Segunda Guerra Mundial e o Brasil: 70 anos depois / Fronteiras – Revista Catarinense de História / 2015

Compreender os processos políticos, econômicos, sociais e culturais que envolveram o Brasil na Segunda Guerra Mundial, remete a novas possibilidades interpretativas para a História do Brasil Contemporâneo, pois, como enfatizou Elizabeth Cancelli em entrevista recente, é imprescindível conhecer mais a fundo a violência política nos processos históricos enveredados pelo país no século XX. Afinal, indicou ela, os anos Vargas e a ditadura militar “deixaram uma herança muito grande em nossa cultura política, infelizmente. Houve, entretanto, rupturas e continuidades. São dois períodos ditatoriais que se utilizaram da violência em seus projetos políticos de poder.” (CANCELLI, 2013:12).[1]

A polícia, na Era Vargas, utilizava costumeiramente a violência como instrumento de manutenção da ordem e controle social e, portanto, como parte de uma concepção de mundo, com todas as suas implicações e repercussões no conjunto da sociedade. Em particular, as contingências do período autoritário caracterizado pelo Estado Novo, entre 1937 e 1945, marcaram significativamente a vida de grupos étnicos no Brasil e reverberaram tanto no âmbito das políticas institucionais, quanto na questão da família, da língua, etc.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os aparatos repressivos incidiram de forma abrupta sobre populações ítalo-germânicas e nipônicas, culminando com processos no Tribunal de Segurança Nacional, organismo que se tornou uma espécie de ‘tribunal do medo’. Por isso, em muitas localidades do interior do país falar da guerra ainda é um tabu, traduzido em rancores e silêncios. Nesse sentido, organizar e publicar o Dossiê Segunda Guerra Mundial e o Brasil: 70 anos depois, com artigos de diferentes enfoques sobre a memória, as intolerâncias e preconceitos, o Integralismo, as relações interacionais, a economia, a repressão, possui toda uma atualidade para uma compreensão mais ampla e profunda do papel da violência na cultura política brasileira e catarinense.

Nessa perspectiva, João Fábio Bertonha discute a suposta “naturalidade” na formatação das duas alianças chave da Segunda Guerra Mundial: os Aliados e o Eixo, observando os interesses geopolíticos, econômicos, de poder e ideológicos na composição e desses dois blocos em luta. Dennison de Oliveira apresenta pesquisa sobre a política de Defesa Hemisférica desenvolvida durante a Segunda Guerra Mundial pelos Estados Unidos da América (EUA) em aliança com o Brasil e o enfrentamento das ameaças (reais ou supostas) dos países do Eixo ao continente; problematizando a forma como ela era entendida pelas autoridades militares brasileiras e estadunidenses. Ludolf Waldmann Júnior procura entender o papel da Marinha do Brasil no processo de alinhamento do país aos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, destacando o apoio daquela arma a tal alinhamento.

Andrea Helena Petry Rahmeier aborda questões relacionadas ao corte das relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha em janeiro de 1942 e à declaração de guerra, em agosto do mesmo ano, analisando documentação militar e diplomática alemã. Já Méri Frotscher busca memórias de pessoas que emigraram para a Alemanha em 1938, explorando histórias de vida, a repressão ao partido nazista no Sul do Brasil, a emigração, a vida em meio ao conflito, e a repatriação ao Brasil, em 1946 / 7.

Moisés Wagner Franciscon explora textos jornalísticos de jornais do PCB sobre a produção cinematográfica soviética voltada para a Segunda Guerra, e as formas como se dava esse contato através de jornais do PCB, buscando apreender seu alcance e conteúdo. Marcos Dalcatagne estuda a conjuntura econômica brasileira dos anos de 1942 a 1945, período de intensa produção do medo da escassez que afligia a população, tentando compreender como variados seguimentos da população vivenciaram esta situação.

Bibiana Werle analisa memórias de descendentes de imigrantes alemães de um município do Rio Grande do Sul trazendo à tona lembranças de um tempo marcado por proibições em relação a suas representações de caráter étnico, setenta anos após o fim do Estado Novo e da Segunda Guerra Mundial. Leandro Mayer mostra a repressão sofrida pelos moradores de Itapiranga (SC) durante o Estado Novo de Vargas, visto que ali se concentrava um núcleo relativamente homogêneo de alemães católicos, afetando fortemente a história regional e remodelando a sociedade local. Por fim, Gustavo Tiengo Pontes trata de notícias e seções relacionadas com a temática das Forças Armadas que foram publicadas no jornal integralista “Flamma Verde” editado em Florianópolis entre 1936-1938; procurando contribuir para um melhor entendimento das relações dos chamados “camisas-verdes” com as Forças Armadas.

Por seu turno, na sessão Traduções, Carlo Romeo, integrante da Associação Nacional dos Partisans da Itália (Associazione Nazionale Partigiani d’Italia) apresenta o texto A Resistência italiana no Alto Ádige e a questão sul-tirolesa, fruto de apresentação no Colóquio “Resistência e Autonomia, em ocasião do Dia da Autonomia”, em setembro de 2015com uma interpretação da resistência italiana durante a Segunda Guerra Mundial

Na sessão Resenhas, Juliano Benatti Machado Paz apresenta o livro Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história, de Ana Maria Colling; e Yomara Feitosa C. de Oliveira Fagionato resenha a obra Histórias na ditadura: Santa Catarina (1964-1985), organizada por Ana Brancher e Reinaldo Lindolfo Lohn.

Nota

1. CANCELLI, Elizabeth. VIOLÊNCIA NA VIDA POLÍTICA BRASILEIRA E A URGÊNCIA DE NOVAS PESQUISAS HISTÓRICAS. Entrevista. Revista NUPEM, Campo Mourão, v. 5, n. 9, jul. / dez. 2013.

Luiz Felipe Falcão

Marlene de Fáveri

Editores


FALCÃO, Luiz Felipe; FÁVERI, Marlene de. Apresentação. Fronteiras: Revista catarinense de História. Florianópolis, n.26, 2015. Acessar publicação original [DR]

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