M: o filho do século | Antonio Scurati

Por dever de ofício, historiadores com frequência riscam algumas palavras de seus dicionários. “Natural”, “espontâneo” e “inevitável” costumam ser algumas delas. Seu apelo autoexplicativo justifica a recusa: há nelas uma tendência em tornar evidente exatamente aquilo que precisa ser entendido, estudado. Agindo assim, terminam justamente por onde o fazer historiográfico deveria começar. Para o ofício, são um perigo. De qualquer forma, vale o risco em contrariar a cautela e dizer que o crescimento da extrema-direita ao redor do mundo torna o interesse por M: o filho do Século quase natural, espontâneo, e que a sua leitura vai, aos poucos, se tornando mais e mais inevitável. Lançada originalmente na Itália em 2018, a obra, que encontrou sua tradução brasileira pela Editora Intrínseca apenas um ano depois, não é propriamente um trabalho historiográfico. Tampouco seu autor é historiador. Escrito por Antonio Scurati, professor de Literatura Contemporânea da Universidade de Comunicação e Línguas (IULM) de Milão, o livro pode ser melhor definido como um “romance histórico”: uma classificação atestada não apenas pela formação e pela vinculação institucional de seu autor, mas também por ter sido laureado com o Prêmio Strega, um dos mais importantes da literatura italiana. Trata-se, portanto, de trabalho não muito frequente entre historiadores, algo que, longe de diminuir seu interesse para o grupo, o reforça. Leia Mais