, a Revista Ariús, do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande, representa importante agente difusor de conhecimentos pluralistas, apresentando a diversidade e a contribuição desses para os que militam – na perspectiva acadêmica e política – à frente das questões humanas e sociais.

Neste Dossiê a Revista oferece artigos que contemplam temáticas pertinentes às “Questões de Gênero”, em específico com temáticas referentes à sexualidade, relações de gênero, imprensa escrita, literatura e política pública, cujos autores detêm formação privilegiada, atuantes no âmbito acadêmico, a maioria em espaços públicos, como estudantes e pesquisadores. Em outras palavras, pessoas que se dedicam às temáticas privilegiadas neste Dossiê.

Destarte, este Dossiê apresenta, “A mulher e a política nas revistas Veja e Realidade: anos de 1967, 1994 e 2010”, problematizando a divulgação de pesquisas realizadas pelas supracitadas revistas, sobre a participação das mulheres na militância política brasileira. A autora apresenta um mapa histórico, “(…) da forma como a mídia apresentou a percepção da mulher sobre a política e quais as suas contribuições para a construção de uma visão atual sobre a relação mulher e política e a inserção da mulher nos espaços de poder.” embasada nas informações obtidas e interpretadas no percurso investigativo.

Em instigante estudo, “Imagem, representação e masculinidade: considerações sobre as capas da G magazine” problematiza a produção e reprodução da imagem do corpo viril do homem, suas posições corporais ou expressões faciais, em seu vestuário e os impactos dessas imagens ao público-alvo da revista, ou seja, em específico, aos homossexuais.

Em outra perspectiva, o artigo, “A construção escolar da (in) diferença: a identidade homossexual diante da produção / reprodução do saber / poder sobre a sexualidade no ambiente da escola”, aborda a questão da homossexualidade, discorrendo sobre o papel da escola na formação da sexualidade e a construção da identidade “(…) a partir de uma reflexão em torno dos sistemas simbólicos de representação construídos e disseminados nas práticas pedagógicas desta instituição.”

“As personagens femininas em Lygia Fagundes Telles: encontros e desencontros entre o eu e o mundo / o eu e o outro” discorre sobre “(…) a narrativa da referida escritora, centrando a atenção nos contos Pomba Enamorada ou uma história de amor, O Menino e Natal na Barca, observando as formas de relacionamento das personagens consigo e com outro, a fim de analisar o fenômeno de construção da identidade na modernidade”

“Identidades desviantes: do macro ao microcosmo”, apresenta uma reflexão sobre a necessidade que o ser humano tem em nomear, a partir de uma perspectiva essencialista, as orientações sexuais. O autor desenvolve sua argumentação através dos questionamentos “por que eu sou o que eu sou?” substituindo-o pelo “como eu posso extrair prazer de minha própria existência?”, embasado na teoria de Michel Foucault.

“Mulheres „imorais‟, „arruaceiras‟ e „desordeiras‟: jogos discursivos da imprensa”, apresenta os modos de condutas e comportamentos de mulheres denominadas e / ou classificadas como desviantes, pelo jornal Diário da Borborema. As informações são interpretadas à luz dos estudos de gênero e, como locus, a cidade de Campina Grande / Paraíba, nas décadas de 1960-1970.

Outro interessante artigo refere-se a “A alimentação como um tema político das mulheres”, contextualizando-o através de um viés dos direitos humanos, do direito ao acesso à alimentação, em qualidade e quantidade, defendendo tal condição a partir da instituição de políticas públicas.

Nesse embaralhamento de estudos e pesquisas, em forma de artigos inter e multidisciplinares, convidamos os leitores ao sabor da leitura, com a certeza de estarmos contribuindo com a difusão e o debate sobre as “Questões de Gênero”.

Latif Antonia Cassab


CASSAB, Latif Antonia. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.4, n.2, jul. / dez., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Nordeste: coisa de cinema / Mnemosine Revista / 2013

Nordeste, meu amor ou: Está o Nordeste para o Brasil assim como o Oriente para o Ocidente?

Representar o “Outro” constitui um dos maiores desafios, mas também uma das mais avassaladoras tentações do ente que convencionamos denominar “ser humano”. Talvez não seja despropositado afirmar que o impulso – cognitivo e emocional – que nos impele ao conhecimento e, consequentemente, ao ordenamento do mundo, é uma marca universalmente partilhada, ainda que apresente variações (por vezes dramáticas ou, ao contrário, apenas sutis) segundo os períodos históricos, ideologias políticas, preceitos morais e religiosos, contextos socioculturais, imperativos econômicos, interesses políticos e / ou mercadológicos, e assim por diante. Ainda assim, os múltiplos idiomas por meio dos quais os sujeitos procuram conhecer, reconhecer e representar os seus (nossos), “outros” guardam um quê de mistério – ou melhor, emergem a partir de uma necessidade imiscuída a um sentimento de incompreensão ou impotência e é justamente essa qualidade que (n)os leva a imaginá-los, fantasiá-los, idealizá-los, subjugá-los, amá-los ou odiá-los.

Poderíamos aqui divagar, recorrendo a uma infinidade de histórias – narradas por uma extensa linhagem de autores que inclui desde Homero a Daniel Defoe e Joseph Conrad – que nos falam de encontros envolvendo antigas civilizações (reinos, impérios, cidades- estado, tribos, etc.) e ilustram a fascinante saga humana no contato com o “Outro”. Entretanto, para além d e imagens romanceadas, a História nos brinda igualmente com episódios nos quais tais encontros degeneraram, quando não em guerras sangrentas, em representações no mínimo controversas acerca desse “Outro”. Lembremos, por exemplo, da obra magistral de Edward Said [2] , na qual o autor nos mostra como no “Ocidente” (ou no seio dos principais Estados imperialistas ocidentais, sobretudo o britânico e o francês) se construiu e se cristalizou um olhar (homogeneizante) sobre o “Oriente”. Recorrendo ao escrutínio de textos produzidos por literatos, viajantes e políticos, Said constrói sua denúncia contra “o modo ocidental de encarar, dominar, reestruturar e exercer o poder sobre o Oriente”; “um conjunto de ideias circunscritas a valores, apresentados de modo generalizado, características do Oriente”. Said não foi o primeiro, tampouco o último intelectual a insurgir-se contra as formas de dominação – política, econômica, social e simbólica –, empreendidas pelas grandes potências ocidentais sobre o “resto” do mundo [3].

Mas, afinal de contas, o que isso tem a ver com o Nordeste brasileiro, ou, melhor dizendo, com a maneira pela qual essa região vem sendo representada (sobretudo a partir do século XX) em jornais, revistas, filmes, canções, romances, telenovelas e o que (e como) tais representações dizem sobre o Nordeste e os nordestinos? Uma resposta a essa questão pode ser encontrada no primoroso trabalho do historiador Durval Muniz de Albuquerque Júnior [4] , no qual o autor explora o modo e o porquê de determinados signos (como a seca, a saudade, a religiosidade popular, os ritmos) emergirem e se cristalizarem como aspectos quase metonímicos dessa região na “paisagem imaginária” nacional.

Estabelecendo uma ponte entre Albuquerque Júnior e Said, poderíamos conceber esse fenômeno histórico por meio de uma analogia entre o Nordeste (Oriente) e o Centro-Sul brasileiro (Ocidente). No bojo de ambos os processos representacionais, o Nordeste brasileiro, tanto quanto o Oriente imaginado pelos europeus, foi (e continua sendo) submetido a uma leitura desqualificadora da qual nada escapa: o clima, a vegetação, o solo, os costumes, o idioma (ou sotaque), a compleição física, a cultura, a política, a economia, etc. Porém não nos enganemos. Essa leitura, longe de ser empreendida numa via de mão única, ou seja, a partir de um olhar “externo” foi, em grande medida, alimentada por alguns dos maiores pensadores (sociólogos, romancistas, políticos) nordestinos, por homens do porte de Gilberto Freyre [5], ansiosos na busca de uma identidade regional ou mesmo nacional.

A propósito, como esquecer aquele (ou esse!) Nordeste retratado (ou seria inventado?) nas obras de autores como José Américo de Almeida, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos, nas quais encontramos tanto o flagelo da seca e as consequentes misérias e injustiças sociais quanto a força (ressaltada por Euclides da Cunha [6] , por exemplo) de um povo e sua capacidade de indignar-se, mas também de orgulhar-se.

Porém, não é nada fácil representar um lugar, um a população ou mesmo um indivíduo sem recair em imagens simplistas, estereotipadas ou ambíguas. O próprio Albuquerque Júnior, refletindo sobre esta “formulação discursiva e imagética” que é o Nordeste brasileiro, admite a dificuldade para a “produção, difusão e poder persuasivo de uma nova configuração de „verdades‟ sobre esse espaço”. Verdades? Mas quais seriam as verdades hegemônicas, estabelecidas e, por outro lado, que verdades subordinadas, silenciadas ou ainda alternativas estariam sendo (não) produzidas sobre o Nordeste brasileiro?

Talvez o que os sete artigos que compõem o presente dossiê – escritos não só por historiadores e antropólogos, mas também por pesquisadores das áreas de comunicação social, publicidade e desenvolvimento regional – tenham em comum – através da análise crítica de alguns filmes que têm o Nordeste (ou uma certa imagem inventada de um [in]certo Nordeste) como cenário e “o” nordestino como personagem – seja o questionamento dessas supostas “verdades”.

O primeiro artigo, de Danilo Alves Maia e José Benjamim Montenegro, parte da leitura de Jesuíno Brilhante, o cangaceiro, filme de 1973, dirigido por William Cobbet. Nele, os autores refletem sobre a relação entre cinema e história tomando o cangaço, movimento sociocultural que se deu no Nordeste entre o final do século XIX e parte do XX, como texto. Retomando a perspectiva teórica defendida pelo antropólogo Clifford Geertz [7], diríamos que o que Maia e Montenegro fazem nesse artigo consiste em interpretar a interpretação que um cineasta empreende sobre o fenômeno do cangaço.

O filme Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karin Aïnouz, produzido em 2009, é objeto de análise de Ronaldo da Silva e Adelino Pereira da Silva no segundo artigo deste dossiê, onde os autores procuram escrutar imagens, sons e silêncios por meio dos quais se constrói um Nordeste hiperreal, povoado de estereótipos comumente associados ao homem sertanejo. Tal viés crítico também nos é apresentado por Joachin Azevedo Neto no artigo dedicado ao filme Vidas Secas (lançado em 1963) de Nelson Pereira dos Santos, e ao romance homônimo que lhe deu origem, escrito por Graciliano Ramos, editado pela primeira vez em 1938. Tanto no texto de Fábio R. da Silva e Adelino P. da Silva quanto no de Joachin Neto, nos deparamos com a tensão potencialmente disjuntiva entre imagens produzidas, difundidas e legitimadas midiaticamente e sua distância em relação a imagens “concretas”. Ora, quem e o que de fato é representado e reconhecido em tais “produtos”?

No quarto artigo, apresentado neste dossiê, Silvia Tavares da Silva parte da leitura do filme O Homem que Virou Suco, dirigido por João Batista de Andrade em 1981, para analisar o modo como os nordestinos que migram para o Sudeste brasileiro são retratados, além dos conflitos que permeiam a construção e a negociação de suas identidades em meio a um contexto significativamente distante e distinto de seu lugar de origem. Porém a autora não se limita ao conteúdo imagético construído e expresso no e pelo filme, procurando também compreender a formação e a visão política do diretor, bem como a conjuntura social e histórica dentro da qual o filme foi produzido.

A aridez do clima e da paisagem, o suposto tradicionalismo dos costumes e a forte religiosidade popular são marcas costumeiramente acionadas por artistas quando buscam, em suas obras, representar o Nordeste. Em seu texto, Josélio S. Sales toma O Auto da Compadecida, filme de Guel Arraes realizado em 2000 e inspirado na peça escrita por Ariano Suassuna em 1955, para destrinchar o que Sales chama de “estereótipos” e “velhos clichês culturais” em nada condizentes com a realidade, senão com as mentes fantasiosas e nostálgicas de Arraes e Suassuna.

No artigo seguinte, Glauco Fernandes Machado e Greilson José de Lima interpretam o filme Baixio das Bestas (lançado em 2006), de Cláudio Assis, à luz da crítica Pós-Colonial, o que lhes permite problematizar a equação tão arraigada e etnocêntrica através da qual a imagem do Nordeste é erigida, quase que concomitantemente, associada a determinadas manifestações culturais (ou caricaturais) como o Maracatu, e, o que lhes parece mais questionável, à violência, ao decadentismo, ao exotismo.

Rosilene Dias Montenegro e Túlio Augusto Paz e Albuquerque, encerram o dossiê e, diferentemente dos demais autores, optaram por analisar, em conjunto, títulos representativos de dois dos principais movimentos que marcaram a história da produção fílmica no Brasil, o chamado Cinema Novo e o Cinema de Retomada, no intuito de perquirir como a região Nordeste foi representada cinematograficamente. Os autores entendem “que o cinema constitui uma linguagem privilegiada para a análise da sociedade, cotidiano e história” e que filmes podem ser tomados metodológica e epistemologicamente como “lugar de representação e produção de sentidos e fonte histórica”.

Autores como Stuart Hall [8] , Arjun Appadurai [9] e Néstor Garcia Canclini [10] produziram estudos de fôlego no intuito de compreender questões relacionadas à reconfiguração das identidades coletivas no contexto da nova economia cultural global. Appadurai, por exemplo, refletiu sobre a tensão entre os processos de homogeneização e heterogeneização culturais, atentando para o que o autor denomina como os “múltiplos mundos idealizados” constituídos pelas imaginações historicamente situadas das pessoas e dos grupos disseminados pelo mundo, possibilitando apontar para as formas fluidas e irregulares dessas paisagens. Appadurai estabelece que as imagens identitárias produzidas / veiculadas por filmes, músicas, programas de televisão, etc., “são interpretações profundamente perspectivas, modeladas pelo posicionamento histórico, linguístico e político das diferentes espécies de agentes”. Canclini, por sua vez, observa que questões de identidade social e / ou pessoal muitas vezes são respondidas pelo consumo de bens e dos meios de comunicação de massa. A partir da disseminação de imagens através da mídia, assistimos e vivenciamos a emergência de comunidades transnacionais de consumidores. Não se trata de meras cópias ou de processos homogeneizantes, mas do fato de que narrativas e identidades são coproduzidas.

Os artigos que compõem o presente dossiê, por outro lado, trazem à tona os problemas intrínsecos às formas de se representar um suposto “Outro” (ou um suposto “Nós”) nas quais nem todos se (nos) reconhecem(os). Como veremos a seguir, este é um dos muitos méritos dos autores aqui apresentad os, ou seja, o de questionar leituras simplistas sobre o Nordeste e o “ser” nordestino.

Em tempos de intensa circulação de ideias, imagens e pessoas; numa era marcada por deslocamentos e processos de reterritorializações cada vez mais dinâmicos e difusos, é enganoso (e muito enfadonho) ficar assistindo ao eterno retorno do mesmo forçadamente essencializado, o qual não abre espaço para a apreensão de signos diferencialistas alternativos, tampouco para semelhanças positivamente valoráveis. E este é mais um mérito dos textos aqui reunidos.

Certamente, para quem já teve a oportunidade de assistir aos filmes objeto de análise deste dossiê, será impossível revê-los com o “mesmo” olhar de antes. E para aqueles que ainda não o fizeram, tenho certeza de que correrão para vê-los e que ali (des)encontrarão um “Nordeste” na tela que pouco ou em nada coincide com os “nordestes” onde vivemos, que nos habitam, povoam nossas memórias pessoais e afetivas, em suma, que incendeiam nossas mentes e preenchem nossos corações.

Notas

  1. SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
  2. Ver, por exemplo, BHABHA, Homi. O local da cultura. Belo Horizonte: UFMG, 2001; HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003; MCCLINTOCK, Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.
  3. ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz. A invenção do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez Editora, 1999.
  4. FREYRE, Gilberto. Nordeste. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 1989.
  5. CUNHA, Euclides da. Os sertões. Edição crítica de Walnice Nogueira Galvão. São Paulo: Ática, 1996.
  6. GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
  7. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A, 2000.
  8. APPADURAI, Arjun. “Disjunção e diferença na economia cultural global”. In: FEATHERSTONE, Mike (Org.). Cultura global: nacionalismo, globalização e modernidade. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.
  9. CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999.

Martinho Tota – Pós- doutorando no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional / Universidade Federal do Rio de Janeiro; Doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional / UFRJ. Pesquisador associado do Laboratório Integrado em Diversidade Sexual e de Gênero, Políticas e Direitos (LIDIS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: [email protected]


TOTA, Martinho. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.4, n.1, jan./jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Teoria e método / Mnemosine Revista / 2012

É lugar comum a constatação de virada epistemológica a que foi submetida as ciências históricas no século passado tipificado na apropriação de novas abordagem, novos objetos, e novos problemas (LeGoff & Nora, 1988), exigindo novos exercícios teórico s e metodológicos para o sabre e o fazer históricos.

Em 1985 a professora Sandra Pesavento dava conta de que oitenta por cento do que se fazia em história no Brasil era em diálogo com a história cultural. Isto pode significar uma demarcação identitária para a historiografia brasileira, mas não deixa de acender um sinal de alerta, no sentido de submeter todo e qualquer objeto a um paradigma comum de análise, como, por exemplo, na crítica que Gomes (2002) faz sobre as relações desta com a historiografia religiosa.

Este número de nossa revista dedicou-se a teoria e o método, notadamente na sua aplicação a objetos potencializados dentro da história como a literatura e a imagem. No texto do Dr. Cabral Filho são discutidas possibilidades teóricas e metodológicas do uso da imagem fotográfica no trabalho historiográfico, a partir de uma revisão na literatura selecionada, com vistas a indicar a importância de tratar as imagens fotográficas como indícios históricos que, pelo apelo visual que lhes é inerente, são potencialmente capazes de redimensionar a interpretação dos eventos sob análise do historiador, onde os homens, as cidades, os objetos e as paisagens dão a ver de modo que o passado quase que pode ser tocado no presente.

Dois trabalhos, do Dr. Gervácio Batista e de Benjamim Montenegro nos quais a problemática é a relação com a literatura. O primeiro pondera sobre a presença de uma determinada técnica de composição que se apresenta nas crônicas de jornalismo literário do escritor inglês Charles Dickens. Voltado a supressão das fronteiras entre texto e imagem, aquele autor elaborou um meticuloso e preciso estilo de interpretação da vida urbana na Londres vitoriana, pautado em uma postura indiciária, não explorada satisfatoriamente nas investigações dos historiadores.

Na segunda interpelação sobre literatura e história, Montenegro busca identificar relações entre história e literatura ficcional “do ponto de vista da recorrência a imagens literárias recortadas pelo historiador” quando se elege uma fonte sensível às vivências cotidianas de outro tempo, e por ela o historiador se dedica a exploração, da condição humana, dentre outras sensibilidades. Do ponto de vista operativo a abordagem é propositiva no sentido de indicar como os textos ficcionais são documentos como quaisquer outros, e a universalidade dos gêneros literários para tal fim e a possibilidade de recorrência aos Romances históricos tomados como documentos de epocais no âmbito do diálogo história e literatura.

O Dr. João Marcos Leitão se volta ao esforço de resgatar a perspectiva história dos primórdios dos tempos modernos, trazendo a baila uma perspectiva da concepção de história de Nicolau Maquiavel, pouco referido como historiador, dada a “paternidade da política moderna” que lhe foi atribuída, enfatizando sua contribuição a politologia em detrimento da questão histórica.

O Dr. André Figueiredo apresenta um exercício de metodologia no tratamento da Inconfidência Mineira a partir da apresentação da documentação selecionada, se dedica a indicar a recorrência do sequestro de bens, apontado como relevante recurso analítico por se constituir uma fonte privilegiada para a compreensão dos mecanismo em operação na Inconfidência Mineira.

Fecha este número dois artigos na seção de fluxo contínuo. Um do Dr. Aldenor Alves Soares voltado a um estudo do presente na análise que faz de um conflito havido da Igreja Anglicana do Brasil, na diocese do Recife, em torno da questão da sexualidade, e o de Muriel Diniz, tratando da história política da Paraíba no século XVIII, da perspectiva das relações entre a igreja e do Estado a partir da biografia do padre Antônio Soares Barbosa envolto nas relações políticas que margearam o governo e interesses privados nas Capitanias de Pernambuco e Paraíba

Este número tem uma peculiaridade: reflete parte das discussões que têm aparecido no âmbito da Pós-Graduação em História da UFCG, pela contribuição dos seus docentes, na história política, na literatura, na imagem, etc. A aparência de um dossiê doméstico, a aparência apenas, vai revelar ao leitor num espaço menos disperso, as possibilidades de interlocução com paradigmas diversos e proposições de investigações criativas.

Boa leitura a todos!

João Marcos Leitão Santos – Doutor. Editor


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.3, n.2, jul. / dez., 2012. Acessar publicação original [DR]

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História e política / Mnemosine Revista / 2012

Temos um número tornado especial da nossa Revista, o que se deve ao diálogo interdisciplinar, aberto a outros saberes, no Dossiê Política e História.

Os textos apresentados neste número não foram apenas de visitação à história política como mais correntemente conhecemos na historiografia. Predominantemente, os textos neste número abrem diálogo da política e a história do presente.

Assim são as discussões de Clóvis Melo sobre as conclusões da sua pesquisa descritiva, que sugere que as práticas instituídas no país mantém um modelo consolidado ao longo do tempo. José Maria Nóbrega relata o status permanente da nossa democracia em busca de consolidação, mensurando o nível de accountability horizontal de algumas instituições coercitivas, instituídas em nossa sociedade. De igual forma, Gomes Neto traz a baila o fenômeno da judicial politics, para interpelar sua ação na ambiência social do país, textos que se tornam especialmente importantes se percebermos a história do tempo presente como um momento particularmente favorável asa observação do tempo passado sobre o presente, e, enfim, como uma permuta inevitável entre memória e acontecimento, como queria Rioux.

Como perspectiva consolidada, afirma Tètard sobre o estudo do político, que o retorno da história política tiveram e têm ainda um papel aglutinador e dinâmico, mas que qualquer obra sobre o político e a história política não podem trazer senão resposta parciais, de onde decorre a necessidade da interlocução com outros saberes que advém da própria dinâmica da cultura e da demanda social.

Ao trazer a tona temática como a sustentabilidade, como faz Sérgio Araújo investigando as ações do Estado, de empresas e da sociedade diante do ambiente natural visitando os conceitos de política, poder tenta mapear comportamentos social diante dos recursos de garantia da existência, quebra o paradigma da pura e simples cronologia pretérita para apontar a história na direção das perspectivas sociais em seu inalienável pertencimento individual e coletivo. Por isso mesmo no texto de Eugênio Carvalho com o sugestivo título “O domínio das águas”, o Recife se faz no tempo, aponta para a experiência das cidades, que se erguem, segundo Carlos Pena Filho, dos sonhos dos homens, procura mapear as “práticas realizadas ao longo de todo o século XX”, aponta para o problema da percepção imposta pelas condições históricas, como ambiente mesmo das sociabilidades.

Mais próximos da tradição historiográfica em si estão os textos de Ariosvalber Oliveira, Jean Patrício e Emerson Lucena e Fabio San Martins. O primeiro e o último remetem a tematizações cuja demarcação temporal é o Brasil Império. Ariosvalber toma o problemática a relação crônica e a pesquisa histórica para entender tramas políticas e os interesses dos liberais e conservadores em torno da questão da abolição e suas conseqüências, ao passo que San Martins sobre as questões econômicas que do Império incorporaram-se aos problemas da ordem republicana nascente.

Jean Patrício e Emerson Lucena voltam-se a um período mais recente da vida republicana, a Quarta República. Ambos tratam de tópicos pontuais e na perspectiva política. A pesquisa de Emerson é inovadora no sentido de apontar a relação entre comunistas e protestantes, estes últimos, sempre retoricamente reticentes a aproximação com as esquerdas. Jean, por sua vez, buscou entender as práticas políticas do processo de “redemocratização” na Paraíba durante o período de 1945- 1947, discutindo como tais práticas e grupos políticos influenciaram o processo político republicano.

O número se encerra com a entrevista do professor Antonio Paulo Rezende, concedida a Gláucia de Souza Freire onde faz importantes considerações sobre a experiência de historiador e sobre o fazer história.

João Marcos Leitão Santos


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.3, n.1, jan. / jun., 2012. Acessar publicação original [DR]

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Religião / Mnemosine Revista / 2011

Afasta-se o tempo em que as percepções mais estreitas das relações sociais e das sociabilidades se animaram por banir ou enclausurar os estudos das histórias religiosas, atribuindo-lhes adjetivos que depunham contra os próprios enunciadores, sobretudo, no contexto de vários cursos de História, quando se manifesta entre os discentes crescentes interesses pelos temas religiosos.

Lembra Gomes (2002), ao referir a emergência da História Cultural como não –sinônimo da expropriação de outras construções dos saberes históricos, que a nova história religiosa que postula a nítida distinção e a inequívoca articulação dos dois campos parece a tendência mais promissora, sem entender articulação como “mixagens semânticas e instrumentalizações indevidas…” e reconhece que a nova história religiosa tenta responder as novas questões colocadas pelos renovados campos da história, multiplicando, desta forma, novos objetos, novas problemáticas, novas abordagens, novas temáticas.

A compreensão de que a grande inovação atribuída à história religiosa, sobretudo, a partir dos anos 80 “está na onipresença, nos novos objetos, nas novas problemáticas, nas novas abordagens para as antigas questões” parece não permitir outra constatação senão a de uma exigência de re-elaborações metodológicas calcadas em uma problematização do objeto mais precisa, cuja agenda mais emergente aponta para a questão da superação dos apriorismos / reducionismos; a possibilidade / impossibilidade de descrições e compreensões valorativas, da significação das autonomias e singularidades da religião, que forja novas identidades a partir de uma compreensão da chamada “função social e cultural” da religião.

Este fato ganha realce, principalmente, se lembramos com Ignasi Saborit que o “… Brasil, onde a religião é protagonista de destaque nas mudanças e conflitos sociais” (SABORIT, 1991, p. 9) [1] , não é compreensível aos seus investigadores sem que se visite “ caserna e a sacristia”. São estas constatações sumariamente descritas aqui que se propôs o aproveitamento de alguns trabalhos elaborados no curso de Pós-Graduação em História, na disciplina História das Religiões e manifestações Culturais no Brasil no Brasil, e de outros pesquisadores que contribuíram com este número da Revista.

Manteve-se o caráter diverso e eclético das contribuições, como indicativo da abrangência do fenômeno religiosose das possibilidades múltiplas no seu tratamento, que vieram desde a visitação ao período da América Portuguesa, até a fé em simbiose com turismo religioso nas múltiplas traduções das religiosidades que circularam entre irmandades religiosas católicas, jesuítas em trânsito, até um olhar anglicano sobre o Brasil oitocentista que nascia.

Nota

1. SABORIT, Ignasi Terradas. Religiosidade na Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Imago, 1983.

João Marcos Leitão Santos


SANTOS, João Marcos Leitão. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.2, n.2, jul. / dez., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Brasil República / Mnemosine Revista / 2011

Este dossiê objetiva colocar em discussão temas diversos sobre a República Brasileira. Para tanto, um conjunto de autores brasileiros debruçaram-se sobre este contexto histórico, lançando seus olhares, suas leituras, pondo em problematizações seus objetos de pesquisa. Com esta tônica, a historiadora Juçara Luzia Leite, da Universidade Federal do Espírito Santo, fez uma atenciosa leitura sobre a “república dos mangues”, estudando a situação do cotidiano das prostitutas que trabalharam na República do Mangue de 1954 a 1974, bem como a atuação policial no referido período e local. No artigo, “Mangue como República: Um Caso de Polícia no Rio de Janeiro”, a autora partiu das fichas policiais das prostitutas e tomou a questão das relações de poder como relações culturais, lendo essa área destinada exclusivamente à prática da prostituição que funcionava sob a orientação médica periódica.

O artigo seguinte – compondo histórias (re) inventando espaços: história, memória e identidade no memorial Jackson do Pandeiro – escrito por Lucivalna Ferreira Barros, Roberg Januário dos Santos e Iranilson Buriti, faz uma leitura de Jackson do Pandeiro a partir do seu memorial. Os autores partem de uma perspectiva historiográfica ancorada nos estudos da História Cultural, para analisarem a configuração imagético-discursiva da identidade Jacksoniana em Alagoa Grande / PB. Assim, buscam problematizar de que forma vem sendo gestado no município, em especial após a inauguração do Memorial Jackson do Pandeiro, em dezembro de 2008, a noção de identidade / pertencimento nos Alagoa-grandenses a partir de uma memória musical.

Joaquim de Melo, doutorando da UFSC, põe em discussão suas escritas sobre “Lima Barreto e os Subúrbios Traçados em Linhas Afetivas”, artigo no qual analisa a figura de Lima Barreto, uma intrigante personagem quixotesca da literatura, na Primeira República, considerado como “santo padroeiro” dos escritores rebeldes contemporâneos. Em seguida, Paloma Porto Silva, da UFMG, discute a “Higiene escolar, higiene da República: inspeção médica, ciência e infância – São Paulo (1917)”, colocando em suspeição as tecnologias e conhecimentos médicos sobre o corpo infantil a partir dos escritos do Dr. Vieira de Mello.

Janaina Cardoso de Mello e Rafael Santa Rosa Cerqueira escrevem o artigo intitulado “Do Passado ao Monumento: Proposta de Arqueologia Histórica do Cemitério dos Naufragos – SE”, elaborando um minucioso estudo acerca da relação entre passado, memória e esquecimento através de um trabalho de Arqueologia Histórica do Cemitério dos Náufragos em Aracaju, Sergipe. Os autores fizeram uma análise da cultura material oriunda de um momento trágico – os torpedeamentos aos navios brasileiros por um submarino alemão na costa sergipana vitimando 551 pessoas em 1942.

Intitulado “As Peripécias do Pavoroso Drama do Golgotha”: A procissão do encontro em Aracaju”, o artigo escrito por Magno Francisco de Jesus Santos, tem o objetivo de compreender a procissão do encontro na cidade de Aracaju nos primeiros decênios do século XX. Trata-se de uma leitura acerca das tradições atinentes ao período da Semana Santa na capital dos sergipanos. O autor analisa a referida procissão inserida no contexto do catolicismo da cidade, conspurcado por proeminentes transformações. A leitura desse catolicismo que se metamorfoseava diante dos olhos de novos atores do clero local teve como fonte programações, anúncios, notas e crônicas publicadas nos principais jornais de Aracaju, no período em foco. São textos que ilustram o cenário vivenciado pela população católica aracajuana em princípios do século XX.

Vanessa Marinho dar a ler, em seu artigo “Militância Negra e Expressão Estética no Recife (1980 – 2003), a relação entre a estética, enquanto forma de expressão do belo, e a expressão das identidades em militantes negros no Recife, a fim de demonstrar que a forma de utilização de imagens associadas a uma herança africana se configura como um instrumento de valorização das características do indivíduo afrodescendente – até hoje consideradas depreciativas por alguns. Neste sentido, Vanessa Marinho destaca que a cor da pele, as formas de usar o cabelo e o uso de indumentárias e acessórios associados a uma idéia de beleza negra se configuram como catalisadores deste processo de ressignificação da cultura negra.

O historiador da Universidade Estadual do Ceará, João Rameres Regis, brinda o leitor com o texto “O Integralismo em Limoeiro: memórias de sonho e de frustração”, no qual discute o papel da memória para a construção de representações do passado com base nas lembranças de ex-militantes do núcleo da Ação Integralista Brasileira, de Limoeiro do Norte, Ceará, e nos escritos dos memorialistas locais. Nesse sentido, a noção de cultura histórica permite compreender a interface entre o vivido e o lembrado, bem como os elementos que conferem certa representação do passado.

Iranilson Buriti de Oliveira

Campina Grande, Março de 2011.


OLIVEIRA, Iranilson Buriti de. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.2, n.1, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

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Brasil Império / Mnemosine Revista / 2010

Revisitando o Dossiê Brasil Império

Tendo a acreditar que, dentre os indicadores privilegiados para a compreensão da cultura de uma época, um dos mais formidáveis seja sua produção historiográfica. A História é um saber caracterizado pela reunião de vestígios que trazem aos nossos dias uma presença transfigurada do passado. Esta operação de transfiguração, entretanto, não se faz ao acaso. A evocação dos mortos e sua ressurreição discursiva tem como móvel questões que dizem de nossa contemporaneidade. Os efeitos de real construídos pelos historiadores alimentam certa fome de respostas. Nunca é supérfluo recordar que os passados recompostos pelas mãos que historiam não correspondem a nada mais que uma seleção de vestígios e fontes, baseada em dada quantidade de escolhas. Lidamos sempre, não com reflexos reais de um pretérito presente, mas, antes de mais nada, com nossa capacidade de construir e demandar uma versão a respeito dele.

Assim, recordar o século XIX, reeditá-lo enquanto presença em nossas tentativas de recuperação dos vestígios do passado é tarefa que atrai um crescente grupo de historiadores. No conjunto destes, incluiríamos sem maiores remissões, o Prof. René Rémond, da Universidade de Nanterre / França. Rémond faleceu em abril de 2007 e, dedicou boa parte de sua existência ao estudo das questões políticas dos oitocentos na Europa. Para ele, este século, dada a sua importância para o liberalismo, o capitalismo e a ciência, teria sido dotado de certa dose de “intensidade.” Dever-se-ia, ainda, limitar, de forma bastante tocada de europocentrismo, o interregno entre o Tratado de Viena de 1815 e a primeira guerra mundial, de 1914, como recorte cronológico privilegiado para a sua análise. Ultrapassando o que fora proposto por estes marcos e recortes, este dossiê temático, segundo número de nossa Revista Mnemosine, do Programa de Pós-Graduação em História da UFCG, procura conjugar diferentes regimes de historicidade e percepção da passagem do tempo, marcos cronológicos que não se prendem a um certo ritmo de percepção dos oitocentos muito naturalizado entre nós. Confrontar o tempo da memória e da história dos europeus com o tempo das sociedades colonizadas da América, de forma a destacar suas especificidades é um exercício instigante, para cujo exemplo podemos evocar o trabalho de Ana Lúcia Vulfe Nötzold sobre a representatividade dos discursos das autoridades provinciais frente ao processo de “civilização” e catequese dos Kaingang, habitantes das regiões norte e nordeste do Rio Grande do Sul. Suas reflexões se situam em um momento de intensa entrada de imigrantes europeus e expansão do modelo capitalista de produção agrícola. Em sua análise dos documentos e textos do século XIX sobre a questão indígena, dois momentos de percepção se destacam: um para a representação hegemônica sobre o Kaingang como“selvagens, indolentes e ferozes.” Outro para sua estereotipação como “entes errantes à espera da luz do cristianismo.” “A primeira evidência literária da evolução do verbo civilizer para o conceito de civilization é encontrada, de acordo com descobertas modernas, na obra de Mirabeau, o pai, na década de 1760.”[1]

Como argumentei em um de meus escritos, a ideia antítese de civilização, a barbárie, representação que nasceu na antiguidade greco-romana, receberia sentidos diferentes em cada uma das teorias políticas modernas.[2] Para Hobbes, barbárie designava um estado primitivo, pré- político, no qual o homem era lobo do próprio homem e as garantias individuais básicas estavam ameaçadas. Para Rousseau, a barbárie não estava propriamente no estado primitivo dos homens, mas na degeneração e no desvirtuamento de sua sociedade civil. De forma geral, a herança iluminista que se prolongou no imaginário dos homens da primeira metade dos oitocentos identificava a barbárie com a ausência das luzes. Nas primeiras décadas do século XIX o critério de avaliação das humanidades não européias pelos arautos da civilização ainda era mais filosófico do que científico. Nesse sentido, o artigo de Cláudio Daflon se propõe a estudar os sentidos com os quais Juan Bautista Alberdi usava e modificava o conceito de “civilização”, especificamente através do estudo de sua obra Bases y puntos de partida para la organización política de la República Argentina, de 1852. A pesquisa tem como objetivo explorar as relações do termo e seus vários significados com o tipo de projeto de nação que o autor propunha no momento em que estava escrevendo suas Bases.

Já Edson Silva estuda como, a partir da segunda metade do século XIX, intensificaram-se a afirmações oficiais do desaparecimento dos índios em Pernambuco e da extinção dos aldeamentos. A extinção dos aldeamentos estava baseada na idéia de assimilação dos índios. Com essa idéia de que as aldeias eram fantasias, e que por isso não havia mais razão para existirem, posseiros, senhores de engenho e latifundiários, sobretudo após a Lei de Terras de 1850 ampliaram suas invasões nas terras dos antigos aldeamentos em Pernambuco. Os grupos remanescentes, que se mobilizam desde as primeiras décadas do século XX, colocaram em questão crenças e afirmações sobre o desaparecimento indígena na Região, conquistaram considerável visibilidade política em anos recentes. A partir de uma pesquisa documental e principalmente de relatos de memórias orais de indivíduos Xukuru do Ororubá, Edson procurou compreender como esse povo, a partir das experiências vivenciadas, estabeleceu relações com a história e expressou suas interpretações do passado em diálogo com as situações do presente.

Revisitar a historiografia e as crônicas de viagem sobre os índios de Minas, foi, também, o tema de meu artigo. Para aquém dos recentes esforços de pesquisa arqueológica, que tem revelado dados promissores, não obstante ainda permaneçam sem suficiente conexão entre si, pretendi, nesse ensaio, contribuir para a percepção das especificidades dos relatos sobre as etnias Puri e Coroado da Zona da Mata Central de Minas Gerais nas últimas décadas do século XVIII e nos primeiros treze anos do século XIX. Suspeita-se, por afinidades lingüísticas, que estes índios fossem de etnia Macro-jê, e, sabe-se, por uma seqüência de dados concatenados que sua biologia e cultura foram um dos vetores essenciais para a formação das que hoje se encontra na região do vale de um dos principais afluentes do Paraíba do Sul: o Rio Pomba. Percorrendo listas de documentos dispersos nos arquivos de paróquias ou consultando as seqüências organizadas no princípio do século XX. Na Revista do Arquivo Público Mineiro, procurei abrir campo para a leitura de relatos sobre os primeiros contatos interétnicos e transculturais, na construção do substrato de cultura híbrida que se formou naquela zona de contato, buscando levantar hipóteses sobre sua forma de conceber, promover e ritualizar a guerra.

Indo adiante nos estudos sobre relações de gênero, identidades e diferenças, Harriet Karolina e Juciene Apolinário analisam as relações entre violência e gênero em Campina Grande e seus arredores geográficos e culturais entre os anos de 1866 e 1881. A pesquisa foi conduzida junto à documentação do 1º Tribunal do Júri do Fórum Afonso Campos e busca esmiuçar as relações sociais que permearam crimes de homicídio, lesão corporal, invasão domiciliar e defloramento. Tais incidentes constituíram parte do dia-a-dia feminino e coube às autoras detectar como tais mulheres reagiam culturalmente às mais distintas formas de violência descritas. O trabalho se destaca de uma série de esforços meritórios de pesquisa e catalogação da documentação do referido Fórum, movidas por alunos e professores da Unidade Acadêmica de História e Geografia da UFCG. Dentre estes docentes, reconhecemos, sem dificuldade, a própria Juciene, que, com prazer, tem colhido os frutos de seu trabalho nos programas de Iniciação Científica.

Durante o Império caracterizaram-se uma série de modificações sociais, mais especificamente no âmbito das mutáveis relações identitárias familiares. Em contrapartida a essas mudanças, emergiram, também, diversos discursos literários que tentavam edificar para as moças jovens de então padrões pedagógicos de moral e conduta “honesta”. Dentre os autores e obras engajados nesse tipo de literatura, poderíamos enfileirar Joaquim Manoel de Macêdo com o seu, “A Moreninha,” [3] e José de Alencar, com os seus “Senhora” [4] e “Lucíola” [5] .

Laborando segundo valores peculiares, mas, também, a seu modo, direcionados a este mister, encontramos alguns contos de Machado de Assis pouco abordados pela historiografia. Tais contos machadianos foram enfocados, na sequência, pelo trabalho de Leonardo Farias. Leonardo dialoga com os conceitos certeaunianos de “lugar” e “espaço”, segundo os quais, no contexto social, se distribuem elementos de relações de coexistência. Esses elementos possibilitam as cenas e os cenários literários. Os atores machadianos são, assim, interpretados através de seus contos. Laborando também com discursos, dessa vez jornalísticos, Jucieldo Ferreira Alexandre estudou as caracterizações do cólera morbus, entre 1855 e 1864, partir da leitura do acervo do jornal O Araripe. Esse periódico dedicou mais de uma centena de textos ao cólera-morbo, que ameaçava atingir a cidade do Crato-CE durante aquela década, discursos estes que evidenciavam batalhas políticas de então.

Os embates políticos foram, também, objeto de estudo de Serioja Mariano, que, em seu artigo, discute como, de forma centralizadora, a organização do Estado nacional gerou choques hercúleos entre as lideranças nacionais e os políticos locais paraibanos do Primeiro Reinado. A autora destaca a continuidade da mudança do eixo econômico do Norte para o Sul, o que implicava numa perda de poder para os potentados locais Paraibanos. Estes se sentiam desprestigiadas com as ações do governo do Rio de Janeiro na época dos embates que se seguiram à dissolução da constituinte de 1823 e à outorga da Carta Constitucional de 1824.

Já Elton John, em seu texto, investiu em uma arqueologia dos conceitos de “fama” e “celebridade”, desde o Renascimento até o Iluminismo, laborando a partir de diálogos teóricos surgidos da leitura de diversos escritos de Michel Foucault confrontados com uma extensa pesquisa bibliográfica.

Fechando as discussões desse número, um toque de clássicos. Marinalva Vilar e Michele Cordão, colegas que tem se destacado por enfatizar as recepções e apropriações dos textos Greco-romanos em diversas historicidades, percorrem as produções de historiadores, poetas e retóricos do mundo greco-romano. Sua intenção: problematizar a maneira como se pensava as relações entre o gênero historiográfico e aqueles que a ele se dedicavam por ofício. De um lado, Heródoto, Tucídides, Políbio, Tito Lívio, Tácito, dentre outros; de outro, Aristóteles, Horácio, Cícero, etc. Sua inserção nesse Dossiê temático, acredito, nos direciona a observar como a tradição de que fazemos parte foi sendo elaborada pelos antigos a partir de heranças e rupturas com conceitos dos gêneros poético e retórico. Ocorreu-me, agora, a lembrança grata de um significativo artigo de José Antonio Dabdab Trabulsi, chamado “Liberdade, Igualdade, Antiguidade.” Nele, aquele admirável helenista nos lembra da enorme presença exercida pelas significações imaginárias herdadas da Antiguidade Clássica sobre os momentos revolucionários franceses dos séculos XVIII e XIX.

Como brinde, Claudia Cury, entrevistada pela Mnemosine, nos fala dos caminhos percorridos pelos que nos dedicamos aos estudos de História do Brasil Império, transmitindo, com suas palavras e experiência, valiosa contribuição à formação de nossos jovens historiadores.

Assim, com prazer, cabe-nos desejar-lhes uma excelente leitura

Notas

  1. ELIAS, Norbert. O processo Civilizador. Vol. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. p. 54.
  2. AGUIAR, José Otávio. A transferência da Corte Portuguesa e a tortuosa trajetória de um Revolucionário Francês no Brasil: Memórias e Histórias de Guido Thomaz Marlière (1808-1836). 1. ed. Campina Grande-PB: EDUFCG, 2008. v. 1. 435 p.
  3. MACEDO, Joaquim Manoel de. A Moreninha. São Paulo: Ática, 1982.
  4. ALENCAR, José de. Senhora. São Paulo. Klick Editora, 1997.
  5. ALENCAR, José de. Lucíola. São Paulo. Ática, 1990.

José Otávio Aguiar – Professor Doutor.


AGUIAR, José Otávio. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.1, n.2, jul. / dez., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Brasil Colônia / Mnemosine Revista / 2010

Revisitando o Dossiê Brasil Colônia

Aos leitores apresento a primeira revista científica do Programa de Pós-Graduação em História da UFCG e, notadamente, do Curso de História da Unidade de História e Geografia. Com o presente dossiê, a Mnemosine Revista inicia uma trilogia que seguirá com “Brasil Império” e “Brasil República”. Objetiva-se possibilitar a divulgação de trabalhos de pesquisadores que tratem de temáticas desde a colônia até os dias atuais. O Dossiê Colônia foi organizado a partir de temas escolhidos livremente por seus respectivos autores e, acreditamos, revelando uma diversidade de interesses de discussões historiográficas, metodológicas e de diálogo com as fontes. Nos últimos anos, vem sendo publicados diversos trabalhos sobre Brasil Colônia, apesar de ser em menor proporção em relação aos trabalhos vinculados às temporalidades Império e República, no entanto, é perceptível um avanço no uso das fontes pelas redescobertas das pesquisas em arquivos brasileiros e no exterior. Os trabalhos dos últimos anos no campo do Brasil Colônia revelam que as práticas sócio- culturais construídas na América Portuguesa eram repletas de transgressões, sejam político-administrativas entre centro e metrópole, sejam nas práticas de sociabilidade discorridas em torno das festas, das lutas políticas de negação à ordem metropolitana, das relações de gênero, da diversidade dos planos educacionais que fugiram às regras religiosas, entre outras ressignificações que o cotidiano dos homens e mulheres luso-brasileiras conseguiam desconstruir a lógica do Projeto Colonial Português.

Para o presente dossiê apresento-lhes textos com abordagens variadas e que tratam de temas e problemas do Brasil Colônia, a partir das discussões sobre a recente historiografia portuguesa e brasileira respeitante ao Antigo Regime, enfocando novas possibilidades de estudo sobre a interdependência entre o centro (a metrópole e seu monarca) e a periferia (a colônia). Aborda-se a memória criada em torno da Inconfidência Mineira, através da análise dos boatos e murmurações que circularam em Minas Gerais e na cidade do Rio de Janeiro entre o início da repressão, em 1789, e a execução de Tiradentes, em 1792. É discutida a prática educativa desenvolvida na Paraíba colonial durante o domínio holandês. Analisa as estratégias e os objetivos dos poderes locais da Capitania da Paraíba, representados por meio dos oficiais da Câmara, na sua recusa em organizar a festa para homenagear São Francisco de Borja. Aborda-se a ocupação holandesa no nordeste brasileiro a partir de análises dos documentos deixados pelo cronista Roulox Baro. Analisa-se as transformações gerais ocorridas na economia do Rio de Janeiro na primeira metade do século XVIII, considerando o impacto causado pela ocupação de novas regiões e pelo fluir do ouro Estamos diante de um dossiê sobre Brasil Colônia com característica de multiplicidade de nortes interpretativos, opções de correntes teóricas, opções de recortes, ângulos e ressignificações diversas do passado da América Portuguesa por parte dos historiadores selecionados.


APOLINÁRIO, Juciene Ricarte. Apresentação. Mnemosine Revista. Campina Grande, v.1, n.1, jan. / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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