Objetos trágicos, objetos estéticos – SCHILLER (AF)

Objetos trágicos, objetos estéticos – SCHILLER (AF)

SCHILLER, F. Objetos trágicos, objetos estéticos. Organização e tradução de Vladimir Vieira. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2018. Resenha de: BELLAS, João Pedro. Artefilosofia, Ouro Preto, n. 27, dez., 2019.

A incursão de Friedrich Schiller pela filosofia deu-se em um curto período de tempo, ficando restrita à década de 1790. Os textos de cunho filosófico do autor são relativos, majoritariamente, à estética e foram publicados em dois periódicos organizados pelo próprio Schiller: “Neue Thalia” e “Die Horen”, este editado ao lado de Goethe. O interesse por questões de natureza filosófica surgiu em um momento de crise poética vivenciado pelo dramaturgo após a composição do drama “ Don Carlos”, e o seu interesse pelo campo da estética, especificamente, é decorrente do desejo de alcançar maior clareza acerca dos princípios fundamentais de sua arte.

Embora constituam um corpo bastante denso e de mérito filosófico quase que indiscutível, tais escritos de Schiller foram praticamente ignorados pelos especialistas da área a partir do século XX. Esse desinteresse, de um ponto de vista mais geral, pode ser resultado da ausência de uma abordagem sistemática de temas clássicos da filosofia, como a questão do conhecimento, por exemplo. Surpreende, contudo, que mesmo no campo da estética ainda sejam escassos os estudos de mais fôlego acerca da obra filosófica do autor.

No Brasil, especificamente, até pouco tempo atrás muito da produção teórica do autor não se encontrava disponível em boas edições em língua portuguesa. Nesse sentido, o volume “Objetos trágicos, objetos estéticos”, organizado por Vladimir Vieira e publicado pela editora Autêntica, oferece uma contribuição importante para o debate estético brasileiro ao trazer quatro dos ensaios de Schiller em uma tradução bastante criteriosa e cuidadosa. O volume complementa o livro “Do sublime ao trágico”, organizado por Pedro Süssekind e editado pela mesma editora em 2011, na medida em que os te mas discutidos nos dois ensaios reunidos nessa obra, especialmente o conceito do sublime, são desenvolvidos também nos textos que compõem “Objetos trágicos, objetos estéticos”.

Os quatro ensaios que integram o volume foram publicados entre os anos de 1792 e 1793 nos quatro volumes da “Neue Thalia” e evidenciam, em maior ou menor grau, uma influência da filosofia crítica de Kant, sobretudo da obra “Crítica da faculdade do juízo”, sobre o pensamento de Schiller. Não se trata, contudo, de uma mera assimilação passiva do pensamento do filósofo de Königsberg. Como observa Vladimir Vieira (p. 141) no artigo que serve de posfácio a “Objetos trágicos”, Schiller procura refletir, a partir do sistema transcendental kantiano, sobre a sua vivência enquanto artista e sobre a própria experiência estética proporcionada pela arte. Nesse sentido, os ensaios schillerianos consistem em uma das primeiras e mais relevantes respostas às questões postuladas por Kant, em especial na terceira Crítica, 1 mesmo que a tradição filosófica subsequente não tenha-lhes concedido a devida atenção.

Os dois primeiros ensaios reunidos em “Objetos trágicos”, “Sobre o fundamento do deleite com objetos trágicos” e “Sobre a arte trágica”, como os títulos indicam, abordam questões mais diretamente relacionadas à tragédia. Ambos foram publicados no primeiro volume da “Neue Thalia”, em 1792, e as considerações presentes em cada um dos textos complementam umas às outras.

O primeiro ensaio explora as relações entre a estética e a ética, um tema recorrente em sua produção de cunho filosófico, e busca fundamentar a ideia de que a arte tem como fim menos a instrução moral e uma adequação às regras do decoro do que a produção de deleite. Schiller argumenta que, diferentemente do prazer mediato possibilitado pelo entendimento e pelo assenso da razão, que requerem, respectivamente, esforço e sacrifícios, somente o deleite proporcionado pela arte pode ser realizado de forma imediata. O postulado do autor vai, portanto, de encontro à proposta de determinada corrente moderna da estética, ligada especialmente ao Neoclassicismo, que busca subordinar a arte, e o deleite que ela é capaz de produzir, à instrução moral.

O deleite estético, como é compreendido pelo dramaturgo, mantém uma relação dupla com a moral, promovendo-a e sendo dela dependente. Porém, para que seja capaz de promovê-la, a arte não pode ser privada daquilo que a torna mais poderosa, sua liberdade: “Só cumprindo o seu mais alto efeito estético é que a arte terá uma influência benfazeja sobre a eticidade; mas só exercendo a sua total liberdade é que ela pode cumprir o seu mais alto efeito estético” (p. 20).

Entendendo que a fonte de todo o deleite é a conformidade a fins, Schiller reflete principalmente sobre o deleite livre, que seria decorrente de representações por parte das faculdades do ânimo. Estas poderiam ser divididas em seis classes, conforme as faculdades responsáveis pela representação: o entendimento ocupar-se-ia do verdadeiro e do perfeito, enquanto a razão teria como objeto o bom ; quando atuam em conjunto com a imaginação, essas faculdades ocupar-se-iam, no primeiro caso, do belo, e, no segundo caso, do sublime e do comovente. Essa classificação serviria, ainda, para organizar, mesmo que não perfeitamente, as artes: as que satisfaz em o entendimento e a imaginação seriam as belas artes (artes do gosto ou do entendimento); já aquelas que satisfazem a razão e a imaginação seriam as artes comoventes (artes do sentimento ou do coração).

Por se tratar de um texto voltado a uma investigação acerca dos fundamentos do prazer proporcionado pela arte trágica, Schiller aborda com mais detalhe as artes do sentimento, explorando principalmente os conceitos de sublime e comovente. Ambos não parecem possuir nenhuma diferença essencial, e têm em comum o fato de que são produzidos através de um desprazer, ou seja, eles “nos fazem sentir […] uma conformidade a fins que pressupõe uma contrariedade a fins” (p. 24). Na segunda metade do ensaio, o pensador passa a se ocupar exclusivamente da comoção, e investiga de que maneira seria possível determinar se uma representação comovente produz, no sujeito, mais prazer do que desprazer e quais seriam os meios que o poeta deveria utilizar para criar esse tipo de representação.

“Sobre a arte trágica” apresenta-se como um complemento de “Sobre o fundamento…” na medida em que tem como objetivo determinar a priori as regras e fundamentos da tragédia a partir do princípio da conformidade a fins. Nesse sentido, o ponto de partida do ensaio é uma tentativa de chegar a uma compreensão mais profunda do modo como podemos auferir prazer com o sofrimento. Para tanto, Schiller introduz a distinção entre afeto originário e afeto compartilhado, sendo o primeiro experimentado diretamente pelo sujeito e o segundo o que se observa vivenciado por outrem.

Essa distinção, na verdade, remete à ideia, recorrente no debate clássico sobre o sublime, de que, para que seja possível sentir prazer a partir de um objeto que se apresenta como um perigo, é necessário que a ameaça não seja direta, isto é, que estejamos em uma posição de segurança em relação ao objeto. Schiller, entretanto, apresenta uma visão bastante peculiar em relação à sua época ao conceder que, em determinados casos, também seria possível auferir prazer a partir de um afeto originário, ou seja, a partir de um desprazer que se dá de modo imediato. Não fosse assim, não poderíamos explicar, por exemplo, o apelo de jogos de azar e de outras situações semelhantes nas quais nos colocamos em um risco direto.

Schiller esclarece que as sensações de prazer ou desprazer resultam de uma relação, que pode ser positiva ou negativa, do objeto em questão com nossa sensibilidade ou nossa faculdade ética, a razão. Enquanto os afetos relacionados à razão seriam determinados de maneira necessária e incondicional, aqueles que se relacionam com nossa faculdade sensível poderiam ser controlados e sobrepujados por nossa razão. Assim, por meio de um aprimoramento moral, seríamos capazes de superar os afetos sensíveis, e experimentar prazer a partir do sofrimento, até mesmo quando se trata de um afeto originário.

Na sequência do ensaio, o autor desenvolve a ideia de que o maior deleite que se pode experimentar se dá a partir de uma representação em que a liberdade de nossa faculdade racional seja afirmada frente aos impulsos sensíveis. Essa ideia é fundamentada principalmente pela noção de atividade: o deleite seria decorrente de uma representação por meio da qual as capacidades da razão seriam postas em ação. É precisamente por despertar a atividade de nossa faculdade ética que a representação do conflito entre a razão e nossos impulsos sensíveis pode ser considerada conforme a fins.

Por fim, após as discussões de natureza mais filosófica sobre os fundamentos do prazer a partir do sofrimento, Schiller volta-se para os objetivos iniciais de estabelecer as regras da tragédia a partir do princípio da conformidade a fins. Elas são reunidas na definição proposta pelo dramaturgo: a tragédia seria uma “imitação poética de uma série concatenada de eventos (de uma ação completa) que nos mostra seres humanos em estado de sofrimento e que tem por propósito incitar a nossa compaixão” (p. 61).

O terceiro texto reunido no volume compreende a parte final de um ensaio mais amplo, intitulado “Do sublime (para uma exposição ulterior de algumas ideias kantianas)” e publicado em 1793 nos volumes 3 e 4 da “Neue Thalia”. Somente essa parte foi preservada por Schiller quando da organização de seus “Escritos menores em prosa” – a parte suprimida integra o livro “Do sublime ao trágico”, mencionado anteriormente.

Ao contrário dos dois textos que lhe antecedem, “Sobre o patético” manifesta uma influência mais profunda da filosofia de Kant. Em linhas gerais, Schiller retoma as suas considerações sobre a tragédia e busca repensá-las a partir do arcabouço teórico da terceira Crítica. Nesse sentido, o dramaturgo buscará reformular a sua definição de tragédia, entendo-a como a representação de um conflito entre nossa faculdade suprassensível da razão e a sensibilidade, na qual a primeira supera a segunda. A partir dessa ideia geral, Schiller reduz a dois os seus princípios constitutivos: ela deve (i) apresentar uma natureza que sofre, e (ii) também a resistência moral a esse sofrimento. Essas duas leis funcionariam para alcançar o fim da tragédia, a saber, a produção do pathos.

Esses princípios estabelecem que a mera representação do sofrimento não é suficiente para a produção do pathos. Isso só ocorre na medida em que ela for capaz de evidenciar para nós a nossa natureza suprassensível. Por isso, Schiller exclui do âmbito da tragédia os afetos que se relacionam apenas com a natureza sensível do sujeito. Assim, não dizem respeito à arte trágica os afetos lânguidos, que apenas agradam a sensibilidade, e aqueles que a perturbam por serem demasiadamente intensos. “O patético”, afirma Schiller, “só é estético na medida em que é sublime” (p. 77).

O pensador argumenta que nos tornamos conscientes de nossa natureza suprassensível apenas a partir da representação da resistência ao próprio sofrimento, e não de suas causas. Em outras palavras, a resistência apresentada deve ser moral e não física. Se, por um lado, as ideias da razão não podem, por definição, ser apresentadas de maneira direta na sensibilidade, isso pode se dar indiretamente. Essas são as situações que seriam capazes de produzir pathos.

Reconhecendo dois tipos de fenômenos, um determinado pela natureza e outro controlado pela vontade, Schiller argumenta que a representação do sofrimento coloca esses dois domínios em conflito. Nesse sentido, duas seriam as condições necessárias para a produção do pathos: (i) a dor deve apresentar-se em todas as regiões do corpo que são dependentes da natureza; (ii) a ausência de sofrimento naquelas que são determinadas por nossa própria vontade. O pathos, portanto, decorre da participação de nossas faculdades sensíveis e racionais; sem o sofrimento, não há representação estética, sem a resistência moral, ela não se torna patética, inviabilizando uma experiência do sublime.

As reflexões desenvolvidas ao final de “Sobre o patético” extrapolam o domínio do quadro conceitual estabelecido por Kant. Aqui, Schiller propõe uma classificação do sublime de acordo com a manifestação da autonomia moral perante o sofrimento: se a dor possui uma origem sensível, nossa eticidade é afirmada negativamente, tratando-se do “sublime do controle”; se a sua causa é moral, a moralidade é afirmada positivamente e temos o “sublime da ação” (p. 90). O segundo compreende, ainda, dois casos, a saber, um a situação em que o sofrimento é escolhido em função de um dever, configurando uma ação da vontade, ou uma situação em que o sofrimento purga uma ação imoral, sendo, aqui, um efeito da afirmação do dever moral como um poder.

Essa distinção serve de funda mento para a diferenciação entre duas formas de julgar: uma moral e outra estética. A primeira consiste em atestar que um sujeito agiu conforme deveria, a segunda em avaliar que ele possuía a capacidade para tal. Enquanto o juízo estético proporciona entusiasmo por explicitar uma capacidade superior aos impulsos da sensibilidade, o moral nos humilha, por mostrar que, por sermos seres sensíveis, não somos determinados exclusivamente pelos imperativos da razão. Essa diferenciação, por sua vez, permite justificar o fim último da arte, que seria a produção de deleite, e porque o recurso à moral deve estar subordinado a ele. Assim, a conclusão desse ensaio retoma a ideia, apresentada em “Sobre o fundamento do deleite com objetos trágicos”, de que o pathos trágico não deve ser sacrificado em função da instrução moral.

O último artigo do livro, “Observações dispersas sobre diversos objetos estéticos”, publicado em 1793 no quarto e último volume da “Neue Thalia”, complementa as reflexões contidas no ensaio “Do sublime”, mencionado anteriormente. Em “Do sublime”, Schiller admite a distinção estabelecida por Kant entre os casos matemático e dinâmico do sublime, porém direciona o seu foco apenas ao segundo. Suas considerações sobre o sublime matemático são desenvolvidas em “Observações dispersas…”.

O título do ensaio poderia levar a crer que se trata de uma compilação de ideias distintas que não possuem muita relação entre si. Trata-se, contudo, de um escrito bastante sistemático e pouco preocupado em ilustrar as ideias discutidas por meio de exemplos artísticos. Assim como Kant, Schiller entende que a experiência do sublime tem origem a partir da contemplação de um objeto que ultrapassa a nossa capacidade de apreensão (no caso matemático) ou de resistência (no caso dinâmico), desde que ele não proporcione “uma repressão de cada uma dessas duas faculdades” (p. 113).

Explorando o primeiro caso, o autor sustenta que, para ser qualificado como sublime, o objeto não pode ser uma grandeza mensurável, mas deve ser uma grandeza absoluta. Na primeira circunstância, teríamos uma avaliação matemática, na segunda, uma avaliação estética. Schiller tem como ponto de partida a ideia kantiana de que a apresentação de um objeto na imaginação envolve duas operações distintas: a apreensão dos dados sensíveis e a sua síntese em uma unidade. Enquanto a primeira operação pode avançar indefinidamente, a segunda possui um limite. O objeto absolutamente grande, por sua disposição no espaço-tempo, traz à consciência esse limite.

O fracasso da síntese gera desprazer, mas, logo em seguida, temos um sentimento de prazer que é decorrente do reconhecimento de que possuímos uma capacidade de pensar uma ideia que não pode ser apresentada na sensibilidade: o infinito. Assim, se, por um lado, experimentamos um sentimento de impotência por não conseguirmos sintetizar o objeto contemplado, por outro, experimentamos nossa força, na medida em que somos capazes de pensar o infinito. O sublime caracteriza justamente o movimento do ânimo que traz à tona a percepção de que somos, sobretudo, seres suprassensíveis, capazes de pensar uma ideia que não se apresenta na sensibilidade.

Ao final do ensaio, Schiller considera em que grau a altura e o comprimento colaboram para o sentimento do sublime. Ao sustentar que a altura afeta o sujeito em um grau mais elevado por acrescentar o terror à experiência, o pensador adota uma posição que atesta a possibilidade da confluência dos casos matemático e dinâmico do sublime.

Os quatro ensaios presentes em “Objetos trágicos, objetos estéticos”, reforçam o quão densos são os textos filosóficos de Schiller e dão testemunho de sua relevância para a estética, ainda que a tradição filosófica ocidental nos tenha levado a crer no contrário. O volume, portanto, traz consigo a oportunidade de potencializar pesquisas que possam vir a restaurar a relevância das ideias de Schiller frente à tradição filosófica, e acrescenta muito aos estudos desenvolvidos no Brasil ao introduzir ideias e conceitos que em muito contribuem para a compreensão do fenômeno estético.

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de financiamento 001.

Nota

1 A expressão “terceira Crítica” é comumente empregada pelos comentadores para referir à “ Crítica da faculdade do juízo ”, uma vez que a obra é a terceira das críticas publicadas por Kant, precedida pela “ Crítica da razão pura ” e pela “ Crítica da razão prática ”. Ela será utilizada daqui em diante em todas as ocasiões em que nos referimos à “ Crítica da faculdade do juízo ”.

João Pedro Bellas-Doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense. Possui mestrado em Teoria da Literatura e Literatura Brasileira e graduação em Filosofia pela mesma universidade. E-mail: [email protected]

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Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides – RODRÍGUEZ (RA)

RODRÍGUEZ, Cidre E. Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides. Córdoba: Ediciones El copista, 2010. Resenha de: MARISCAL, Lucia Romero. Revista Archai, Brasília, n.17, p.221-230, maio, 2016.

En el ya bastante poblado panorama de los estudios sobre Eurípides, Cautivas Troyanas de Rodríguez cidre (RC en lo sucesivo) constituye una aportación valiosa a la investigación que sigue la línea de seleccionar en el corpus del tragediógrafo una serie de piezas según criterios temáticos, dramatúrgicos o cronológicos (por citar los más recurridos). De este modo se consigue destacar la diversidad de los tratamientos trágicos de los aspectos en cuestión, al tiempo que se indagan las continuidades que eventualmente permiten hablar de la singularidad de Eurípides en el contexto del género, la literatura o la cultura de su tiempo. En su monografía, RC ha seguido un criterio temático- -dramatúrgico para constituir su elenco entorno a la figura de las mujeres troyanas que en la tragedia que podemos todavía leer (y hasta ver representada) son siempre cautivas. Nos quedamos, pues, con Andrómaca, Hécuba y Troyanas, para atender a la manera euripidea de poner en escena mujeres en el trance de la esclavitud, un trance considerado en tres dimensiones diferentes de la textualidad dramática, que dan relieve trágico a las mujeres de la que fue Troya sobre el fon- do de su condición femenina, tal como la vieron los (hombres) griegos: el léxico del lecho, la imagen del animal y la acción del lamento.

RC dedica sendos capítulos a cada una de las perspectivas señaladas, a los que hace preceder de una introducción en la que la autora aborda el ‘estado de la cuestión’ de uno de los temas sobre los que la bibliografía es abrumamdoramente extensa, como es el de la mujer en la antigüedad clásica griega y su representación en el medio teatral trágico. RC procede con rigor en la selección de los estudios que considera relevantes de una corriente histórico -crítica difícil de resumir y de hacer converger. En este primer apartado introductorio la autora expone igualmente su líneas metodológicas básicas, que conciernen a la documentación y asesoramiento de los estudios de historia antigua como referente cultural de autor y público, a los que se aplica un procedimiento filológico -literario de escrupuloso seguimiento y comentario léxico.

El primer capítulo está dedicado a “Los lechos en Andrómaca, Hécuba  y Troyanas ”. En él se aportan datos cuantitativos –número de apariciones de los términos que designan denotativa, connotativa o tropológicamente al lechocon datos cualitativos de inconmensurable valor: en qué contextos, bajo qué focalizaciones dramáticas, y con qué valencias mito- lógicas, simbólicas y de realia  tanto en el imaginario poético de la obra como en el universo cultural com- partido por público y autor. Así, para el caso de la obra Andrómaca, la autora explora los conceptos de ‘esposa legítima’, ‘concubina’ o ‘esclava de lecho’ en la obra y en algunos textos no literarios de la época, particularmente en relación con la ciudad de Atenas. Al mismo tiempo, se exploran otros términos capitales en esta tragedia, como el del hijo no legítimo o bastardo (nóthos) o el de la complicada relación de authéntes. El lecho, tantas veces invocado en la obra bajo múltiples advocaciones, resume el problema de la fertilidad y de la infertilidad femenina que condicionan la identidad misma de la mujer (ápais y paidopoiós) en el mundo antiguo. Andrómaca  converge en torno al problema del lecho compartido, de la vigilancia masculina so- bre la mujer, y del carácter relacional de esta última en función del lecho al que queda unida o del que es separada. El lecho es fuente de confrontación entre mujeres y también entre mujeres y varones cuando la guerra o la falta de prudencia o virtud alteran el ideal del lecho único, legítimo y fértil. Únicamente los dioses, en este caso Tetis, pueden hacer valer el privilegio de la unión consagrada por un lecho divino, aun cuando la tradición mítica de la diosa la hiciera en principio reluctante a la unión en el lecho con un mortal como Peleo.

Todas las referencias al lecho en Hécuba están, en cambio, teñidas de una sombra de muerte, por lo que el apartado dedicado a esta tragedia se subtitula, con razón, “los tálamos de Hades”. La autora va más allá del topos que en la tragedia relaciona el sacrificio de don- cellas con unas bodas en el Hades. como señala R.C., incluso las referencias al lecho que unen a casandra como mujer botín con Agamenón están al servicio del personaje cuya muerte capitaliza la primera parte de la obra, i.e. Políxena, a la que inútilmente intenta salvar su desesperada madre. En la segunda parte, Po- lidoro y los hijos de Poliméstor acaparan una escena llena de cadáveres. El único personaje masculino que hace referencia al lecho en esta pieza es, precisamen- te, Poliméstor y para él el lecho es un mobiliario del interior de la tienda en la que Hécuba lo acoge a él y a sus hijos con una familiaridad doméstica que se va a transmutar en una grotesca y horrenda trampa mortal. Los lechos de las troyanas del coro de esta tragedia también guardan una penosa relación con la muerte, en este caso la muerte de sus esposos en la toma de la ciudad que ellas rememoran con dolor. El destino que les aguarda es, como el de casandra, el de compañeras de lecho tomadas por la lanza enemiga. La yuxtaposición entre los lechos felices y legítimos del pasado y los lechos enemigos y esclavos del presente acentúa el horror y la compasión por las troyanas.

Precisamente en Troy ana s esa confrontación entre el esplendor y la felicidad de los lechos del pasado y la miseria de los lechos esclavos del futuro inminente es una de las imágenes más recurrentes por parte de los personajes femeninos de esta obra, especialmente Hécuba y el coro. La autora subraya que, excepto Atenea, la diosa virgen, todos los personajes, tanto femeninos como masculinos, mortales e inmortales, mencionan en más de una ocasión el lecho con marcadas acepcio- nes sexuales. El trauma de las troyanas es su condición de mujeres -botín y así lo asumen también personajes masculinos como Poseidón y Taltibio. Únicamente casandra hace mención al lecho en un desconcertan- te sentido matrimonial o nupcial, que estará teñido, a su vez, de muerte, como episodio final de una guerra cuya victoria la joven atribuye a los troyanos.

El segundo capítulo versa sobre los procesos de animalización en Andrómaca, Hécuba y Troyanas. La metáfora animal es empleada tanto por las cautivas troyanas como por otros personajes en referencia a las cautivas y contrastan, dentro de cada obra, con las imágenes animales aplicadas a los otros personajes del drama. Así, en Andrómaca, por ejemplo, la protagonista es agresiva a la hora de calificar a su antagonista Hermíone como equidna, animal más peligroso aún que las sierpes. A ella y a su padre Menelao, que la hostigan a salir del templo en el que se ha refugiado, los tilda la protagonista de buitres. En cambio, una imaginería animal doméstica y frágil es la que designa a Andrómaca y Moloso, conducidos por sus enemigos como víctimas sacrificiales, como oveja y cordero. Por supuesto, el topos del polluelo o pichón que es arran- cado del regazo de su madre encuentra su desarrollo en el tratamiento del desamparo infantil en esta obra. sin embargo, también la desarbolada Hermíone es ob- jeto de asimilación con un ave, a la que ella misma se compara en su desesperado intento de huir de la apurada situación en la que se encuentra. La joven es designada en los términos imagísticos que traducen en el imaginario poético antiguo el estatuto de la parthenos como potrilla que ha de ser domada en el matri- monio, aunque en su caso sus progenitores sean devaluados por su comportamiento en la guerra de Troya y ella misma, infértil, sea asimilada una novilla estéril.

La cautiva troyana que acumula un mayor número de asimilaciones animales en la primera parte de Hécuba  es Políxena, a quien su madre, las troyanas del coro, ella misma e incluso el heraldo Taltibio designan como cervatilla, potrilla, pájaro, cachorra, ruiseñor y novilla. En la mayoría de estas imágenes predominan las connotaciones de la caza y el sacrificio, al que, de hecho, la joven será entregada en lugar de una víctima sacrificial animal. Las metáforas, cargadas de resonan- cias épicas, líricas y trágicas, desarrollan asociaciones y emociones en personajes y público que contrastan con el discurso libérrimo que el poeta pone en labios de la joven y con el comportamiento ejemplar de la misma narrado por el heraldo. En uno y otro caso la asombrosa humanidad de la joven subraya la diferencia respecto a la analogía con el mundo animal. con todo, el tropo animal sirve para destacar el pathos del sacrificio de la víctima, cuyo carácter inmaduro es puesto de relieve en la comparación, que posee, ade- más, connotaciones sexuales a través de la asimilación tópica del sacrificio con el rito matrimonial.

En Troyanas  las metáforas del mundo animal se aplican tanto a vencedores como a vencidos para su- brayar la fragilidad de estos así como la agresividad de aquellos. Hécuba se asimila a sí misma con un zángano, animal inútil, tara como esclava anciana e infértil, que ha perdido su condición regia. En cambio, su nuevo amo, odiseo, es calificado por ella como ‘bestia mordedora’ de lengua bífida debido a su habilidad oratoria mordaz y a su reptar sinuoso y adaptaticio. Las imágenes del polluelo y las aves vuelven a incre- mentar el pathos de la indefensión de un niño, Astia- nacte, y de una Troya que resuena con lamentos que- jumbrosos. Pero es, sobre todo, la imagen animal del yugo la que con más frecuencia aparece en esta obra donde el yugo de la esclavitud y de la unión sexual como mujeres -botín afecta en mayor grado a las cau- tivas troyanas. La autora señala que la imaginería del yugo al que se es uncido como animal domesticado aparece cuatro veces en Andrómaca, dos en Hécuba y hasta en ocho ocasiones en Troyanas, que tematiza, como ninguna otra, el trauma de la pérdida de la ciu- dad y, por lo tanto, de la libertad y de los lazos fami- liares legítimos, especialmente los que tienen relación con el lecho. Estas mujeres, como desarrolla sobre todo Andrómaca muy elocuentemente, serán uncidas al yugo de la esclavitud sexual como mujeres tomadas por la lanza.

La imaginería animal alcanza su efecto trágico más atroz cuando la víctima animal sacrificial es sustituida por una víctima humana. son las mujeres, particularmente las doncellas, quienes suelen protagonizar estas escenas en las que la víctima degollada no es una ternera o un buey, como se esperaría, sino una joven cuya sangre es asimilada tanto a la sangre de las víctimas del sacrificio religioso propiciatorio como a la de la pérdida de la virginidad en la consumación del matrimo- nio. La autora desentraña el complejo de asociaciones y valores simbólicos que en el imaginario antiguo y en la cultura científico -médica de la época ostenta especialmente el cuello femenino, abertura que comunica con la vagina en la representación del cuerpo de la mujer en la antigüedad. En “la negra sangre de las degolladas”, R-C analiza el vocabulario que tanto en Andrómaca  como en Hécuba  y Troyanas  remite a la degollación de víctimas humanas, como los frustra- dos intentos de muerte sobre Andrómaca y Moloso en la primera; el sacrificio de Políxena y la muerte de los hijos de Poliméstor en la segunda, y las muertes de Príamo, Políxena y Astianacte en la tercera. si bien es el sacrificio de Políxena en Hécuba el que recibe un tratamiento poético más extenso, en todas estas trage- dias queda subrayado el carácter impío del sacrificio en el que, en el lugar de un animal, es una persona quien es herida mortalmente y cuya sangre se derrama.

El capítulo segundo concluye con el análisis de la imaginería poética que presenta a la mujer bajo el espectro de lo monstruoso, la forma más extrema de representación de la triple alteridad de las cautivas tro- yanas como mujeres, enemigas y esclavas no griegas. En Andrómaca, de hecho, la estrategia dialéctica de Menelao frente a Peleo es subrayar la alteridad de la protagonista, cuyos rasgos bárbaros y hostiles, como oriunda de un pueblo enemigo vencido al alto precio de la guerra, prácticamente la asimilan a las sirenas con las que ya habían sido identificadas otras mujeres en la obra. Pero la exégesis más original y persuasiva de este último apartado se encuentra en el análisis de la segunda parte de Hécuba, donde la metamorfosis de la protagonista en una perra de piedra relaciona al personaje con la monstruosa Escila. Esta interpretación no es excluyente de las ya propuestas y conocidas acerca del valor simbólico de la perra como imagen de maternidad feroz y como Erinia vengadora. Los argumentos mitológicos, literarios y metateatrales que aporta la autora hacen plausible la equivalencia entre Hécuba y las troyanas que la ayudan a ejecutar su ven- ganza con Escila como peligro y señal de navegantes. En Troyanas, casandra se presenta a sí misma como una de las tres Erinias mientras que Helena es incre- pada y referida por el resto de personajes (femeninos y masculinos) como hija de deidades destructivas y como un ser devastador. La belleza deletérea de He- lena la asimila sutilmente a figuras de lo monstruoso como Gorgonas, sirenas y Harpías. Estas analogías indirectas enriquecen el sentido del texto con todas sus implicaciones ideológicas.

El tercer y último capítulo versa sobre el duelo y su tratamiento en las tres tragedias seleccionadas. En Andrómaca todo intento de duelo termina por ser interrumpido: no solamente el que la protagonista renueva al principio de la obra, sino también el que la desesperada Hermíone intenta llevar a cabo sobre sí misma y, sobre todo, el que el anciano Peleo, a falta de otro familiar femenino, ejecuta sobre el cadáver de su nieto Neoptólemo. Gestos y palabras son ana- lizados con detalle en esta obra en la que la falta de hijos es el tema preponderante que relaciona a estos personajes tan distintos entre sí. Algo parecido sucede en Hécuba, si bien aquí los cadáveres se acumulan sin poder ser llorados ni enterrados con propiedad. Un difuso lamento permanente recorre una obra en la que se confunden los papeles de quien llora y quien ha de ser llorado. En cambio, en Troyanas el treno es constante de principio a fin y es, con mucho, la obra en la que se acumula un mayor registro léxico referi- do al duelo. con todo, tampoco en esta obra el duelo de las cautivas se lleva a cabo en la forma habitual o esperada. Debido a su situación de mujeres privadas de una ciudad que vemos arder ante nuestros ojos y de una comunidad que ha sido aniquilada, las cautivas troyanas no logran sino una imitación distorsionada de unos ritos que tratan en vano de llevar a cabo. El duelo por Astianacte y por la ciudad son los que al- canzan un mayor desarrollo poético y dramatúrgico, con la impresionante escena del escudo y con los ges- tos físicos finales de Hécuba y el coro que, más que llorar a sus muertos, los invocan.

Todos los capítulos se cierran con conclusiones parciales que resumen las ideas principales de los mismos. A ellos se añaden las conclusiones finales que culminan un libro que supone una inestimable contribución a los estudios del teatro clásico griego y de la mujer en la literatura y el pensamiento atenien- se de época clásica. La actualización bibliográfica y la selección pertinente de la misma son también de gran utilidad tanto para especialistas como para el público universitario en general.

Lucia Romero Mariscal – Universidad de Almería (España). E-mail: [email protected]

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