Trabalhadores e Natureza no Brasil Equatorial / Tempo Amazônico / 2014

O I Encontro Estadual da Associação Nacional de História- Secção Amapá, realizado no final de 2014, coincidiu com um momento de ampla produção do conhecimento histórico que contemplou os quatro extremos do Brasil. Dois movimentos contribuíram para o desenho desse quadro, quais sejam, a ampliação dos programas de pós-graduação pelo país e a constituição de Grupos de Trabalho vinculados a ANPUH-Brasil.

O GT Mundos do Trabalho tem tido especial inserção nesse quadro, reunindo variadas temáticas e historiadores de diversas instituições da Amazônia, que nos últimos anos tem aventado novos temas, fontes e abordagens. O Simpósio Temático Mundos do Trabalho encampado no primeiro evento amapaense da ANPUH foi um dos resultados desse processo. Nele foram acomodados estudiosos do Acre, do Amapá, do Pará e do Amazonas permitindo um amplo debate sobre a temática da história dos trabalhadores.

A presente edição da Revista Tempo Amazônico congrega alguns textos apresentados no referido ST, revelando uma multiplicidade de pesquisas desenvolvidas sobre a temática do trabalho, envolvendo questões de família, conflitos agrários, política, meio ambiente, dentre outros tópicos, revelando novas fontes e alargando as possibilidades de análise da História Social do Trabalho. Todos esses estudos têm sido partícipes das mudanças que vem ocorrendo nos últimos anos, valorizando as experiências protagonizadas pelos mais diversos sujeitos em diferentes universos de trabalho. A ampliação temática, geográfica, epistemológica e cronológica, juntamente com o rompimento de dicotomias (trabalhador livre / escravo; rural / urbano; formal / informal), têm se destacado nas jornadas, seminários e nos últimos STs organizados pelo GT Mundos do Trabalho. Os eventos nacionais da ANPUH também têm sido palco desse movimento, incluindo o ST Mundos do Trabalho organizado no I Encontro Estadual da Anpuh-AP, cujos resultados seguem materializados nos artigos contidos neste número da RTA.

Dentre as várias questões abordadas, serão adensadas importantes problemáticas sobre o complexo inter-relacionamento entre trabalhadores e natureza, tônica principal do dossiê Trabalhadores e Natureza no Brasil Equatorial. Os artigos desta seção permitem apreciar o papel decisivo da natureza no universo de trabalho amazônico. Os pesquisadores produziram seus textos com atenção especial à historicidade do componente espacial. Poder-se-á observar trabalhadores, autoridades públicas e particulares tendo como território de disputa o domínio e o ordenamento de áreas de comércio, povoamento, utilização de recursos naturais, usos da terra e reprodução da força de trabalho nas cidade, rios e florestas.

Nesse sentindo, abrindo o dossiê, Frederico de Oliveira apresenta em seu artigo as experiências dos chamados Soldados da Borracha, arregimentados durante a II Guerra Mundial para o serviço nos seringais amazônicos. O pesquisador aponta como eixo de discussão a transformação dos migrantes nordestinos – alcunhados de arigós – em Soldados da Borracha, analisando ainda o aparecimento de uma consciência ambiental rumo às lutas em nome da preservação da floresta.

Na Amazônia, o hábito de extrair da floresta e rios o necessário para sobreviver faz da natureza um elemento importante para o entendimento do modo de vida dos amazônidas. Fabrício Ribeiro, autor do segundo texto deste dossiê, analisa em seu artigo tais referências tendo em conta as experiências dos trabalhadores extrativistas do açaí e suas formas de sustento, avaliando as complexas relações laborais estabelecidas na extração da fruta sob os moldes do trabalho familiar, especialmente atentando às mudanças vivenciadas a partir da introdução da indústria de exportação. Segundo Ribeiro, as referidas transformações vêm alterando não somente os circuitos produtivos, mas também a relação desses trabalhadores com a própria natureza.

No artigo seguinte, ainda com a mesmo direcionamento, Rafaele Flexa introduz uma discussão sobre os trabalhadores extrativistas do sul do Amapá e o uso dos recursos naturais entre as décadas de 1950 até 1990, problematizando a relação dos trabalhadores com a natureza dentro de um cotidiano em progressiva transformação. A autora discute o usufruto comum de recursos da floresta, as formas de uso, e o estabelecimento de regras e normas. Em acréscimo, Flexa contextualiza os grandes projetos agromineralógicos da segunda metade do século XX na Amazônia, sugerindo que a população não assistia as violentas mudanças de forma pasmada, articulando-se em lutas pela garantia do acesso à terra e demais recursos. Em tal conjuntura, as políticas de colonização dos supostos “espaços vazios” tornavam-se base para uma economia de exportação assentada em processos de concentração fundiária, que corroboravam na escalada ascendente da desigualdade social que afligia e ainda aflige muitos amazônidas.

Analisando referências semelhantes, o artigo de Adriane Silva dá continuidade ao debate estudando as experiências de trabalhadores rurais do baixo Tocantins (PA), que em parceria com a igreja católica progressista, trabalhavam numa lógica oposta aos grandes projetos à época da Ditadura Militar no Brasil. Nessa ocasião, em nome da garantia do uso da terra e da permanência do costume da agricultura em família ou em mutirão, foram formados os “animadores de comunidade” e os “sítios demonstrativos”, espaços de aprendizado da lida e de outras sociabilidades.

Para além dos artigos do dossiê, esta edição da RTA abrirá também espaço para mais duas partes, compostas por uma seção de artigos livres e um pequeno ensaio final. A seção livre trará temas como trabalho escravo, trabalho compulsório, família e um estudo sobre as possibilidades e análises de fontes para a escrita da História Social do trabalho. O texto de abertura da referida parte é de Maurício Guedes de Negreiros, que discutirá algumas problemáticas da composição dos trabalhadores nos seringais do Afuá (PA), trazendo interessantes referências sobre a presença de mulheres e crianças na lida extrativista. Ainda tratando da questão do trabalho, mas em outras perspectivas e temporalidades, o artigo de Paulo Marcelo Cambraia da Costa discutirá algumas dimensões da escravidão e dos recrutamentos forçados no território amazônico setecentista, dando especial atenção às populações negras e indígenas. Abordando a relação trabalho e migração, Francisco Bento da Silva expõe os dilemas vivenciados especialmente por haitianos, que utilizam o Acre como porta de entrada para o Brasil, através da panamazônia. A seção livre será fechada pelo texto César Augusto Queiroz, que mudará um pouco o encadeamento das discussões da seção (embora continue discutindo História do Trabalho), tratando de alguns melindres metodológicos do “fazer” historiográfico. O autor contribuirá com um rico debate resultante de experiências de pesquisa com processos crime – tipologia de fonte que tem tido forte presença entre vários historiadores da temática do trabalho.

Finda a parte dos artigos livres, a seção seguinte será composta pelo breve ensaio de Lauriane do Santos, mestranda da École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), que em sua primeira viagem de pesquisa ao Arquipélago do Bailique (AP) buscou entender o cotidiano dos ribeirinhos e a atuação da justiça itinerante fluvial amapaense.

Ao final dessa apresentação ficamos com a sensação de que pesquisadores amazônidas estão protagonizando uma produção plural que atenta às mais diversas direções. Nessa perspectiva, a RTA se engaja como partícipe no esforço geral de divulgar e incentivar a produção de ainda mais trabalhos, enriquecendo ainda mais nosso conhecimento sobre a história da população amazônica.

Boa leitura!

Alexandre Cardoso – Doutorando em história social na Universidade de São Paulo

Lara de Castro – Doutoranda em história social na Universidade Federal da Bahia. Editora da Revista Tempo Amazônico.


CARDOSO, Alexandre; CASTRO, Lara de. Apresentação. Tempo Amazônico, Macapá, v.2, n.1, 2014. Acessar publicação original [DR]

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