Políticas culturais: projetos, atores e circuitos | Estudos Ibero-Americanos | 2022

As pesquisas sobre políticas culturais vêm crescendo no Brasil e em toda a América Latina e essa tendência ratifica sua importância para o estudo das batalhas políticas no campo da cultura, um território extremamente rico para dimensionarmos e compreendermos o alcance de determinadas lutas que vêm ocorrendo de modo persistente em nossas sociedades tão atravessadas pela desigualdade econômica, a instabilidade democrática e as injustiças sociais. Os múltiplos enfoques possibilitados pela abordagem do tema – diversidade que se faz presente neste dossiê – revelam que há níveis de conflito e interesses mais ou menos visíveis nessas batalhas e que seu necessário desvendamento, levado a cabo mediante a análise acurada das fontes, resulta em diagnósticos muito instigantes tanto dos contornos da ação do Estado e dos governos sobre a sociedade, como das atuações de diversos agentes no meio social e no espaço público.

A proposta deste dossiê surgiu da experiência da organização de um livro, a seis mãos,3 que envolveu a redação preliminar de uma introdução na qual expusemos algumas hipóteses e considerações a respeito das especificidades do enfoque do historiador sobre as políticas culturais na América Latina, assunto pouco abordado na bibliografia que encontrávamos a respeito. Refletir sobre as complexas relações – multilaterais – demandadas pelo alcance do conceito, a tendência multidisciplinar dos estudos sobre o tema na América Latina, a relevância da compreensão dos posicionamentos políticos no pensamento de diversos autores referenciais do campo, entre outras questões que abordamos no referido livro, foi um exercício muito profícuo. A partir dele, pudemos redirecionar nosso olhar sobre nossos estudos, dialogar com pesquisas de colegas e refletir sobre caminhos metodológicos possíveis. Tais diálogos tiveram continuidade em um ciclo de debates que organizamos, também a seis mãos, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc (Serviço Social do Comércio) em São Paulo, nos meses de outubro e novembro de 2021.4 Durante seis encontros, distribuídos em mesas temáticas, pudemos revisitar nossas reflexões e conhecer outras análises de fenômenos e processos latino-americanos no âmbito das políticas culturais. Leia Mais

Usos do passado recente na América Latina | Revista Eletrônica da ANPHLAC | 2020

Se o passado sempre é uma construção, a partir das demandas do presente, esta relação é ainda mais evidente no caso de um passado recente, cujas consequências diretas têm fortes efeitos sobre o presente e cujos sentidos permanecem em disputa. Frente às violências e crimes de Estado que marcaram o século XX, a academia, impulsionada pelos coletivos afetados, assistiu a um crescimento exponencial das pesquisas que se comprometem com este passado. Tais estudos se circunscrevem na chamada história do tempo presente, imediata ou do presente, segundo as variáveis denominações nacionais. Trata-se de um campo que se consolidou na historiografia neste novo século, mas que já vinha se desenvolvendo e sendo problematizado desde a década de 1970, especialmente na ciência política e na sociologia (FRANCO, 2018).

A especificidade da história recente reside em um “regime de historicidade” (HARTOG, 2014) em que os fatos e processos do passado interpelam as sociedades contemporâneas na construção de identidades individuais e coletivas. Trata-se de um passado presente, de um “passado que não passa”. Aqui as análises perdem o “ponto fixo” e fechado de um passado do qual seria possível aproximar-se com alguma “distância”, “objetividade” e “perspectiva”, para se constituírem “em um diálogo e uma escuta atenta às demandas e interpelações que este passado formula ao presente, razão pela qual deixa de concebê-lo como fechado, finalizado” (PITTALUGA, 2010, p. 31). Este regime é relacional na medida em que confluem passado, presente e futuro (p. 31). Leia Mais