The economic consequences of the Atlantic slave trade – SOLOW (RH-USP)

SOLOW, Barbara L. The economic consequences of the Atlantic slave trade. Nova York: Lexington Books, 2014. Resenha de: ALFONSO, Felipe Rodrigues. Revista de História (São Paulo) n.172 São Paulo Jan./June 2015.

I

A nova publicação de Barbara Solow, The economic consequences of the Atlantic slave trade, reúne sete ensaios escritos pela autora ao longo de 25 anos. Sua preocupação central é, a partir de uma perspectiva fundamentada nas categorias da história econômica, examinar “o papel da escravidão no desenvolvimento histórico do capitalismo moderno” (Prefácio de Dale W. Tomich, p. ix,) compreendendo a maneira pela qual a instituição “trouxe o Novo Mundo para a economia internacional” (p. xiii). Não é, contudo, nesta correlação entre capitalismo e escravidão que o leitor deverá notar a verdadeira contribuição do livro. Afinal, como a própria autora admite, coube a Eric Williams o mérito de tê-la pioneiramente apontado. A relevância desta coletânea está no tratamento metodológico que Solow garante à questão, do qual decorrem duas consequências principais: (i) a partir da barreira erguida pelo academicismo mais tradicional entre história e economia, faz-se uma ponte que permite conciliar a preocupação com o particular da primeira e a tendência universalizante da segunda; (ii) ao invés da escravidão como variável isolada, reafirma-se a importância da combinação histórica entre mão de obra escrava, produção açucareira e sistema de plantation, denominados pela autora de “complexo escravo/açúcar/plantation“.

A partir do tratamento descrito e de sua confluência com dados históricos mais recentes, Solow reafirma a importância historiográfica das ideias de Williams perante alguns de seus críticos mais contundentes.

II

Em 1944, Eric Williams publica Capitalism & slavery, um verdadeiro divisor de águas na historiografia sobre a escravidão moderna. O livro é, nas palavras do próprio autor, “um estudo econômico do papel da escravidão negra e do tráfico de escravos em prover o capital que financiaria a Revolução Industrial na Inglaterra, e do capitalismo industrial maduro em destruir o sistema escravista”.1

A correlação estabelecida por Williams entre o desenvolvimento do capitalismo industrial e a exploração do braço escravo romperia com um velho paradigma segundo o qual as preocupações humanitárias do movimento abolicionista britânico teriam sido as verdadeiras responsáveis pelo enfraquecimento da escravatura perante a opinião pública. Este paradigma negligenciava a própria história, na medida em que tratava o movimento abolicionista como uma espécie de “figura à frente de seu tempo”, sem a qual o status quo teria permanecido inalterado. O que a tese de Williams faz é, por meio de uma inversão de termos, retomar para a história seu poder de agência. Contrariamente ao discurso dos ideólogos do Império, Williams afirma que os britânicos tinham plena consciência de que a escravidão já havia cumprido seu papel, não sendo mais necessária para que as engrenagens do capitalismo industrial seguissem a pleno vapor. Os verdadeiros motivos por trás do abolicionismo teriam sido, portanto, de natureza econômica, relacionados, mais precisamente, ao declínio irreversível das colônias escravistas britânicas. É o que se consagrou chamar de “tese do declínio”.

No entanto, a intenção de Williams não era simplesmente promover um revisionismo historiográfico, mas fundar politicamente o nacionalismo entre os caribenhos, ainda controlados pela Grã-Bretanha. Muito embora seu verdadeiro público-alvo não fossem os acadêmicos britânicos, o silêncio destes não denota indiferença, senão um verdadeiro temor em relação ao potencial revolucionário de suas ideias. Esta parece ser a explicação mais plausível para a primeira edição britânica ter vindo a público somente em 1964.

Findados os 20 anos de ocultamento, seria preciso, agora, refutar os pilares fundamentais da tese. A partir do final da década de 1968, Roger Anstey, Robert Thomas, Philip Coelho e Stanley L. Engerman iniciam uma importante bateria de críticas. Todavia, será o livro Econocide, de Seymour Drescher, que, em 1977, encabeçará a investida mais importante contra as ideias de Williams, seguido de nomes como David Brion Davis e David Eltis. O ataque desses autores será desferido em dois flancos estratégicos: (i) negando que o complexo escravo/açúcar/plantationtenha contribuído significativamente para a Revolução Industrial na Inglaterra; (ii) afirmando que a abolição fora prejudicial às finanças britânicas, um verdadeiro “econocídio”.

Solow pondera que, juntamente com a imprecisão histórica, há um equívoco lógico na argumentação dos críticos. Afinal, se o complexo escravo/açúcar/plantation foi tão insignificante quanto se alega, não há motivos para crer que a abolição do tráfico de escravo tenha sido sequer danosa.

As alegações desses críticos, somadas às contra-argumentações dos seguidores de Williams, edificaram um dos debates mais importantes em torno da escravidão moderna no século XX, somente dentro do qual o livro de Solow poderá ser verdadeiramente apreciado. E, muito embora o posicionamento da autora seja favorável às ideias de Williams, cada um dos sete ensaios de sua coletânea atua na direção de “atualizá-las” com dados históricos mais recentes, que se beneficiaram de décadas de revisão historiográfica. Passados 70 anos de Capitalism & slavery, esses dados apenas comprovam a riqueza de suas proposições. Afinal, como a própria Solow admite, “As contribuições de Williams não devem ser avaliadas por um exame minucioso dos argumentos que embasam seus insights, mas pela validade dos próprios insights” (p. 48).

III

Como dito anteriormente, o livro é dividido em sete capítulos. No primeiro, “Capitalism and slavery in the exceedingly long run“, Solow traça o caminho percorrido pelo complexo escravo/açucar/plantation, mesmo antes da chegada de Colombo, até consolidar-se no Atlântico.

O capítulo seguinte, “Slavery and colonization“, discute as origens econômicas da escravidão no Novo Mundo, contrapondo as opções por mão de obra cativa e livre.

O terceiro capítulo, “Eric Williams and his critics“, é talvez aquele que melhor sintetiza a intenção do livro como um todo. Além de reafirmar a dívida intelectual de Solow para com as ideias de Williams, toca em questões centrais abordadas ao longo da coletânea. Dentre elas estão: (a) a importância do complexo para o despertar da Revolução Industrial na Inglaterra; (b) o declínio das ilhas britânicas como desencadeador do movimento de abolição; (c) e o racismo como consequência, não causa, da escravidão.

No capítulo 4, “Why Columbus failed: The New World without slavery“, Solow reconhece que a Europa beneficiou-se sobremaneira da descoberta da América, mas não sem os milhões de escravos que trabalharam nas plantações do Novo Mundo. Foram eles os verdadeiros responsáveis pela rentabilidade das terras recém-descobertas.

O capítulo seguinte, “Caribbean slavery and British growth“, retoma a importância da escravidão como fator fundamental no desencadear da Revolução Industrial na Inglaterra.

O capítulo 6, “Marx, slavery, and American economic growth“, estabelece uma analogia entre a escravidão e o movimento dos cercamentos na Inglaterra em promover capital para a industrialização, com o fator comum sendo o estabelecimento de direitos de propriedade privada até então inexistentes.

Finalmente, “The transition to plantation slavery: the case of the British West Indies“, examina a difusão da escravidão de Barbados, passando pelas ilhas Leeward e chegando à Jamaica, em termos da demanda por produtos e condições de custo variáveis nas ilhas.

Os ensaios deste livro acompanham o complexo escravo/açúcar/plantationao longo de um intervalo de espaço e tempo extenso que vai do Mediterrâneo ao Atlântico, do século XI ao XIX. Em seu esforço, Solow busca sempre aliar as teses de Williams a categorias mais recentes atuais, cuidadosamente emprestadas tanto da história quanto da economia.

IV

Uma das principais contribuições do livro de Solow foi reconhecer o complexo escravo/açúcar/plantation como o maior responsável por inserir o hemisfério ocidental nos quadros da economia-mundo. No primeiro capítulo, a autora enxerga o complexo sob a perspectiva da longa duração, traçando um percurso que vai de suas origens mediterrâneas até sua chegada ao Atlântico. Segundo explica, tanto a conquista cristã de terras muçulmanas no século XI quanto aquela realizada por Colombo em terras americanas no século XV pertencem, em forma e conteúdo, a um movimento contínuo de expansão europeia, dentro do qual esteve sempre presente o complexo escravo/açúcar/plantation. Mais importante, “seus métodos eram”, desde o início, “inteiramente capitalistas” (p. 4). As plantações eram conduzidas por trabalhadores vindos do Oriente, servos locais e escravos de origem árabe e síria; engenhos hidráulicos eram usados para processar a cana; caldeiras de cobre eram importadas da Itália; e boa parte do açúcar era exportado.

É por isso que, às abordagens nacionalistas mais superficiais, escapa a importância da escravidão para o desenvolvimento do mundo moderno, em específico do processo de industrialização britânico. Celso Furtado, por exemplo, é acusado pela autora de não perceber que as colônias italianas do Mediterrâneo, não o Brasil, foram o primeiro empreendimento colonial agrícola em grande escala do hemisfério ocidental. Ao final do capítulo, percebemos que, de fato, a aparentemente despretensiosa menção a Furtado não foi desmedida:

Para onde a escravidão não foi, menos trocas fluíram da Europa para o resto do mundo. Contos fantásticos de que o crescimento europeu deveu-se à exploração da “periferia” pela “metrópole” não resistem a exames acadêmicos. A exploração que realmente importou ao longo de 300 anos foi a exploração de escravos africanos (p. 21).

A centralidade desses “300 anos” de escravidão africana, instituição sem precedentes na história da humanidade, está clara nas obras de Williams e Solow. Muito mais do que apenas transportar 12 milhões de cativos para o hemisfério ocidental e explorar sua força de trabalho, ela criou um verdadeiro sistema internacional de trocas, responsável por catalisar o processo de industrialização na Inglaterra. No quarto capítulo, Solow chega a dizer:

A Europa beneficiou-se significativamente da descoberta da América, mas não sem o trabalho de milhões de escravos em sua maioria negros africanos: não tivesse esse trabalho estado disponível, o desenvolvimento econômico teria sido travado e seu crescimento retardado (p. 62).

No entanto, por que a opção pelo escravo em detrimento do trabalhador livre? Da mesma maneira, pode-se questionar a escolha pelo açúcar. A resposta dessa última questão é mais simples. As plantações em grande escala reduziam os custos de coerção, pois um único capataz poderia monitorar centenas de negros. Além disso, a demanda por açúcar era grande e elástica, e as técnicas de processamento já vinham sendo desenvolvidas desde a época medieval.

No que tange à opção pelo escravo, os economistas clássicos responderiam que a opção generalizada pelo africano deveu-se a (a) diferenças relativas no fator preço: quanto mais gastos com a coerção do cativo, menos interessante torna-se mantê-lo; e (b) disponibilidade de terras livres: num cenário de abundância, somente a coerção manteria o trabalhador em propriedade alheia, impedindo que ele almejasse desbravar novos territórios.

A resposta à afirmação (a) aparece, sobretudo, no sétimo capítulo, em que Solow estuda a transição para o trabalho escravo enquanto sistema industrial nas Índias Ocidentais britânicas. Seu argumento central defende que, juntamente com o fator preço, a lucratividade do braço escravo em relação ao livre varia de acordo com o tipo de produção, sendo o mais vantajoso possível no caso do açúcar. Isso se explica pela: (i) maior produtividade do cativo em grandes unidades, tendo em vista a facilidade com que trabalha em grandes equipes; (ii) aversão do trabalhador livre ao rigor e à disciplina envolvidos neste tipo de produção.

Não se pode, portanto, preocupar-se tão-somente com os preços relativos e negligenciar a importância do tipo de produção. No caso, o açúcar. Nesse sentido, além de contrariar aqueles que priorizam os preços relativos da mão de obra como única variável, as considerações de Solow ressaltam, uma vez mais, a estreita relação entre escravidão, açúcar e sistema de plantation. Nas palavras da própria autora, “Não é possível dizer o que teria sido da história da escravidão moderna sem o açúcar, mas é perfeitamente possível especular a respeito” (p. 119). Afinal, grande parte dos africanos embarcados para o Novo Mundo teve como destino regiões de produção açucareira, como Brasil, Caribe e Cuba.

A resposta à afirmação (b) aparece, sobretudo, no segundo capítulo. “A escravidão não foi causada pela terra livre.” Onde há disponibilidade de terras, o escravo pode ou não ser mais rentável que o trabalhador livre. Isso depende dos custos e da produtividade de cada um e irá variar, como dito anteriormente, de acordo com o tipo de produção. Se comprovadamente mais rentável, ela pode ou não ser adotada; se adotada, ela pode ou não ser abolida. Essas escolhas dependem de vicissitudes políticas, sociais, ideológicas e econômicas.

Dito isso, Solow entende que um erro comum aos críticos de Williams é dissociar escravidão e abolicionismo dos eventos da economia e da sociedade. “Isso é especialmente verdadeiro no caso de Seymour Drescher, que, em Econocide, parece ver a explicação causal da abolição como uma batalha entre ideologia e determinismo econômico, aquela vencendo por knockout” (p. 56). Do ponto de vista de Williams, abolição e emancipação só podem ser entendidas como a interação entre ideologia, condições econômicas e mudanças na estrutura social inglesa.

V

Aos olhos de Solow, a escravidão foi, portanto, uma instituição intimamente ligada ao açúcar e ao sistema de plantation. É por isso que a escolha pelo trabalhador africano deve ser explicada por motivos econômicos, não raciais, e suas consequências – como a inserção do hemisfério ocidental nos quadros da economia-mundo e o próprio racismo -, analisadas sob o mesmo prisma. Negligenciar a correlação entre escravo, açúcar e plantation seria ignorar os reais motivos que trouxeram 12 milhões de africanos para o Novo Mundo, migração esta que alterou definitivamente os rumos da industrialização britânica em específico e do capitalismo moderno em geral. O próprio processo de abolição só ganha sentido histórico na medida em que se reconhece o esgotamento de um modelo que perdurou por 300 anos.

Com efeito, a defesa dos argumentos de Williams realizada ao longo dos sete capítulos é extremamente legítima, tanto por comprovar a atualidade de teses que completam 70 anos quanto por prová-las ainda pertinentes ao debate historiográfico atual. Faço minhas as palavras de Rafael Marquese: “Capitalismo & escravidão, não obstante estar datado em certos aspectos, permanece como uma obra capaz de suscitar novas e surpreendentes leituras – e, assim, de nos ajudar a melhor compreendermos o nosso passado escravista”.2 É, sobretudo, nesse sentido que a coletânea de Solow justifica sua importância.

Referências

MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo & escravidão e a historiografia sobre a escravidão nas Américas. Estudos Avançados 26 (75), 2012, p. 341-354. [ Links ]

TOMICH, Dale W. Preface. In: SOLOW, Barbara L. The economic consequences of the Atlantic slave trade. Lanham; Boulder; Nova York; Toronto; Plymouth, UK: Lexington Books, 2014. [ Links ]

WILLIAMS, Eric. Capitalism & slavery. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1944. [ Links ]

1WILLIAMS, Eric. Capitalism & slavery. Chapel Hill: The University of North Carolina Press, 1944, p. vii.

2MARQUESE, Rafael de Bivar. Capitalismo & escravidão e a historiografia sobre a escravidão nas Américas. Estudos Avançados 26 (75), 2012, p. 341-354, p. 354.

Felipe Rodrigues Alfonso – Universidade de São Paulo. Bacharel em História e mestrando no Programa de Pós-Graduação em História Social do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. E-mail: [email protected].