Un altro Parmenide – ROSSETTI (RA)

ROSSETTI, L. Un altro Parmenide. 2 Vols. Bologna: Diogene Multimedia, 2017. Resenha de: SANTOS, José Trindade. Revista Archai, Brasília, n.28, p 1-14, 2020.

I

Esta recensão pode ser lida como uma denúncia do equívoco dos que encaram a História da Filosofia como o invariável repositório de doutrinas e opiniões que o aparelho universitário não cessa de repetir ad nauseam. A obra em apreço tem como finalidade desafiar provocativamente “o caráter redutor da imagem” ainda hoje corrente de Parménides, mostrando que – como “fruto de sedimentações milenárias”(contracapa) –, ignora o poder visionário e a argúcia das descobertas contidas no saber do pensador eleático sobre a natureza.

A leitura do Poema aí proposta articula um conjunto de teses, incluindo os seus pressupostos implícitos e explícitos numa interpretação polêmica, dirigida à concepção de acordo com a qual “Parménides é o ‘filósofo do ser’”(Rossetti, 2017, p. 9), pelo fato de a doutrina acerca de “o que é” constituir o todo, ou o núcleo, da sua filosofia.

Ora, é precisamente neste ponto que reside a crux que aflige a generalidade dos estudiosos do Poema, condensada em diversas questões. Se para o Eleata “o ser é algo totalizante e exclusivo”, qual é o lugar da ambivalente doxa na sua mensagem e a que intenção visará a possível inclusão dela naquilo sobre que o jovem “terá de ser informado”(B1.28; p. 121-124)? Pois, mesmo que a referência às opiniões dos mortais – exprimindo a vigorosa condenação destas (B6.4-9, B7.3-6) –, possa não coincidir com o conteúdo da doxa de Parménides (o mundo das “coisas que agora são e, em seguida, depois de se terem nutrido, lhes acontecerá morrerem”– B19.1-2; p. 126), nesta “doutrina peri physeôs”Parménides inclui teses que expressam intenções suas originais sobre diversos domínios. Do que delas se segue alguém poderá concluir que “o tema do ser […] não constituiu senão um, entre tantos outros dos seus ensinamentos”(p. 64-65).

Vejam-se (p. 34-50):

* no domínio da astronomia, a reflexão sobre o “éter”e sinais que há nele, o Sol e os efeitos da luz solar e sua proveniência (B10); a natureza da Lua, de cara voltada para o Sol, e o céu que a circunda (B10, B14, B15); como o céu se originou (B10) e a Necessidade ligou os astros e os constrangeu a observarem limites bem precisos (B10); a Terra e o “leite celeste”e o calor dos astros (B11); a defesa de as estrelas da manhã e da tarde serem o mesmo astro (Aécio: DK28 A40: p. 40; 34-35);

* no domínio da fisiologia, o funcionamento dos sentidos e a natureza humana (B16); a fecundação e geração dos corpos: B17-18; p. 54-61);

* noutros domínios, outras temáticas, cuja relevância não é diminuída pelo fato de não serem enquadráveis em áreas específicas do conhecimento (p. 61-64).

Vejam-se ainda (p. 50-55) ousadas conjeturas como: a atribuição da forma esférica à Terra (B14), a tese de que “o Sol completa o seu percurso passando debaixo da Terra”(B14-15; p. 51; vol. 2, p. 1920), a existência dos antípodas (p. 51; vol. 2, p. 33-62), o assinalar da tendência para os corpos situados sobre a superfície da Terra caírem para o centro, implicando a ausência de “acima”e “abaixo”absolutos; a existência de “faixas climáticas”(vol. 2, p. 52-55).

Esta enumeração bastará para prenunciar a iminência de um conflito entre duas visões do Poema: de um lado, as “descobertas científicas”encontradas – de algum modo referenciáveis à doxa –; do outro, a hegemonia inequivocamente conferida à doutrina do ser.

Embora a violência desta concepção hegemónica deva ser atribuída outros, nomeadamente a Melisso (p. 108-113), a Platão e à diversificada tradição que com ele se inicia (médio e neoplatônica), responsável pelo contraste entre elas será o próprio Parménides (B6, B7, B8.50-61). E isto, não tanto pela sua proposta de duas leituras distintas da realidade – se, de fato, o são –, mas por não ter apontado a relação de uma com a outra. Esta observação leva-nos a prestar atenção à estrutura do Poema, considerando o modo como os diversos argumentos que o integram nele se acham distribuídos.

O capítulo 2 responde à pergunta: “Que saber caracteriza o segundo logos?”Considerando os saberes elaborados pelo Eleata, inquire sobre o seu potencial inovador. Lendo a doxa como um diálogo com Anaximandro (ver a doxografia do Milésio) e outros cosmologistas, configura este saber como “o primeiro passo, decisivo, em direção à ontologia”(p. 87), considerando-o “um saber incômodo, bem depressa posto de lado”(pelas doutrinas dos pluralistas: p. 81).

O capítulo 3 (p. 93-117) começa por referir-se a um Parménides “astrónomo”, “geólogo”e “biólogo”– não menos que filósofo –, para se concentrar sobre a divisória que separa a “Verdade”da “doxa”. Termina se interrogando sobre se deve se entender como a “filosofia da Parménides”. Passos de charneira, fórmulas de transição e raciocínios metadiscursivos.

A seção dedicada aos seis ou sete passos de charneira que o A. destaca, (p. 159-160) começa pela enumeração dos índices metadiscursivos usados no Poema: (“escuta atentamente”(B1.28), “começarei por ensinar-te A …”(B1. 29-32), “te digo quais estradas”(B2.1-2), “há muitos sinais … “(B8.3-4); “acabado o ensino de A, …”(B8.50-52), “agora te desvelarei …”(B10-11), até “e assim ficam as coisas …”(B19: 159), assinalando depois o, na época, raro uso de fórmulas de transição quando o argumento muda (p. 160). A finalidade destes passos é organizar o material que será exposto (p. 160-161), desenvolvendo um modelo estrutural de fixação e transmissão de conteúdos (ver: p. 61-64; vol. 2, p. 113-148).

Para muitos comentadores, B1.29-32 articula as duas seções do Poema que a tradição designou ‘Verdade’ e ‘Opinião’ (B2-B8.50, B8.51-B19). O A. discorda, encontrando diferenças estruturais entre este final de B1 e B8.50-51, lhes conferindo um tratamento diferenciado e levantando problemas de natureza distinta.

A segunda transição é inquestionável e acha-se perfeitamente marcada (B8.50-51). A outra é, contudo, objeto de debate, sendo contestada pelo A., que não crê que o segundo logos (o saber sobre a natureza) possa ser anunciado de forma tão reducionista (p. 121-129).

Por um lado, defende que a transição abrupta da Verdade para a Opinião (en tôi soi pauô: B8.50a), aliada à circunstância de “a deusa não volta r ao argumento do ser”, mostra que esse não-retorno a to eon “evita que o seu potencial se destacasse”“deixando inconclusiva a ontologia de Parménides”(p. 99). Por isso, este complexo “não originou nenhum material sistêmico, nem deu lugar a nenhuma doutrina dotada de virtualidades sistêmicas”(p. 114). Tendo se configurado como uma inconsciente e não intencional “filosofia virtual”(p. 21, 115, passim), acabou “dando lugar a implicações sistêmicas”, porém, “não só dezenas de anos depois, como, por iniciativa de outras mentes”(p. 115).

Por outro lado, e pelo contrário – apesar de a ambas as formulações ser comum o caráter paratático (exposição sequencial: “A depois B”) –, o passo B1.28b-32 é gerador de confusão, pois, a realidade ficaria dividida em “ser e doxai “(acrescendo que todo tipo de ‘opiniões’ – as do vulgo e as do “homem sabedor”– ficariam na mesma categoria: p. 101-102, 122-123).

A dificuldade foi objeto de análises por diversos intérpretes. Por exemplo, confirmando Cordero, Bredlow advoga a distinção das “opiniões dos mortais e das teorias físicas”(p. 125). Mas o recurso a Simplício (Cael.558.3-11) leva o A. duvidar do mérito da proposta, recomendando fortemente “a abstenção”do intérprete e reforçando a “debilidade”de B1.28-32 (p. 127-128; 1 46-157: onde o Proémio é recontextualizado numa “Retrospetiva”, na qual, mediante o recursos a outros comentadores, o conteúdo mítico de B1 é revalorizado).

No capítulo 4 – “Parménides e o irracional”(p. 119-157) –, o A. examina pontualmente alguns passos problemáticos. (B6, B7 e B8.38b), no que diz respeito à relação entre “o saber do ser”e o da “natureza”, ou à sua ausência, bem como às implicações da “debilidade”que esta ausência constitui. No entanto, nos fragmentos da “Verdade”em que “opiniões dos mortais”são avaliadas (p. 129-135), a análise oferecida pelo A. não diverge significativamente das leituras correntes destes passos (não essenciais para o objetivo de revalorizar o saber naturalístico de Parménides: p. 135).

Sempre em relação com a contaminação de “é”por “não é”, é conferida atenção a B8.38b-41. Mas dela sai reforçada a conclusão já manifesta de em nada o texto poder “estabelecer uma ponte entre ser e mundo real”(p. 139). E a incomunicabilidade entre um e outro é confirmada pela assunção da inexistência de quaisquer elementos de ligação entre o primeiro e o segundo logos (p. 140-143), ainda reforçada pela não manifestação de elementos que permitam, neste último, estabelecer relações com o saber do ser (p. 143-146).

II

Contrastando com a diversidade temática do I volume, que integra  capítulos  com  funções  e  abordagens  bem  distintas  na economia da Obra, o II é quase todo dedicado ao aprofundamento do saber Peri physeôs de Parménides. É prestada detida atenção ao enquadramento dos fragmentos analisados num amplo contexto doxográfico,  oportunamente  apoiado  por  frequentes  referências bibliográficas.

Começando com “A Lua segundo Parménides (em B15)”(p. 15-32), são depois abordados: “Na origem da noção de antípodas (em sentido inverso, de Platão a Parménides)”(p. 33-62); “Patrimônio genético e identidade sexual (em B18)”(p. 63-84), com um apêndice, “Fecundação e geração segundo os médicos hipocráticos”(p. 85-96); “Direita-Esquerda e tantas figuras femininas”(p. 97-112).

Retornando à temática relativa à demonstração, se chega então a uma análise da argumentação desenvolvida em B8 “A arte da demonstração (em B8.1-33)”(p. 113-147). A ele se segue um extenso e bem articulado “Epílogo”(p. 149-184), em que é esboçado u m conjunto de questões geradas pelas teses desenvolvidas na Obra. A ele se sucedem as “Referências bibliográficas”(p. 185-199) e o “Índice dos nomes”(p. 201-206).

Após a enumeração dos fragmentos dos Poema em que é feita referência à Lua (B10.4-5, B14, B 15), o capítulo 5 (na sequência dos quatro que integram o I volume) concentra-se em duas questões. A primeira respeita à análise da doxografia, relativamente às variantes “pseudophaê “(“falsa luz”: Aécio, em DK28 A42; ver Diógenes Laércio 2.1, Anaximandro, DK12 A1) e “pseudophanê “(“falso esplendor”: Aécio 2.30.4, DK28 B21). O interesse da questão reside na atribuição à Lua de alguma luz própria, em pseudophaê, contra a explicação do luar como reflexo da luz solar, em pseudophanê.

Esta última possibilidade, em particular, é reveladora da imensa importância de B15 no grupo das referências do Eleata à Lua. “Sempre voltada e pronta aos olhares do Sol”atesta a profundidade da intuição de Parménides ao compor, na observação da Lua, simultaneamente, as perspectiv as, da Terra, no luar, e do Sol (iluminada por uma “luz estrangeira”: B14). A partir desta constatação, apoiando-se em A. Mourelatos (“Parmenides, Early Greek Astronomy and Modern Scientific Realism”), o A. expõe as oito principais consequências de B15 para a Ciência Grega, das quais se destacam:

  1. A Lua tem forma esférica;
  2. É um corpo sólido, por si, opaco;
  3. [No seu movimento] passa sob a Terra;
  4. [No seu movimento] o Sol passa sob a Terra;
  5. As órbitas dos corpos luminosos não são arcos, mas círculos completos.
  6. A órbita do Sol é maior que a da Lua

O capítulo 6, na sua maior parte, consiste numa ampla pesquisa sobre textos de diversos autores antigos, cuja finalidade é fortalecer a conjetura de acordo com a qual a noção de ‘antípodas’, bem como a teoria sobre as zonas climáticas, estão pelo menos implícitas em Parménides. A partir de dois passos do comentário de Proclo ao Paménides platônico, aos quais é agregada a única utilização do termo  nos  diálogos  (antipous: Tim. 63a3),  a  pesquisa  é sucessivamente alargada a Aristóteles, Eratóstenes, Lucrécio, Cícero e outros, relativamente aos climas e à forma da Terra.

Os dados compilados podem então convergir no Eleata mediante o recurso a numerosas outras fontes doxográficas (nomeadamente a Estrabão, Geogr.1. 84: DK28 A44a, cuja posição é amplamente comentada: p. 53-56; e Aristóteles, Meteor. 2.5, 2.7: p. 41-44, 56-59). Podemos talvez supor que remonte a Parménides a circulação na doxografia de uma teoria sobre a existência de três zonas climáticas: uma temperada, limitada a sul por uma tórrida, e a norte por outra, fria. A teoria é reforçada pelo registro de observações sobre a variação na direção das sombras ao viajar para Sul.

Embora seja integralmente dedicado a B18, o capítulo 7 aborda uma conjunto de teses cuja discussão se prolonga nos seguintes, incorporando um “Apêndice”(da autoria de Franco Giorgianni). Depois de uma introdução, justificada pela circunstância de nos encontrarmos perante uma tradução latina do original grego, do séc. IV d.C., realizada por Célio Aure liano (p. 63-67), o A. aborda a primeira tese a debater: para a fecundação, macho e fêmea concorrem (Censorino: DK24 A13), ou não (Ésquilo, Eum. 658-666; Eurípides, Or. 552 ss.; Aristóteles sobre Anaxágoras: GA 4.1 763b30: DK59 A107, passim), com dois patrimónios genéticos distintos?

De acordo com a primeira tese, da fusão dos patrimônios genéticos presentes nos dois espermas resulta, quando tudo corre bem, uma virtus que vai determinar a formação do feto de uma fêmea ou de um macho, preservando o equilíbrio (B18.1-3). Quando não corre bem, contudo, e os dois patrimônios guerreiam um com o outro (ibid. 4-6), devido a uma incerta identidade sexual, podem ocorrer: seja a manifestação de comportamentos homossexuais, seja casos de hermafroditismo (H. Diels, M. J. Henn), seja a incapacidade para decidir qual das duas interpretações aceitar (Tarán). Uma outra explicação  para  a  determinação  do  sexo  do  feto  reside  na possibilidade de, da perspectiva de B17, aquele se formar à direita ou à esquerda do útero, gerando m achos ou fêmeas (Lactâncio: DK28 A54; E. Lesky, O. Kember, G. Lloyd).

O breve apêndice “Fecundação e geração segundo os médicos hipocráticos”analisa a teoria atribuída a Parménides, atrás exposta, detendo-se sobre as “Provas a favor da existência de um contributo feminino para a geração”(p. 86-89). Passando à “Teoria do duplo sêmen”(p. 89-91), evidencia a “Difusão entre os médicos hipocráticos da teoria do sêmen feminino”(p. 92-94), em particular a do “duplo sêmen”, que acentua a prevalência do “poder d o número”sobre a eventual “força”ou “fraqueza”do sêmen (Geração/Natureza da criança 6.2; ver cap. 4.1).

Com uma nota conjetural (p. 107-111), o capítulo 8 encerra o trajeto esboçado por B17-18 em torno de questões de gênero, emergentes das problemáticas da fecundação e da geração dos seres humanos. Notando a abundância de referências ao gênero feminino – começando em B1 com as “éguas”(v. 1, 4, 15, 21, 25) e continuando com as “jovens”(v. 5, 15, 21) “filhas do Sol”(9), condutoras do carro que  transporta o “jovem”(v. 24) “homem sabedor”(v. 3), culminando na presença da “deusa”(v. 3, 22) que o acolhe, e a presença desta divindade cósmica –, o A. sugere o interesse de Parménides pela “valorização do feminino”. A menção “da divindade que tudo governa, rainha absoluta do odioso parto e do coito”, que impele macho e fêmea um para o outro (B12. 3-6), “põe em evidência o protagonismo da componente feminina”(p. 106), apontando o Eleata como “o primeiro [… ] entre os intelectuais capazes de perceber nitidamente a exigência de se descondicionar do machismo e deixar entrever uma bem diversa ideia sobre as relações de gênero”(p. 111).

Com a entrada no capítulo 9, caímos diretamente na polêmica entre os intérpretes que vêem no Da natureza um tratado de Lógica, ou ao menos um seu precursor, e aqueles que não acham no texto “inequívocos traços de formalização dos enunciados”(p. 113). Dos primeiros, o A. faz diversas citações, que de seguida questiona, inquirindo de que construções lógicas constituem o prelúdio (p. 119) e propondo como paradigmas obras de Górgias (DK68 B3) e os fragmentos 1, 7 e 8, de Melisso (p. 120-123).

Passa então, pelo elenco dos conectores relevantes (p. 124), a enumerar exemplos de “relações hipotáticas”e do princípio “quod erat demonstrandum “(p. 123 ss.). Após a apresentação da lista de demonstranda, é construída uma cadeia inferencial, periodicamente selada com expressões equivalentes ao QED dos matemáticos (p. 132), conducente à “formalização de um percurso inferencial, mos Euclideum “(p. 133). O objetivo é conceder à audiência o direito ao acordo, em contextos fortemente contraintuitivos, delineando um modelo argumentativo, exemplificado nos textos atrás referidos de Górgias e Melisso (p. 134-142; ver vol. 1, p. 108-113).

No sentido da influência exercida sobre Górgias – penso –, Parménides poderá ser visto como “um mestre da retórica”, que “constrói discursos com alto quociente epistêmico”, “que suscitam a aprovação da audiência”(p. 143). Expressa como uma submissão, esta é, mediante a colocação da “persuasão ao serviço da verdade”(B2.4; p. 145), surpreendentemente “vista como gratificante”(p. 143-144). Este efeito retórico (p. 143) é obtido pelo recurso à reductio ad impossibilem, através do uso “sistemático da ideia da total insustentabilidade daquilo que é contraditório”(p. 146).

No Epílogo (p. 149-183), passando em revista as principais teses desenvolvidas ao longo da Obra, o A. articula um conjunto de questões que delas decorrem:

1. É evidentemente necessário alterar a “imagem de Parménides”que a tradição nos legou. Por um lado, porque “a doutrina do ser não chega a configurar-se como um ensino dotado de virtualidades sistêmicas ”; por outro, por ser mister reconhecer que “o ensinamento de Parménides sobre céu, Terra e organism os vivos é mais articulado do que a comunidade científica tem até agora reconhecido”(p. 149).

2. Registrando a dificuldade de integrar a doutrina do ser no todo do Poema, deve se constatar que, após B8.50, “do saber sobre o ser [… ] a deusa nada faz, quase como se não soubesse que fazer dele”(p. 157).

3. Por isto, é altura de reconhecer que foi Melisso quem não se deteve no ponto em que a deusa parou, sustentando que: “‘ se a terra, o ar, a água, o fogo ’, etc., ‘ fossem de verdade, não se transformariam ’ (DK 30 B8.2-5), portanto, ‘ que deveriam ser como eu digo que o uno é ’ “(ibid. 7; p. 163). Deste modo, “começamos a compreender como Parménides pode acolher  sem  dificuldade  no  Poema  o  saber naturalístico, enquanto Melisso se desembaraça dele a ponto de lhe não fazer menção”(p. 164).

4. A pergunta sobre o modo como se chega ao primado de “é”– ou de “o que é”– começa por apontar para a justificação em que se apoia para rapidamente se fixar na “potência da proibição de se contradizer”(p. 165; B7.1). “Se X é, então seguramente de X não pode se dizer que não é, porque apenas dissemos que é. Se X não é, então seguramente de X não pode se dizer que é, porque apenas dissemos que não é”, sem qualquer possibilidade de coabitação, ou de combinação entre “é”e “não é”(p. 166).

Esta  obrigação  de pensar  sob  a  ameaça  da contradição gera um ente de razão ante litteram, vivendo numa terra de ninguém, que não tem modo de por-se em reação com o mundo em que vivemos […]. Com isto nos avizinhamos de toda ontologia [… ]. (p. 167-168)

5. Sobre o alcance das propostas do Poema, há que reconhecer que se trata de um ponto de chegada, que “põe à disposição da humanidade uma modalidade inédita de organização e objetivação de ideias [… ] “(p. 168-169). Esboçado “um segundo inventário das ideias filosoficamente relevantes”, colhidas nos setenta e cinco hexâmetros estudados (p. 169-171), o A. dá conta que delas resultam duas “conspícuas primícias”, duas artes: “da demonstração”e “da comunicação”de um saber estruturado, capaz de convencer, de uma “arte de ensinar”, condensando conjuntamente “retórica, lógica, didática e especulação”, uma “máquina que não funcionaria se os seus componentes não  concorressem  de  modo  apropriado  ao conseguimento de um resultado final”(p. 172).

6. Ameaçando a estabilidade deste constructo, o A. nota dois ou três “fatores de fragilidade encontráveis na doutrina do ser”(p. 173-177). O primeiro, motivado pela circunstância de o termo ‘ser’ ser refratário à análise, explica que se circunscreva ao uso de uma categoria profissional: a dos “filósofos”(p. 174-175). Nascem desta constatação duas ingentes perguntas: 1. Estamos seguros de que à palavra corresponda uma realidade? 2. Ou podemos afirmar que Parménides nos revelou uma Grande Verdade? Como se explica que par a falar de to eon a deusa tenha recorrido à negação, que ela mesma interditou? (p. 175). Com isto, a deusa edificou um “‘ ente de razão ’, mas ‘ deixou ficar ’ a realidade “(p. 177).

7. Haverá uma “filosofia de Parménides”? Tiveram de “passar séculos para que se  começasse  a  falar  de  uma ‘ filosofia  de Parménides ’ ”, pois Platão, Aristóteles, Teofrasto e muitos outros se referem aos seus ensinamentos, sem neles encontrar “a sua filosofia”(p. 178). Esta será uma “filosofia virtual”que mal conseguirá dizer “que id eia fará Parménides do nosso mundo”. Faltando à teoria o se achar ancorada na realidade e o desenvolvimento do potencial sistêmico, “restam apenas dados de fato”(p. 179).

Quanto à noção de ‘verdade’, pode se dizer que no Poema o termo se mostra a par de uma variedade de expressões associadas. “Em particular, o percurso demonstrativo parece ser regido pela tentativa de dizer que a contradição do não-ser serve para discriminar impecavelmente o verdadeiro e o falso. Mas falta compreender se o tema da verdade se constitui como uma ideia-guia, ou se tomou a forma de um embrião de epistemologia ante litteram “(p. 179-180).

8. Talvez a mais surpreendente conquista do saber de Parménides esteja condensada no modo como da sua polymathia deriva uma lição de método. Pois, cada uma das descobertas atrás referidas implica uma rede conceitual profunda, inacessível ao comum dos mortais, como será evidente pela atualidade de algumas das suas descobertas (p. 181-182).

III

Em breve avaliação, considero essencial a atenção concedida a esta Obra por quantos – na docência ou na pesquisa – se confrontam com a necessidade de apontar o contributo de Parménides para a Filosofia. Parece-me urgente que não fiquem indiferentes à denúncia da inautenticidade da imagem do pensador que a prática corrente divulga. Tendo o juízo sobre o mérito comparativo das leituras “ontologista”e “naturalista”do Eleata de ser feito por cada um, é capital que o façam com o conhecimento de causa que esta Obra substancia.

Dito isto, estaria tudo dito, se a questão fosse fácil. Mas não é, porque a imagem de Parménides que ficou na tradição, como o Diels-Kranz a registra, está focada no “filósofo do Ser”(bastará referir a conjetura “afasto”– B6.3b – e os “meros nomes”, de B8.38b). Mas pensemos em Melisso, em Platão – para quem o ser é a “verdadeira realidade”– e em Aristóteles – para quem não é –; em Plotino e na linhagem que dele deriva. Ora, como entender o lugar do Eleata, nos diálogos de Platão, ou, na Física, de Aristóteles (A2-3), sem as teorias da “unidade e imobilidade do Ser”? Como entender estas obras sem encontrar no Poema as teses que as motivam?

A incompatibilidade da teoria do ser com o saber naturalístico leva-nos a atribuir ao Eleata uma teoria que ele nunca defendeu, ao custo de ignorarmos os saberes que fixou com as suas próprias palavras.  Mas  era  impossível  que  assim  não  fosse,  já  que  o ‘Parménides’ que a História da Filosofia fixou existe sobretudo, se não apenas, nas obras dos que o comentaram (vol. 1, p. 115), ficando o silêncio dos pluralistas como testemunho da quase nula atenção prestada ao seu saber sobre a natureza (vol. 1, p. 1).

Não é, porém, caso para desesperar, pois deverá haver uma diversidade de soluções para o conundrum criado pelo intransponível obstáculo que o argumento da “Verdade”opõe a qualquer outra forma de saber.

Seja como for, não é este o lugar para as propor.

Referências

ROSSETTI, L. (2017). Un altro Parmenide. 2 Vols. Bologna, Diogene Multimedia.

José Trindade Santos – Universidade Federal do Ceará – Fortaleza – CE – Brasil. http://orcid.org/0000-0002-0631-4348, E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Filosofar com Gadamer e Platão: hermenêutica filosófica a partir da Carta Sétima – ROHDEN (RA)

ROHDEN, L. Filosofar com Gadamer e Platão: hermenêutica filosófica a partir da Carta Sétima. São Paulo: Annablume, 2018. Resenha de: KUSSLER, Leonardo Marques. Revista Archai, Brasília, n.28, p 1-5, 2020.

O  livro  recém-chegado  das  prensas  às  livrarias  brasileiras concentra um esforço de pesquisa de anos e organiza, de forma densa, coesa e didática, os melhores estudos sobre a Carta VII, de Platão, realizados pelo Prof. Luiz Rohden nos últimos anos. Em termos de estrutura, de forma coincidentemente consciente, o livro se divide em sete capítulos, como alusão à numerologia epistolar platônica, que apesar de contar com treze cartas, tem, na sétima, seu conteúdo filosoficamente mais relevante e apurado. Lembremos que é na Carta VII que Platão aborda o lamento da morte de seu amigo, Díon – que havia tentado ensinar filosofia ao tirano de Siracusa, pagando o preço de questionar alguém totalitário –, e explora sua própria tentativa de ensinar filosofia ao tirano, Dionísio II, supondo a possibilidade de convertê-lo moral, política e filosoficamente, aliando discurso à atitude filosófica.

E é tendo em conta o excursus filosófico da Carta VII – presente nos  trechos 342a-344 d,  em  que  o  próprio  Platão  explicita  as mediações para conhecer as coisas, que se resumem a nome, discurso, imagem e  o conhecimento,  que nem  mesmo  juntas compreendem a coisa em si – que Luiz Rohden retoma uma das reflexões platônicas mais maduras e profundas acerca de sua visão imbricada de metafísica, ética e política. Para tanto, a interpretação do autor considera e explicita o processo dialético apresentado no excursus platônico,  que,  na  esteira  de  Gadamer,  entrelaça sistematicamente os aspectos fenomenológico e hermenêutico do projeto filosófico de Rohden, que expressa uma relação reflexiva e dialógica, de jogo, de movimento de vaivém, de espelhamento de si no/para/com outro(s).

Ao longo da obra, os focos se dividem entre a) abordar seis aspectos diferentes da Carta Sétima platônica, b) os aspectos práticos da applicatio da proposta platônica enquanto um exercício filosófico, c) esmiuçar e explicitar a metafísica dialética de Platão, d) aprofundar e publicizar o estudo gadameriano da obra platônica – tema ainda incipiente nas pesquisas hermenêuticas brasileiras –, expondo a relação  nevrálgica  da  hermenêutica  gadameriana  e  a  filosofia dialética platônica. Assim, além de realizar uma leitura apurada e cuidadosa de uma epístola, que versa de forma diferente dos habituais diálogos platônicos, aponta e dedica-se a explorar conexões e estreitar laços dialético-dialógicos com a hermenêutica filosófica gadameriana, sempre de forma original e inovadora, como pede o preceito  de  uma  leitura  fenomenológica,  enquanto  exercício hermenêutico  que  se  propõe  a  revisitar com  um  novo  olhar, consciente da tradição e das pressuposições de leitura.

De forma pormenorizada, os capítulos se organizam de acordo com a ordem cronológica de publicação anterior dos textos, em forma de artigos, em diversos e prestigiados periódicos brasileiros da área. No primeiro deles, Rohden argumenta que a tarefa do filosofar constitui-se de forma fenomenológica, com intuito de ler o real de modo mais integral, tendo em vista que uma visão distorcida do real envolve um discurso que o desfavorece. Em continuidade, no segundo capítulo, a reflexão gira em torno do que seja propriamente hermenêutica filosófica, tal como sua aplicação na tarefa de boa interpretação textual, relacionando-a com o que seria a verdadeira filosofia, que responde aos fatos e textos transparecendo a posição do autor acerca da filosofia atual.

No  capítulo  três,  Rohden  debruça-se  sobre  a  proposta  da efetivação  do  filosofar  com  relação  à  metodologia  dialética apresentada no texto platônico em análise. Na tentativa de equilibrar os m o[vi]mentos dialéticos platônicos à hermenêutica filosófica de Gadamer,  o  autor  justifica  a  dimensão  atual  da  racionalidade metafísica dialética que se firma nos movimentos ascendente e descendente dos princípios. Já no quarto capítulo, Rohden aborda o evento da verdade, enfatizando como esse acontecimento é o objetivo da dialética ascendente, que parte da palavra em direção ao conceito; trata-se da elevação do real ao nível conceitual. Para tanto, o autor aborda o acontecer da verdade enquanto metáfora de uma faísca instantânea,  que  se  materializa  de  forma  dialética,  do  atrito promovido pelas definições, os conceitos e ideias dos entes e das constantes  controvérsias  dialógicas  amistosas,  características peculiares da linguagem filosófica enaltecida por Platão e Gadamer.

No quinto capítulo, Rohden ensaia uma analogia com a ideia de que o quinto momento dialético, que, na Carta VII, se caracteriza como a compreensão da coisa mesma, enfatizando como o sentido desse evento é apreciado pelo ponto de vista da hermenêutica. Desse modo, o autor defende que o movimento dialético ascendente realiza uma síntese e nova proposta do processo hermenêutico como tarefa de instauração de sentidos, dando sequência à discussão do capítulo anterior, que versa sobre o idioma próprio da verdade. No sexto e último capítulo de autoria exclusiva de Rohden, o autor debruça-se sobre a hipótese de que a metafísica dialética enquadra-se enquanto exercício  teórico  e  prático,  especialmente  no  que  tange  à compreensão dos princípios últimos e das coisas mais importantes. O ponto, aqui, é explorar afinidades entre as filosofias gadameriana e platônica enquanto propostas que conjugam dialeticamente, θεωρία e πράξις, não apenas falando de metafísica, mas fazendo metafísica.

A parada final do itinerário filosófico entrega ao leitor uma entrevista com Dennis J. Schmidt, uma das autoridades no que se refere aos estudos de Gadamer atualmente. Não apenas por ter convivido com Gadamer, na Alemanha, mas por ser um dos mais competentes estudiosos e pupilos gadamerianos, cujas reflexões acerca do filosofar hermenêutico enfatizam tessituras da ética com a hermenêutica  filosófica.  Outro  motivo  que  torna  a  entrevista interessante  é  o  fato  de  firmar-se  enquanto  diálogo  de  dois especialistas que se conhecera m, trocaram experiências, e mantêm a linha dialógica, com perguntas e respostas que visam promover, dialeticamente, a arte do verdadeiro diálogo.

Por fim, vale ressaltar que a obra é extremamente atual, e todos  os  textos  anteriormente  publicados  como  artigos  foram repaginados para essa edição em formato de livro, o que traz novidade inclusive para quem é familiarizado com a pesquisa de Rohden. Finalizamos com uma das passagens mais verdadeiras da Carta Sétima, que afirma que em

[…] colóquios amistosos em que perguntas e respostas se formulam sem o menor ressaibo de inveja, é que brilham  sobre  cada  objeto  a  sabedoria  e  o entendimento, com a tensão máxima de que for capaz a inteligência humana. (344b-c)

Desse modo, é no movimento constantemente dialético de perguntas e respostas, de discursos sobre o real e o real mesmo, de constante construção conceitual inacabada e aberta a revisitações sobre as coisas que se funda o verdadeiro filosofar.

Referência

ROHDEN, L. (2018). Filosofar  com  Gadamer  e  Platão: hermenêutica  filosófica  a  partir da Carta Sétima.  São Paulo, Annablume.

Leonardo Marques Kussler – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – São Leopoldo – RS – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Le théâtre d’Aphrodisias: les structures scéniques. Aphrodisias – CHAISEMARTIN; THEODORESCU (RA)

CHAISEMARTIN, N.; THEODORESCU, D. Le théâtre d’Aphrodisias: les structures scéniques. Aphrodisias 8, 2017. Resenha de: DUARTE, Adriane da Silva. Revista Archai, Brasília, n.29, p 1-7, 2020.

Assim que retorna de suas viagens, o jovem Quéreas narra à população reunida no teatro as aventuras vividas longe da pátria ao lado d e Calírroe, sua esposa, relato que retoma o argumento d aquele que é hoje tido como o primeiro romance ocidental, Quéreas e Calírroe, de Cáriton de Afrodísias (I d.C.). Na trama, o teatro também abriga assembleias cívicas, como a que decide o casamento entre os dois jovens no primeiro capítulo, e o julgamento do pirata que saqueara o túmulo da jovem. Embora a ação se passe em Siracusa e  no  período  clássico,  parece-me  claro  que  o  autor, que orgulhosamente proclama sua identidade logo na frase de abertura do romance (“Eu, Cáriton  de  Afrodísias,  secretário  do  orador Atenágoras, vou narrar uma história de amor que aconteceu em Siracusa”, Quéreas e Calírroe I.1), tem em vista como cenário o grandioso teatro de sua Afrodísias natal, agora minuciosamente desvendado por Nathalie de Chaisemartin e Dinu Theodorescu, com a colaboração de A. Lemaire e Y. Goudin, naquele que consiste no oitavo volume da série de títulos que trazem os resultados das escavações conduzidas  pela  New  York  University no  sítio arqueológico da Turquia.

O livro finalizado por N. de Chaisemartin, em virtude da morte de seu coautor, se insere dentro de um gênero muito específico, o d os relatórios arqueológicos, uma literatura por vezes bastante árida. Como nota, P. Gros, e m seu prefácio, realizar o estudo e a publicação das estruturas cênicas do teatro de Afrodísias, implicando o desafio “de reconstruí-lo graficamente sem deixar de lado nenhuma peça desse imenso quebra-cabeças”(e quebra-cabeças aqui não é apenas força de expressão), pressupõe conhecimento técnico, arquitetônico e iconográfico raros. A tarefa se torna mais complexa na medida em que o edifício, que desempenhou inúmeras funções além da primária (sediar espetáculos), sofreu alterações e acréscimos ao longo do tempo, tornando-se um caso de interesse também historiográfico e tipológico. Naturalmente, um estudo desse vulto, não pode ser conduzido  sem  a  cooperação  de  equipes  multidisciplinares  e internacionais, com destaque para pesquisadores turcos, austríacos, além de americanos, ingleses e franceses, coordenados a princípio por Kenan Erim (1929-1990), que desde a década de 1960 se dedicou ao sítio de Afrodísias – entre os anexos, o volume traz dois capítulos-síntese em inglês e em turco para os que não leem francês.

Na década de oitenta, N. de Chaisemartin foi convidada por Erim para empreender o e stud o d os frisos decorados do teatro, a cujos esforços  somou-se logo D. Teodorescu,  um  arqueólogo  com especialização em arquitetura, ampliando o escopo da pesquisa. O propósito era determinar e datar a s fases de construção do teatro e das modificações mais significativas que sofreu desde a sua fundação, no final do século I a.C. até o seu colapso, em decorrência  de um terremoto, em VII d. C. O presente livro reúne os dados concernentes à arquitetura do edifício de cena, da fachada ocidental, bem como da orquestra, já que a cavea, os assentos destinados ao público, segue sendo explorada. O  resultado  impressiona  pela minúcia da reconstituição, ricamente ilustrada por inúmeras plantas e ilustrações, além de um inestimável dossiê fotográfico com mais de oitenta páginas.

Pode-se dizer que o teatro ressurge dos escombros a que fora condenado e, com ele, parte significativa da história daquela que é uma das mais interessantes cidades da Ásia Menor.

Como não sou arqueóloga, mas uma helenista cujo interesse por Afrodísias  se  deve aos  estudos  sobre  o  romance  antigo e, particularmente, Cáriton, cujo livro traduzi, é dessa perspectiva que vou tratar essa publicação. Afrodísias é descrita com frequência como uma cidade helenística grega da Caria, localizada hoje na Turquia, na vizinhança de Geyre – em verdade essa cidade ficava sobre o sitio e foi removida para permitir as escavações. De fato, a cidade é refundada e recebe esse sugestivo nome, a partir do culto sincrético que a deusa local estabelece com Afrodite, em III a.C., mas a ocupação é muito anterior (c. 1200 a.C.). Apesar da colonização grega, ganha importância pela relação privilegiada que estabelece com Roma, de quem se torna aliada estratégica desde as Guerras Mitridáticas (I a.C.). Seus habitantes souberam muito bem explorar a rivalidade entre as potências emergentes locais, como Mileto e Éfes o, e os interesses romanos para construir uma aliança que a favorecesse no cenário geopolítico, usando para tal o culto de Afrodite. Como se sabe, após a ascensão de César, cuja família se pretendia descendente de Vênus, a deusa ganha importância no panteão latino. É justamente a consolidação de Otávio no poder após a vitória em Áccio (31 a.C.) e sua consagração como o Augusto (27 a.C.) que marcam um reflorescimento de Afrodísias, cuj o plano urbanístico passa por grandes reformas, das quais o teatro é uma das mais eloquentes. O conjunto  de  monumentos  extremamente  bem preservados, documentados com o apoio de amplo registro epigráfico, e escavado de forma exemplar, torna esse sítio um caso único para conhecer a vida em uma cidade grega do período romano.

Na origem desse empreendimento está uma figura singular, Gaius Julius Zoilos, um cidadão de Afrodísias que os aza res da vida fizeram escravo de Júlio César – quer por ter sido aprisionado em uma das inúmeras guerras travadas na região, quer por ter sido vítima do tráfico de pessoas comandado por piratas que infestavam os mares (para um breve perfil de Zoilos ver Bear d, 2017, p. 512-514). Após prestar bons serviços a seu senhor, de quem se tornou representante, coube a Otávio como parte do espólio de César, que o liberto u e d eu mostras de afeição por ele em suas cartas. Rico, voltou a Afrodisias e tornou-se um benfeitor da cidade, contribuindo com a construção e o embelezamento de diversos monumentos, entre eles, o teatro e templo de Afrodite. Uma série de registros epigráficos, recolhidos de placas  comemorativas  afixadas  na  parede norte do  edifício, testemunham o reconhecimento da cidade a ele e a outros que, posteriormente, patrocinaram reformas e acréscimos.Ao mesmo tempo, esse verdadeiro arquivo guarda a história de Afrodísias e de sua relação com Roma e seus imperadores, que se quis tornar bem visível aos visitantes estrangeiros. Há um pequeno dossiê epigráfico no volume em questão relacionado à construção do teatro, mas outras evidências podem ser encontradas no site Inscriptions of Aphrodisias (http://insaph.kcl.ac.uk/iaph2007/index.html).

Assim, o teatro, que além de abrigar espetáculos, também sediava as assembleias da cidade e outras festividades, foi construído, juntamente com o templo de Afrodite e outros monumentos da cidade, como forma de celebrar a nova ordem romana e de marcar a inserção de Afrodísias nela. N. de Chaisemartin, ao analisar os motivos decorativos da fachada cênica do teatro, confere relevo ao motivo de Apolo citaredo coroado pelas Musas, que ocupa o nicho central.  O  conjunto  escultórico evoca  as  glórias  de  Otávio, especialmente  o  triunfo  em  Áccio – Dioniso,  o  patrono  dos espetáculos dramáticos é posto de lado em vista de sua associação com Marco Antônio. Segundo a autora, Otávio se vale do histórico de lealdade da cidade cária para com Roma e das suas relações pessoais com Zoilos para dar início a um programa ideológico centrado na  propagação  de  sua imagem  como Princeps que brevemente se espalharia por toda Ásia Menor, alcançando todo o Império.

A particularidade do caso a frodisiense reside justamente em sua precocidade (é um dos primeiros monumentos com esse motivo e contemporâneo do templo de Apolo Palatino em Roma) e na riqueza de sua documentação, além de, pode-se acrescentar sem temor, na espetacular qualidade de seus monumentos, graças a o talento de exímios artesãos e ao mármore de qualidade superior de que dispunham.

Interessante também é verificar como este edifício é único na medida em que atesta a transição d a arquitetura de tipo helenístico para o de tipo imperial na Ásia Menor, apresentando características que sugerem a influência de Vitrúvio, cujo tratado sobre arquitetura data de pouco antes da edificação do teatro.Isso de fato só é possível se pensarmos no papel desempenhado por Zoilos, um homem entre duas culturas, como atesta sua estela funerária em que é representado com a capa grega e com a toga romana, provando, como quer M. Beard (2017, p. 514), que “na cultura do império romano, era possível ser ao mesmo tempo grego e romano ”.

O teatro foi remodelado nas décadas e séculos posteriores para poder se adaptar às múltiplas funções que desempenhou. Outros benfeitores como Aristocles Molossos, na primeira metade do século I d.C., dão continuidade ao programa de Zoilos, dotando o prédio de novos assentos e das escadarias de acesso ao s andares superiores da cena, cada vez mais adaptada aos oradores, e Hermas, que no final do mesmo século, reforma a orquestra. Por fim, em III d.C., novas mudanças são feitas, visando favorecer as lutas de gladiadores, espetáculos de caça e os balés aquáticos. O grupo escultórico também vai se enriquecendo, com o acréscimo de estátuas que celebram atletas que conquistaram renome para a cidade, além de outros cidadãos ilustres. Como nota Chaisemartain (2017, p. 1 81), o teatro de Afrodisias, apesar das adaptações sofridas para se adaptar à evolução dos espetáculos, manteve inalterada a fachada cênica, o que aponta para a sua relevância como depositária da memória coletiva dos cidadãos.

Afrodisias, que tem o título de Wor ld Heritage da UNESCO, continuará  a  nos  surpreender,  uma  vez  que as  escavações prosseguem, assim como a publicação de estudos que remontam décadas de pesquisas. O presente volume cumpre bem esse papel de dar vida a um monumento que, por sua vez, é capaz de iluminar o passado de uma cidade e nosso conhecimento sobre um período fértil da antiguidade. Para os interessados na pesquisa envolvida em Aphrodisias, indico o site Aphrodisias excavations (http://aphrodisias.classics.ox.ac.uk/index.html).

O romance de Cáriton, termina com a evocação a uma só vez do teatro e do templo de Afrodite, ambos o bra de Zoilos e motivo de orgulho dos afrodisienses (Quéreas e Calírroe, VII. 8):

Enquanto a multidão estava no teatro, Calírroe, antes de ir para casa, foi ao templo de Afrodite. Tocando-lhe os pés e pousando sobre eles o rosto, com os cabelos soltos, beijou-os e disse: — Sou grata, Afrodite.

Referências

BEARD, M. (2017). SPQR: Uma história da Roma Antiga. São Paulo, Crítica.

DUARTE, A. S. (trad.) (no prelo). Cáriton. Quéreas e Calírroe. São Paulo, 34.

Adriane da Silva Duarte – Universidade de São Paulo – São Paulo – SP – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Un Universo Aperto. La cosmologia di Parmenide e la struttura della Terra – CALENDA (RA)

CALENDA, G. Un Universo Aperto. La cosmologia di Parmenide e la struttura della Terra. 2017. Resenha de: PRIVITELLO, Lucio Angelo. Revista Archai, Brasília, n.29, p 1-6, 2020.

Guido Calenda fearlessly places the reader within a few ongoing battles in Parmenidean scholarship. In these fierce skirmishes, there are no clear heroes, and casualties are not properly accounted for. From a rough start, questionable chapter sequence, and his d isplay of courage in pursuing doxographical dangers (viz., Aëtius), Calenda brings out tools of scholarship in places where the battle is either all but over, surrounded by an interminable fog, or yet to begin. Through a soft and hard credit inquiry assess ed from his admirable use of the economy  of  textual  support,  long  established  scholarship  and determined fragment-citation sequences continue to control the field. The thickets of Parmenidean studies have become a force all their own, alluring, entangled, and difficult to adopt in both range and detail. Calenda is to be given credit.

Calenda’s goal is to show that if we abandon the presupposition that fragment 12 (and Aëtius’s gloss) refers to celestial phenomena, and instead read it as a description of the earth, then incoherencies disappear, and we are shown an important doctrine of the Elean based on solid empirical elements (p. 15). This is quite a claim. What these incoherencies exactly are or whether they reside in Parmenides’ actual fragment-citations, in the sequence order of the fragments, or in the paraphrases of commentators, is not clear. What is clear is that Calenda was inspired by Livio Rossetti’s “Parmenides’ Polumathia: an inventory of his doxai “(Rossetti, 2015), as well as Rossetti’s forthc oming work, Parmenide ‘astronomo’ e ‘biologo’, along witha small renaissance in the study of Parmenides’ physics and astronomy (so-called ‘opinion of mortals’), from the International Symposium dedicated to Parmenides in Buenos Aires in 2007. With Un Universo Aperto, Calenda is also revisiting, recalibrating, and clarifying his previous works to better argue that Parmenides’ cosmological-scientific doxai share some affinity with his alētheia. Here, too, is an example of how grappling with Parmenides’ poem, milieu, and centuries  of  brilliant  and,  at  points,  questionable  doxography, testimonia, and scholarship, temporarily blinds one to a path through the enchanted tangles.

As a main problem in Parmenidean scholarship, Calenda is wrestling against a determine d fragment-citation sequence that he does  not  question,  and  accepts  the  very  strained  and  rather questionable division of the poem into two parts. For Calenda, an ontological/epistemological section clearly precedes the exposition of scie ntific doctrines f rom fragments 8.53-61 and 9 (p. 9, 20). I find this lack of questioning the very fragment sequence structure of the poem (while seeking to reveal the meaning of one fragment), as improperly joining skeletal remains that betrays and distorts a once vibrant living body. Calenda mentions the perils in the little that has remained of the original text, joined fragments, and interpretations (p. 13), even calling upon Luigi Ruggiu to warn us that these citations (from Plato and Aristotle onwards) have not always followed philological care, but rather their own designs, intentions and contexts. Yet, Calenda (and how many more) remains ensnared in these dusty regions. First is in having remained deaf to the way that the oral tradition, from which the poem clearly em erged, and served, lends us a way to reconstruct the fragments that would free them from what Calenda sees as heavily compressed, and of arbitrary distinction due to the use and abuse of language (p. 14 & n. 12; p. 24).

Any resequencing or reconstruction o f the poem must seriously take into account Parmenides’ position as legislator, and healer. Parmenides is the initiate of the lessons of the goddess, and the poem’s structure is a retelling of the lessons prohibiting our use of illusory and pervasive disti nctions in naming. Parmenides directed his poem for the Elean community. The citizens heard his lessons, honored his laws, and had their magistrates swear to these years after his death. To regain this veritable opening, and measured restraint, one must fi rst extend and apply the greatest care to the compositional and fragment sequence order of the poem. These lessons are clear in fragments 8.38-41, and 6.4-9 as Calenda well recognizes. Therein one finds the greatest mishaps in distinctions, and the all too human application of names/labels. While Calenda hints at this problem in the Introduction, and in chapter 1, he lets it slide as fallout of the “strongly compressed character of the original text”coupled with damaging effects upon its transcriptions wit h “the passing of time”(p. 14, 19).

It is intimated, but not stated, that Calenda follows the fragment ordering of Diels and Kranz, from Die Fragmente der Vorsokratiker, but also distances himself from how Diels, and more contemporary scholars, have ident ified, and merged the δα ί μων in fragment 12.3 with Necessity, Law, Justice, Fate. While this is a positive sign, this study needed to show the reader how the poem moves through various fields, and how the specific field where fragment 12 belonged was perha ps a transition from the cosmological to the geological/ biological, or the mythological. Resequencing of the fragment citations in the following manner: fragments 8, 10, then 14-15 as one, then 11, 9, then fragment 12.1-3, then fragment 13 [as 12.X], then again 12.4-6, and lastly fragment 17 [as the last line of 12.Y], would have helped this transition in being more reflective of the greatness of Parmenides’ po wer of cosmogonic storytelling.

In a similar vein, Calenda’s chapter 4 “La dea della vita”(The goddess of life), would have been best situated following chapter 2, “Le due forme”(The two forms) seeing how in both chapters Calenda is preparing his terms, and references. This would have freed up and linked his more illuminating chapters on “La sferici tà della terra”with “Struttura della terra”, and take us into a Verne-like journey to the center of the earth, and to his arguments for the possibility that fragment  12  refers  not  to  celestial  entities,  but  to  the  very composition, and zones, of the earth. This is defended, quite boldly, in chapter 5, section 3, “Descrizione della sfera terrestre”(p. 75-80), yet it is tempered, and thrown out of orbit, when Calenda admits to the “residual uncertainties”when speaking of a description of a Parmenidean universe (p. 99), due to the lack of direct information, the silence of sources, and indirect circumstances (p. 100). With this in mind, the conjectures about a cosmolo gical order leave us only with Calenda’s strongly held conviction of the earth’s geological composition, and thereupon the place of the δα ί μων (Gaia?) who steers all in fragment 12.3. These conjectures do nothing to show, or defend, how there is an open, o r reopened, universe based on his particular rereading of Parmenides’ poem. The structure of the earth is clear enough, while the general cosmology still suffers, artificially torn between pitting Aëtius’ easy equation of κόσμος-ἐ όν, against Hippolytus’ re ndition of fragments 10 and 11 as purely destructive forces of the physical cosmos.

In all, Calenda merits praise for his focus on fragment 12, peppered by illustrative footnotes that build interest and inroads towards the more scientific aspects of Parmen ides’ poem (p. 10, n.2; p. 12, n. 5; p. 49, n. 5; p. 65, n. 79). One wishes that these illustrative notes had subsections of their own. Gathering the mentions of fragment 12 in his text, with an eye to “Table 1”(p. 66-67), a sideby-side view of Aëtius, and Parmenides, that is developed in detail in chapters 5, “Struttura della Terra”and 6 “Cosmologia”, leads us to “Figura 1”(p. 98). Here we find Calenda’s real contribution, along with his vision of the cosmos of Parmenides. While the bibliography and g enerous footnotes display plenty of supporting sources (pro and con), I find that due to the growth, and historically entangled overgrowth in Parmenidean studies, a few helpful sources are missing, to mention only a few. There is, while cited, no actual cr itica l use of J. S. Morrison’s “Parmenides and Er”(Morrison, 1955), where we also find an interpretation and graphic rendition of Parmenides’ stephanai. A very pertinent work by Christopher J. Kurfess (2012) is missing, and would have helped clarify, and critique Calenda’s reliance on Cordero’s view on the doxai, as well as provide detailed issue with doxographical sources. There is no mention or use of Popper, or Feyerabend’s poignant studies on Parmenides, or Verdenius’ “Parmenides’ Conception of Light”(Verdenius, 1949). Missing also is Franco Ferrari’s enlightening Il Migliore  dei  Mondi  Impossibile:  Parmenide  e  il  Cosmo  dei Presocratici (Ferrari, 2010), as well as Giorgio Colli’s seminal lessons on Parmenides (Colli, 2003). Here is either the curse or blessing of the proliferation, and layers of sedimentation that make up Parmenidean studies. The “Biblioteca Parmenidea 1961-2016”of Massimo  Pulpito,  is  actually  manageable,  and  available  in: http://www.fondazionealario.it/neweleatica/biblioteca-parmenidea/. Yet, together with the vast collection of critical editions, multilingual translations, and A to Z annotat ed bibliography on Parmenides, available in: http://www.ontology.co/biblio/parmenides, one is faced with more than enough to be inspired, humbled, or discouraged, but mostly to seek restraint from finding an all too easy way through the thickets  and  battlefields of  Parmenidean  studies.  Calenda  has valiantly tried. Alluring, entangled, and difficult as they have grown, the presence of Guido Calenda’s Un Universo Aperto, will add another signpost to an opening for future study, in caution, courage, and dedication to Parmenidean studies.

Referências

COLLI, G.  (2003). Gorgias e Parmenide. Lezioni 1965-1967. Milano, Adelphi.

FERRARI, F. (2010). Il Migliore dei Mondi Impossibile: Parmenide e il Cosmo dei Presocratici. Roma, Aracne.

KURFESS, C. J. (20 12). Restoring Parmenides’ Poem: Essays Towards  a  New  Arrangement  of  the  Fragment  Based  on  a Reassessment  of  the  Original  Source. Doctoral Dissertation, University of Pittsburgh.

MORRISON, J. S. (1955). Parmenides and Er.The Journal of Hellenic Studies 75, p. 59-68.

ROS SETTI, L. (2015). Parmenides’ Polumathia: an inventory of his doxai. Chôra 13, p. 193-216.

VERDENIUS, W. J. (1949). Parmenides’ Conception of Light. Mnemosyne, Quarta Series 2, n. 2, p. 116 – 131.

Lucio Angelo Privitello – Stockton University – Galloway – NJ – USA. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Parmenide e Zenone sophoi ad Elea – ROSSETTI (RA)

ROSSETTI, L. Parmenide e Zenone sophoi ad Elea. Pistoia: Petite Plaisance, 2020. Resenha de: MONTAGNINO, Marco. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-16, 2020.

«… queste pagine sono state scritte per permettere a tutti di capir bene, anche a chi “non è del ramo”» (p. 14),1 quanto siano «ancora più grandi e più creativi di quel che comunemente si pensa” (p. 13) due antichi sapienti, Parmenide e Zenone, la cui

«immagine tradizionale […] si è come ingessata, se non incartapecorita, per cui da tempo l’attenzione viene portata solo su poche cose, le solite, e di conseguenza la loro fisionomia è sbiadita paurosamente» (p. 15)

Questa, nelle sue pagine di «benvenuto» (p. 13-17),2 la promessa del Rossetti a chi si accosta al suo «volumetto» (come egli stesso lo definisce) e possiamo dire fin da subito che essa verrà mantenuta. Il libro mette bene in evidenza le «tante idee folgoranti» (p. 124) elaborate dai due sophoí di Elea e come esse abbiano indicato molte «piste», che «a distanza di millenni sono tuttora aperte, tuttora vitali e tutte hanno un futuro» (p. 137). Anche chi ha già letto gli altri studi che l’Autore ha dedicato ad entrambi i sophoí non mancherà di trovare in questa «conversazione» (come egli vi si riferisce nelle conclusioni, p. 136) spunti d’interesse significativi.

A proposito dei contributi che l’Autore ha già dedicato ai due sapienti, egli stesso avverte subito (p. 16, e lo ricorda nuovamente a p. 141) che questo libro assomiglia solo superficialmente a quello che aveva scritto nel 2009, dal titolo «quasi uguale» – I sophoi di Elea: Parmenide e Zenone – ma allo stesso tempo sottolinea come da allora «‘tutto’ è cambiato» perché, specialmente nell’ultimo decennio, le indagini su di essi hanno fatto emergere «aspetti nuovi o addirittura impensati dei due antichi maestri». Effettivamente i due testi sono significativamente diversi tra loro ed il nuovo titolo, che riprende quello del 2009 scambiandone i termini, vuole forse già evocare lo stravolgimento”prospettico avvenuto con lo «tsunami», sempre nelle parole dell’Autore, scatenato dagli studi di questi ultimi anni.

La prima parte del primo capitolo (p. 21-29) è dedicata al «luogo dove si sono miracolosamente formate due menti strepitose», e racconta perciò sia la fondazione che il territorio di quella che fu prima Yele, poi Elea, quindi Velia, ed oggi Ascea Marina, nella provincia di Salerno, dove dal 2004 si svolgono periodici incontri di studio sui due sophoí e sull’eleatismo, denominati appunto Eleatica. Un luogo di pellegrinaggio, gli scavi di Elea-Velia, dove si recano «“pellegrini”un po’ speciali […] dagli angoli più diversi del pianeta”(p. 21).

Molto suggestivo, in questa “cartolina”, il richiamo alla possibilità che nel proemio del poema parmenideo possano essere stati cantati alcuni luoghi della città: «è come se, vicino Firenze, ci fosse ancora la ‘selva oscura’ di Dante e si potesse visitare» scrive il Rossetti (p. 21), che spiega meglio quanto intende più avanti nel testo (p. 77-81), come vedremo.

Poche pagine, dimensionate del resto all’economia del testo, che però rendono bene l’idea che chiunque voglia capire il pensiero di Parmenide e di Zenone non possa disinteressarsi non solo delle loro personali vicende ma anche della storia dei luoghi in cui essi vissero, una storia molto complessa sulla quale le scoperte archeologiche di questi ultimi anni hanno gettato nuova luce. Seguono poi alcune pagine (p. 30-35) per raccontare qualcosa delle vite dei due sapienti: colpisce in particolare il paragrafo «Elea vista da Parmenide”(p. 3032) in cui Rossetti ci invita a «metterci nei panni del figlio di un foceo arrivato ad Elea da pochi anni» (p. 30).

Il capitolo si conclude con la spiegazione della «bizzarria» (nelle parole dell’Autore) di voler cominciare dall’allievo e non piuttosto (come anch’egli ha fatto nel Rossetti, 2009) dal maestro. Ma il libro è concepito in modo da poter passare al successivo capitolo su Parmenide e poi ritornare indietro. Pensiamo che questa scelta editoriale sia funzionale alla tesi, sviluppata dal Rossetti in questo studio, che il libro di Zenone sia stato concepito indipendentemente dal pensiero di Parmenide e non per difendere il maestro dalle critiche mosse al suo poema, come Platone ci tramanda:

Zenone ha ben poco in comune con gli intellettuali che poté conoscere bene, e perfino con Parmenide. Certo, Parmenide può averlo instradato nel costruire i suoi sofisticati ragionamenti […] ma tutto il resto fu estraneo al mondo mentale del maestro, fu cioè farina del sacco di Zenone (p. 45)

I paradossi zenoniani, inoltre, ad avviso dell’Autore, sono «così innovativi da meritare l’anticipazione”sugli «insegnamenti”del maestro,3 anche se Zenone al contrario non sembra voler insegnare o spiegare alcunché. Un’altra delle tesi che il Rossetti vuole mettere in evidenza è, infatti, che se «Parmenide è stato e si è sentito ‘professore dall’inizio alla fine […] Zenone, […] invece si è addirittura imposto di limitarsi a lanciare idee, senza insegnare”(p. 124).

Il secondo capitolo (p. 39-74), dedicato appunto a Zenone, mette subito in risalto il fatto che questi, con la sua raccolta di paradossi, fa qualcosa che «nessun altro prima di lui aveva fatto … (e veramente nemmeno dopo)”(p. 39). La «possente”e «spettacolare”innovazione che si sarebbe rivelata «a lunga gittata”(i paradossi di Zenone sono attuale oggetto di studio anche in diversi campi scientifici, dalla matematica alla fisica teorica) 4 dei paradossi zenoniani è, infatti, quello di porre «‘possibilità impossibili’» per «innescare ed alimentare una curiosità di lungo corso per ciò che supera i limiti della nostra capacità di percepire”(p. 55) e di concepire le cose.5 Ed in effetti il Rossetti ci descrive Zenone anche come «un prestigiatore della parola e della mente”(p. 63).

I paradossi zenoniani sono presentati in un linguaggio colloquiale ma non per questo meno rigoroso (stile che caratterizza l’intero testo, come premette l’Autore stesso fin dall’inizio, a p. 15) per mostrare la novità dei concetti (spazio, grandezza invisibile, istante, velocità relativa, etc.) che essi introducevano nelle cognizioni tradizionali di chi li udiva o li leggeva:

Nessun altro libro era stato concepito come una collezione di sfide alla nostra intelligenza […] ed è tanto raro che uno si accontenti di delineare un problema, una difficoltà, un ostacolo mentale, un intralcio per poi dirci: “Provate voi a dipanare la matassa! Io mi limito a rappresentarvi la difficoltà”. […] Ecco questo è stato Zenone. Di questo è stato capace solo lui, e per quanto è dato sapere, nessun altro. Nessun altro, né prima né dopo! (p. 68-69).

Eppure quante cose avrebbe potuto insegnare Zenone ma «semplicemente confidava che gli altri ci arrivassero da soli riflettendo”(p. 73-74), constata il Rossetti.

E, in linea con la sua interpretazione, neanche l’Autore si sofferma nelle spiegazioni che sono state proposte dei paradossi zenoniani, né suggerisce la propria: «l’autore di queste pagine preferisce fare come Zenone e lasciare che sia semmai il cortese lettore, la cortese lettrice a interrogarsi e provare a ragionarne con chi vuole”(p. 52). L’invito tra le righe sembra essere quello di “metterci in situazione”, di ritornare a quei giorni in cui Zenone o qualcun altro

leggeva in pubblico il suo libro, aggiungendovi magari «un po’ di mimica gestuale e facciale» per amplificare il «senso di smarrimento”nell’ascoltatore, e ne seguiva una qualche discussione, anche breve, che, è ragionevole ipotizzare, avrebbe potuto coinvolgere l’uditorio.

Queste considerazioni portano l’Autore a concludere (p. 70-74) che una delle cose su cui «non si è detto nulla”a proposito del libro di Zenone è che esso «sarebbe diventato un libro attorno al quale si poteva imbastire un qualche dialogo, prendere la parola, improvvisare, avviare uno scambio con l’autore» (p. 71) o con gli altri presenti. Cosa che né la lettura di un poema o di un altro testo, né la rappresentazione teatrale consentivano. Insomma, conclude al riguardo l’Autore, «Zenone ha tutta l’aria di aver anticipato Socrate e di aver ideato una prima modalità di dialogo (con il suo pubblico) e di invito al dialogo”(p. 73).

Effettivamente, nel suo dialogo Parmenide, Platone ci racconta che gli scritti di Zenone venivano letti in pubblico (dobbiamo immaginare un pubblico “da salotto”, per così dire, non una piazza), anche ad Atene, e che Zenone stesso lo faceva di persona qualche volta. Certo il racconto platonico presenta più di una ragione per metterne in dubbio l’attendibilità6 e per ritenere che né Parmenide né Zenone siano stati mai nella metropoli attica, ma ciò non toglie che i loro scritti fossero ivi letti e studiati. Dunque la proposta del Rossetti non sembra affatto irragionevole (senza che con ciò ci si debba preoccupare per forza di stabilire la paternità dello stile di comunicazione ‘dialogico’).

Nel passare a trattare il maestro di Zenone, l’Autore paragona Parmenide a Dante (p. 77-81): «egli esordisce raccontando un sogno o visione, alla maniera di Dante Alighieri”(p. 77). Il proemio del poema parmenideo, nell’interpretazione del Rossetti, è un esperienza surreale che però rimane “ancorata”ai nostri sensi, attirando la nostra attenzione attraverso i suoni “raccontati”da quegli stessi versi, in

modo  che  «un’autentica  colonna  sonora virtuale  sembra accompagnare la narrazione» (p. 79). « Una colonna sonora » che l’Autore ci racconta passo-passo (p. 78-79) mentre ci propone la lettura del proemio nella trad uzione del Cerri.

Ma al contrario che per la ‘selva oscura’ dantesca, la strada percorsa da Parmenide nel suo viaggio verso la dea che gli rivela i suoi  «insegnamenti», così  come la  porta  che  egli  attraversa, probabilmente esistono su questa terra, proprio ad Elea – ci dice Rossetti riprendendo un’ipotesi che fu di Capizzi, come egli stesso ricorda – e sono ancora visibili presso gli scavi archeologici della città.

A partire da p. 82, l’Autore comincia a parlare degli «insegnamenti”che Parmenide immagina d i ricevere dalla dea. L’interpretazione tradizionale delle parole della dea ha condotto la maggior parte degli studiosi a suddividerli in due «tipi di sapere» e ad assegnare a questi valori diversi. Rossetti “contesta”che se andiamo a verificare questi in segnamenti «scopriamo facilmente che il sapere di scarso pregio semplicemente non c’è da nessuna parte, che cioè gli insegnamenti offerti sono tutti di prim’ordine, anche se sono nettamente diversificati”(p. 82) e, nelle condizioni che egli mette in evide nza nelle pagine seguenti, «l’insegnamento sull’essere [… ] può solo retrocedere a un insegnamento fra gli altri [… ] alcuni dei quali sono veramente formidabili”(p. 85).

Si riferisce ai saperi astronomici e naturalistici che emergono dalla cosiddetta «seconda parte”del poema.

Questa è un’idea cardine dell’interpretazione del pensiero di Parmenide proposta negli ultimi anni dal Rossetti (come chi ha letto il suo Un altro Parmenide sa bene) e si articola nell e tesi che questi non possa essere considerato un filosofo, se non «virtualmente», 7 ed a maggior ragione «il grande filosofo dell’essere», «come ‘tutti’ hanno insegnato per un tempo incredibilmente lungo», perché «il suo insegnamento non si i dentifica con l’ideazione ed elaborazione della sola  nozione  di  essere»  (p. 84). L’Autore procede quindi ad introdurre gli «insegnamenti”parmenidei, cominciando comunque da quello sull’essere (p. 86-89) che è trattato nel frammento B8. Secondo il Rossetti, l’interesse di Parmenide per la nozione di essere sarebbe stato il frutto di un suo «chiodo fisso», l’«inammissibilità» del «non essere», dell’ « assenza totale », del lo « zero assoluto». Quindi sarebbe stata una forma di horror vacui ad aver portato Parmenide ad isola re « il   significato   primario»   del concetto « essere », « assolutizzarlo», e, di riflesso, a trarne delle conseguenze (p. 88).

«Ma noi siamo davvero obbligati a seguirlo?», conclude il Rossetti, e spiega (p. 90-95) come già a partire da Meliss o di Samo ci si sia subito «allontanati moltissimo da Parmenide”e, sino ai nostri giorni, ad Heidegger e Sartre, «abbiamo finito per ignorare la sua ossessione»  (p. 92).  Pagine  densissime dalle  quali  emerge chiaramente (tesi ormai largamente condivisa) co me il pensiero parmenideo sia stato confinato fin da subito dalla tradizione filosofica in una sorta di metafisica, o proto-tale – che da un certo punto in poi è stata “etichettata”«ontologia”(p. 91) – che ha alienato tutti gli altri insegnamenti  che  eme rgono  dal  suo  poema  come  «credenze illusorie».

Il Rossetti  passa quindi a  parlare  degli  «insegnamenti”astronomici di Parmenide (p. 96-99), dei quali purtroppo ci sono giunti pochi versi, forse solo l’indice di quello che si sarebbe apprestato a dire, ma dei quali ci restano importanti testimonianze dossografiche. Si sofferma sulle sue scoperte astronomiche, che a ragione possono dirsi «sbalorditive», e sulle influenze che esse devono aver riscosso nei contemporanei e nei pensatori successivi.

Qui l’Autore, per dimostrare la sua teoria dell’incompatibilità tra « l’insegnamento sull’essere » e gli  «insegnamenti  a stronomic i”ricorre ad un argomento che forse non è così cogente come potrebbe a prima vista sembrare. Scrive, infatti, che la dea (nel frammento B 10 che cita in traduzione), nel passare in rassegna i temi astronomici che andrà a trattare, «lo fa senza introdurre nemmeno un vago riferimento all’essere» (p. 96).

Però, nel frammento B9, che introduce il «secondo tipo di sapere» (come lo chiama il Rossetti), a partire proprio dal frammento B10 citato dall’Autore, è detto chiaramente che vi sono due dynámeis (variamente nominate, da quel che sappiamo dai frammenti e dalle testimonianze, « luce »/« fuoco »/« denso » e « notte »/«r ado »), senza entrambe le quali «c’è il nulla». Un’affermazione che lascia dedurre, come risulta anche dal frammento B12 e dalle testimonianze di diversi dossografi, che gli astri nei cieli – ma potremmo dire ogni cosa, sino a lle creature viventi, a giudicare dagli altri frammenti e dal le tes timonianze – per Parmenide fossero compost i di queste «potenze» mescolate insieme in differenti proporzioni, e quindi, di converso, che ogni cosa fosse “fatta”, per dirla così, di «essere».

Certo neanche i sostenitori del «Parmenide filosofo dell’essere» è detto che siano d’accordo con questa lettura, anche perché in genere “squalificano “tutto il sapere contenuto nei frammenti da B9 in poi come “illusorio”, ma annotiamo che, se anche dalla prospettiva opposta, il Rossetti usa i loro stessi argomenti, in de finitiva, per segmentare i contenuti del poema.

Se non riscontriamo particolari  difficoltà  ad  ammettere  la legittimità della critica d ell’Autore al cliché del «filosofo dell’essere» e d a condividere la necessità di un i mpegno ulteriore nel campo degli studi parmenidei per portare in primo piano ed allo stesso livello del sapere sull’essere gli altri saperi che il poema pur conteneva (tesi sulla quale convengono ormai diversi studiosi), ci riesce, però, difficile condividere l’assunto sulla incompatibili tà e incongruenza reciproca di tali saperi.

Tornando al testo di Rossetti, egli si sofferma (p. 100-105) sulle teorie che Parmenide ha elaborato sulla forma della terra e sulla sua suddivisione  in  zone  climatiche, senz’altro straordinarie ed innovative anc he queste. S eguono (p. 106-108) gli « insegnamenti » sulla fisiologia umana, con particolare riferimento all’embr iologia, ove l’Autore mette in evidenza qualcosa che effettivamente ha avuto, ed ha, poca risonanza nel panorama degli studi parmenidei:.

per molt o tempo, inclusi i tempi di Aristotele, si è pensato e insegnato che la donna non produce un suo patrimonio genetico, ma si limita ad accogliere e nutrire il patrimonio genetico di origine maschile […] Invece Parmenide fu tra i primi e i pochi a sostenere il contrario (p. 106)

L’Autore poi prosegue sottolineando che Parmenide fu tra i primi che elaborò una teoria sul perché certi individui sviluppassero tendenze  omosessuali  e  che  provò  a  spiegarsi  la  condizione fisiologica di chi ha tali tendenze.

Rossetti  definisce  questa  una  «conquista  assolutamente memorabile» e ne conveniamo, ma annotiamo che in queste pagine egli dà pochissimo spazio e risonanza, 8 al contrario di quanto ha fatto nella sua monografia (Rossetti, 2017b, vol. 2, p. 97-112), a quello che egli stesso ha identificato nel poema come una sorta di «proto-femminismo » parmenideo (ivi, 110). Crediamo, infatti, che la cosa più « sbalorditiva », e, aggiungeremmo, scandalosa,  che  poteva emerge re dal poema parmenideo – oltre il pantheon ass olutamente femminile che lo anima – è proprio la tesi che la donna ave sse un ruolo attivo nella riproduzione e non solo quello di ‘fornetto’, che la donn a fosse “fatta”in prevalenza del « rado », quindi di « luce », più che l’uomo, in cui prevaleva il « denso », la materia dell’oscurità (come ci testimonia Aëzio), e che la daímōn di B12, piuttosto che spingere «i maschi a unirsi con le femmine», come prevedeva la themis omerica, dava la “precedenza”a queste ultime.

Nella Grecia del VI-V sec. a.C., ma anche oltr e, la pederastia era una pratica pedagogica quasi “raccomandata”e Platone – che nel Parmenide ci presenta Zenone anche come “amante”di Parmenide – impiega un intero dialogo, il Simposio, 9 per «definire la filosofia come un parto dell’anima maschile legat a all’amore fra uomini», nelle parole del la Cavarero (1990, p. 100).

Una concezione della  filosofia che,  p ossiamo  dirci  certi, difficilmente  poteva  essere condivisa da Parmenide, la cui «ovvia e trasparente venerazione del Maestro  per  il  Principio  Femminile»,  come  sottolineava  De Santillana (1985, p. 90), emerge perentoria dal suo poema.

E pensare che il femminismo, che tanto ha insistito a proposito del significato androcentrico della credenza embriologica che fosse solamente il maschio a dare forma alla v ita, si è “distratto”su questa innovativa tesi parmenidea ed ha sempre accusato Parmenide, o meglio «il filosofo dell’essere», di  matricidio filosof ico, senza concedergli alcun appello.

Tornando al la «conversazione» del Rossetti: d opo aver ricordato gli altri «insegnamenti”biologici (p. 109-111) – e segnaliamo in proposito che l’Autore non vede in Parmenide anche un medico (p. 111), come negli ultimi anni è stato fatto da alcuni studiosi – egli torna ai primi 33 versi del frammento B8 (p. 112-117) per parlare di un altro «insegnamento”parmenideo che egli separa da quello dell’essere (per questo lo tratta alla fine degli insegnamenti, agli “antipodi”di quell’altro, che aveva trattato all’inizio: p. 122 n. 23), «ideando  qualcosa  che pervenne  a  sedimentarsi  in  una  forma divenuta standard, si noti, solo quasi due secoli dopo, con gli Elementi di Euclide”(p. 116): il ragionamento deduttivo.

Si  viene  quindi  accompagnati  alle  conclusioni  sugli insegnamenti di Parmenide (p. 118-125, ma anche p. 136-137). «È bello – condividiamo le parole dell’Autore ed il suo entusiasmo – ritornare a prendere coscienza delle tante conquiste legate al nome di questo antico maestro”(p. 119). E concordiamo con la sua critica che «fino a ieri, il Parmenide fi losofo dell’essere ha oscurato con impressionante efficacia tutti gli altri aspetti della sua poliedrica personalità”(ibid.). Tant’è che, l’abbiamo accennato prima, il pensiero femminista non si è mai accorto di quanto fosse “dalla parte della donna”Parm enide. Ma vogliamo qui ricordare che lo «ieri”a cui fa riferimento il Rossetti non sono solamente gli ultimi dieci anni, perché sono stati diversi gli studiosi che fin dal secolo scorso hanno cominciato a leggere il poema non solo “da sinistra verso destra”, per parafrasare una felice espressione con cui Mansfeld (2015) ha intitolato un suo recente saggio, ma anche “da destra verso sinistra ”, cominciando appunto a darne un’interpretazione partendo proprio dal sapere cosmologico e naturalistico che eme rge dalla seconda parte del poema e dalle molte e attendibili testimonianze dossografiche che ne abbiamo.

Ed il Rossetti ha senz’altro contribuito a questa rilettura. Così come, da molti anni, si è cominciato ad approfondire il proemio e la sua relazione c on il resto del poema, cosa che ha fatto anche l’Autore,  che  intravede  una  «congruità  fra  un  Proemio  così accentuatamente politematico e l’elaborata polumathia che il poeta mostra di aver coltivato (con straordinario successo)”(Rossetti, 2017b, vol. 1, p.157).

D’altra parte s iamo completamente d’accordo con l’Autore che Parmenide fosse un sophos e non un filosofo, specialmente non nel senso che intesero Platone, Aristotele e tutti i filosofi ‘metafisici’ (ma qualcuno ancora potrebbe obiettare che la filos ofia è metafisica e nient’altro) che seguirono, sino ai nostri giorni, tra i quali l’Autore non manca di menzionare i più eminenti (p. 90-95). Possiamo condividere senz’altro l’ipotesi che Parmenide fosse un «cultore della polumathia ([…] il sapere molte cose, il fatto di intendersi di molte cose  diverse)» e che  i  diversi  aspetti  della  sua  «poliedrica personalità” non  debbano  essere oscurati dall’attenzione quasi ossessiva al frammento B8 (p. 118-119).

Ma è  più  difficile  condividere  l ’idea che  si  debba necessariamente «circoscrivere» (p. 124) « l’insegnamento sull’essere» per far riemergere gli altri. Forse bisognerebbe capire meglio quello che intendeva P armenide con la sua nozione di essere, che probabilmente non doveva essere, come lo ste sso Rossetti sottolinea, quella che ci  hanno tramandato Melisso, Platone e Aristotele, tra i primi suoi lettori: Gadamer ci aveva già avvisati che l’aldilà che Platone e Aristotele hanno pensato dell’essere, in Parmenide è l’aldiquà (Gadamer, 2018, p. 73-1 34). Forse si può provare a rimettere mano al «’montaggio’ del poema”(p. 112) che la tradizione ha canonizzato finora (qualcuno lo sta facendo già, anche se con altre intenzioni: pe nsiamo, tra altri, a Coxon, Cordero, Kurfess, Laks e Most), e fo rse anche i paradossi di Zenone, la cui autonomia rimarrebbe incontestabile, potrebbero interpretarsi lungo la linea dottrinale tracciata dal poema parmenideo e non solamente in discontinuità con esso.

Allo stesso modo, crediamo, riesce difficile convincer s i che ne l poema di Parmenide «non si nota nessun desiderio di generalizzare offrendo considerazioni riguardanti la totalità […] [e] che questa sua supposta attitudine a rendere conto del tutto non è documentata”(p. 119); o che Parmenide «non ha nemmeno provato a offrire… delle considerazioni  sulla  realtà  nel  suo  complesso”10 (p. 122), specialmente quando è lo stesso Rossetti che ascrive alla capacità di Parmenide di «rappresentarsi l’intero» (p. 113) la sua maestria nell ’or ganizzazione del poema ed il suo rigore deduttivo.

Il testo prosegue con un capitolo dedicato al ‘dopo’ Parmenide e Zenone (p. 127-137) – nel quale si segnala in particolare il paragrafo su Melisso e sul suo ruolo chiave nella fortuna del poema parmenideo e nella nascita dello stereotipo del Parmenide «filosofo dell’essere» (p. 132-135) – e si conclude con una sezione «Per saperne di più», in cui l’Autore propone alcune letture d’approfondimento. S i rimane un po’ perplessi davanti alla dichiarazione che la monografia di Bollack, Parménide, de l’étant au monde, che certo rimane di assoluto rispetto, sia l’unico testo precedente alla monografia del Rossetti, Un altro Parmenide, «in cui si prova a rendere conto sia del Parmenide filosofo dell’essere e grande ra gionatore,  sia  del  Parmenide naturalista”(p. 140). Una validissima indic azione contenuta nella sezione è certamente quella sui volumi pubblicati nella collana Eleatica, che raccolgono gli studi degli omonimi convegni che si svolgono ad Ascea (p. 141), dir etti dallo stesso Rossetti fin dal primo incontro. Rappresentano un a miniera di conoscenze e di idee sul pensiero  di  Parmenide  e  Zenone,  ma  non  solo.  Soprattutto, rappresentano lo “stato dell’arte”della ricerca intorno al loro pensiero.

Per concludere. Parmenide e Zenone sophoi ad Elea è una gradevole e stimolante «conversazione» che effettivamente fa venir voglia di conoscere meglio i due sapienti, è un inno al loro genio, ma anche un invito a recarsi ad Ascea per camminare dove loro hanno camminato due milacinquecento anni fa. Per un lettore solamente curioso, il testo – riprendiamo la conclusione della Gardella nella presentazione allo stesso (p. 12) – si presenta come una sorta di paradosso zenoniano, certo più complesso: propone questioni nodali su co me può essere pensata la realtà (e lo fa attraverso le riflessioni di due menti geniali), lasciando ri flettere su di esse senza dare troppe spiegazioni. Per lo studioso di Zenone, il testo presenta alcune significative novità rispetto alle ipotesi proposte nel 2009, come nel caso di Parmenide, ma su quest’ultimo questo libro rappresenta una ricapitolazione dell’interpretazione che ne dà il Rossetti nella sua monografia,  che  certo  rimane un  fondamentale  strumento  di approfondimento, come poche altre.

Nonostante, infatti, come abbiamo accennato, il Rossetti non sia stato l’unico a rivalutare il sapere contenuto nella cosiddetta «seconda parte”del poema parmenideo, egli non lo fa nella stessa direzio ne perseguita da altri studiosi – che comunque cercano di ric onnettere,  da  varie  prospettive, questo  sapere  con  quello s ull’essere – ma nel considerare il sapere della «seconda parte”del poema suddiviso a sua volta in saperi diversi, irriducibili tra loro e rispetto al sapere sull’essere (p. 82-85, 96 e 119) e lo stesso «sapere sull’essere» irriducibile  a  quello  sulla  «razionalità  deduttiva”contenuto nello stesso frammento dove è discusso quello. Dunque il Parmenide proposto dal Rossetti è sì «un altro Parmenide”ma non «assolutamente irriconoscibile”(p. 85), se non per chi ne abbia conoscenza solamente dagli studi liceali.

Dal nostro punto di vista, lo studioso già da qualche anno sottopone una certa interpretazione dell’ontologia parmenidea, sedimentatasi con la tradizione metafisica, ad una sorta di “epoch é “(v irgolette d’obbligo), per ridare valore agli altri saperi che sappiamo professava il grande Maestro. Questa sua prospettiva rappresenta un “pol ý deris élenchos “degno di quello che la dea propone a Parmenide nel poema (cfr. il frammento B7), ma d’altra part e rischia di frammentare ulteriormente un pensiero che probabilmente non era così “compartimentato”come sembra concludere l’Autore.

Chiunque  voglia  approfondire  il  pensiero  di  Parmenide, qualunque  sia  il  suo  approccio  ad  esso, non  può perciò non confronta rsi con l’interpretazione che ne propone il Rossetti. Sia infatti che si tratti di Parmenide sia di Zenone (la cui interpretazione di ogni studioso non può che dipendere da come questi avrà letto il poema parmenideo) le sue letture hanno radici ben struttu rate e la forza di un’ argomentazione congrua.

Ovviamente il testo che abbiamo provato a raccontare può dare solo una pallida idea della profondità degli studi condotti da l Rossetti ma il palpabile entusiasmo con cui l’Autore ci racconta Parmenide e Zenone, che emerge da ogni pagina, dà anche u n’idea della passione che ha accompag nato questi studi in tanti anni e questo, anche da solo, crediamo valga la sua lettura.

Notas                   

1 Il libro qui recensito, «con piccole modifiche», come precisa l’Autore stesso a p. 7, è l’edizione italiana di un testo pubblicato in spagnolo l’anno precedente (Rossetti, 2019).

2 Queste pagine, l’indice, la presentazione di Mariana Gardella Hueso ed alcune pagine del secondo capitolo, si possono leggere in un estratto del testo che la casa editrice rende disponibile online all’indirizzo: http://blog.petiteplaisance.it/wpcontent/uploads/2020/01/Invito-alla-lettura_Parmenide-e-Zenone-sophoi-adElea.pdf (consultato il 22 luglio 2020).

3 Che non sono certamente da meno, come evidenzia l’Autore stesso ad ogni occasione. Per esempio, rispetto alle scoperte astronomiche di Parmenide, sottolinea il Rossetti, le teorie cosmologiche elaborate da Aristotele appaiono «tutte fantasie prive di qualunque riscontro”(p. 118).

4 Per farsi un’idea della ricchezza della «possanza», per dirla con l’Autore, epistemologica e scientifica che essi continuano ad avere, segnaliamo due testi, tra l’altro molto diversi tra loro: uno di Hofstadter (1984), in cui i personaggi zenoniani Achille e la Tartaruga accompagnano il lettore lungo tutto il libro in quella che l’autore definisce fin dal sottotitolo «Una fuga metaforica su menti e macchine nello spirito di Lewis Carroll»; l’altro di Mazur (2019).

5 “Piacevole”(p. 40-49) la spiegazione della differenza tra paradossi ed enigmi che punta a far capire come l’essenza di un paradosso, che ne garantisce la longevità, sia proprio la sua irresolubilità.

6 Per il Rossetti è «una mera fantasia» (p. 33) anche se sembra tenerne conto nell’indicare la cronologia di Parmenide (p. 30, n. 1).

7 Per l’approfondimento del concetto di «filosofia virtuale» nella terminologia rossettiana si rimanda a Rossetti, 2017 a.

8 Neanche vi fa cenno nelle conclusioni (p. 136) dove annota solo la «conquista» dell’interessamento a ll’omosessualità e le sue conseguenz e.

9 Ove il noto ‘mito della mela’ non vuole essere altro che la dimostrazione della superiorità dell’uomo sulla donna e dell’amore omosessuale maschile su ogni altro.

10 In questo  senso l’Autore, piu ttosto  che  accomunarlo  ad  Anassimandro, Anassimene, Eraclito, o Senofane, scrive che Parmenide «ha qualcosa in comune con Talete» (p. 124) il quale «difficilmente pervenne ad elaborare un suo modo di rappresentarsi la totalità» (p. 120-121).

Referências

CAVARERO, A. (1990). Nonostante Platone. Figure femminili nella filosofia antica. Roma, Editori Riuniti.

DE SANTILLANA, G. (1985). Fato antico e fato moderno. Milano, Adelphi.

GADAMER, H. G. (2018). Parmenide.A cura di C. Saviani. Traduzione di G. Bongo. Napoli, La scuola di Pitagora.

HOFSTADTER, D. H. (1984). Gödel, Escher, Bach: un ’Eterna Ghirlanda Brillante. Milano, Adelphi.

MANSFELD, J. (2015). Parmenides from Right to Left. Études platoniciennes 12, e ID=699.http://journals.openedition.org/etudesplatoniciennes/699.

MAZUR, J. (2019). Achille e la tartaruga. Il paradosso del moto da Zenone a Einstein. Milano, Il Saggiatore.

ROSSETTI, L. (2017 a). La filosofia virtuale di Parmenide, Zenone e Melisso. Uno sguardo a lle prossime Lezioni Eleatiche. Archai 21, p. 297-333.

ROSSETTI, L. (2017b).Un altro Parmenide. 2 vols. Bologna, Diogene Multimedia.

ROSSETTI, L. (2019). Parménides  y  Zenón, sophoí en  Elea. Traducción de Alejandro Mauro Gutiérrez et al. Buenos Aires, Teseopress.

Marco Montagnino – Università degli Studi di Palermo – Palermo – Italia. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Alejandro de Afrodisia. De la mixtura y el crecimiento – SALLES; MOLINA AYALA (RA)

SALLES, R.; MOLINA AYALA, José (Trads.). Alejandro de Afrodisia. De la mixtura y el crecimiento. México: Bibliotheca Scriptorum Græcorum et Romanorum Mexicana, Universidad Nacional Autónoma de México, 2019. Resenha de: CONSTANTINO, Genaro Valencia. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-6, 2020.

Ricardo Salles y José Molina, dos investigadores mexicanos, especialistas en filosofía antigua y filología clásica, quienes justo hace una década tradujeron para esta misma colección de clásicos griegos y latinos el texto περ ὶ τ ῆ ς ε ἱ μαρμένης (sobre el destino) de Alejandro  de  Afrodisia,  ahora  entregan  a  la  imprenta  de  la Universidad N acional Autónoma de México la traducción del περ ὶ τ ῆ ς κράσεως κα ὶ τ ῆ ς α ὐ ξήσεως (sobre la mixtura y el crecimiento), uno de los pocos textos de discusión y proposición filosófica propia conservados de quien fuera apodado el exégeta, pues las más conocidas  de  sus  obras  son  comentarios  a  diversos  tratados aristotélicos. Esta traducción no sólo es la primera realizada al español – existía únicamente una al inglés y otra al francés –, sino constituye una versión, por un lado, concebida por un equipo de investigación  interdisciplinario  con  una  importante  trayectoria académica en los estudios de filosofía antigua y, por el otro, publicada por la colección de autores grecolatinos más antigua de habla hispana, la Bibliotheca Scriptorum Græcorum et Romanorum Mexicana, que desde hace apenas un lustro, gracias a su nueva dirección y gran equipo editorial, ha comenzado una nueva época de traducciones bilingües.

Aunque esta publicación, por su propia temática filosófica, está dirigida a especialistas y estudiosos de la filosofía antigua, en especial de Alejandro de Afrodisia y la tradición aristotélica, gracias a la presentación de los contenidos puede ser consult ada también por estudiantes universitarios interesados en dicha materia, ya que la clara exposición permite acceder fácilmente a la obra del alejandrino, así como a toda la discusión circundante en que se enmarca el tratado, incluso sin un conocimiento sum amente especializado de la filosofía griega. El volumen en este espacio revisado cuenta con tres secciones fundamentales: la introducción, la edición del texto griego con una traducción confrontada al español y el comentario precedido de un glosario de voc abulario técnico filosófico.

La primera sección, la introducción, está dividida en dos partes, la primera biográfica y la segunda doctrinal. En la primera parte (p. XIII-XXVII), los autores presentan una biografía bien documentada, proporcionando la información más relevante para comprender el entorno filosófico de Alejandro, así como también el contexto político  y  cultural  en el  cual el “último aristotélico”, como atinadamente lo bautizaron, tuvo su ἀ κμή al ser puesto por los emperadores Severo y Antonino al frente de la escuela peripatética en  Atenas;  realizan  asimismo  una  valoración  de  la  actividad filosófica e influencia posterior de Alejandro, destacando su labor hermenéutica y “su intención de entender a Aristóteles a partir de Aristóteles mismo, y no de sus posteriores intérpretes”(p. XXI), una actitud indispensable que debe tener todo estudioso e historiador de la filosofía. En esta misma primera parte, reúnen una lista comentada de las obras conocidas de Alejandro, incluso las perdidas y las transmitidas por una traducción árabe, pues del conjunto de toda su obra se estima que sólo “se ha conservado una mínima parte”(p. XXIII): 1) comentarios a Aristóteles, 2) tratados mayores propios (y otros preservados en árabe), 3) compilaciones de discusiones c ortas (sobre  el  alma,  cuestiones  naturales  y  problemas  éticos),  4) fragmentos, otras obritas perdidas y espurias.

La segunda parte (p. XXIX-LXVI) de esta introducción está dedicada a describir y explicar con gran detalle el problema filosófico antiguo en torno a la mixtura. El tratado sobre la mixtura (de mixtione) e stá estructura do en dieciséis capítulos, dividido a su vez, según los autores, en dos bloques más perfectamente tematizados: 1) una introducción al tema y una exposición de las teorías pluralistas de la materia y 2) una exposición de las teorías monistas de la materia. Este complejo problema filosófico fue articulado, por parte de Alejandro, aduciendo, contrastando y polemizando las concepciones estoicas y aristotélicas, las pluralistas y monistas, para intentar explicar, dando por supuesto que las mixturas tienen lugar en la naturaleza, de qué manera son posibles:

La mixtura es un tipo particular de mezcla: una en la cual  los  ingredientes  están  presentes,  pero  que, paradójicamente, es un cuerpo enteramente homogéneo distinto de los ingredientes mismo. Un ejemplo  recurrente  de  mixtura  que  aparece  en Aristóteles, en los estoicos y en la polémica de Alejandro contra los estoicos, es el de la mezcla de agua y vino. Al unirse estos dos líquidos, pensa ban estos autores, se obtendría un líquido homogéneo que no es ni agua ni vino, pero que, a pesar de ello, contendría agua y vino. Tal líquido sería totalmente homogéneo porque, supuestamente, si lo dividiéramos en partes y éstas en partes menores, y así h asta el infinito, la división siempre tendría como resultado partículas de ese mismo líquido homogéneo que no es ni agua ni vino. No obstante, tal líquido contendría agua y vino porque el vino y el agua que se usaron para generarlo podrían en principio sep ararse de nuevo y extraerse  del  líquido,  lo  cual  probaría  que efectivamente ese vino y esa agua están ahí presentes de algún modo. Ninguno de los monistas pone en duda la posibilidad de mixturas. Todos ellos coinciden en que es algo real (p. XXX).

Se cierra esta introducción con una bibliografía (p. LXVII-LXXIV) actualizada y exhaustiva en torno a Alejandro, su producción y problemas específicos relacionados con el tema de la mixtura, asunto que, a pesar del interés por la figura y producción filosófica de Alejandro, no ha merecido hasta ahora demasiada atención, hecho comprobado por la escasa literatura crítica y vacío que este volumen pretende subsanar con la traducción y el comentario, pero también con la publicación y divulgación del texto en el ámbito h ispano, a fin de fomentar el estudio de toda la cuestión de la mixtura como tema de interés para los estudios en torno a la física griega antigua.

La segunda sección (p. 1-50) contiene el texto griego y, al frente, la traducción castellana; el texto griego se había publicado tres veces en la edición principal de Burns (1982), la traducción inglesa de Todd (1976) y la recientemente francesa de Groisard (2013), de manera que resulta bastante útil, para el especialista, esta nueva recensión del texto griego, dotado, aunque modesto, de un aparato crítico que da cuenta de las variantes coincidentes y divergentes que los tres editores referidos consignaron a partir de su lectura y fijación textual; en cualquier caso, la numeración empleada aquí sigue la edición de cimonónica de Bruns (1892). Respecto de la traducción, es de destacar y elogiar la redacción clara y sencilla en la versión castellana al expresar las ideas, conceptos y argumentos que, pese a su complejidad filosófica, se reprodujeron con un vocabulario uniforme cuando se trataba de pasajes específicos de carácter técnico, mientras que, como los propios traductores señalan (p. LXXVII), en otros casos se tradujeron, para su mayor comprensión, utilizando paráfrasis de ac ordes con el contexto particular de las ideas y frases.

La tercera sección se compartimenta en dos apartados. El primero está dedicado a la enumeración de términos técnicos y a un esquema  de  la  terminología  sobre  las  mixturas  utilizada  por Alejandro, Aristóteles y los estoicos. El segundo a la estructura lógica del tratado y al comentario. El primer apartado cuenta, por un lado, con un glosario de términos técnicos filosóficos (p. LXXVII) que tiene como objetivo ofrecer la correspondencia de los vocablos griegos con los castellanos, inventario que sirve también para la localización precisa del léxico filosófico empleado por Alejandro; por el otro, con una tabla comparativa (p. LXXX) de la nomenclatura sobre los tipos de mezclas (por mixtura, por yuxtaposición y por cofusión) recogida a partir de Crisipo, Alejandro y Aristóteles. El segundo apartado presenta, por una parte, la estructura lógica del tratado – repartida, a juicio de los autores, en siete componentes argumentativos – (p. LXXXI) y, por la otra, el minucioso y erudito comentario filosófico (p. LXXXII-CLXIX) de los dieciséis capítulos del tratado alejandrino, explicados todos ellos por lemas, aludiendo, en todo momento, a pasajes  de  otras  obras  filosóficas  antiguas  que  sustentan  sus anotaciones al texto.

En definitiva, este volumen, que da a la luz por primera vez al español una versión del texto con un comentario suficientemente profundo,  representa,  tanto  para  el  especialista,  como  para  el estudiante, una publicación de primer nivel y actualizada que ofrece al  público  universitario  una  obra  primordial  para  la  tradición filosófica de matriz aristotélica, con el propósito de propiciar los estudios especializados, no sólo sobre Alejandro de Afrodisia y su reflexión en torno a la mixtura y el crecimiento, sino también acerca de textos tardoantiguos que recuperan y discuten, en el área de la física antigua, el pensamiento filosófico griego.

Referências

BRUNS, I. (ed.) (1892). Alexandri  Aphrodisiensis  Præter Commentaria Scripta Minora. Quæstiones. De Fato. De mixitione. Supplementum Aristotelicum II.2. Berolini, typis et impensis Georgii Reimeri.

GROISARD, J. (trad.) (2013). Alexandre d’Aphrodise.

Sur  la Mixtion et la Croissance. Paris, Les Belles Lettres.

TODD, R. B. (trad.) (1976). Alexander of Aphrodisias on Stoic Physics. A Study of the De Mixtione with Preliminary Essays, Text, Translation and Commentary. Leiden, Brill.

Genaro Valencia Constantino – Universidad Panamericana – México – DF – México. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Sócrates y la práctica de la espiritualidad – GUTIÉRREZ (RA)

GUTIÉRREZ, D. Sócrates y la práctica de la espiritualidad. Avellaneda: Teseo, 2019. Resenha de: IVERSEN, Francisco. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-8, 2020.

La quaestio socratica, la pregunta por la vida y la obra de Sócrates, punza desde los orígenes de occidente. Muchos han asociado la vida efectiva del Sócrates histórico con la práctica que – supuestamente – el personaje Sócrates refleja en los primeros diálogos de Platón (Guthrie, 1971, p. 5-6). Por otra parte, Charles Kahn (2004, p. 35) señala que aunque los diálogos de Platón son – a su criterio – más vívidos y filosóficos que los otros diálogos socráticos 1 que conservamos, son tan ficcionales los unos como los otros. Má rsico (2014, p. 1-4) ha ido más allá, a lude a que Sócrates es una x vacía que adquiere una dimensión caleidoscópica dada s las grandes diferencias entre los pensamientos de sus tantos discípulos. Así, Platón – como l os demás discípulos de Sócrates – no queda completamente atado a las enseñanzas de su maestro (Clay, 1994, p. 39-45; Iversen, 2016, p. 18; Iversen & Remesar, 201 8, p. 1).

De este modo, inserto en este debate y en la línea de las propuestas de Hadot (1995; 2002) y Dodds (1973) respecto de los ejercicios físicos y espirituales asociados a la figura de Sócrates – y a la filosofía griega en general –, Daniel Gutiérrez se embarca en las oscuras aguas de la figura socrática. Así, Sócrates y la práctica de la espiritualidad se abre con un índice que lista siete secciones.

En “Comité editorial de la colección Pensamiento Antiguo”(Gutiérrez, 2019, p. 9-10) se señala el marco en el cual se publica el trabajo. Se trata de una obra de la colección dirigida por Cla ud ia Mársico y Est eban Bieda, enmarcada en su cátedra de Griego Filosófico en la carrera de Filosofía radicada en Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Buenos Aires. Se lista allí el comité editorial compuesto de una lista de grandes helenistas especialistas en diversas aristas del área oriundos de diversos lugares del mundo. La colección sigue mostrando, con este título, por un lado, el rigor filosófico, por otro, la originalidad y las preocupación por las áreas de vacancia – y los enfoques plurales y alternativos – que ya venía mostrando  desde  otras  obras  como El  enigma  de  Cleobulina (Gardella & Juliá, 2018).

Tras el listado del comité editorial y los agradecimientos, nos encontramos en la “Introducción”donde Gutiérrez admite seguir a Hadot (2002, p. 5) en su noción de “ejercicio espiritual ”. El autor, tras un somero pantallazo de su noción de ejercicio espiritual – ejercicio preparatorio focalizado en la interioridad del practicante que tiene p or objetivo el acceso al saber – señala que su obra estará dedicada a analizar la noción de “ejercicio espiritual”utilizando el caso de Sócrates como figura paradigmática. En una palabra, el libro reseñado  analiza  los  ejercicios  espirituales  que  habrían  sido practicados por Sócrates. En este sentido, G utiérrez expone su hipótesis de trabajo: Sócrates no era sólo un filósofo sino también un epimelétes (practicante de  la  espiritualidad), un phrontistés (meditador) y un symbouleutés (consejero de vida). Para él, de aquí se sigue que hay una interrelación entre filosofía y espiritualidad. El autor señala que muchos testimonios y fragmentos apoyan lo anterior y muestran que  Sócrates  desarrollaba  fundamentalmente  dos ejercicios: epimeleîsthai tês psychês/ heutoû (preocuparse del alma / de uno mismo) y phrontízein ti (meditar en algo). En este respecto, arma un corpus textual con tres grandes grupos de textos: de Platón, de Jenof onte y de Aristófanes. Posteriormente, esclarece el objeto de cada  capítulo: señala que  los  dos  primeros  son  propedéuticos mientras que el tercero es el núcleo de la obra y es seguido por una conclusión.

En la primera de est as dos secciones propedéuticas “1. El problema de la historicidad de Sócrates”el autor llama la atención respecto de que la falta de obra escrita por la pluma directa de Sócrate s amenaza con hacer caer al intérprete en un favoritismo especial en uno de los muchos aspectos que caracterizan a este personaje. A la vez, obliga a tomar un criterio filosófico y un corpus textual para determinar – indirectamente – la historicidad de la filosofía socrática. Esto le da pie a elaborar un completísimo estado da la cuestión donde lista las diferentes posiciones respecto de la reconstrucción del Sócrates histórico a partir de testimonios. El autor, tras señalar los principal es argumentos esgrimidos por cada postura, se alinea con el locus hermeneuticus que pone a todas las fuentes en pie de igualdad para deducir la historicidad de Sócrates, bajo el argumento de que las coincidencias entre diferentes fuentes alegan mayor posib ilidad de acierto respecto de un dato de la vida y obra de Sócrates. Tras poner el foco en los ejercicios espirituales, Gutiérrez señala que los testimonios que refieren a este respecto, en general, coinciden. El capítulo cierra haciendo una mención al problema de la autenticidad de las fuentes. Señala como problemático al Alcíbiades I de Platón, pero alega que no es un problema para su trabajo que la autenticidad de la obra no pueda ser categóricamente determinada, en tanto los testimonios que expone sean acorde s con los de las otras fuentes.

En el siguiente capítulo “2. La noción de eje rcicio espiritual”nos encontramos con el objetivo del mismo: esclarecer la noción de “ejercicio espiritual”y señalar los modos en los que se di o históricamente en Grecia. En este sentido, rescata la figura de Pierre Hadot, quien argumentó que el ejerci cio espiritual es inescindible de la vida filosófica desde el siglo IV a. C. hasta los primeros siglo s de la era cristiana. Distingue las nociones de “ejercicio espiritual”de Hadot y la de “técnica del yo”de Foucault: concluye que el ejercicio espiritual es una cierta experiencia “gestáltica”que involucra todos los aspectos de la psyché y que dichos ejercicios pueden ser clasificados bajo dos crit erios: la corriente de pensamiento a la que se afilian o el “aspecto espiritual”predominante en cada caso. Elabora, finalmente, una lista exhaustiva de los ejercicios espirituales nombrados en la filosofía antigua.

Tras los capítulos que él mismo llamo pr opedéuticos, se nos abre el núcleo del trabajo: “3. Sócrates, practicante de la espiritualidad”. En este capítulo, tendremos 6 subsecciones: “(a) La ejercitaci ón espiritual como propedéutica en la búsqueda del saber”, “(b) El ejercicio respiratorio”, “(c) el  ejercicio  del epimeleîsthai  tês psychês ”, “(d) el ejercicio del phrontízein ti ”, “(e) e xperiencia y expresión del lógos personal”, “(f) l a preocupación por la pólis ”. Las mismas están precedidas por una introducción general al capítulo y seguidas por el cierre del texto: “4. Reflexiones finales”y la bibliografía dividida en “(a) ediciones y traducciones”, “(b) instrumenta studiorum “y “(c) específica”.

Pasamos ahora a presentar algunos hitos que el lector halla en la lectura  del  capítulo  central  de Sócrates  y  la  práctica  de  la espiritualidad. En “(a) La ejercitación espiritual como propedéutica en la búsqueda del saber”nos encontramos con una fundamentación de la investigación de todo el libro basada en testimonios acerca de la vida de Sócrates. El autor muestra cómo era imposible para Sócrates entender la filosofía como algo abstracto y alejado de la vida. El ateniense entendía la filosofía como una actitud concreta que transformaba a quien la ponía en práctica.

En “(b) El ejercicio re spiratorio”nos presenta aquello que está en la base del rasgo más fisiológico de estos ejercicios que Sócrates habría practicado y enseñado según el autor: el empneîn. Gutiérrez, además, nos aporta los matices entre las diferentes fuentes de Platón, Jenofonte y Aristófanes que sustentan esto y entre aquellas fuentes – fundamentalmente los diversos misterios de iniciación filosófica y espiritual, Anaxímenes y Diógenes de Apolonia – que habrían inspirado tales enfoques y que habrían podido influir en la práctica del Sócrates histórico.

En “(c) El ejercicio del epimeleîsthai tês psychês “se enfatiza el lugar  de  importancia  que  tiene  tal  ejercicio  espiritual  y  su contraposición por el cuidado del cuerpo y de las cosas materiales: somáton y khrémata. En la línea de las críticas pla tónicas y, posteriormente, aristotélicas a la philopsykhía (Pl. Ap. 37c; L g. 12. 944e; Arist. V V 1251a), según  Gutiérrez,  Sócrates  habría predicado el cuidado de lo más propio e importante frente a lo mundano, secundario y desechable. Asimismo analiza los problemas que hay a la hora de distinguir los matices entre anthrópos, psykhé y heautoû y señala con craso apoyo textual en fuentes de los diversos autores que tal ejercicio es central para lo que más le importaba a Sócrates: obrar y decir auténticamente.

En “(d) El ejercicio del phrontízein ti ”, Gutiérrez profundiza sobre el carácter atópico que se le suele atribuir a Sócrates y señala que esto es debido a que su finalidad es transmitir la conjunción de este ejercicio y el anterior lo que implicaría tal trabajo con la interioridad que daría una apariencia muy inusual para quien pudiera ser testigo de aquella. El saber, para Sócrates, no deja de ser un trabajo con uno mismo que implica dejar todas las concepciones usuales. El autor ejemplifica esto con la refutación que hace Sócrates a Agatón en el Simposio.

En “(e) experiencia y expresión del lógos pe rsonal”pone en relación lo antes dicho con la celebérrima crítica a la escritura del Fedro de Platón y el hecho de que Sócrates no haya dejado escritos propios. Para el autor esto es consecuencia de que la enseñanza de la filosofía supone, no la memorizac ión de una letra muerta, sino un alma ejercitada y una palabra viva y genuina. De ahí que la enseñanza de la filosofía venga siempre acompañada de un consejo de vida: la conjunción de obrar y reflexionar.

Finalmente, en “(f) L a preocupación por la pólis “enfatiza el carácter intrínsecamente colectivo que supone la práctica socrática. Dicha idea rompe con la usual figuración del “filósofo en la torre de marfil”y busca empoderar la libertad del practicante en una experiencia  colectiva.  Ese  empoderamiento vi ene  con  un conocimiento del otro que amplía el conocimiento individual – dándose así el délfico “conócete a ti mismo”tanto en el individuo como en la ciudad – que posibilitaría la realización de una pólis más justa, libre y tolerante.

Para concluir, queremos señalar algunos loci hermeneutici que se hacen claros en la lectura del texto. Gutiérrez mantiene un puntilloso rigor terminológico y una admirable fidelidad a los originales griegos. Eso se pone de manifiesto en detalles tales como señalar las vocales largas y cortas o citar al celebérrimo diálogo platónico acerca del amor como “Simposio “– traducción más atinada que la más usual de Banquete. Asimismo, construye una imagen de Sócrates que podríamos llamar anti-nietzscheana. Si Nietzsche (1995, p. 109) en El  nacimiento  de  la  tragedia había  atribuido  a  Sócrates  una enemistad con lo corpóreo y dionisíaco, Gutiérrez aquí embate con esa propuesta y muestra un Sócrates que lejos de ser alguien que odia lo corpóreo es alguien que debió de haber reivindicado al cuerpo al punto de considerarlo – por la importancia que la da a los ejercicios espirituales y la relación de estos con el ámbito corpóreo – condición de posibilidad para toda filosofía e, incluso, parte central de aquella. De la misma manera, el autor cierra enfatizando la fertilidad de la noción de ejercicio espiritual para los estudios clásicos y la vacancia que hay actualmente en lo que a ellos refiere. La lectura de Sócrates y la práctica de la espiritualidad invita a un nuevo para digma para el estudio de la filosofía antigua y a romper estructuras decimonónicas en ese respecto. La línea presentada con el autor a compaña los últimos eventos en ese respecto como la fundación en 2018 – en Buenos Aires y a cuento del congreso “Socratica IV”– de la Sociedad Socrática que viene a señalar la importancia de los autores socráticos y a realizar la histórica reivindicación que implica ponerlos en pie de igualdad con Platón, Aristóteles, los llamados presocráticos y los llamados neoplatónicos que desde antaño tienen sus sociedades especializadas.

Referências

CLAY, D. (1994). The origins of Socratic dialogue. In: VANDER WAERDT, P. A. (ed.). The socratic movement. Cornell, Cornell University Press, p. 24-47.

DODDS, E. R. (1973). The Gree ks and the Irrational. Berkeley/ Los Ángeles / Oxford, University of California Press. (1ed. 1951)

GARDELLA, M.; JULIÁ, V. (2018). El enigma de Cleobulina. Buenos Aires, Teseo.

GUTIÉRREZ, D. (2019). Sócrates y la práctica de la espiritualidad. Avellaneda, Teseo.

GUT HRIE, W. K. C. (1971). A History of Greek Phylosophy.

Vol. 3, Part 2. Cambridge, Cambridge University Press. (1ed. 1969)

HADOT, P. (1995). Qu’est-ce que la philosophie antique ? Paris, Gallimard.

HADOT, P. (2002). Exercises spirituels et philosophie antique. Paris, Albin Mitchel. (1ed. 1993)

IVERSEN, F. (2016). ¿Platón como personaje aristofánico del Hipias Mayor? Controvérsia 1, p. 18-22.

IVERSEN, F.; REMESAR, J. M. (2018). The Republic: an evening of dialogue in honor of Bendis ? Ponencia en el IV Congresso de la Asociación Internacional de Estudios Socráticos – Socratica IV, 13-16 de Noviembre de 2018. Buenos Aires, Universidad de Buenos Aires.

KAHN, C. (2004). Plato and the Socratic Dialogue.

Cambridge, Cambridge University Press. (1ed. 1996)

MÁRSICO, C. T. (2014). Fragmentos de los socráticos.

2 vols. Buenos Aires, Losada.

NIETZSCHE, F. (1995). El nacimiento de la tragédia.

Trad. Á. Sánchez Pascual. México, Alianza. (Pub. orig. 1905)

Nota

1 A partir del análisis de Retórica aristotélica y de los escritos de Isócrates, muchos sostienen que en la antigüedad existía el diálogo socrático como género literario. Es en este género que se incluyen las obras de los distintos representantes de las filosofias socráticas. Véase a este respecto v.g. Clay, (1994, p. 23), Guthrie (1971, p. 5-7) y Hadot (1995; 2002).

Francisco Iversen – Universidad de Buenos Aires – Buenos Aires – Argentina. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic – ARRUZZA (RA)

ARRUZZA, C. A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic. Oxford: Oxford University Press, 2019. Resenha de: MAIA, Rosane de Almeida. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-15, 2020

Diante de tudo que foi visto, conclui-se que a natureza filosófica corrupta “é um perigo para a cidade”(Arruzza, 2019, p. 258). Sócrates parece estar advertindo Atenas sobre os riscos que rondam a cidade que se descuida do ambiente adequado para que a filosofia floresça. Portanto, abrir mão do comprometimento político revela-se moralmente indesculpável para a cidade justa. Onde quer que se encontrem as circunstâncias apropriadas, os filósofos devem aproveitar a sorte (kairos) para salvar a cidade.

Assim é encerrado A Wolf in the City: Tyranny and the Tyrant in Plato’s Republic (“Um Lobo na Cidade: Tirania e Tirano na República de Platão”), livro de Cinzia Arruzza, recém-lançado pela Oxford Press. A autora já é conhecida no Brasil, uma vez que publicou, em 2019, “Feminismo para os 99% – um manifesto”em coautoria com Tithi Bhattacharya e Nancy Fraser.

Antes de mais nada, é preciso ressaltar que Arruzza demonstra na investigação, e na exposição, um didatismo indispensável tanto para estudiosos do período grego clássico, como para o público em geral. Toma a mão de leitores para conduzir nesse árduo caminho, não se importando quão complexa possa ser a argumentação e não se perdendo no emaranhado prodigioso de argumentos contraditórios e na polissemia desencadeada pela leitura dos diálogos platônicos. Em especial da República, que, num primeiro momento, pode frustrar a boa vontade e o interesse de estudantes e curiosos recém-chegados no mundo platônico.

I

Já na introdução, Arruzza aponta a principal questão da milenar exegese da República de Platão, obra notável pelo difícil enquadramento em nossas estreitas áreas de conhecimento. O problema consiste na disputa em torno da definição de seu escopo. Os intérpretes apontam ora a virtude da justiça, ora as formas de governo como o principal objetivo da República. Seguindo as pistas de Próclo1 (séc. V d.C.), Arruzza afirma que o método apropriado de interpretação deve levar em conta forma, conteúdo, componentes dramatúrgicos e narrativos que convergem para a articulação em um único escopo. A solução para o dilema consiste em harmonizar os topoi, considerando que a discussão sobre a justiça na alma e a forma justa de governo não permite separação, nem ordenamento hierárquico (entre objetivos primários e acessórios), na medida em que não há distinção entre a justiça no indivíduo, na vida privada ou na cidade. Para Arruzza, a ressalva de Próclo expõe a tradição interpretativa do diálogo, que sempre se notabilizou pelas querelas e adesões ferrenhas aos polos considerados antagônicos. Como Vegetti (2010), a autora considera que a melhor maneira de se vislumbrar a unidade do escopo não é reduzir sua complexidade, mas adquirir uma compreensão plena das conexões entre seus tópicos. A psicologia moral, que recentemente tem se tornado o objeto de investigação preferido da academia, não pode ser facilmente desconectada da política. Para Arruzza, a República nos oferece uma conversa filosófica cuja preocupação não é só com as vicissitudes da alma individual, mas com a alma do povo que vive na comunidade política sob a mesma constituição. A dinâmica estabelecida entre alma e cidade é, portanto, o seu leitmotiv (p. 4). Não se trata apenas de considerar que cidade e alma são análogas, mas que estão inseridas em uma relação recíproca de determinação causal, em que os contextos sociopolítico e cultural moldam tipos específicos de alma e que, vice versa, as virtudes e vícios dos cidadãos definem as feições da cidade. Seria inócuo o esforço de compreender o que anda errado na política da cidade corrupta sem perscrutar sua degeneração moral, como também os efeitos desses desvios sobre a alma do indivíduo.

Na conclusão, Arruzza busca tirar as consequências profundas, que tanto incomodam a sensibilidade moderna, sobre a tirania presente no diálogo República. Até onde diz respeito ao argumento político, a análise de Arruzza reposiciona sutilmente Platão entre aqueles abertamente antidemocráticos no panteão dos teóricos políticos, porém destacando a singularidade e a complexidade de sua análise. Ao mesmo tempo, abstêm-se de caricaturá-lo como um pensador político de um suposto protototalitarismo.

É importante ressaltar que, para Arruzza, a dimensão antidemocrática do logos político de Platão não significa que os leitores democratas contemporâneos não tenham nada a aprender com a crítica platônica da democracia. As lições relevantes podem ser alçadas de uma interpretação totalizante. Se o objetivo da investigação sobre a tirania é evidenciar a corrupção moral dos jovens dotados intelectualmente e inseridos em um contexto democrático, tanto como os riscos de perversão do talento filosófico no âmago da personalidade tirânica, então Platão estaria alertando sobre a tensa relação entre o objetivo de uma vida filosófica frente à realidade política da cidade corrupta, na qual a vida filosófica parece estar destinada a se realizar. Portanto, clama pela necessidade de uma sintonia entre o ideal do governo filosófico (em termos da Kallipolis desenhada no livro V) e a motivação para perseguir o bem comum naqueles que venham adquirir o poder político.

II

Ao combinar a análise histórica contextualizada com o exame dos argumentos filosóficos, Arruzza busca investigar os discursos políticos associados à tirania (e democracia) e à natureza e dinâmica da alma do tirano. Não visa, contudo, traçar um panorama da teoria política nos diálogos platônicos, 2 nem tampouco adentrar nos problemas concernentes às abordagens ditas evolucionistas ou unitaristas do corpus platônico, embora, quando preciso, traga em auxílio passagens do Górgias, Banquete e Fedro para lidar com as

relações entre eros, oratória e política, por exemplo. Arruzza mostra-se interessada no debate contemporâneo sobre a suposta teoria política da democracia em Platão somente ao constatar que, nos anos recentes, um grande número de publicações possibilitaram leituras pouco matizadas. É necessário desafiar a visão comum de que a República articula uma crítica aos princípios e às práticas democráticas do séculos V e IV a.C. em um projeto antidemocrático. À luz de tropos literários que o filósofo mobiliza (e da função que exercem no discurso político democrático), a autora pode concluir que a crítica de Platão não é um mero julgamento dos governantes tirânicos em voga mas, para além disso, é a chave principal para se entender a democracia. O tirano na República é, por seu turno, a figura teorética que corresponde a uma forma específica de liderança democrática desenvolvida em Atenas no último quartel do século quinto do período clássico.

Arruzza se detém, assim, na questão controversa acerca da identidade da “figura histórica”do tirano e do governante, em Platão. Contra a suposição de que a matéria prima para sua representação sejam tiranos famosos da história grega, a autora enfatiza os elementos convencionais da descrição de Platão e mostra a apropriação dessas caracterizações pré-existentes na literatura grega antiga. Considera que a adoção desse tropos literário reflete a estratégia argumentativa de Platão para o desfecho: a tirania é a derivação natural da democracia, ao invés de seu polo oposto (p. 9). Ao investigar a dimensão histórica desse enunciado, advoga que a principal inspiração para a representação do tirano em Platão não é o tirano real, a exemplo do jovem Dionísio de Siracusa, mas sim um tipo específico de líder democrático oportunista. Desse ponto de vista, o diagnóstico platônico do tirano propicia a conspícua intervenção de Platão no debate sobre as transformações em curso na relação do líder político com o demos na crise da democracia nas últimas décadas do séc. V a.C. Esta transformação vista em perspectiva, tal como o faz a República, indica que a democracia “gera”a tirania. Recorrendo à terminologia botânica, Platão pode explicar essa decorrência inexorável vis-à-vis a degeneração dos outros regimes de governo e avançar para um ponto delicado

concernente ao exercício da democracia ateniense: “o demos é o pai da tirania”(p. 117). Assim, chama a atenção para duas questões igualmente polêmicas: 1) os efeitos corruptores dos mecanismos institucionais da democracia e das ações coletivas do demos quando atua como um corpo soberano; 2) a similaridade entre os apetites naturais do demos e de seus líderes políticos, uma vez que a figura do tirano encarna (e individualiza) características fundamentais do demos enquanto corpo coletivo político.

Dadas essas questões gerais, passaremos a destacar alguns pontos específicos, que consideramos pertinentes para a reflexão sobre tirania no debate contemporâneo.

III

Arruzza apresenta o tropos literário que se dedica à ti rania na Antiguidade Clássica. Nesse contexto, examina o papel que a literatura tirânica e antitirânica tivera para o propósito de oferecer ao cidadão  democrata  um  espelho  invertido,  no  qual  é  possível contemplar a prática democrática. A representação da tirania, odiada e altamente estilizada, passa a ter uma relevância crescente para a autocompreensão democrática da pólis. Nas Vespas, Aristófanes parodia a obsessão da Atenas democrática com a tirania em uma fala mordaz proferida por um Bdelicléon exasperado:

Oh, tudo é “tirania”ou “conspiração”para você, não importa se a acusação é um ato grande ou pequeno! Pelos últimos cinquenta anos eu não havia escutado a palavra “tirania”, e agora ela é mais barata do que peixe salgado, e seu nome é escarrado de boca em boca no mercado. (Ar. V. 488-492; Arruzza, 2019, p. 21)

Nessa representação discursiva, emergem questões inquietantes (p. 9): apropriação privada dos bens comuns da pólis, cerceamento da liberdade 3 desfrutada entre iguais (homoioi), abolição da liberdade de fala e da igualdade perante a lei (isonomia, isegoria e isokratia), falta de moderação, violência excessiva e arbitrária, excessos sexuais, impiedade,  e  falta  generalizada  de  medida,  ou  de  controle (sophronein) – lembremos do preceito apolíneo em Delfos, “nada em excesso”. Ao constatar os riscos envolvidos, seria suportável para o cidadão ateniense as perdas de conquistas históricas?

De uma maneira paradoxal, concomitante a essa contraposição, o poder crescente do demos ateniense e a dominação imperialista de Atenas sobre as demais pólis gregas seriam ambos tachados como tirânicos,  não  apenas  pela  oposição  antidemocrática  e  pela propaganda pró-Esparta, mas também por lideranças democratas e poetas. Considere-se a louvação à igualdade política e à liberdade individual e coletiva nas tragédias de Ésquilo, a prosa de Heródoto e oratória  de  Péricles,  Protágoras  e  Demóstenes,  dentre  outros exemplos detalhados pela autora (ver cap. 1). A complexidade da caracterização da tirania e dos tiranos – e sua relevância para a vida institucional e política de Atenas – é o pano de fundo para a intervenção de Platão no debate que se travava, envolvendo poetas, tragediógrafos, comediógrafos, historiadores, oradores e filósofos. O tema da usurpação de direitos e benefícios pertencentes a todos os cidadãos no regime democrático incide sobre a avaliação da tirania. De outro lado, destaca-se simultaneamente a apreciação da hybris ilimitada do tirano, que se eleva acima dos demais cidadãos, agindo de forma possessiva e f ascinante diante do poder absoluto e irrestrito. Como apontado por Arruzza, vislumbram-se traços desse fascínio em Tucídides e Aristófanes, como também na ideia de felicidade nas falas de Polo, Cálicles e Trasímaco no Górgias e na República de Platão, com seus ecos em Xenofonte. Enquanto o tirano é odiado e rejeitado como estranho à pólis democrática e à sua moralidade, a sua representação amalgama desejos ambíguos, refletidos na ideia de suprema felicidade desfrutada em virtude de sua irrestrita liberdade e acesso à riqueza, despertando o comportamento mimético do demos. Ironicamente, a ambivalência arcaica de evasão e devotamento, de pavor e encanto, torna-se reflexiva. 4

As propriedades do tirano descritas nos livros VII a IX da República decorrem dessa discussão pública, em que tal imagem aparece em toda a eloquência de Platão: é ganancioso, licencioso, violento, intemperante e, ainda, um “erotomaníaco sem regras”(p. 14). Além do mais, explora o demos, mata e exila todas as pessoas virtuosas e proeminentes da cidade, rouba a propriedade da cidade e dos cidadãos, constantemente exalta guerras, vive em um isolamento paranoico  e  eventualmente  devora  a  cidade  como  um  animal selvagem a sua presa. Enquanto se revela enganoso tentar identificar o tirano de Platão com um político ateniense qualquer, alguns de seus traços fazem alusão aos políticos oportunistas conhecidos – em particular Alcibíades, quem, alternadamente, defendeu a democracia, flertou com a oligarquia e aspirou ao poder absoluto, tudo em conjunção com as voláteis circunstâncias. Arruzza indaga se, para os intérpretes, o tratamento de Platão ao tirano seria, sob certa extensão, um mero documento histórico que carrega uma condenação ao tirano real em seu contexto histórico, munido de referências aos textos que circulavam na época. Contudo, para Arruzza, tais leituras terminam por negligenciar o significado da mobilização que Platão promove desse acervo público contra a tirania. Assim, a adoção de tropoi da literatura convencional teria uma intenção argumentativa precisa, voltada para uma função precípua de autocompreensão ateniense. O tratamento dado à tirania não seria um ataque subtextual contra essa liderança histórica, mas uma rigorosa reflexão teorética acerca de sua natureza e, principalmente, uma intromissão no debate concernente à transformação da relação política entre líder e demos em curso.

 

IV

Qual o sentido de se definir o demos como tirânico? Essa é uma das questões mais instigantes da leitura de Arruzza. Inicialmente, a autora considera que essa identificação expressa, de um lado, a ausência  de  um  governante  acima  do demos e,  de  outro,  a concentração do poder decisório em poucas mãos – uma concepção expressa, por exemplo, em Isócrates (p. 115). Seria lógico que essa identificação ocorresse no sentido de que a coletividade cidadã compartilha o poder “absoluto”, riqueza e liberdade desfrutados pelo tirano. Obviamente, o aspecto negativo dessa associação (demos-tirano) coexiste com o positivo: na literatura antidemocrática, a tirania do demos é entendida como o setor pobre da população que dominaria a elite democrática. Veja-se como exemplo disso, entre outros, A Constituição dos Atenienses de Pseudo-Xenofonte. Porém, a acusação tomada como parte da propaganda antidemocrática deve ser claramente diferenciada de um mero elogio do despotismo, conforme  encontrado  em  Aristófanes  (p.  37).  Os  aspectos contraditórios não se encerram aqui. Tão polêmica quanto essa questão é a identificação de uma suposta excepcionalidade que legitimaria os atos tirânicos. As representações trágicas do tirano partilham de elementos semelhantes daquelas histórias de Heródoto, cujas descrições como monstros morais são amplamente difundidas pela doxa da cidade. Excesso aparece de forma transversal: excesso de ganância, de licenciosidade, de arrogância, de força, de erotismo. Essa natureza excessiva do tirano seria motivo de uma disrupção na ordem da pólis, revirando as normas de cabeça pra baixo, rompendo as   convenções,   pervertendo   os   costumes   tradicionais   e problematiz ando as fronteiras entre o divino e humano. Sendo o tirano (encenado nas tragédias do séc. V e IV a.C.) aquele que condensava características opostas ao modelo dominante de uma pessoa sábia e livre, ele teria se tornado um bode expiatório (p. 38), ou seja, um ídolo polêmico que incorpora tudo que a pólis rejeita como diferente e negativo. Um homem conciliado com a besta fera – o lobo 5 – e que ameaça devorar a cidade inteira.

Daí, mais outras propriedades dos tiranos são extraídas das narrativas  biográficas, em  especial  nas  tragédias:  bestialidade, impiedade, hybris, paranomia (transgressão às leis e costumes) e eros excessivo. Antes de se ater ao erotismo enfatizado na República, Arruzza adiciona inúmeras referências literárias. Assim, a conexão entre o pode r tirânico e eros mostra-se mais compreensível à medida que se considera eros, na Grécia Clássica, como a uma categoria política de máxima relevância. Nesse contexto, eros pode evidenciar a origem de uma matriz de diferentes paixões – de ambição até patriotismo – e ser conceituado ao longo de um continuum que se estende do amor à cidade ao amor entre cidadãos, passando pela licenciosidade  sexual  dos  tiranos.  As  características  negativas revelariam a interface com os aspectos valorados positivamente, notadamente a capacidade intelectual (“simply put, the tyrant is no dummy”p. 39), ao que Arruzza irá dedicar muitas páginas no capítulo 6, porém com pouca capacidade persuasiva.

V

Na segunda parte do livro, Arruzza dedica-se à investigação da psique do tirano, considerando, conforme Platão, as três partes da alma:  a  parte  apetitiva  (ephithymetikon),  a  parte  espirituosa (thymoeides) – que poderia ser traduzida por impetuosa – e a parte racional  (logistikon). A  autora  destaca  que  os  comentários acadêmicos sobre a psique do tirano têm focado na parte chamada de apetitiva e em eros (cap. 5). Essas são consideradas as principais motivações das comentadas psicopatologias dos tiranos, sendo que pouco se menciona acerca das partes atribuídas à razão e ao espírito e ao pro cesso que conduz a uma “escravização do espírito”(p. 213) no tirano. Sua intenção é problematizar esse foco nos desejos básicos e enfatizar os papéis específicos desempenhados pelas outras duas partes da alma do tirano, para entender a complexa dinâmica psicológica verificada no homem tirânico descrito no livro IX.

Arruzza expõe a lógica, ou seja o racionale, da definição do tirano como um tipo de homem erótico e apetitivo, concentrando-se na “ganância”(p. 148) como seu predicado singular e extravagante. A análise da natureza da parte apetitiva da alma tirânica é situada no âmago do debate sobre a tripartição da alma, com o objetivo de esclarecer o seu desregramento. Vale dizer, a falta de leis é o objeto de desejo típico do tirano (cap. 4). Para Arruzza, esse esforço de análise responde à controversa questão sobre a natureza do eros do tirano, considerado como “sexual”, contudo não igualado ao apetite. Esse  ponto  será  remetido  posteriormente  à  conexão  que  será estabelecida entre eros e a relação entre o homem tirânico com o poder político, mediante o exame da politização de eros, do uso disseminado de eros como categoria política na literatura grega entre os séculos V e IV a.C.

Resta ainda destacar a explicação para o título do livro de Arruzza, no capítulo 5. Essa concentra-se no papel que o “espírito”(thymoeides) exerce na alma tirânica, cuja irracionalidade impetuosa impele o tirano para atos danosos que desvelam sua necessidade incontrolável de autoafirmação. É descrita a dinâmica em que o espírito desempenha uma função crucial na configuração da psique própria do tirano, à medida que toda a sua alma vai se “inflamando”(p. 186) pela parte apetitiva (ephithymetikon). De fato, o forte e vivaz espírito  do  tirano,  embora  escravizado  p ela  parte  apetitiva,  é determinante no seu apego ao poder, ódio e violência. As duas seções do capítulo estão enlaçadas pela metáfora animal. O lobo – animal associado com o tirano na República – é a metáfora, por excelência, para o espírito corrupto do tirano.

A reflexão se encerra com o papel da parte racional (logistikon) do tirano. Com base no livro VI da República, Arruzza explora a hipótese de que o tirano pode ser dotado de uma forte capacidade intelectual. Nessa medida, o tirano é um exemplo da completa perversão moral na pessoa dotada de uma inteligência excepcional. Ademais, examina o tópico do tipo de loucura atribuída ao tirano e sua conexão com as suas respectivas crenças negativas com respeito ao “bem”. Chega-se ao final, não sem uma forte sensação de incômodo, à problemática identificação do tirano e a natureza filosófica extraviada ou, diga-se melhor, o que é próprio de um filósofo desnaturado.

VI

Por fim, o tratamento dispendido por Platão ao tirano (nos livros VII e IX) é o ponto culminante da argumentação sobre a natureza da injustiça e  sua  relação  com  a  felicidade  e  infelicidade. No diagnóstico de Platão, tirania é uma forma de regime própria de um tipo específico de homem apetitivo, cujo grau de corrupção da moral é difícil (senão impossível) de estimar dentro de um processo de reforma moral. Sua psicopatologia (p. 142) é exacerbada pelos impactos  corruptores  que  os  mecanismos  de  poder  absoluto acarretam sobre a alma. A acusação de Platão à tirania dá-se em duas vertentes: 1) é o regime mais apto para a liderança de um homem dominado pelos mais básicos apetites da alma; e 2) é um regime nutrido por uma doença psíquica específica que afeta o tirano, pressionando-o a realizar as ações mais terríveis. Vê-se aqui a influência recíproca e o efeito da imposição deletéria do “espírito”sobre a alma e a cidade. Para Arruzza, o cenário dramático e algumas referências históricas encontradas no diálogo sugerem que Platão considerava o período como sendo decisivo para a crise política e ética, com consequências duradouras para a Atenas do século IV. A figura do tirano platônico, como um tipo de líder político oportunista capaz de cultivar uma relação instrumental com o demos e de aspirar um poder absoluto visando satisfazer seu hedonismo poderia ser nefasta para a pólis. Aqui cumpre lembrar o paradigmático fato recente da política brasileira, em que a tomada do poder pelo presidente em 2018 foi o desfecho propiciado pela prisão do principal adversário e sua exclusão das eleições majoritárias, com o recurso à chamada Lawfare.

Arruzza destaca que o segundo nível de sua análise é o “político-filosófico”. Nesse âmbito, o diagnóstico do processo de corrupção política e moral articula uma complexa interpretação sobre a natureza do poder político e seus abusos, além da relação entre as condições políticas e sociais e a formação dos tipos de caráteres dos cidadãos. Nesse sentido, o tirano de Platão é o “filho”da democracia ateniense. Como vimos anteriormente, os mecanismos institucionais próprios da democracia conferem uma autoridade suprema ao demos e suas opiniões, em nome da igualdade política. Isso torna os líderes políticos subalternos ao ethos democrático (apetitivo e hedonista, segundo  Platão),  forçando-os  a  serem  assimilados  por  estes mecanismos ao invés de assumirem um papel educativo das massas.

Em síntese, o tratamento dado à tirania por Platão combina uma dimensão “contextual”6 e outra “político-filosófica”, que transcendem o contexto histórico propriamente dito. No plano político, Platão equipara a desunião (p. 170) – típica de uma guerra civil que faz combalir a cidade – a uma doença, descrevendo a gênese de cada regime e a natureza conflituosa dos interesses entre as partes da cidade. No plano moral e psicológico, é articulada uma taxonomia “sociopsicológica”(livro VIII) e uma crítica aos princípios morais que regem cada tipo de governo (aristocracia, oligarquia, democracia, tirania),  para  demonstrar  suas  insuficiências  e  revelar  a correspondência entre corrupção moral da alma individual e doença política e moral da cidade. A degeneração sociopolítica de cada tipo de regime contribui para moldar os respectivos tipos de personalidade e formas de corrupção moral que, por sua vez, afetam a natureza e a dinâmica dos regimes, em um processo circular. Para Ar ruzza, esse é o porquê de o logos sobre a moral psicológica em Platão não poder ser desatrelada do político, nem vice-versa.

Não seria justo encerrar essa resenha sem aplaudir as qualidades da pesquisadora Arruzza, pelo árduo trabalho de esgrimir contra e a favor das mais diversas interpretações da República e de levantar uma miríade de argumentos de grande envergadura; tudo em prol do rigor acadêmico e da mais genuína honestidade intelectual.

Nota                     

1 Procl. Rem. Pub. 7.5-11.4.

2 Note-se que pesquisadores contemporâneos estariam especialmente interessad(e)s no debate emoldurado pelas teorias políticas liberais, liberalpluralistas, comunitaristas, marxistas, da justiça, da democracia, de gênero, teoria crítica, dentre tantas outras que refletem sobre o poder nas relações humanas.

3 Liberdade é aqui entendida tanto como estar livre da sujeição a um governo despótico, como livre para exercer o igual direito de participação no governo da cidade.

4 O comportamento mimético despertado nas massas, com toda a sua ambivalência, foi analisado por Horkheimer & Adorno (2002), para decifrar o falso retrato da terrível mímesis no nazismo hitlerista, em que o impulso mimético traz a promessa de felicidade sem poder (p. 157 e 161).

5 “The tyrant is often associated with wild beasts-often with wolves and to a lesser extent with lions – to emphasize his savagery, which turns all his subjects into possible prey. This association is an ancient one: we can find an early example of it in Alcaeus’ anti-tyrannical poetry, where the poet depicts Pittacus of Mytilene as intent on dev ouring the city. This description echoes the Homeric Achilles’ derogatory reference to Agamemnon as a δημοβόρος (a devourer of his own people). In Aeschylus’ Agamemnon, Cassandra calls Aegisthus a “wolf”: Aegisthus personifies a set of tyrannical traits, a s he is a hubristic figure, sleeps in a bed that does not belong to him, and aspires to rule over Argos without having any religious or dynastic justification for his rule (Ag. 1258-1260). Moreover, immediately after the assassination of Agamemnon, the cho rus mentions tyranny twice: first to denounce Aegisthus’ and Clytemnestra’s tyrannical plot, and then to emphatically declare that death is preferable to tyranny (1354-1355 and 1364-1365). The trope of the wolf reappears much later, in Diodorus Siculus’ ac count of an episode from Gelon of Syracuse’s childhood (Diod. Sic. 10.29)”. Arruzza, 2019, p. 39.

6 Para Arruzza, não é precisamente histórica. Note-se, porém, que pode articular um debate específico estimulado por um conjunto de eventos históricos

Referência

HORKHEIMER,  M.;  ADORNO,  T.  (2002). Dialectic  of Enl ightenment. Philosophical Fragments. Ed. by Gunzelin Schmid Noerr. Trans. by Edmund Jephcott. Stanford, Stanford University Press.

VEGETTI, M. (2010). Um Paradigma no Céu: Platão político de Aristóteles ao século XX. Trad. Maria da Graça Gomes de Pina. São Paulo, Annablume.

Rosane de Almeida Maia – Universidade de Brasília – Brasília – DF – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

O Belo em Platão – QUINÁLIA (RA)

QUINÁLIA, R. O Belo em Platão. São Paulo: Liber Ars, 2019. Resenha de: DINUCCI, Aldo Lopes. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-4, 2020.

O livro intitulado O Belo em Platão, de Rineu Quinália, parte do diálogo platônico Hípias Maior. Até algum tempo atrás colocado em os diálogos espúrios de Platão, a obra apresenta uma interessante interseção entre elementos ‘socráticos’, dentro de uma tradição de comentário que considerava que os diálogos da juventude de Platão reproduziam o pensamento do Sócrates histórico.

Segundo importante s e influentes comentadores, como Terence Irwin e Gregory Vlastos, o s diálogo socráticos, ou da juventude de Platão (Apologia, Críton, Carmides, Eutífron, Eutidemo, Hípias Menor, Íon, Górgias, Protágoras e Livro I da República), se caracterizariam sobretudo pela ausência de argumentos em favor da imortalidade da alma, por apresentarem uma concepção monista da alma humana (a alma humana possuiria apenas a motivação racional, pelo que a tese da impossibilidade da akrasia – fraqueza da vontade – é afirmada diversas vezes), por serem exclusivamente morais e por serem aporéticos. Em todos eles, o inquérito socrático (elenchos) é aplicado, e os diálogos terminam sempre com a demonstração de que o  interlocutor de  Sócrates não  sabe  o  que  pensava  saber. A justificativa para a aplicação de tal inquérito nos é dada por Sócrates na Apologia, que se considera como o primeiro escrito filosófico de Platão. Nesta obra, Sócrates explica que, a partir do oráculo délfico que afirmara não haver humano mais sábio que ele, começara a investigar se aqueles (políticos, generais, artesão s) que tinham a pretensão e a fama de serem sábios de fato o eram. E, após aplicar-lhes o inquérito, descobriu a diferença entre ele e os supostos sábios: ele sabia não saber, enquanto eles pensavam saber o que não sabiam. Disso, Sócrates conclui que todo humano que compreenda não possuir sabedoria completa, acabada e divina, atinge a mesma sabedoria que ele, Sócrates, reconhecendo que a sabedoria humana é pouco ou nada se comparada à sabedoria dos Deuses.

Ora, a partir deste cenário, a tese que Rineu Quinália procurará demonstrar que o Hípias Maior não se enquadra nos ditos diálogos socráticos ou aporéticos de Platão. Para Rineu, o Hípias Maior não faz parte de tais diálogos da juventude, pois não se limita a “representar uma forma primitiva do diálogo socrático na sua estrutura mais simples”: no Hípias Maior, Platão dá os primeiros passos no desenvolvimento de uma teoria que será fundamental em seu pensamento: a teoria da Ideia do Belo, pelo que a discussão no referido diálogo, embora partindo de um panorama moral e prático comum  aos  diálogos  da  juventude  de  Platão,  aporta  em  uma discussão metafísica, indo além da comum aporia dos diálogos socráticos. Demonstrar tal tese, portanto, é a tarefa a que se propõe nosso Rineu Quinália no presente trabalho.

U m dos méritos do presente trabalho é partir de um genuíno e interessante  problema  dentro  do  campo  das  investigações plantonistas. O diálogo Hípias Menor, por ser problemático em aspectos taxonômicos, ficou por boa parte do século XX relegado ao esquecimento pelos plantonistas, embora, como Rineu destaca, seja de extrema importância dentro desses estudos por representar uma ponte entre o Platão socrático e o Platão maduro.

Outro mérito do trabalho de Rineu é a precisão e a simplicidade da linguagem, pelo que a presente obra, embora confeccionada para a Academia, é acessível a qualquer pessoa que tenha interesse pelas questões da Antiguidade em particular e da Humanidade de modo geral.

Por fim, tive o privilégio de ter Rineu como colega há alguns anos na Universidade Federal de Sergipe. E era sempre um prazer vê-lo em sua sala, afundado entre livros, como um nobre renascentista, dedicando-se a pesquisar por horas e dias a fio, com amor pela tarefa. Este trabalho é fruto d estes esforços que testemunhei.

Este livro, tanto pela linguagem ao mesmo tempo acessível e tecnicamente correta, é de interesse seja para especialistas da área de filosofia antiga seja para o leitor comum.

Referências

QUINÁLIA, R. (2019). O Belo em Platão. São Paulo, Liber Ars.

Aldo Lopes Dinucci – Universidade Federal de Sergipe – Aracaju – SE – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Venticinque studi sui preplatonici – CASERTANO (RA)

CASERTANO, G. Venticinque studi sui preplatonici. Pistoia: Petite plaisance, 2019. Resenha de: SANTOS, José Gabriel Trindade. Revista Archai, Brasília, n.30, p 1-7, 2020.

A Obra em apreço é uma coletânea de estudos, publicados entre 1976 e 2015, dedicados aos pensadores habitualmente chamados “presocráticos”, aqui acompanhados pelos sofistas. Precedida de quatro ensaios que abordam temas e questões relativas à Antiguidade, a Obra inclui estudos sobre Escolas filosóficas e pensadores avulsos: Epiménides, Jónicos, Pitagóricos, Parménides, Heraclito, Empédocles, Demócrito e Górgias, terminando com um ensaio sobre “Hegel e os sofistas”.

Deve se advertir o Leitor de que não se encontra perante um trabalho escolástico, de introdução à filosofia grega, pensado para cobrir as problemáticas mais relevantes nas obras dos pensadores da tradição, mas como uma recolha de textos, importantes pela sua qualidade e pela relevância da problemática tratada. Como cada um deles documenta uma empresa original de pesquisa nas temáticas eleitas pelo A., todos guardam ainda hoje uma frescura que os preserva da desatualização. Mesmo os dedicados a Empédocles, anteriores ou contemporâneos da onda de publicações que registram as primeiras conclusões atingidas pelas tentativas de reconstrução do “papiro de Estrasburgo”(2004-2005),  são  aceitáveis,  embora continuem a se referir aos Poeta-filósofo como autor de “dois poemas”.

Por outro lado, o rigor científico que os caracteriza, assinalável n a  riqueza  e  atualidade  das  referências  bibliográficas  que incorporam, não mascara o envolvimento pessoal do A. na pesquisa, revelando não apenas uma prática docente atenta e responsável, mas uma visão genuinamente filosófica, animando o diálogo mantido que r com as fontes originais, quer com a bibliografia secundária.

Dois  aspectos  que  cumpre  salientar  nestes  ensaios  são  o equilíbrio e o bom-senso exigidos a um docente e investigador, quando se sente obrigado a tomar publicamente partido na avaliação de teses envolvidas em controvérsia. Anos passados sobre algumas das muitas polêmicas que nalgum momento dominaram os estudos de Filosofia Antiga em muitas Universidades, a sobriedade dos juízos oportunamente emitidos pelo A. sobre as questões em debate faz a inda hoje prova da sua clarividência. São disso excelente exemplo alguns ensaios, aqui trazidos à estampa, como “Tempo, movimento e morte nella filosofia degli Ionici”(1989), ou “ΠΙΣΤΟΣ ΛΟΓΟΣ ed AΠΑΤΗΛΟΣ ΚΟΣΜΟΣ ΕΠΕΩΝ in Parmenide di Elea”(1976), “Orfismo e pitagorismo in Empedocle”(2000) e “L’ambigua realtà del discorso nel Peri tou me ontos di Gorgia”(1995).

Este traço crítico avulta no debate sobre as interpretações de que tem sido objeto o Poema de Parménides, iniciado pelo primeiro dos estudos citados acima. Neste ponto, a posição do A. é exemplar, pela defesa que fez da necessidade de repensar a caracterização de Parménides como “o filósofo do ser”e levar na devida conta o extenso material coletado, relativo à Opinião (doxa). Resumindo a posição as sumida em Parmenide: il metodo, la scienza, l’esperienza (1978), os argumentos enumerados nas “Noterelle parmenidee”(1989) e espalhados por outros estudos insistem num conjunto de recomendações às quais só muito recentemente (depois de 2012) a Crítica começou sistematicamente a prestar atenção:

  1. é necessário liberar  a  nossa  interpretação  dos presocráticos, em particular de Parménides, das leituras a que são submetidos por Platão e de Aristóteles (este, pouco claro com Parménides e clamorosamente injusto par a com Melisso: ver “Aristotele critico di Parmenide”: 2009), e descontar o peso e a influência que exercem nas tradições doxográfica e historiográfica;
  2. é necessário analisar  e esclarecer o  protagonismo concedido à entidade designada como o “ser de Parménides”, objeto perseguido por dezenas de comentadores, “praticamente como se a segunda parte do Poema não existisse”;
  3. é necessário criticar e superar a liquidação, como ”erro”, “ilusão”, “mera opinião”, do questionamento crítico desenvolvido por Parménides nos fragmentos relativos aos eonta.

Outro texto em que a acurada leitura do A. se revela atual é, por exemplo, “Logos e nous in Democrito”(1980), no qual aponta a profunda coerência entre as teses físicas e as éticas, defendendo a interpretação  de  um  pensador  que  não  pode  ser  considerado “materialista”, nem “racionalista”– no sentido que atribuímos hoje a essas categorizações –, apesar de ter decisivamente contribuído para elas e como tal tenha sido entendido na tradição.

Não se pode, porém, deixar de prestar a maior atenção aos estudos que dedica aos dois maiores sofistas: Górgias e Protágoras. Em “Astrazione ed esperienza: Parmenide e Protagora”(1988) compara duas concepções sobre a doxa, profundamente interligadas pelo nexo entre sensações e juízos, porém, bem distintos nas estratégias que propõem para aceder à realidade.

A Górgias – que, como Parménides, se acha presente em diversos outros ensaios – são dedicados dois notáveis estudos. No primeiro, acima referido, toda a argumentação do sofista, no tr atado Do não-ser, é pacientemente escalpelizada e apontada à epistemologia eleática, contra a qual sustenta as suas três teses capitais: nada é; se alguma coisa é, não é compreensível pelo homem; se alguma coisa é compreensível, é incomunicável e inexplicável.

Mas é em “Verità, errore e inganno in Gorgia”(1999), que é mais profundamente  estudada  a  estratégia  argumentativa  do  sofista. Através da análise do Elogio de Helena, nos são fornecidos dados sobre a lógica dos argumentos por ele usados. Pois, é mediante a análise a que são submetidos os conceitos operatórios dos quais lança mão que se entende a ’verdade’, como ‘ornamento’ e prova do ‘decoro’ do discurso, e o ‘engano’ como em tudo diferente do ‘erro’. Pois, enquanto o primeiro constitui um caso de “boa persuasão”, porque tem o poder de mover a alma, o segundo é utilizado para “enganar a opinião”, induzida pela aceitação de um discurso falso. Finalmente,  é  pela  harmonização  da  relação  dialética  entre  a qualidade e  os efeitos do  discurso – incompreendida já  por Aristóteles –, que pode se ter acesso ao kosmos do discurso gorgiano. Kosmos que é um erro, seguindo Parménides, interpretar pela tácita aceitação da identidade de ser e pensar, uma vez que, Górgias deixa bem claro que uma coisa é o objeto “fora de nós”, outra é “em nós”o objeto do discurso (Sobre o não-ser §84).

Bom  exercício  de  autocrítica  sobre  a  nossa  percepção  do fenômeno sofístico será enfim colhido pelo estudo atento do difícil ensaio “Hegel e i sofisti”(2000), que encerra a coletânea aqui apreciada. Pois, se algumas das concepções do filósofo alemão podem nos fazer sorrir, pelo fato de só se compreenderem na relação que mantêm com o todo da sua concepção da História da Filosofia, como poderá a nossa própria avaliação escapar a essa mesma crítica?

A terminar, dos estudos ainda não abordados aqui, gostaria de salientar dois. O primeiro, intitulado “Piacere e morte in Eraclito (“Una filosofia dell’ambiguità ”: 1983), ultrapassa claramente os contornos e exigências a que deve atender um estudo analítico sobre a filosofia do Efésio, pela sua estatura filosófica e qualidade poética.

Depois de ter relacionado, não menos de quarenta e sete fragmentos do pensador, envolvendo-os nas teias tecidas pelos comentadores que cita, o A. defende que – à semelhança dos outros termo atrás estudados – o filósofo usa o termo ‘morte’ em diversos sentidos:

[… ] intencionalmente  obscuros,  ambíguos,  mas decerto não privados da sua coerência interna [… ] implantando uma lógica do contraste-identidade (e não  uma  da  não-contradição,  como  Parménides) (281).

É então, partir desse momento, que, seguindo os próprios passos do filósofo ao qual dedicou atenção, o A. inicia o seu percurso sobre os sentidos de ‘vida’, para terminar com uma reflexão “filosófica”sobre a morte.

O homem vive num mundo que não foi dado por si e que nenhum deus lhe ofereceu: já organizado nas suas estruturas físicas… constituído por fenômenos e ritmos [… ] como são, eram e serão eternamente [… ], também nas estruturas políticas e sociais.

Lançado nesse mundo, o homem pode viver a sua vida dormindo, ou vivo, no sentido forte, [… ] estruturando a sua vida a partir de regras de conduta éticas e políticas, pelas quais será um aristos [… ] que, ao afrontar a morte, embora thnetos, é como se fosse athanatos: pois, vi vendo a sua morte, é como se morresse a sua vida (281).

Destacado dos outros, vive, de modo a, com o seu phren e o seu noos, se elevar à compreensão do kosmos e do diakosmos em que vivem os outros, até atingir o logos, pelo qual se torna philosophos. Até, no mais alto do seu ser consciente, se tornar consciente da desaparição definitiva da sua consciência (281-282).

É  então  que,  refletindo  filosoficamente  sobre  a ambiguidade e contrariedade do real, que o senso-comum,  tal  como  o  conhecimento  científico consideram simples, linear e não contraditório, chega a compreender que este mundo fugirá sempre em qualquer parte à captura pelo nosso pensamento, porque o significado e valor deste mundo residem numa lei eterna e universal, uma lei que não poderá jamais ser completamente compreendida e dominada, que é a lei da morte (283-284).

O segundo texto que quero destacar culmina a série de três estudos dedicados a Empédocles. Na sua análise da narrativa do poeta-filósofo de Agrigento (“Amore e morte in Empedocle”: 1999; e “Orfismo e Pitagorismo in Empedocle”: 2000), o A. debate-se com o problema motivado pela coexistência, em dois ou num único Poema, de duas cosmologias dificilmente compatíveis. Surpreendentemente, opta por superá-lo projetando o mito na lenda sobre a v ida do seu autor. Todavia, como a tensão que anima o texto se dissolve no comentário, opto por traduzi-lo, não integralmente, como merece, mas me limitando aos seus dois primeiros parágrafos.

Uma vez fui arbusto e mudo peixe no mar Era uma vez um homem que não tinha sempre sido um homem, mas árvore, pássaro, peixe, fera, deus. Era um deus que era também um homem, venerado, amado, bendito. As criaturas infelizes se aproximavam dele, carentes de uma palavra que soubesse lhes fazer sonhar num amanhã de paz e tranquilidade. Por ser esse homem que era também um deus e tinha sido garoto e garota, árvore, peixe, que tinha ainda sido um deus, uma árvore, um garoto, uma garota, um peixe, era capaz de ver aí onde dez e vinte gerações de homens não conseguiam ver, via no passado e via no futuro. Porque a sua mente, que era o seu corpo, que era todas as mentes e todos os corpos que tinham vivido,  que  viviam  e  teriam  vivido,  permanecia solidamente  ancorada  no  seu  seio,  forte  na  sua mobilidade, ágil na sua firmeza.

Esse homem tinha vivido na Sicília, na loura cidade de Ácragas, que em Fevereiro era circundada pela neve e pelas amendoeiras em flor (e brancas eram as mechas que  lhe  cingiam  a  fronte),  que  em  Junho  era circundada pelo ouro das espigas maduras (e douradas eram a s vestes que lhe envolviam o corpo). Esse homem era um mago: sabia acalmar os ventos; era um físico: sabia como e de quais raízes são constituídas as coisas do mundo; era um filósofo: sabia o ser e o não-ser do pensamento; era um médico: sabia curar os mal es do corpo e os da alma. Uma vez, o seu nome era Empédocles (359).

Referências

CASERTANO, G. (2019). Venticinque  studi  sui  preplatonici. Pistoia, Petite plaisance.

José Gabriel Trindade Santos – Universidade Federal do Ceará – Fortaleza – CE – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

I Precetti della Dea: Non Essere e Contraddizione in Parmenide di Elea – GALGANO (RA)

GALGANO, Nicola Stefano. I Precetti della Dea: Non Essere e Contraddizione in Parmenide di Elea. Bologna: Diogene Multimedia, 2017. Resenha de: PRIVITELLO, Lucio Angelo. Revista Archai, Brasília, n.25, p. 1-7, 2019.

Nicola Stefano Galgano (2017), I Precetti della Dea: Non Essere e Contraddizione in Parmenide di Elea deserves to be seriously considered for translation into various languages. In this text, there resides a truly persuaded Parmenidean spirit, one that has lived by an inspired  vision,  while  having  demonstrated  the  courage,  and measured cr aft in carving out its fortune. Due to its length and its conjectures, dutiful scholarship, and engagement with many studies and scholars of Parmenides, this admirable text also deserves a substantially longer critical review, of which this can merely serv e as a short preface. To my delight, Galgano realizes how discussions in Parmenidean  scholarship  can  easily  slip  into  fields  of  battle (Galgano, 2017, p. 216), and yet, even though Galgano has wounded, or tried to wound, more than a few theoretical positio ns, or details therein, and suffered his own wounds, his overall strategy remains “un discourse affidabile”(a trustworthy discourse) (Galgano, 2017, p. 207). With atremes ētor, Galgano seeks to follow the maxims of the goddess.

Even though the field and s ubfields of Parmenidean studies receive careful tending, more than a few brambles, thorns, and brier impede the way to its fruits. The fields of battle of scholarship tend to proliferate their own ensnaring bittersweet vines and creepers. There is a tenden cy for this to hinder and haunt the very composition of scholarly texts, of which Galgano’s is no exception. These texts become greater puzzles than what has remained of Parmenides’ poem. Hope for a greater unanimity of interpretation (Galgano, 2017, p. 13) is impossible without first retranslating and resequencing the fragment citations. This applies to puzzles that are philosophical, purely textual-philological, or stylistic (Galgano, 2017, p. 28-29, 58). Galgano offers us some delightful and telling tran slations of various fragment lines, and the reader would hope for a full view of the poem. Though Galgano accepts and uses the DK order of the fragments (Galgano, 2017, p. 37, n. 22) with very few exceptions, he gives Diels-Kranz the lie by stating that th e division of the poem in two parts (alētheia and doxa) is purely and superficially (and justly, I might add), a “didactic cliché”(Galgano, 2017, p. 102). However, Galgano then waivers. He sees the two parts of the poem as Parmenides’ two separate respons es to inherent human cognitive distortion (Galgano, 2017, p. 169). Galgano should follow this text with a new translation and sequence of Parmenides’ poem.

A few irksome thorns are: under 2.5 Il frammento 4, on page 69, should read see 6.2 “Il frammento 4”page 189, not 187, but more importantly 2.5 should be expunged from the text. After 2.6.2 “I versi 6.4-9”, the table of contents must include the important subsections and titles from 2.6.2.1 through 2.6.2.6. The same applies for the important subsections 3.2.4.1, “La meditazione del non essere”through 3.2.4.5 that follow section 3.2.4 “Il secondo cammino (versi 5-8)”. Subsection 4.1.1.1 “I versi 6.3-4”is also missing from the contents page as is 4.2.2.1 “I versi 8.6b-7a”, 4.2.2.2 “I versi 8.7b-9a”, and 4.2.2.3, “Ripresa dei versi 8.7b-9a”. The table of contents for part 6 also requires 6.1.2.1 “Versi 12 e 13a”that should read “Versi 8.12 e 13a”and the same would apply to 6.1.2.2, read “Versi 8.13b-15a”, and 6.1.2.3 “Versi 8.15-18”. While these editoria l minutiae seem inconsequential, the puzzle pieces of a text should retain the utmost clarity   in   outline   and   comprehensiveness.   As   a   final recommendation, and due to firmly believing in the worth of Galgano’s text, and its hopeful lives in translation, or in a second Italian edition, there is need of a carefully crafted Index Locorum, Index of Authors, and a general index. These will greatly enhance the “cammino di ricerca”already provided.

Galgano’s focus is found, and gains its fascination, from the Par menidean theme of to me eon (that which is not). In tracking its many mentions through the poem, we confront the Eleatic aporia, and the object of the text, viz., to overcome the history of relegating nonbeing to a formal logic or linguistic operation, an d instead to see it as the very condition of the possibility of contradiction and the foundational comportment of human cognitive behavior. Galgano claims that the turning away from investigating to me eon (that which is not) derives from Plato, who was th e first to use and incorporate snippets of Parmenides’ poem. Galgano was justly bewildered at the vastness of his undertaking when embarking on this thematic journey (Galgano, 2017, p. 23), and more so in framing Parmenides as the first psychologist (p. 26). Nietzsche must be turning in his grave. Galgano also states that Parmenides is “the philosopher of non-being”(Galgano, 2017, p. 109), and “invented the notion of non being”(Galgano, 2017, p. 163). At this point, the reader’s lifeline appears taut betw een M. J. Henn’s category of “ontophobia”, and a quase eastern function of nihilphilia. This is due to the chase after contradictions (oute phrasais) and negative definitions that will inevitably point (phrazō) back to the subject’s cognitive operations; o r more realistically, their juridical/social Ecce Animus from the impasse of living in nots (Galgano, 2017, p. 131, n. 143, and p. 132).

Present in Galgano’s text is a highly speculative example of comparative philosophy that sneaks in (and is then brushed off) due to having sidestepped the everyday position of Parmenides as legislator, and healer to his Elean community. As a deeply respected lawgiver (in the spirit of Solon, Cadrondas, or Zaleucus), Parmenides would have plenty of examples, (and was an awe some example), with no need to import something new from the Chāndogya Upani ṣ had, to teach  an  Elean kouros of  their  social  and  juridical  duties  in trustworthy speech (Galgano, 2017, p. 151-153, 163, n. 163, p. 207). The realism Galgano is after is a social ontology, more than a gnosiological realism, or even a cosmology, and this is mentioned, but quickly glossed over, as “la dignità esistenziale di ogni essere, il che impone l’impossibilità di eliminare qualunque essere, anche quello che si giudica – in un modo o nell’altro, a torto o a ragione…”(the existential dignity of every being, that sets the impossibility to eliminate any being, even one which is judged – in one way or the other, whether wrong or right) (Galgano, 2017, p. 166). Here we see the  hard kernel  (zoccolo  duro),  and  distinctive  isonomy  of Parmenides’ approach, and perhaps the very reason for the poem’s existence, and a page out of the book of the concrete everydayness of a social setting. Parmenides’ poem has a pre-Epicurean undertone to it from being directed at his community as a way to secure conviction in their social/cultural setting, and the world/phenomena around them, while remaining free from the disturbance of contrived unthinkable paths and hearsay. Galgano timidly gestures toward s this, but overlooks it in his otherwise very commendable text (Galgano, 2017, p. 91, 171, 177-178, 213), and his own lived and supported “quotidianità dello sviluppo della ricerca del libro”mentioned on page 216. This would have answered Galgano’s searc h for the possibility of “un altra struttura cognitive”(Galgano, 2017, p. 177-178). Look no further than to the social/cultural being, and that would in turn answer to “natural”, “super-natural”, and cognitive eccentricities (p. 178). This is how the thre e precepts of the goddess (Galgano, 2017, p. 213) return as one, for “it is all the same/ from where I begin; from there I return back again”(DK 5.1-2, best placed as fragment 2).

What presents a deeper problem (inciting further rereading of the text) is Galgano’s view of Parmenides as psychologist. On a trivial level, of course he was. On a more profound level, certainly, but as an iatromantis. Recall, “Parmenide figlio di Pyrês, Ouliadês, medico”; sounds more Freudian with a touch of Rank, Jung, or Reik, if anything. Yet, it is not clear, nor explained in any detail, what type of cognitive psychology, or “cognitive operations”, (which is Galgano’s favorite and overused nomenclature), is at stake (Galgano, 2017, p. 84, 86-88, 92-93, 98, 179, 192, 210). Cog nitivist? No individual can internalize a total system of language, and this problematizes nativism. A system (or operation) is only lived as consensual practices by an entire society, culturally acquired and emergent  over  time,  and  afterwards  merely  appro ximated  by idealized theories in a general heuristic sense. Galgano does not point out what specific innate capacities are acquired, save perhaps the most basic laws of logic (Galgano, 2017, p. 168-177). The term polypeiron points in a direction of cultura l and socially acquired experiences, and should be further pursued (Galgano, 2017, p. 85, n. 88-89, and p. 86), and might even lead to an actual direction in a specific cognitivist methodology known as pattern recognition. In all, very general mentions on psychology are present throughout the text, beginning on page 14, through to page 100, then disappearing until page 168, and again mentioned up until page 210. There Galgano states that Parmenides the psychologist would “probably be what we today call cogn itivist”. Unlikely. All this is very unhelpful without actual details as to issues of attention, memory, consciousness, perception, and thinking. To substitute “operare cognitivamente”for noein does not cut the muster (Galgano, 2017, p. 70). We are not su re if Galgano is pointing towards an extreme, moderate, or a cognitivist position at all. Perhaps Galgano is wrestling with Parmenides as a social psychologist, but not enough is given to the reader for that methodology. We might be able to dig out some ex amples of cognitively innate (and unavoidable) competence from what Galgano presents from crucial terms in Parmenides fragment 6, that follow chapter 2.6.2 “I versi 6.4-9. Yet, could these not be purely socially acquired conceptual abilities, or social con tingencies of language acquisition? How particular and extensive are these possible innate competences? This would jeopardize, or at least problematize, any robust cognitivist or nativist reading.

Engaging these mentions would require a substantially longe r, and more detailed critical review. What remains to be questioned, and then developed by Galgano (as if he has not done enough already), is his claim that his is a study on the “psychology”in the work of Parmenides (Galgano, 2017, p. 26, 34-35, 39, 50, 70) that has not been previously undertaken in a sustained manner. We must then ask Galgano for a clear and distinct list of what he calls a “vocabolario psicologico”(Galgano, 2017, p. 68, 71, 83, 194). Without this list, we remain without the resources (amēchaniē) to conclude anything about Parmenides as psychologist. More than a cognitivist approach, the readings of specific terms, and fragments, especially fragment 6, could lead to an even more radical Lacanian approach, and stepping through  the  snares, registers  and  knots  of  the  Imaginary,  the Symbolic, and the Real (Galgano, 2017, p. 69-81). However, Lacan would side with Heraclitus. In all, Parmenidean studies is lucky to have Galgano on their side as a valiant scholar in the field.

ReferênciaS

GALGANO, N.S (2017). I Precetti della Dea: Non Essere e Contraddizione in Parmenide di Elea. Bologna, Diogene Multimedia.

Lucio Angelo Privitello – Stockton University – Galloway – NJ – USA. https://orcid.org/0000-0002-5875-6068. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

The Guardians in Action: Plato the Teacher and the Post-Republic Dialogues from Timaeus to Theaetetus – ALTMAN (RA)

ALTMAN, W. H. F. The Guardians in Action: Plato the Teacher and the Post-Republic Dialogues from Timaeus to Theaetetus. Lanham: Lexington Books, 2016. Resenha de: ENGLER, M. R. Revista Archai, Brasília, n.27, p 1-10, 2019.

Das Buch von William Altman ist als erster von zwei Bänden den sogenannten Spätdialogen gewidmet.  Es behandelt sieben Dialogein der folgenden Ordnung: Timaios, Kritias, Phaidros, Parmenides, Philebos, Kratylos und The aitetos. Der zweite Band, The Guardians on Trial: The Reading Order of Plato’s Dialogues from Euthyphro to Phaedo (Lexington Books, 2016), ist fokuss iert auf die Dialoge, welche nach Ansicht des Autors die Les e ordnung Platons abschließen: Euthyphron, Sophistes, Politikos, Apologie, Hipparchos, Minos, Kriton, Nomoi, Epinomis und Phaidon. In dieser zugleich pädagogischen und dramatischen Ordnung sei der Phaidon der letzte Dialog, weil auf seinen Seiten die heroische Geschichte über Sokrates zum Ende komme.

Schon aus dem Überblick auf diese Ordnung lässt sich erkennen, dass A. eine ganz eigene Auffassung der Entwicklung Platons besitzt. Tatsächlich setzt sich sein ganzes Projekt dem entgegen, was er den Eikos Mythos der Platonischen Entwicklung nennt (S.xiii). Anstatt der weltweit anerkannten Kompositionsordnung, die Platons Denken als ein evolutionäres versteht, bevorzugt A. eine Les e ordnung, die nicht nur Platons Lehrtätigkeit in der Akademie geleitet hat, sondern auch die heutige  Le ktüre lenken soll. Angesichts von Platons Gedanken ist die se Ordnung mithin theoretisch unitarisch, weil sie in de n mittleren Dialogen die doktrin elle Einheit fin det, die das gesamte Werk durchd ringt. Obwohl seine wichtigsten Voraussetzungen schon i n  der Aristotelischen Philosophie  verwurzelt  seien, sei  der Entwicklungsan satz ein klares Produkt des   neunzehnten Jahrhunderts, das man auf den Denker des aeì on nicht ohne schädliche hermeneutische Folgen anwenden könne. Im Gegenteil dazu  versu che  die  Les e ordnung  dem  Wesen  des platonischen Denkens treu zu bleiben, indem sie das Unveränderliche voranstelle (S.197; 424). A. schätz t seinen Vorschlag dennoch ganz realistisch ein: er erhebt keinen Anspruch auf eine unbedingte Wahrheit. Seine bescheidene Absicht beschränkt sich darauf, die Auf merksamkeit der Gelehrten wieder stärker auf diese antike Interpretationsmethode zu richten, die sich bereits in den Tetralogien des Thrasyllos mutatis mutandis be finde (S. xxiii). Indem er diesen Gesichtspunkt verficht, bahnter  e inen  dritten Weg zwischen den vor herr schenden Paradigmen der Gegenwart, näml ich der Tübinger Mailä nd er Schule und dem Paradigma der Kompositionsordnung. In Wirklichkeit aber visiert er vor allem die Kompositionsordnung an. Denn die erste Schule adoptiere ja das letzte Paradigma und hinsichtlich Platons angeblicher Entwicklung bleib e sie unitarisch, da sie vor dem Hintergrund der ungeschriebenen Lehren in der Lage sei, vor den vielen doktrinellen Wider sprüchen der Dialoge eine einheitliche metaphysis che Lehre a ufzubauen.

Darüber hinaus versucht A., wie bereits in seinem Buch Plato the teacher: the crisis of the Republic (Lexington Books, 2012), einen neuen Terminus  in  die Studia  Platonica  einzuführen,  nämlich „basanisti c“. Das ist wohl der wertvo llste Beitrag des Autors zu d em Feld. Im Einklang mit dem heutigen Zeitgeist legt er große n Wert auf die  dramatischen  Eigenschaften  der  Dialoge,  welche für  die Rekonstruktion  der  Les e ordnung  wichtiger seien als  die philologischen   Hinweise, wie etwa die Ergebnisse   der sprachstatistischen Methode. Dazu aber fügt er einen pädagogischen Ansatz hinzu, im Lichte dessen viele Passagen der Dialoge – und in der Tatalle Spätdialoge – als Tests konzipiert werden (S. xxiii). Das ist genau die Wende, die er gegen das Entwicklungsparadigma einbringt. Die ersten Dialoge sieht er auch als philosophische und pädagogische Vorbereitung auf die Politeia. D ie Politeia hingegen sei ni cht nur ein weiterer Dialog, sondern Platons unüberwindbares opus magnum, in dem er die Wahrheit offenbare. Die nachfolgenden Dialoge werden d emzufolge als Prüfungen a ngesehen, die das Verständnis der zentralen Thesen der Politeia erproben sollen (S.xviii). Deswegen sind die von der Politeia diplomierten Wächter, wie es sich aus dem Titel ablesen lässt, im Kampf gefordert. Konfrontiert mit den Lehrv erf ormungen und der Ablehnung des Zwei Welten Platonismus müssen sie, in Übereinstimmung mit dem Kriegs gesang der Politeia (534b8 d1), zu ihren dialektischen Waffen greifen.

Hier ist es wichtig zu beachten, dass A. eine produktive Allianz mit den schärfsten Kritikern des Platonismus bildet. Seines Erachtens haben sie volles Recht, nach der Politeia einen Bruch mit den mittleren Dialogen festzustellen (S. xxiv).Ein besonderer Vorzug seines Buches ist es, dass er zugl eich Platon und die Geschichte sein er Rezeption auf eine passionierte und gelehrte Weise erklärt. Das gilt sowohl für vergangene als auch für heutige Autoren, mit deren verschiedenen Ansichten er eine fruchtbare und demokratische Polyphonie schafft. In seiner Diskussion des Timaios, zum Beispiel, verwendet  er  ein  Triangulationsverfahren  zwischen John Cook Wilson, einem heftig en Kritiker Platon s, R. D. Archer Hind, einem Anhänger, und A. E. Taylor, dessen Stellungnahme die Lösung dieser Debatte sei, weil er zum ersten M al erkannt habe, dass der Timaios nicht für Platon spreche. Die entscheidende Differenz von A.s Perspektive besteht jedoch darin, d ass er die Wider sprüche der Spätdialoge mit Rücksicht auf die mittleren als vor aus geplante Tests versteht. Mit anderen Worten, Pl aton habe diesen B ruch und sogar seine scheinbare Rückkehr zur Naturphilosophie absichtlich so gestaltet, um die Treue seiner Leser und Studenten zur Politeia zu prüfen.

Wichtige Elemente dieses pädagogischen Ansatzes gründet A. letztendlich auf Parmenides, der auch seiner Wahrheitsphilosophie einen täuschend en Kosmos folgen lässt. Seine Interpretation des Timaios lautet wie folgt: der parmenid e i sche n Doxa hinsichtlich der Wahrheit  der Politeia entspreche nd, sei  die glaubwürdige und hochkreative Rede des Timaios die erste Prüfung, die Platons Le ser bestehen müsse (S. 93). Die abwesende vierte Figur des Dialogs, die kurz vorder Zusammenfassung der Politeia erwähnt wird (17a), sei gerade der aktive Leser, der schon an der Diskussion der Politeia teilgenommen habe und sie in seiner Seele wie ein lebendiges Gespräch hege. Nach A. ist der entscheidendste Faktor der Rezeption Platons die Tatsache, dass kaum jemand die absichtlichen Fehler des Philosophen erkannt habe. Taylor sei wie gesagt der erste gewesen, der den Timaios als unplatonisch begriffen habe (S. 34). Im Zuge von Aristoteles haben  die  anderen Gelehrten den  pythagoreischen Einfluss  auf  Platon sehr zum  Nachteil  der parmenid e ischen Komponente seines Denkens betont. D amit wurde es üblich zu glauben, dass Platon seiner mittleren Lehre ei n e kosmologische Naturlehre gegenübergestellt habe. Laut A. aber ist sowohl der Timaios als auch der Kritias die perfekte Gelegenheit für die Wächter, die durch den Unterricht der Politeia zur Dialektik angeregt wurden, die V erfälschung des Platonismus zu bekämpfen (S. 93). Die se vor sätzlichen Verformungen – wie etwa die These, dass aus den feigen Männern die Frauen geboren seien, die e ine völlig absurde Idee im Vergleich mit der Politeia (S. 92) ist – machen die „ basanistischen “Elemente der platonischen Pädagogik aus, die leider in der  Geschichte  des  Platonismus  übersehen  worden  seien. Üblicherweise habe man die vielen Widersprüche als unwichtig abgetan und versucht, das Gespräch zu rationalisieren und Timaios als Platon s Mundstück anzusehen. Deshalb trete Aristoteles nicht selten platonisch auf, und auch die Unterschiede zwischen Platon und dem Neuplatonismus würden durch diese Deutungstendenz geringer ausfallen,  da  es sich in  beiden  Fällen um  eine  monis tische Weltanschauung handle. Für  den Autor hingegen bleib t der Platonismus der „ weltfremden “Ideenlehre immer treu und soll deshalb weder mit Aristoteles noch mit Plotin verwechselt werden (S. 106).

Im Geiste dieser „ basanistischen “Pädagogik untersucht A. auch den Phaidros. In der Les e ordnung folge er dem Timaios und dem Kritias und stelle die rhetorischen Mechanismen vor, mit denen beide Dialoge kritisch analysiert werden können. Sokrates ‘ erste Frage, póthen kaì poî?, versteht A. als einen Hinweis auf die Les e ordnung: aus welchen Dialogen un d zu welchen Dialogen? (S.140). Zugl eich ein Gegengift und ein Gi ft (phármakon), leite der Phaidros den Leser in die Kunst der Antilogik und der Täuschung (apáte) ein, sodass er fähig werde, das Wahre vo m Falschen zu trenne n (S.171). Genauer gesagt  lege  Platon im Phaidros offen,  dass er selbst  zu  rein pädagogisc hen Zwecken s eine Leser betrüge, denn man könne nur die Wahrheit unterrichten, wen n man ebenfalls das Falsche kenne. Zwei weitere Ideen des Autors müssen in diesem Zusammenhang erwähnt werden. Erstens wird die aus Sammlung und Tren nung bestehende Methode des Phaidros, die man normalerweise für die echte  Dialektik hält,  von A. als  eine  Vorbereitung auf  den Parmenides und besonders auf den Sophistes aufgefasst, und somit ledig lich als ein dianoetischer Vorgang b z w.

eine alternative Art Dialektik beurteilt. A. gibt drei Gründe dafür an, diese Methode nicht als die echte Dialektik der Politeia anzusehen: a) sie unterteile ständig das Ein e in das Viel e und sammle das Viele in dem Einen; b) sie sei daher eher geeignet, die E ide als rein e Abstraktionen d er p hysikalischen Dinge zu diskutieren; c) und schließlich sei sie nicht imstande, die Leser von der sinnlichen Welt völlig zu entfernen, wie es die nach dem Guten orientierte aufsteigende Dialektik der Politeia tue (S.159-160). Deswegen wird der Phaidros als fair warning betrachtet. Zweitens wird die Schriftlichkeitskritik, ein hochaktuelles Thema, von A. als Platons Bekenntnis seiner eigenen Pädagogik verstanden. Eine Schrift sei bloß ein e hypómne s is für die Vision de s Gute n, die Platon bereits in der Politeia vorgestellt habe (S. 197-198). Und um dies zu leisten, bestehe Platons Kunst als Schri ftsteller gerade darin, das Gegenteil der Wahrheit zu behaupten, sodass der Leser dem Argument zu Hilfe kommen müsse, ganz gleich, wer es verteidige (S. 196). Phaidros ʼ Täuschungskunst lehre also den Leser, dass Platon der Meister einer Kunst sei, welche zu pädagogischen Zwecken betrügen könne, obschon sie die Wahrheit unbedingt voraussetze (S. 198).

Nach dem der Leser die Anti logik kennen gelernt habe, könne er sich dem Parmenides zuw enden, der der beste Ausfluss dieser Kunst sei. Die wichtigste  Idee des Autors für die Interpretation des Parmenides besteht  darin,  dass  dieser  Dialog eine Reihe von Übung en (gymnásia) zu r wahren Dialektik vorlege, da vor dem Gu ten jede Diskussion des Einen nur ein dianoetisches Drama sei (S. 239). In dies er Thematik sieht A. die Lösung für viele nachfolgende Probleme. Durch die erste Hypothese, die der Autor für die wahre nimmt, müsse der Leser beides lernen: dass die Existenz eines empirischen Einen unmöglich sei; und dass es nur, wie die ganze Mathematik, ein en Mittels tatus besitze. Das Eine aneu ousías sei weder ein Prinzip noch ein Gegebenes, sondern etwas, d as der Mensch durch seinen Intellekt erfinde (Parm. 143a7) (S. 248), und somit solle es nie mit dem unhypothetischen Guten konfundiert werden. Mit der Idee des Gute n und der Trennung zwischen Sein und Werden gehöre es zum Kern des Platonismus, und darüber hinaus habe es vor diesen Dogmen einen pädagogischen Vorrang (S. 252). Im Vergleich zu den wahren Ideen – es gibt für den Autor nur drei: das  Gute,  das  Gerechte  und  das  Schöne –,  dere n Definition Parmenides nach den Übungen mit dem Einen von Sokrates fordere (Parm. 135c8 d1),  sei das  Eine natürlich  die  weltfremdeste Konstruktion der Dianoia, die zwangsweise die Seele von dem Werden entferne, obwohl es, der Politeia gemäß (511b5; 531c9 d7), ledig lich ein  Sprungbett  zu  der realen Dialektik  bleibe.

Der Parmenides erweitere dadurch das Reich der Dianoia, während das Reich der Noesis streng beschränkt werde (S. 275). Der Eindruck, dass er den Platonismus der mittleren Periode zerstöre, oder dass Platon Parmenides im Sophistes abweise, entstehe durch den Fehler, die parm enid e ische Pädagogi kzu verkennen (S. 285).

Wie seine eigene Lehre, wird der Philebos als eine Mischung konzipiert. Und z war eine sehr gefährliche Mischung, da er die drei oben zitierten Fundamentald ogmen des Platonismus an greife und folglich  den  Bruch  mit  der mittleren Phase auf  eine unmissverständliche Weise vollziehe (S. 309). Weil er von Anfang an auf das Thema des Guten gehe, biete er dem Leser einen schwierigen Streit an (S. 343). Für den Autor gibt es also keinen Zweifel, dass der Dialog den Revisionismus bestätige (S.

297). Seine Verbindung zu m Timaios werde durch die pythagoreische Stimmung offenkundig, die Verbindung zum Parmenides durch die Problematik des Einen (S. 310-313). Eigentlich sei diese Problematik nicht bloß ein anderer Gegenstand, sondern vielmehr we rde der ganze Dialog absicht lich zu dem Zweck gestaltet, sie hervorzurufen (S.

298). Der Dialog füge eine Rehabilitierung des Werdens hinzu, und zwar eine sehr entschiedene, weil Sokrates selbst versuche, das Sein mit dem Werden (génesis eis ousían) zu mischen (S.315-316). Mit Bezug auf das Ei n e habe der Parmenides aber s chon durch die erste Hypothese dem Leser einerseits beigebracht, dass die He rstellung ein es „One out of the Many“, wie etwa Philebos ‘ Mischung des Einen und des Viel en, widersprüchlich und darum falsch sei. Mit Bezug auf den Timaios und das Werden haben die Politeia sowie der Phaidros und der Parmenides ander er seits den Leser angeregt, der Vermischung zwischen Sein und Werden zu widerstehen. D emzufolge gehe es um eine „ basanisti s che “Rehabilitierung des Werdens, die Platon, der Lehrer, für seine Studenten vorberei t et habe (S. 346-7).

Was den Kratylos angeht, bemüht sich der Autor, die vielen Verbindungen  zum  Naturalismus  des Philebos und  die  Rolle Heraklits zu unterstreichen. Zu diesem Punkt hebt er wieder hervor, dass man die Dialoge immer als Gesamtheit lesen müsse. Die Rekonstruktion der Les e ordnung erwarte von den Lesern, dass sie den vorherigen sowie den nachfolgenden Dialog in Erwägung ziehen (S. 353). Daher präsentiere der Kraty los zwei Thesen: erstens, dass die physikalischen Dinge, in Übereinstimmung mit dem Philebos, eine ousía haben; zweitens, dass die Namen diese ousía offenbaren können, eine Idee, der man in den Etymologien des Eut hyphron, der dem Theaitetos nachgeordnet sei, wieder begegnen werde (p. 355). Der Autor aber erklärt, inwiefern die Annahme der ersten These verantwortlich für die Widerle gung des Kratylos sei (S. 363). Daneben erhellt er, inwiefern beide Thesen auf der Lehre Heraklits beruhen. Heraklit werde noc h ein e sehr wichtige Rolle in der Les e ordnung spielen, da die R ü ckkehr zur Höhle, die sowohl im Exkurs des Theaitetos als auch in der Apologie diskutiert werde, zugleich das Sein von Parmenides und die Fluss Lehre von Heraklit voraussetze.

Diese Art Natur alismus taucht im Theaitetos wieder auf. Doch sein Hauptpunkt sei natürlich der Exkurs über den Philosophen, der genau in der Mitte des Dialogs stehe. Mehr noch, nach A. steh t der Theaitetos in der Mitte der gesamten Spätdialoge (S. 386). Da in der dramatischen Reihe der Euthyph ron dem Theaitetos folge, eine Verbindung, die das Kompositionsparadigm a vernachlässigt habe, sieht der Autor den Exkurs als ganz problematisch an, besonders was die  Angleichung  an Gott  betrifft.  Denn  Euthyph ron biete  ein peinliches und komisches Beispiel, wenn er sich nach dem Exempel des Zeus richte, um seinen eigenen Vater strafrechtlich zu verfolgen (S.392). Dieser Mangel an Mitleid und Selbstbewusstsein sei selbstverständlich etwas, das man nicht von einem Philosoph en erwarten würde. Aber das wichtigste Detail, das die Bedeutung des Exkurses aufschließe, sei Sokrates ‘ Behauptung im Prolog (144c5-8), er sei über das Leben des jungen Theaitetos informiert (S. 393). Weil der Philosoph des Exkurses sich nicht um die realen Menschen kümmer e, sondern nur um den Menschen selbst, sei d ie B ehauptung wahr, dass man Sokrates nicht mit ihm identifizieren solle. Und aus diesem Problem heraus ergibt sich die Debatte, ob Platon Sokrates hier  verlässt  oder  nicht.  A. identi fiziert  jedoch ein weite res wesentlic hes Problem des Exkurses, das das Rätsel löse. Da er die Rückkehr zur Höhle ausklammer e (S. 392), widerlege er nicht nur die Politeia, sondern auch die Apologie, welche mit dem Theaitetos und dem Euthypron klar v erbunden sei. Mit seinem nächsten Schrit t vor Augen, erklärt A. zum Schluss, wie der Theaitetos sich mit dem Politikos und vor allem mit der Apologie vereint.

Ich habe mich darauf beschränkt, oben einige der relevantesten Thesen des Autors skizzenhaft vor zustellen. In diesem Rahmen kann man natürlich k eine  begr ündete  Meinung über  so  viele grundsätzliche Punkte des Platonismus mitteilen. Aufgrund der bewundernswürdigen Gelehrsamkeit des Autors und der Neuheit seiner Perspektive wü rde ich jedoch dem Leser vors chlagen, dass er das  Buch im Sinne der  antike n Eunoia liest. Neben einer tief gründig en Diskussion erhellt A. Platons Werk mit offensichtl icher Begeisterung und verfügt dazu über viele fesselnde Hypothesen, die berühmte Probleme vielleicht lösen können. Ohne die Wahrheit ihrer vielfältigen Ideen zu bewerten, stellt A.‘s Buch insgesamt eine der gründlichsten und kreativsten nordamerikanischen Platondeutung en dar,  die wohl neben  den Werke n von Paul Shorey, Gregory Vlastos, H. F. Cherniss und Charles Kahn einen gleichrangigen Platz verdient. Schließlich hat uns A. als ehemaliger Lehrer einiges über Platon s Philosophie mitzuteilen. Darum kann sicherlich jed er undogmatische Leser von seinen intelligenten Einsichten profitieren, während die Dogmatische neinen  ehrenwerten  Kampf, und zwar  eine gigantoma khía perì tês gen éseō s Plátonos, auszufechten finden werd en. 1

Nota

1 Für ihre wertvo lle Hilfe mit dem Stil und den Sprachkorrekturen möchte ich hiermit meinen Freunden, Dr. Sven Meier und Dr. Werner Ludwig Euler, herzlich danken.

ReferênciaS

ALTMAN, W. H. F. (2016). The Guardians in Action: Plato the Teacher  and  the  Post-Republic  Dialogues  from Timaeus to Theaetetus. Lanham, Lexington Books.

R. Engler – Universidade Federal do Paraná – Curitiba – PR – Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Plutarco entre mundos. Visões de  Esparta, Atenas e Roma – GÓMEZ CARDÓ et al (RA)

GÓMEZ CARDÓ, P.; LEÃO, D.  F.; OLIVEIRA, M. A. de (Eds). Plutarco entre mundos. Visões de  Esparta, Atenas e Roma. Coimbra: Humanitas Supplementum, Estudos Monográficos, Universidade de Coimbra. University Press: Annablume Editora. Resenha de: SERENA, Josep Antoni Clúa. Revista Archai, Brasília, n.22 p. 381-389, jan., 2018.

Las contribuciones de este volumen tienen como  característica común el nombre de tres ciudades,  a saber, Esparta, Atenas y Roma, como modelos de  organización social y espacios políticos e institucionales diversos, no solo en el espacio sino también en el tiempo. Para Plutarco estas ciudades “en contraste”representan lugares paradigmáticos en donde viven  y conviven los ciudadanos. De ahí que los estudiosos de Plutarco que colaboran en este volumen procuran analizar en cada una de estas ciudades, ya sea por asimilación o por contraste. Y como afirma P. Gómez al inicio de la obra que reseñamos, “Plutarco es uno de los principales agentes de lo que Lamberton 1 ha denominado una segunda romanización, si se atribuye al  escritor de Queronea un papel ante todo político en  una nueva vía en la relación entre griegos y romanos, junto a su tarea como educador y moralista, aspecto  este último en el que se ha focalizado, quizá en exceso, la misión de Plutarco, él mismo ciudadano romano”.

Las primeras páginas de esta obra, de hermosa  factura, las ocupa el artículo “O joven Teseu: do reconhecimento paterno ao reconhecimento político” de Loraine Oliveira, en donde se evidencia como el  devenir de la figura de Teseo está ya marcado desde su nacimiento por el oráculo. Su padre Egeo, ignorando el significado de aquello que había querido expresar la pitia, pide consejo a Piteo. Este, haciendo caso omiso del oráculo – no sabemos si buscando un bien para  sí mismo o para demostrar su poder en contra de los designios divinos – le ofrece a su hija Etra para que  se case con ella. De esta unión nacerá Teseo, el cual  se quedará en Trecén. Todo lo que intenta su abuelo  para evitar la desgracia es en vano, ya que Teseo inicia un viaje hacia su autoconocimiento y llega a Atenas, patria de Egeo, donde decide formar parte del tributo que enviaban cada año a Minos, rey de Creta. Allí, con la ayuda de Ariadna, consigue matar al Minotauro. Con esta hazaña no solo logra afianzar su poder  político, dejando a Minos sin descendencia masculina, sino que también obtiene el reconocimiento de sí mismo en el laberinto e incluso el paterno, acabando con la monarquía y dando paso a la democracia.

María Teresa Fau Ramos presenta un trabajo titulado “Legislar tenía un precio”, que trata de la figura  del fundador/legislador mediante tres parejas: a) Teseo y Rómulo; b) Licurgo y Numa y, c) Solón y Publícola, para así intentar buscar puntos comunes en cuanto a origen, vida o condición mítica. Empezando por la  figura de Licurgo, digamos que este, antes de ejercer  como legislador, viajó por Creta, Asia y Egipto para obtener una excelente formación. A su regreso, empezó  a instaurar las primeras leyes muy bien vistas por sus  conciudadanos, excepto una de ellas, por la cual llegó  a perder uno de sus ojos. Y la situación no remonta,  ya que, al final de su vida, decide renunciar a volver a su patria y morir exiliado, para conseguir que sus leyes sigan siendo cumplidas. En cuanto a Solón, al igual que Licurgo, obtendrá un desafortunado destino, ya que es acusado de obtener beneficios fraudulentos y él mismo decide exiliarse durante diez años. Numa, quién podía haber vivir tranquilo alejado de la vida pública, decide conducir a Roma, emprendiendo la difícil tarea de  pacificar la ciudad, consiguiendo su propósito, lo que  será un hecho después de su muerte, cuando el pueblo termine con el cese y vuelva a tomar las armas.

Por lo que se refiere a Publícola, la autora señala que fue conocido por su carácter déspota y por las manifestadas por los poderosos hacia su persona por hacer ostentación de una casa demasiado lujosa. Además, tuvo que renunciar a su casa destruyéndola y vio truncado su intento de llevar a cabo un ritual de alta relevancia. Teseo seguirá por la senda de la desgracia, pues verá como Menesteo pone a toda la población en su contra, y acabará abandonando la ciudad de Atenas y muriendo despeñado. Y, por último, Rómulo, caracterizado por vivir en la desmesura y por acabar desapareciendo misteriosamente.

Delfim F. Leão, con un trabajo titulado “O legislador e suas estratégias discursivas: teatralidade e linguagem metafórica na  Vida de Sólon ”, desarrolla la  idea de cómo un personaje como Solón, a través del filtro de Plutarco, es capaz de adoptar una conducta teatralizada para acabar llevando a cabo su estrategia política. El autor del artículo destaca tres hechos importantes del poeta-político, a saber, la Batalla de Salamina, la seisactheia y el encuentro con Pisístrato.

Se cierra el primer bloque con la aportación de Ália Rodrigues y su trabajo titulado “A figura do legislador em Plutarco: recepção de um mito político”, donde hace una síntesis de la evolución y cambios que ha sufrido el término legislador a lo largo de la historia, empezando por los primeros vestigios que encontramos en algunas inscripciones de tema político y jurídico. Se añade una explicación exhaustiva del vocablo, basándose en la contribución del filósofo Platón. Finalmente, se ofrece la visión del legislador desde el punto de vista de Plutarco, quién, marcado por la influencia platónica – peitho y bia –, desarrolla un elenco de situaciones que ejemplificaran el carácter político  de los νομοθέται más representativos para concluir  que, como aspectos esenciales de la acción política en la figura del legislador, no son solo importantes la persuasión y la fuerza, sino también el perfil de educador.

En el segundo bloque se reúnen términos como  φιλοσοφία, παιδεία, ἔθος, βίος, entre otros, agentes  muy importantes para el desarrollo individual de un buen ciudadano y, por ende, que contribuyen a crear una sociedad cabal.

Así, José M. Candau relaciona la figura del filósofo  con la política en De genio Socratis. La imagen de Epaminondas, como modelo de virtud (ἀρετή), cumple tanto  con el deber de la hegemonía tebana como con la formación filosófica necesaria. Y, mediante esta caracterización, se mostrará como el perfil ideal. Pero este tema será cuestionado más adelante por Plutarco, ya que el buen  filósofo siempre intentará rehuirlos temas relacionados con la vida política y lo justificará a partir de cuestiones concernientes al propio general tebano, diciendo que su carrera política no fue tan brillante, pero destacando el  papel que tuvo como consejero a través de la filosofía,  para así, al mismo tiempo, elevar la posición del filósofo y justificar su alejamiento de la acción política.

Joaquim Pinheiro introduce el tema de la relación entre la paideia y la filosofía, aspectos claves para llegar a ser un buen líder político. El autor muestra varios ejemplos de personajes retratados en la obra de  Plutarco, para después centrarse en dos de sus obras y extraer los aprendizajes expuestos a continuación. En primer lugar, en  Sobre la necesidad de que el filósofo  converse especialmente con los gobernantes, el filósofo siempre debe mantener el contacto con el gobernante para trasladarle los valores que serán necesarios para encontrar el bien común para todos los ciudadanos.  En segundo lugar, en el tratado A un gobernante falto de instrucció n, para obtener justicia, orden y paz entre los ciudadanos es importante que la razón domine los principios del líder político.

Ivana S. Chialva, con “De Roma a Alejandría y  viceversa. Mimesis  del motivo del viaje en la  Vida de Antonio  de Plutarco”focaliza su aportación en  la caracterización de Marco Antonio, influenciada  por Cicerón. A pesar de su alternancia en el plano  público-político y privado-doméstico, donde aparece como un hombre destacado por sus aptitudes y  victorias militares, se entrega a los vicios, a las pasiones y a las malas compañías –Curión y Clodio–, pero sobretodo, por su conducta influenciable ante la gran Cleopatra. Esta debilidad por parte de Antonio es remarcada en la obra de Plutarco, quién niega sus cualidades de hombre por prestarse, por encima de todo, a la pasión erótica. De ahí, la asociación de fuga a la ciudad de Alejandría con la cobardía y la  entrega a los placeres.

Roosevelt Rocha, con su trabajo titulado “A Esparta de Plutarco entre a guerra e as artes”, intenta demostrar que Esparta no fue solo una ciudad conocida por su fuerza militar, sino por ser un punto de auge artístico con distinguidas personalidades.  Por ello, basándose en la obra de Plutarco, hace un análisis de algunas de las características que marcaron la vida de algunos de los líderes espartanos – Licurgo, Lisandro, Agesilao, Agis y Cleómenes –, para acabar destacando aspectos como la arquitectura, el arte, la poesía, actividades muy prolíficas en la sociedad espartana.

Y, por último, un tercer bloque, en donde se ahonda en aspectos tales como la formación de la familia y la  religión, factores que determinan el desarrollo del individuo como tal. Así, en lo que se refiere a la música y la educación en Atenas, Fabio Vergara Cerqueira pone de manifiesto el hecho que un líder de la esfera política adquiriera una preciada educación musical. Para  ello, se centra en tres puntos principales: el desarrollo  de la educación musical, los educadores musicales y la disputa del aulos en el programa educativo. En cuanto al primer punto, repasa cómo la presencia o ausencia  de este conocimiento marca la vida de algunos de los  dirigentes políticos, como, por ejemplo, Solón, Temístocles o Pericles. Y en cuanto que se refiere a los educadores musicales, pone de manifiesto que fue una profesión que adquirió mucha relevancia, no solo por ser motivo de representación en los vasos de la época, sino también porqué eran personas notables por su gran reputación. Concluye el autor aludiendo a una primera  imagen negativa del aulos, a través de aspectos como el testimonio de Alcibíades, la xenofobia hacia los auletai tebanos, entre otros, para llegar a la conclusión de que el aulos se usó tanto o más que la lyra.

De gran interés es también el trabajo de Ana Ferreira sobre el papel de las mujeres como elemento  de influencia ante el género masculino. Aunque Plutarco no dedica exclusivamente ninguna de sus biografías a las mujeres, en sus Vitae hace mención de las cualidades del género opuesto: prudencia, simplicidad, modestia en su aspecto y su modo de vida, moderación, dignidad y recato. Asimismo, defiende que las mujeres son seres dotados de capacidades intelectuales y lo corrobora con ejemplos de mujeres  que han pasado a la historia, como Aspasia, oradora conocida por haber intervenido en los asuntos políticos de Pericles.

Destacable es también el trabajo de Guillermina  González Almenara. Se trata de un agudo análisis de la figura de las heteras y de las concubinas en las vidas de Solón, Pericles y Alcibíades. Las heteras son  mujeres con una vida similar a la de los hombres,  excepto por carecer de la ciudadanía. Accedían a la cultura y eso les permitía compartir opiniones políticas. De ahí, que lleguen a convertirse en confidentes de hombres influyentes. Solón no tuvo contacto  con ellas y simplemente las menciona para hablar de algunos aspectos que las relacionan con la legislación. Por su parte, Pericles y Alcibíades las frecuentaban. Y en cuanto a las concubinas, se señala que  tenían una condición inferior, ya que no tenían los  mismos derechos que la esposa principal. Por Plutarco sabemos que Solón sufrió mucho por la muerte del hijo de su concubina. Todo lo contrario se dice  de Pericles, quién tenía unos impulsos desmedidos  hacia Aspasia. A su vez, Alcibíades solo se preocupaba del disfrute sexual, sin necesidad de ninguna  concubina. A modo de conclusión, Plutarco apoya  a estas mujeres y destaca la degeneración de la clase política cuanto “más uso”hacen de ellas.

Maria Aparecida de Oliveira Silva aborda el tema de los oráculos desde época arcaica a época helenística, y de cómo los líderes políticos espartanos  han visto limitada su manera de proceder. A través de la obra de Plutarco, defensor de la importancia del oráculo, se nos ofrece una síntesis sobre el respeto hacia las predicciones oraculares por parte de los dirigentes y, como, a partir de la desatención los dictámenes, la sociedad degenera y empieza a  derrumbarse.

Y para concluir, en este mismo contexto, aludiremos al importante trabajo de Jesús M ª Nieto Ibáñez, que se ocupa de la crisis de la actividad profética a finales del s. I y principios del s. II d.C. con la aparición del cristianismo. Con sus tratados, Plutarco pretende contribuir a la restauración y retorno a la religión oracular,  aunque los cristianos los utilizaran como instrumento propagandístico para el triunfo de su propia doctrina.

En suma, digamos sucintamente que esta reseña solo quiere dejar planteada una invitación a ojear con esmero un volumen sobre Plutarco, en tres bloques bien definidos, que constituye una aportación  ciertamente muy rigurosa y seria. Por lo demás, los  editores han cumplido con meticulosidad su trabajo, sin apenas erratas de importancia. No descubro  nada nuevo si afirmo que la bibliografía de Plutarco  más reciente está aumentando a buena velocidad.  A esta nómina cabe añadir una obra como la presente que no dejará indiferente al lector avezado ni al que se adentra por primera vez en el polígrafo de Queronea, no solo por los postulados que desarrolla, sino también por el alcance de los mismos.

Nota

1 (1997), “Plutarch and the Romanization of Athens”. In:  HOFF, M. D.; ROTROFF, S. I. (eds.). The Romanization of Athens. Oxford,: Oxbow Books, p. 153.

Josep Antoni Clúa Serena – Universidad de Lleida (España). E-mail: [email protected] – ORCID: C-6405-2014

Acessar publicação original

Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico – SOUZA PEREIRA (RA)

SOUZA PEREIRA, Rosalie Helena de (Org). Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico. São Paulo: Perspectiva, 2016. Resenha de: SAVIAN FILHO, Juvenal. Revista Archai, Brasília, n.22, p. 375-380, jan., 2018.

Um acontecimento! Um acontecimento notável!

Dizer isso foi a melhor maneira encontrada para  iniciar a resenha do livro organizado por Rosalie  Helena de Souza Pereira, ainda que não seja uma forma propriamente adequada para um texto acadêmico.

A exceção se justifica, no entanto, pelo fato de que o significado dessa publicação transcende em muito sua importância para o mundo universitário e inscreve-se, sem sombra de dúvida, no campo de tudo o que contribui não apenas para o enriquecimento cultural, mas também e, sobretudo, humanizador. Aliás, humanizador  é um termo cujo significado também transcende o de outro que lhe é próximo, o termo  humanista, pois não se trata aqui de simplesmente evocar  o reconhecimento que merecem os outros seres humanos, o ser humano em geral e os indivíduos, mas, acima de tudo, a atividade de tornar-se humano. Essa atividade pressupõe a convivência com o outro; e tanto mais será intensa e capaz de desenvolver o que de mais humano há em nós quanto mais envolver a relação com o estrangeiro; afinal, como diz Julia Kristeva em Estrangeiros para nós mesmos, viver com o estrangeiro põe-nos em contato com a possibilidade de “ser outro”, possibilidade esta que se entende não apenas  no sentido humanista da nossa aptidão para aceitar  o outro, mas de estar ou colocar-se no lugar do outro, o que equivale a pensar sobre si mesmo e a fazer-se  “outro ou estrangeiro para si mesmo”. Numa palavra, trata-se de ver a si mesmo na condição de estrangeiro ou na condição de “o outro daquele que vê”. Tarefa exigente, árdua e certamente interminável, mas absolutamente necessária em meio às obscuridades que se instalaram nos dias atuais, marcados pela rejeição do diferente e do contraditório por todos os cantos do  planeta. Um pouco do iluminismo filosófico medieval faria bem à vida contemporânea.

Seguir, então,  Na senda da razão: filosofia e ciência no Medievo judaico é colocar-se em um caminho no qual vários estrangeiros se apresentam e auxiliam o leitor pretensamente “não oriental” ou “não judeu” a entender um pouco melhor, pela identificação de semelhanças e pelo contraste de diferenças, quem ele mesmo é. É por isso que o livro objeto desta resenha é um acontecimento memorável, pois seu interesse  não se restringe ao trabalho de pesquisa especializada sobre formas medievais judaicas de pensamento filosófico e científico, mas se amplia para o trabalho de  humanização. Assim, mais do que apenas contribuir  com o trabalho especializado, este livro enriquece sobremaneira a cultura lusófona por registrar, em Língua Portuguesa literária e filosófica, estudos rigorosos sobre pensadores judeus medievais (sem deixar, obviamente, de também interessar aos especialistas, uma vez que vários artigos são inéditos). Se se tem em vista a quase total inexistência no Brasil de obras sobre a  filosofia judaica medieval, compreende-se definitivamente a importância do livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira, ela que, em 2007, publicou dois livros homólogos e dedicados à filosofia medieval islâmica (Busca do conhecimento: ensaios de filosofia medieval no Islã, São Paulo: Paulus; O Islã Clássico: itinerários de uma cultura, São Paulo: Perspectiva).

O arco de tempo coberto por Na senda da razão  compreende os seis séculos da Idade Média em que  tradicionalmente se identifica alguma forma de pensamento medieval judaico. Parte-se, portanto, de Sa‘adia Gaon, que viveu na passagem do séc.  IX  ao séc.  X, e  chega-se a Hasdai Crescas, que viveu na passagem do  séc. XIV ao séc. XV. Os textos são estudos de grandes especialistas de universidades estrangeiras, com exceção do Prof. Nachman Falbel e do Prof. Alexandre Leone, ambos da Universidade de São Paulo. Seria inapropriado pretender apresentar resumidamente todos os capítulos do livro em uma resenha, mas também seria uma falta grave não dar ao leitor uma ideia do conteúdo da obra. Por isso, aqui seguem os títulos dos capítulos e  os nomes dos autores na ordem em que aparecem no  livro: (1) A obra exegética e filosófica de Sa‘adia Gaon: a realização de um líder, de Haggai Ben-Shammai; (2) Criação e emanação em Isaac Israeli: uma reconsideração, de Alexander Altmann; (3) Filosofia e poética  no pensamento de Salomão Ibn Gabirol, de Nachman Falbel; (4) A matéria última como manifestação oculta de Deus: Ibn Gabirol e a expressão pseudoempedocleana al-‘un ṣ ur al-awwal  (o elemento fundamental), de  Sarah Pessin; (5) Ibn Paquda, figura-chave do pensamento judaico e universal, de Joaquín Lomba; (6)  A interpretação de Abraão Bar Hiyya do relato da criação do homem e do relato do jardim do Éden, de Sara Klein-Braslavy; (7) O  corpus científico de Abraão ibn  Ezra, de Shlomo Sela; (8) Yehudá Halevi e a filosofia,  de Rafael Ramón Guerrero; (9) Abraão Ibn Daud e sua obra A fé sublime, de Amira Eran; (10) Maimônides e o Deus dos filósofos, de Samuel Scolnicov; (11) Tensões e encontros no pensamento de Maimônides entre o aristotelismo medieval e a tradição rabínica, de Alexandre Leone; (12) A ética na obra de Maimônides, de Nachman Falbel; (13) A declaração de Maimônides sobre a ciência política, de Leo Strauss; (14) Comentário de Maimônides à Bíblia, de Sara Klein-Braslavy; (15) A psicologia de Maimônides e de Yehudá Halevi, de Lenn E. Goodman; (16) A legislação da verdade: Maimônides, os almôadas e o iluminismo judaico do século XIII, de Carlos Fraenkel; (17) A alquimia na cultura judaica medieval: uma ausência notada, de Gad Freudenthal;  (18) A ciência na cultura medieval judaica do sul da  França, de Gad Freudenthal; (19) De Maimônides a Samuel ibn Tibbon: interpretando o judaísmo como religião filosófica, de Carlos Fraenkel; (20) O Al-Farabi  de Falaqera: um exemplo da judaização dos  falāsifa muçulmanos, de Steven Harvey; (21) A transmissão da filosofia e da ciência árabe: reconstrução da “Biblioteca Árabe”de Shem Tov ibn Falaqera, de Mauro Zonta; (22) Uma solução averroísta para uma perplexidade  maimonídea, de Seymour Feldman; (23) Um selo dentro de um selo: a marca do sufismo nos ensinamentos de Abraão Abuláfia, de Harvey J. Hames; (24) Narboni (1300-1362) e a simbiose filosófica judeo-árabe, de  Maurice-Ruben Hayoun; (25) Salvar sua alma ou salvar os fenômenos: soteriologia, epistemologia e astronomia em Gersônides, de Gad Freudenthal; (26) Tensões nas e entre as teorias de Maimônides e Gersônides sobre a profecia, de Idit Dobbs-Weinstein; (27) Elementos cabalísticos no livro Luz do nome (’Or há-Shem) de Rabi Hasdai Crescas, de Zev Harvey.

Pensando da perspectiva de interesses propriamente acadêmicos e especializados, vários aspectos  desse conjunto de textos poderiam ser destacados  aqui. Dois merecem atenção: em primeiro lugar,  cabe ressaltar não apenas a frequentação mútua de  pensadores judeus, cristãos e muçulmanos no Medievo, mas sobretudo a influência recíproca que autores dessas três orientações exerceram entre si; e o livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira permite ver tal influência. Além disso, o livro tem outro mérito, o de participar de maneira esclarecedora no debate instalado entre medievalistas, há alguns anos, a respeito de uma possível identidade do pensamento “medieval”: dada a implosão da imagem de uma Idade Média homogênea e filosoficamente  cristã, haveria alguma forma de unir as formas filosóficas cultivadas no período a que tradicionalmente se costuma chamar de Medievo? A característica que tem sido identificada e defendida por importantes medievalistas como critério para unir as formas filosóficas medievais é o fato de os diferentes pensadores, sem exceção (até onde se sabe), considerarem a revelação bíblica como fonte de conhecimento e de  investigação filosófica. Não se trata de retomar o clichê superado da “filosofia serva da teologia”, mas de perceber que os filósofos, no Medievo, partilhavam  principalmente a tradição bíblica da fé na criação e dela extraíam consequências filosóficas em termos  propriamente filosóficos. Desse ponto de vista, porém, a “Idade Média”ou o “Medievo”poderia ser  estendida, no mínimo, até Fílon de Alexandria, por um lado, e talvez, por outro lado, como tem defendido o medievalista italiano Giulio d’Onofrio, até  os séculos  XV-XVI, com os Concílios de Constança  (1492), Basileia (1431-1449) e Trento (1545), cujos  cânones assumem abertamente as fraturas político-religiosas e a cisão entre a busca filosófica moderna e o horizonte bíblico do pensamento. Obviamente continuará vigoroso nos séculos seguintes, em  maior ou menor grau, o modelo de pensamento que considera o horizonte da revelação bíblica. Mais ainda, continuará vigorosa a inspiração que se nutre  das três orientações monoteístas (haja vista autores  como Edith Stein, Martin Buber, Emmanuel Lévinas, Simone Weil, Michel Henry, para não falar de  Walter Benjamin, Max Horkheimer, Heschel, entre  tantos outros). Entender as raízes e as motivações  profundas dessa inspiração é algo com que contribui inequivocamente o livro organizado por Rosalie Helena de Souza Pereira.

Juvenal Savian Filho – Universidade Federal de São Paulo (Brasil). E-mail: [email protected] – ORCID:0000-0001-8104-8900

Acessar publicação original

Enquête systématique sur le rapport de distinction entre les Formes et les particuliers dans les dialogues – PITTELOUD (RA)

PITTELOUD, L. La séparation dans la métaphysique de Platon: Enquête systématique sur le rapport de distinction entre les Formes et les particuliers dans les dialogues. Sankt Augustin, Academia Verlag, 2017. Resenha de: SABRIER, Pauline. Revista Archai, Brasília, n.24, p. 309-315, set., 2018.

This book addresses a crucial topic in Plato’s metaphysics, namely Forms’ separation from sensible things (SEP). Due, at least in part, to Aristotle’s report on the theory of Forms, separation is oft en seen as a central but problematic feature of that theory; it differentiates  it  from  other  essentialist  theories,  especially Aristotle’s, and, according to many critics, it is the feature that makes the theory particularly difficult to defend. In this bo ok (written in French), Luca Pitteloud addresses the following questions: Are Forms separate from sensible things? And if so, what is meant by separation? To answer these questions, Pitteloud undertakes a survey of the whole platonic corpus: starting with the Hippias Major he examines several major dialogues, including Phaedo, Phaedrus, Republic, Parmenides, Sophist, finally concluding with the Timaeus. The outcome of this meticulous and comprehensive survey is that: (1) Forms are separate from sensible thi ngs, and (2) separation means that Forms are related to sensible things in the way that a model is related to its image, namely (2i) sensible things are ontologically dependent on Forms but (2ii) to look at the model and to look at the image is to look at the same thing from two different viewpoints.

This interpretation stands out from the common view about separation, according to which separation centres on the capacity Forms have to exist independently of sensible things. In Chapter 2, Pitteloud tackles the crucial question, addressed in the Phaedo, of the relation between the separation of the soul from the body, and the separation of Forms from sensible things. The core question is whether separation in these two cases is comparable. The major claim th at Pitteloud defends in this chapter is that although Plato does say that the soul is separate from the body, this is different from the way in which Forms are separate from sensible things. Indeed, that the soul is separate from the body means that the so ul can exist unembodied, and this can happen in two ways: (SEP1) when the soul is separate from the body through death and (SEP1’) when the soul is separate from the body through philosophical activity. In other words, talking about how the soul is separat e from the body amounts to talking about different ways the soul can exist: embodied or disembodied. According to Pitteloud however, this is different from separation in the case of Forms and sensible things (SEP) for (i) Plato does not discuss different m odes of being in the case of Forms and (ii) we do not find the idea that Forms must be purified from sensible things, as, it seems, the soul must be when separated from the body.

Pitteloud’s point is not to deny, of course, that there is a sense in which Forms are independent from sensible things, namely in so far as Forms do not depend on sensible things for being what they are. His point is, rather, that this is not what Plato is after when dealing with separation. On Pitteloud’s reading, the question that motivates the topic of separation is the question how Forms are related to sensible things. For there is a tension between, on the one hand, Forms being not only different but also indepen dent from sensible things, and, on the other hand, their being deeply connected with the sensible things that resemble them, participate in them, and of which they are causes. For Pitteloud, this tension can be observed from the two ‘viewpoints’ on Forms, as he himself labels them, that are found in the dialogues: sometimes, Forms and sensible things are described as being two different ontological categories (CAT), whereas, at other times, they are described as comprising two degrees within the same ontolo gical category (DEG). A point that Pitteloud makes in the book is that while Plato seems to favors the (CAT) viewpoint in dialogues like the Phaedo, he ultimately comes to reject it and adopts (DEG). This evolution, or development in Plato’s treatment of s eparation is reflected in the structure of the book, as the six chapters follow Plato’s progression on the topic. Although it is not  the  purpose  of  the  book  to  enter  the  debate  between developmentalism and unitarianism, Pitteloud’s analysis of separation i s set up within a familiar pattern of reading Plato’s dialogues according to which the socalled late dialogues are meant to correct issues that arose from Plato’s earlier views. The difficulty that arises from the (CAT) viewpoint is that it is not at all clear to which ontological category sensible things belong. On the one hand, Forms are sharply distinguished from sensible things in that Forms belong to the category of being whereas sensible things are excluded from it. On the other hand, sensible things are something as opposed to nothing at all; hence they cannot simply belong to the category of notbeing. Both horns lea d to a deadend.

The key for understanding separation, and the turning point in Plato’s reflection, is the analysis of the image metaphor in the Republic. In Chapter 4, Pitteloud argues that this metaphor can be understood in two ways that he sees as complementary: (a) For ms are the model of which sensible things are the images, just like a painting is an image made after a model, or just like Socrates’ reflection in the mirror  is  the  image  of  the  real  Socrates.  (b)  Thinking  about craftsmanship, a Form is a model in the sen se of being the structure on the basis of which all the particular instances are made. This metaphor brings in two important elements to understand the relation between Form s and sensible things in Pitteloud’s reconstruction. First, if Forms are related to sensible things in the way a model is related to its image, then we need something in which the image appears, which is neither identical with the image nor with the model (e.g. a mirror in the case of Socrates, stone or bronze in the case of the statue).

Second, there is a sense in which looking at the image and looking at the model amounts to looking at the same thing but from a different perspective. For instance, to look at Socrates himself or to look at his image in the mirror is just two different wa ys of looking at Socrates. This applies equally to Forms: they can either be considered in themselves or as they appear in the sensible.

In Chapters 5 and 6 Pitteloud shows how the changes invited by the image metaphor are taken on board in later dialogue s. In the Sophist (Chapter 5), Plato upgrades the status of sensible things, first by drawing a distinction between an image and an illusion, and second  by  introducing  changing  things  into  being,  thereby broadening the scope of being. The next, crucial ste p is taken in the Timaeus (Chapter 6),  where Plato posits the existence of the Receptacle, that is, that in which sensible things appear. Forms themselves are not in the Receptacle; only their images, i.e. sensible things, are. In this way, the Receptacle is that which provides for the possibility of the image’s existence; without anything in which it can appear, there can simply be no image. The introduction of the Receptacle entails that sensible things are not only ontologically dependent on Forms, but t hey are also ontological dependent on the Receptacle. Being both dependent on Forms and on the Receptacle, sensible things are ‘in between’, they are properly ‘intermediate’. For Pitteloud, taken together, these changes are the sign that by the time of the Timaeus, Plato has abandoned the (CAT) viewpoint and now defends the (DEG) viewpoint. Ultimately, if there are two different categories, they are that of the model and that of the Receptacle. But sensible things are not a different category from Forms, ra ther, both Forms and sensible things are different degrees within the category of being. That the Timaeus does not solve all the problems related to the relation between Forms and sensible things is clear, but for Pitteloud, it contains Plato’s final word about the issue of separation.

Pitteloud’s book has a number of strengths, not least its methodical treatment of the issue of separation. Special mention should be made to the long appendix at the end of the book that provides, amongst other things, a com prehensive account of all occurrences of the terms for ‘paradigm’, ‘image’, ‘copy’ and for ‘separation’ in Plato that is extremely useful. The core of the book, and what makes it stand out from other works on the topic, is the alternative account of separa tion that it defends. It seems that Pitteloud has a point when he argues that we should be careful not to apply the conclusions we can draw from separation in the case of the soul and the body to the case of Forms and sensible things. His own solution, nam ely the claim that the image metaphor is the key to separation, is convincingly argued for and the textual evidence he provides is substantial. More to the point, Pitteloud’s interpretation avoids many of the difficulties that normally arise when dealing w ith separation. To begin with, the view that Forms are separate is often read as implying that Forms are selfsufficient. This is the idea that a Form can exist itself by itself, that it need not enter into any relations to be what it is. This view, howeve r, creates difficulties every time Plato suggests that Forms are related to one another. By contrast, the image metaphor makes clear the respect in which Forms are selfsufficient: namely in respect of their relation to sensible things. Indeed, Forms do no t depend on sensible things for being what they are, whereas the converse is not true. But this by no means implies that Forms are not related to one another. Another typical problem that is often associated with separation is the question of the immanence or transcendence of Plato’s Forms. Now, if we follow this idea that Forms are to sensible things what a model is to its image,  then  the  question  whether  Forms  are  immanent  or transcendent is of little relevance. For we would hardly be willing to say about Socrates that he is in his reflection, or that he is in the mirror that reflects him. Rather, it is a property of the mirror to be such that it can contain an image of Socrates, and it is his image that is in the mirror, not Socrates himself. Thus with th e image metaphor, the emphasis is on the distinction between Forms, their images and that in which their images appear. This brings me to a last point in favor of Pitteloud’s reading, namely the role it gives to the Receptacle. Often the question is how to conceive of the receptacle, whether it is space or matter. On Pitteloud’s reading however, we need not choose between the two options. Indeed, the Receptacle being that in which the image appears, it is in a sense both space and matter. This sheds new lig ht on this difficult aspect of the Timaeus.

Less convincing however is Pitteloud’s claim that separation requires Plato to move from a (CAT) reading to a (DEG) reading of the relation between Forms and sensible things. The main worry is that Pitteloud see ms to take (CAT) and (DEG) to be plainly incompatible: Plato would hold the one or the other but could not hold both. In other words, Pitteloud seems to rule out from the start the possibility that one can, at the same time, divide existing things in two d ifferent categories and also assert that these two categories are related in such a way that the one is dependent on the other for what it is. It is not clear, however, that this is so. Admittedly, the one does not imply the other, that is, one can defend a two category ontology without at the same time defending the view that there is an ontological dependence between these two categories. But this does not imply that the two are incompatible. It seems that Pitteloud’s rationale for holding the incompatibi lity between (CAT) and (DEG) is that, in the specific case of Plato, the one category is, precisely, the category of being. Hence the following problem: if the one category is that of being, then what can the other be? Now, this is a problem only if by ‘be ing’ here, one means the totality of what there is. For in that case, it seems that there can be no category outside of being. But this is not the only way to conceive of being, and certainly not the only way available to Plato. For Plato himself often use s ‘being’ in the sense of ‘primary being’, and not in the sense of the totality of what there is. So it is not clear why Pitteloud rules out the possibility that (CAT) and (DEG) are compatible. Opposing (CAT) to (DEG) even seems to generate more problems t han it solves. For, as Pitteloud himself acknowledges, there is a passage at Timaeus 48e3 where Timeaus declares that he is now going to distinguish a third kind (triton genos) on top of the two kinds (duo eidê) he already admitted. This is certainly a bac k reference to the previous account of the universe that he gave, but it is also a reference to Phaedo 79a6 which is the basic reference for the (CAT) viewpoint. Moreover, Pitteloud himself suggests that the model and the Receptacle may ultimately be two d istinct categories. But he does not say why what he thought was problematic in the case of sensible things is not longer problematic in the case of the Receptacle. All in all, we might have expected more clarity regarding some of the metaphysical theses de fended  in  the  book.  Nevertheless,  it  remains  the  case  that Pitteloud’s book makes a significant contribution to the field by defending an alternative, and convincing, account of separation.

Pauline Sabrier – Sun YatSen University Zhuhai (China). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Early Greek Philosophy – LAKS; MOST (RA)

LAKS, A.; MOST, G. Early Greek Philosophy (9 vols.). Cambridge MA, Loeb Classical Library. Les débuts de la Philosophie, des premiers penseurs grecs à Socrate. Paris: Fayard, 2016. Resenha de: ROSSETTI, Livio. Revista Archai, Brasília, n.21, p. 341-350, set., 2017.

A ampla coleção de textos e informações sobre os ‘filósofos’ pré-socráticos conhecida pelo nome Diels-Kranz foi publicada em 1903 e atualizada até 1952. Alcançou sucesso imediato e teve o raro privilégio de sobreviver sem dificuldades às muitas tentativas de atualizações selecionadas publicadas até recentemente (as mais recentes: D.W. Graham, The Texts of Early Greek Philosophy, Cambridge, 2010; J. Pórtulas-S. Grau, Saviesa grega arcaica, Barcelona, 2011; J. Mansfeld-O. Primavesi, Die Vorsokratiker, Griechisch-Deutsch, Stuttgart, 2012). De fato, mesmo apresentando inconvenientes inevitáveis (passaram-se mais de cento e dez anos, com grande quantidade de publicações e um número considerável de fatos novos que ocorreram durante este período), aquela obra foi reconhecida por unanimidade como exemplar pelo cuidado e credibilidade ‘nos limites do humano’.

Entretanto, em 2016, a situação mudou com a saída dos nove volumes de formato pequeno do Early Greek Philosophy (fazem parte da Loeb Classical Library, a celebrada coleção de textos gregos e latinos traduzidos e anotados publicados em Harvard) e, paralelamente, do Les débuts de la philosophie em volume único, publicado em Paris pela Arthème Fayard. Nos dois casos, os responsáveis pela seleção e organização das informações disponíveis foram André Laks que foi professor da Sorbonne (atualmente professor na Universidad Panamericana de Ciudad de México), e Glenn W. Most, professor na Normale de Pisa e na Universidade de Chicago, com a colaboração de Gérard Journée, Leopoldo Iribarren, David Levystone e outros. A edição inglesa em língua se estende por 4200 páginas, aquela em língua francesa por pouco mais de 1650 páginas, embora em um formato bem maior. Com esta obra, a situação mudou porque agora existem as condições para citar LM ao invés de DK, contudo que por esta razão é inevitável que, durante alguns anos, continuamos a usar tanto a numeração DK quanto a LM.

É verdade que, na ‘Advertência’, Laks e Most começam por assegurar que “A presente coleção, embora procurando ser útil aos especialistas, tem o propósito de apresentar a um público amplo as informações  disponíveis a respeito dos inícios da filosofia grega”, mas isto são apenas respeito e modéstia em face da imponência do antecedente constituído pelo DK. Na opinião de quem escreve, uma tal declaração não  poderia enganar ninguém!

A obra nos apresenta, se contei bem, algo como 3.600 unidades textuais, cada qual proposta em sua língua original (oferecendo, quando necessário, também os textos em latim, hebraico, siríaco armênio ou árabe), com anotações bem selecionadas sobre as dúvidas da constituição do texto, e acompanhada de tradução que, seguindo um uso atualmente já bem estabelecido, não se limita apenas aos fragmentos. São unidades textuais sobre Tales, Anaximandro,  Anaxímenes, Pitágoras e os Pitagóricos, Heráclito, Parmênides, Zenão, Empédocles, Demócrito, Protágoras, Górgias etc. Os noventa capítulos da coleção Diels-Kranz aqui se tornaram 43 (30 sem contar os sofistas), enquanto Graham selecionou apenas 20, Pórtulas e Grau 26 (mas somente para o período  que vai até Parmênides), Mansfeld e Primavesi 12  (contagem esquemática que aqui talvez seja permitido não ‘aprimorar’). Há portanto muitos autores considerados menores (Petrônio, Ico, Menestor,  Cleidemo, Ideo, etc.) que  não  são reportados  na  coleção LM, e se trata de uma escolha sensata. Em compensação, a série inicia com uma ampla seleção de textos de Homero e Hesíodo, Teógnides, Píndaro e outros poetas da idade arcaica e se conclui com um panorama análogo de textos trágicos e cômicos: duas novidades importantes em relação a DK, e também em relação à maioria das coleções comparáveis. Depois da seleção dedicada à poesia arcaica, seguem os ‘costumeiros’ Tales, Anaximandro etc., enquanto que depois de Heráclito é a vez de uma seção ampla e  articulada sobre Pitágoras e os Pitagóricos que, com suas 190 páginas da edição francesa, é a seção mais ampla da inteira obra (a segunda é a de Empédocles, com 160 páginas). Entre as new entries se encontram também uma seção muito útil sobre doxógrafos  e ‘sucessões’ (um grande trabalho historiográfico  realizado em época helenística e que sobreviveu em condições muito precárias), uma generosa seleção de textos médicos e sobretudo o Papiro de Derveni (este último com um substancioso aporte da italiana Valeria Piano): todas opções mais do que acertadas.

Para apresentar-nos os pré-socráticos, o Laks-Most parte de Diels-Kranz (nem era pensável agir de forma diferente), mas fá-lo repensando a matéria por inteiro e com grande liberdade intelectual. Quando possível, as fontes são dispostas, para cada autor, em volta de três seções: P sobre a personagem e os fatos biográficos, D sobre os ensinamentos,  R sobre as repercussões e discussões sucessivas.  As seções reservadas a Heráclito, Empédocles e Demócrito têm notável amplidão, todavia surpreende também a amplidão do capítulo dedicado a Melisso.  Uma qualidade vistosa, e que todos apreciarão, é  também a decisão de organizar o todo tendo como base uma bem estruturada série de subtítulos que  constituem também o plano e a posição de cada capítulo, permitindo a configuração de numerosos grupos homogêneos de informações e – o que mais importa – facilitando de muito a tarefa de quem vai buscar algo específico, mesmo porque cada capítulo se abre com o prospecto dos pequenos títulos utilizados para caracterizar cada um dos grupos ou os subgrupos de documentos. A fórmula funciona bem e tem a qualidade considerável de colocar um pouco de ordem entre as informações, portanto, não só de facilitar a primeira fase de orientação, mas  especialmente de oferecer uma visibilidade inédita à componente enciclopédica da obra de muitos entre os pré-socráticos (por exemplo, Parmênides).

A escolha de privilegiar as informações produz  também efeitos colaterais: antes de tudo, justifica  a apresentação dos fragmentos e testemunhos com base no argumento tratado, não sem ter o cuidado de imprimir os fragmentos em negrito; mas serve  também para deixar cair muitos textos que podem ser considerados acessórios como, por exemplo,  aqueles que engastam um fragmento (eventualmente reapresentando-os, se valer a pena, na seção R). Esta escolha é exatamente uma escolha, a expressão de um critério e não é isenta de contrapartidas. Por  exemplo, teria sido desejável uma oferta mais generosa (na seção R) dos contextos que LM omitem quando se trata de apresentar um fragmento.

Outra inovação relevante é de natureza inteiramente diferente e se refere à presença de uma  seção sobre Sócrates. Há mais de um século todos nós aprendemos a falar dos filósofos pré-socráticos e, com isto, a separar Sócrates de todos eles,  mesmo sabendo que ele foi ativo quando o foram as personagens normalmente etiquetadas como  sofistas, não depois. Bem, Laks e Most ousaram  fazer aquilo que, se eu não estiver errado, ninguém fizera antes: inserir nesta coleção também um capítulo dedicado a Sócrates. A escolha tem algo de curioso, porque torna Sócrates um… pré-socrático (na realidade um pré-platônico como, de fato, ele foi) mas de certa forma, uma escolha explosiva,  porque induz a uma representação de Sócrates com as categorias do século V, como é justo que seja, e não com as categorias de Platão e de outros seus contemporâneos. É como se fôssemos libertados da obrigação de aceitar como bom aquele Sócrates do qual lemos em muitas centenas de páginas escritas à distância de algumas décadas de sua morte.  É minha ideia que nesse caminho Laks e Most  tenham percorrido somente uma parte da estrada, a primeira parte. Com efeito, a seleção das fontes retoma até demais dos textos platônicos enquanto silencia inteiramente as evidências relativas a Polícrates o acusador, não valoriza o testemunho de Ésquines de Esfeto e Fédon e usa mais do que com parcimônia os textos de Xenofonte.

Todavia, como é sabido, começar é a parte mais difícil e, feito o primeiro passo, outros certamente virão mais facilmente. Acredito, enfim, que esta  inovação em particular esteja apta a produzir efeitos de importância especial não por causa daquilo que Laks-Most selecionaram ou deixaram de lado, mas pela nitidez que sua escolha garante à exigência  de enquadrar Sócrates entre os não-filósofos do V século e, por conseguinte, de notar antes de tudo o quão representativo de outra época (aquela de seus autores) seja o conjunto dos diálogos socráticos.

Por fim, assinalo a presença de dois apêndices, um dedicado a informar a respeito dos mais de duzentas personagens que entram em cena como autores (a partir dos quais se cita) ou como personagens (dos quais se escreveu). Pena que a escolha das personagens sobre as quais se informa seja seletiva demais e as páginas nas quais eles estão presentes não sejam indicadas. O outro é um bom glossário, sempre útil, ao lado de outros apêndices.

Em todo caso, o resultado de momento maior não é nenhum daqueles listados até agora: é ter alcançado uma meta tão ambiciosa, e ter conseguido manter sob controle uma massa tão imponente de documentos.

Defeitos? Sou tentado a dizer que, se os há, estão bem escondidos e que será preciso muito para encontrá-los. É claro que há defeitos, é simplesmente humano que os haja, e isto depende principalmente da impossibilidade de satisfazer os desejos dos mais diferentes leitores. A falta mais grave concerne, sem dúvida, o índice das fontes, mas é lógico esperar que se remediará por ocasião de uma segunda edição.  De fato, quando se procura estabelecer se uma certa unidade textual foi inserida ou omitida, a tarefa se torna necessariamente difícil, embora se possa ainda recorrer ao prospecto das concordâncias entre DK e LM que é realmente bem feito.

Ainda em referência a omissões (pois nada direi a respeito de escolhas na constituição dos textos e na tradução), seria possível alcançar uma lista de tamanho considerável, dada a propensão dos editores de conter os capítulos. A seguir dou alguns  exemplos mais familiares ao autor desta resenha.

No caso do capítulo 5 sobre Tales, se omite a sua menção por parte do poeta de Lesbos, Alceu, apesar de que DK nos dê esta informação em 11A11a; igualmente se omite a respeito do título de sophos com o qual a cidade de Atenas teria honrado Tales ‘antes’ de formar o colégio dos sete sábios. Note-se que se trata de detalhes que falam da celebridade  da personagem alcançada em vida e, em relação a Atenas, de sua política cultural por volta do ano 580 a.C. Por sua vez, o âmbito das ‘descobertas astronômicas’ é detalhado no que diz respeito às medidas espaciais mas nos dá apenas uma informação a  respeito das partes do ano (5R25), enquanto um  detalhe não menos importante sobre o intervalo  entre o equinócio de outono e o poente das Plêiades se encontra e 5R21, portanto, um pouco fora  de lugar. Teria sido possível (e desejável) destacar  a notícia referente ao comprimento desigual dos  intervalos (entre solstícios e equinócios, que implica ter aprendido a estabelecer com exatidão a data de ambos) que se encontra dispersa em 5R16, unidade textual caracterizada como notícia que concerne o sol. Ainda, pelo que diz respeito à sua “atitude diante da vida”(um dos subtítulos que se encontra na pag. 40 da edição francesa), deveria ter se informado da opinião de Tales sobre inumação, notícia preservada em 11A13 DK (=Th 318 Wöhrle).

No capítulo 19 sobre Parmênides se destaca o  silêncio sobre o fr. 20 Cerri do próprio Parmênides (a louvação de Amínia, da qual fala Boécio), embora não seja raro que um autor do período assim chamado arcaico resolva honrar alguém (es. Pausânia mencionado por Empédocles). Que depois se passe o mesmo, entre outros, com a coleção de Graham, de Pórtulas-Grau e de Mansfeld-Primavesi não é um bom motivo para ignorar a notícia. Ademais, tendo se estabelecido o uso de anotar os neologismos isolados, ao menos as palavras alogon, pseudophanēs e hudatorizon gostaríamos de tê-las encontradas impressas em negrito, independentemente do parecer dos editores sobre a paternidade efetiva deste ou  daquele neologismo.

O capítulo sobre Zenão parece até mesmo curto demais quando comparado com a coleção publicada por H.P.D. Lee em 1936 (in Zeno of Elea, p. 12-63), ainda mais porque o próprio Lee fora até seletivo  demais, tanto que se procurariam inutilmente, por exemplo, as passagens relevantes (que não são nem genéricas e nem pleonásticas) do De lineis insecabilibus pseudo-aristotélico, passagens que são omitidas também por LM. Uma outra omissão se refere à página, notadamente assinalada por John Dillon em 1974, na qual Proclo reporta inequivocamente que Zenão teria falado dos antípodas, atestando  portanto que  o próprio  Zenão pôde mencionar o  termo e tratá-lo como uma noção já estabelecida e portanto ‘disponível’.

No capítulo 31 sobre Protágoras (e, igualmente, no capítulo correspondente da coleção Graham e no DK) gostaríamos de ter encontrado passagens sobre a  dikē huper misthou, vale dizer, a disputa  entre Protágoras e Evatlo, que é decididamente  paradigmática como exemplo de antilogia perfeitamente equilibrada e de uma situação de todo indecidível, e surpreende que tenha sido eliminada até mesmo a breve síntese que se encontra em Diógenes Laércio.

Pergunto-me também por que os dois decidiram falar de “sistemas filosóficos sucessivos”em referência aos ‘pluralistas’, a Arquelao, a Diógenes de  Apolônia, aos textos médicos e ao Papiro de Derveni, já que não se trata de sistemas e nem de textos inequivocamente filosóficos, enquanto que sucessivos ao século V a.C. são somente alguns textos médicos (não todos) e o papiro.

É  evidente que estas indicações não podem de  forma alguma ofuscar os méritos de uma obra que não pode não marcar presença, tornando-se imediatamente indispensável para todos aqueles que se confrontam com os pré-socráticos (ou melhor, com os pré-platônicos, Sócrates incluso). Se acrescentarmos as 1.060 páginas muito bem informadas do Die Philosophie der Antike, I, Frühgriechische Philosophie, obra dirigida por Flashar, Bremer e Rechenauer  (Basel, 2013), podemos bem dizer que o estudo  dos pré-socráticos está partindo novamente sobre  novas bases e com instrumentos de trabalho muito sólidos, e quem se ocupa disso dispõe de recursos atualizados e muito, muito profissionais.

Nota

1 O autor gostaria de agradecer ao Doutor Nicola Galgano (USP) pela tradução da resenha que agora se publica.

Livio Rossetti1 – Universidade de Perugia (Itália). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Seneca: selected dialogues and consolations – ANDERSON (RA)

ANDERSON, Peter J. Seneca: selected dialogues and consolations. Indianapolis: Cambridge, Hackett Publishing Company, Inc, 2015. Resenha de: DINUCCI, Aldo. Revista Archai, Brasília, n.21, p. 337-340, set., 2017.

This volume presents a selection of Seneca’s dialogues and consolations. It is composed of introduction, the translations of selected Seneca’s dialogues and consolations, biographical information of key individuals, glossary of Latin words, and index of  historical persons. The five parts of the book are  thus briefly described and evaluated below.

The Introduction is divided into eleven sub- sections. In the first subsection, Anderson presents a well-written account of Seneca’s life (p. xi- xiii).  Concerning the philosopher’s exile after his implication in an adulterous affair with Julia Livilla,  Anderson points out that almost all ancient sources consider Seneca not guilty. A weak point in this  argument is that Anderson does not mention the  referred primary historical sources, which would  be useful to the reader.

The next sub-section deals with the literary qualities of Seneca’s philosophical writings. Anderson  correctly points out that literary form and philosophy are, in Seneca, two sides of the same coin, noting  that, through these writings, Seneca is simultaneously aiming at showing literary excellence and at  philosophically persuading the reader. In the third subsection (“A note on the translations”), Anderson discusses the difficulties to render Seneca’s dialogues in English. In order to achieve this, the translator – based on Lindsay’s Oxford classical text – tries to replicate Seneca’s prose, consistently rendering the following six key words:  animus  as  “spirit”, mens as “mind”, virtus as “virtue”, otium  as  “retirement”, bonum as “good”and  malum  as “bad”.

The next sub-section examines the interplay between Seneca and Stoicism. In the historical account of the Stoic school, however, Anderson does not  mention Diogenes of Babylon. Some information  about him should be provided, as he was the first  Stoic philosopher in Rome, being sent to the Eternal City (together with the Academic Carneades and the Peripatetic Critolaus) in 155 BC to appeal a fine,  and to deliver public lectures on Greek philosophy, which much impressed the Romans (cf. Aulus Gellius, Attic Nights, vii. 14; Cicero, Academica, ii. 45).

After the historical account, Anderson makes  two important assertions: in the first place, in  Seneca’s time, Stoicism was a “holistic practice of a set of principles and belief “(p. xviii), which is in  marked contrast to the contemporary conception of philosophy; secondly, there are centuries of other  philosophers’ reflections behind Seneca’s arguments.

The next subsections present and clarify the  following Stoic reflections and concepts that underlie Seneca’s philosophical works: the concept of a providential and living god (p. xx), the celebrated  expression “to live according nature”, the idea that each person is responsible for her or his actions  through the rational capacity and the use of impressions (phantasiai), the concept of oikeoisis (p. xxii), and the indifferents (adiaphorap. xxiii).

In this latter sub-section, Anderson correctly notes that, for the Stoics, things as wealth (which was the same of Seneca’s case) and poverty are indifferent  and, therefore, cannot guarantee happiness (p. xxiv), which is an important thing to note, as sometimes Seneca’s wealthy is regarded as inconsistent with  his claims of being a Stoic. In fact, for the Stoics,  wealthy can be used for the good or for the bad, as everything else which is indifferent.

The introduction ends with three informative  sub-sections: the dating and the addresses of the  dialogues and consolations, and a further reading  sub-section.

Anderson translates the following Seneca’s works: “On providence”, “On the resolute nature of the wise man”, “Consolation to Marcia”, “On the happy life”, “On retirement”, “On serenity of the spirit”, “On  the shortness of life”, “Consolation to Polybius”,  “Consolation to his mother Helvia”. The subtitles  of these works are the original and correspondent ones in Latin. My only suggestion with regard to  the translation of the titles is the rendering of  De constantia sapientis  as “On the resolute nature of  the wise man”, which would be better translated as “On the firmness of the wise man”.

Anderson’s translations of Seneca’s selected works are sound. Elucidative footnotes, mainly concerning individuals and historical facts mentioned by Seneca, are supplied. The book ends with biographical information for key individuals, a glossary of Latin words and an index of historical persons.

In summary, the book provides good translations and plenty information concerning Seneca’s  dialogues and consolations. Thus, it is an excellent tool for students and teachers of Latin literature and Stoic philosophy.

Aldo Dinucci – Universidade Federal de Sergipe (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Platon, Parménide et Paul de Tarse – FATTAL (RA)

FATTAL, M. Du bien et de la crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse. Paris: l’Harmattan, 2016. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.20, p. 355-360, Maio, 2017.

Michel Fattal is a member of the International Plato Society, lecturer since 1994 at the Université de Grenoble Alpes, a specialist on ancient and mediaeval philosophy. M. Fattal has published so far nineteen books and more than forty articles, most of them dealing with philosophical theories about logos, including the Pre-Socratics, Plato, Aristotle, the Stoics, Plotin, Saint Augustine, and the medieval reception of the Greek philosophy. “e academy of moral and political sciences awarded him the Charles Lyon-Caen Prize, rewarding him for the publication of Platon et Plotin, Relation, Logos, Intuition  (Paris, l’Harmattan, 2013). Michel Fattal is thus a most distinguished scholar and now he publishes a fine book on the good and the crisis, linking Plato, Parmenides and Paul of Tarsus. As is his style, Fattal builds his argument using short items, each from two to four pages each, on specific subjects, easing the task of the reader. Even though learned and fond of etymological turns, all the Greek quotes are transliterated in Latin letters and translated into French, so that even lay readers may understand his stand. “e volume also puts together papers to be delivered in 2016 in Brasília and Bologna.

The two key concepts are “to put together”(sundein) and “crisis”(krisis). Crisis comes from the Greek krisis, separation, and the verb krino means to split apart, and then to decide, to judge. From Parmenides to Paul o f Tarsus, krinein implies a norm or criteria for choosing what to do and what to avoid doing. Parmenides already proposed that critical reason, or logos, splits apart truth and opinion. Michel Fattal aims thus at studyi ng the critical logos of Parmenides and the noncritical logos of Paul of Tarsus. He starts by considering how the good is relational (desmos) at the Phaedo (99c5-6):

99 ξ τὴν δὲ τοῦ ὡς οἷόν τε βέλτιστα αὐτὰ τεθῆναι δύναμιν  οὕτω  νῦν  κεῖσθαι,  ταύτην  οὔτε  ζητοῦσιν οὔτε  τινὰ  ο ἴ ονται  δαιμονίαν  ἰσχὺν  ἔχειν,  ἀλλὰ ἡγοῦνται τούτου Ἄ τλαντα ἄν ποτε ἰσχυρότερον καὶ ἀθανατώτερον καὶ μᾶλλον ἅ παντα συνέχοντα ἐξευρεῖν, καὶ ὡς ἀληθῶς τὸ ἀγαθὸν καὶ δέον συνδεῖν καὶ συνέχε ιν οὐδὲν ο ἴ ονται. ἐγὼ μὲν οὖν τῆς τοιαύτης αἰτίας ὅπ ῃ ποτὲ ἔχει μαθητὴς ὁτουοῦν ἥ διστ ̓ ἂν γενοίμην: ἐπειδὴ δὲ ταύτης ἐστερήθην καὶ οὔτ ̓ αὐτὸς εὑρεῖν οὔτε παρ ̓ ἄλλου μαθεῖν οἷός τε ἐγενόμην, τὸν δεύτερον

99c the power which causes things to be now placed as it is best for them to be placed, nor do they think it has any divine force, but they think they cannd a new Atlas more powerful and more immortal and more all-embracing than this, and in truth they give no thought to the good, which must embrace and hold together all things. Now I would gladly be the pupil of anyone who would teach me the nature of such a cause; but since that was denied me and I was not able to discover it myself or to learn of  it from anyone else.

It is thus the good that embraces (sundei) and holds together (sunechei) everything. Plato (Phd. 99c5) puts together under a single article (to) agathon and deon, the good and necessary at once, considering that the verb deo  means to happen and to put together. “e good (agathon) is necessarily to put together. At the Phaedo the good is self-su cient as it is principle (arche) and cause (aitia), being thus relational cause and causal relation. Participation (methexis) means also to put together (metechein), so that the good is a bond at the heart of the human language. Fur- thermore, Fattal argues that in the Phaedo Plato ad- dresses not only the study of the vertical relationship, a hierarchical one, linking the sensible and the forms, but also the horizontal links that the forms establish among themselves, later developed in the Sophist. “e Phaedo extends the principle of mutual exclusion of direct contraries to indirect ones, proposes the rule of inclusion or inference enabling forms to be related to each other.

Michel Fattal turns then to Parmenides and to the origins of the crisis, especially his Poem (8 Fr. 50-52):

[50] Ἐ ν τῷ σοι πα ύ ω πιστὸν λόγον ἠδὲ νόημα ἀμφὶς ἀληθε ί ης· δόξας δ’ ἀπὸ τοῦδε βροτε ί ας μ ά νθανε κόσμον ἐμῶν ἐπέων ἀπατηλὸν ἀκο ύ ων.

50 Here shall I close my trustworthy speech and thought about the truth. Henceforward learn the opinions of mortals,  giving ear to the deceptive ordering of my words.  (English translation by John Burnet, 1892).

The goddess of the Poem is at the same time thea (goddess) and aletheia  (truth), urging the disciple to avoid opinion and preferring truth. So much so, that Parmenides, for the first time in western philosophy, considers that reason, or logos, has a function in relation to truth and critical assessment, enabling late r Greek philosophy to establish ontological and gnose o- logical hierarchies.

All those are the necessary steps conducing to a di¬erent Pauline reason, or logos, for it is a pneumatic one. Fattal concludes the study by focusing at th e First Letter to the Corinthians, dated around 56 AD and particularly comments a key excerpt:

Paul, 1 Corinthians 2, 14-16

14 ψυχικὸς δὲ ἄνθρωπος οὐ δέχεται τὰ τοῦ πνεύματος τοῦ θεοῦ, μωρία γὰρ αὐτῶ ἐστιν, καὶ οὐ δύναται γνῶναι, ὅτι πνευματικῶς ἀνακρίνεται·

15 ὁ δὲ πνευματικὸς ἀνακρίνει [τὰ] πάντα, αὐτὸς δὲ ὑπ ̓ οὐδενὸς ἀνακρίνεται.

16 τίς γὰρ ἔγνω νοῦν κυρίου, ὃ ς συμβιβάσει αὐτόν; ἡμεῖς δὲ νοῦν χριστοῦ ἔχομεν.

14 But a natural man does not accept the things of the Spir- it of God, for they are foolishness to him; and he cannot understand them, because they are spiritually appra ised.

15 But he who is spiritual appraises all things, ye t he himself is appraised by no one.

16 For who has known the mind of the LORD, that he will instruct him? But we have the mind of Christ.

New American Standard Bible

Paul proposes a spiritual conversion of the nous, intel- ligence, reason, intellect, so that the human being gets a superior understanding or judging capacity, and as such the spiritual human being discerns and judges (ankrinei) everything. This is thus the result of the conversion of the physical to the spiritual, enabling the spirit (pneuma) to foster critical discernment. Those proposals result also from the conflicts within the Corinthian church and they establish a non-critical reason or logos, in opposition to the critical one of Parmenides. The criteria proposed by Paul are spiritual, beyond and above the material world. Michel Fattal finisches the volume by questioning what he defines as nihilist approaches countering classical metaphysics, notably those thinkers of suicion, such as Freud, Nietzsche and Marx. Fattal does not consider that Freudian Subconscious, Nietzschean Der Wille zur Macht or Marxian infrastructure could explain and define humans, human values and conscience. Paul’s reason or logos, on the other hand, broadens human apirations, as it draws its strength from God, from love (agape), a superior grace. Michael Fattal concludes by stating that Paul’s methodical and dialectical reason or logos is valid for humans in any time. Michel Fattal relates classical ontology to Christian reasoning, opposing critical and non-critical, physical and spiritual reason pledging for the eternal value of a spiritual approached grounded on love. Not all modern scholars will agree wit his stand, but the main strength of the volume is in te in-depth analysis, of philosophical concepts from ancient to modern times.

Pedro Paulo A. Funari Du bien et de la crise. Platon, Parménide et Paul de Tarse Universidade Estadual de Campinas (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Chora. Über das zweite Prinzip Platons – BARBARIC (RA)

BARBARIC, Damir. Chora. Über das zweite Prinzip Platons. Tübingen: Attempto Verlag, 2015. Resenha de: HERKERT, Felix. Revista Archai, Brasília, n.20, p.343-353, Maio, 2017.

Die platonische Chora ist in den letzten Jahrzehnten zunehmend ins Blickfeld der Interpreten gerückt. Dabei fällt auf, dass viele der zur Chora entstandenen Studien nicht aus der Feder von Altphilologen oder Spezialisten für antike Philosophie stammen, sondern von – nicht selten in den Fußstapfen Heideggers wandelnden – Phänomenologen. Es sei hier nur auf drei Aufsätze Nader El-Bizris (zwischen 2001 und 2004 publiziert)1, auf John Sallis’ Chorology (1999)2 sowie Günter Figals Kapitel zur Chora in seinem neuen Werk Unscheinbarkeit (2015)3 verwiesen, ganz zu schweigen von Jacques Derridas einschlägigem Text zur Thematik (1993)4. Was macht die Chora als Untersuchungsgegenstand philosophisch so interessant? Zunächst der Umstand, dass sie – seit der aristotelischen Umdeutung zur Hyle – innerhalb der platonisch-aristotelischen Tradition gleichsam von der Bildfläche verschwand. Im Rückgang auf die Chora lässt sich also, gegen die gesamte abendländische Tradition, ein bei Platon gedachtes, daraufhin sogleich der Vergessenheit anheimgefallenes Motiv wiedergewinnen und fruchtbar machen. Die Wieder-holung der Chora kann sich ferner verbinden mit der von Heidegger angestrengten Grundsatzkritik der Metaphysik, und zwar durch Bezugnahme auf eine Gedankenfigur, die von Heidegger selber erstaunlich selten thematisiert wurde.

Vor diesem Hintergrund lässt sich auch Damir Barbarics neue Studie zur Chora verorten. Diese beginnt kaum zufällig mit dem Hinweis auf den „anderen Anfang”(ἑτέραν ἀρχὴν), mit dem Platon im Timaios (48b2) die Passagen zur Chora als einer „dritten Gattung”neben dem Seienden und dem Werdenden einleitet. Barbarics These dazu lautet: „Wenn die »klassische”Lehre Platons, die im Laufe der Geschichte zum »Platonismus« als einer »ZweiWelten-Lehre”festgelegt wurde, das Wesen dessen ausmacht, was in Anlehnung an Nietzsche und Heidegger unter »Metaphysik”verstanden werden soll, dann könnte Platons »anderer Anfang« im Timaios sein bislang wenig beachteter, ja verkannter Versuch der »Überwindung« einer so verstandenen Metaphysik verstanden werden”(12). Platon erschiene demnach nicht nur als Begründer, sondern zugleich als erster möglicher Überwinder der „Metaphysik“. Die Grundintention liegt klar zu Tage: Platons „ anderer Anfang”wird gegen Heidegger mobilisiert, indem ein im Anfang der Metaphysik liegendes, von Heidegger nicht gesehenes Potential der Vergessenheit entriss en und  einer  ausführlichen  Interpretation  unterzogen werden  soll.  Der  Weg,  den  Barbaric  für  dieses Unterfangen einschlägt, ist nun ein von den anfangs genannten Studien grundsätzlich verschiedener. Wie schon der Untertitel des Buches – „ Über das zweite Prinzip Platons”– nahelegt, geht es ihm um eine prinzipientheoretische Interpretation der Chora, die sich  im  Rahmen  des  Tübinger  Platonparadigmas bewegt 5.  Die  Tragfähigkeit  dieses  Paradigmas  – demgemä ß  das  Dialogwerk  Platons  erst  vor  dem Hintergrund  der  sogenannten „ ungeschriebenen Lehre”seinen vollen Sinn entfalte – wird von Barba ric nicht grundsätzlich hinterfragt, vielmehr mit Blick auf die Chora zu entfalten und zu erhärten versucht. Der Gang der Untersuchung gliedert sich in mehrere Kapitel, in denen eine detaillierte Interpretation de r relevanten Timaios -Passagen unternommen wird. Im Rahmen dieser Interpretation ist Barbaric stets um eine sinnvolle Kontextualisierung durch Heranziehung sachlich  bedeutsamer  Parallelstellen  aus  anderen platonischen  Dialogen  (besonders  aus Philebos, Sophistes und Nomoi), sowie um die Einbeziehung der indirekten Platonüberlieferung (z. B. Alexander von Aphrodisias) bemüht.

Zunächst sucht Barbaric die Chora gegen geläu- fige Raum- und Materiebegri]e abzugrenzen, ist sie doch weder von einem homogenen, ausgedehnten, leeren Raumverständnis her, noch auch von einer substratha oder stofflich begriffenen Materie (d. h. vom aristotelischen sowenig wie vom neuzeitlichen Materiebegri]) her zu fassen. Auch wenn manche der  Metaphern, die Platon zur Veranschaulichung der Chora  anführt,  in  derartige  Richtungen  weisen, spricht der Umstand, dass die Chora als in sich bewegt und mit Krä”en erfüllt beschrieben wird (vgl. 52e), gegen genannte Deutungen. Dieser Aspekt, die dynami- sche Bewegtheit der Chora, ist es denn auch, den Barbaric ins Zentrum stellt. Wie aber interpretiert er die „ schwankende Bewegung”der Chora? Nicht im Sinne einer Ortsbewegung; vielmehr wird zur Erhellung des Sachverhaltes Philebos  24a ]. herangezogen, da die dortige Untersuchung des ἄπειρον gewisse Paralle- len zur Chora aufweist. Die Bewegung des ἄπειρον, das unendliche Auseinandergehen bei gleichzeitigem  In-sich-Zurücksinken,  das  unendliche  Fortschreiten in entgegengesetzte Richtungen, wobei sogar die jeweiligen Extreme nicht als beständig gedacht werden dür^en, wird von Barbaric mit der Bewegung der Chora zusammengebracht. Chora und ἄπειρον seien „ ein δυνάμει ὄν, ein Vermögen oder ein Sein- Könnendes”(45), das als solches unbestimmbar bleibe und sich lediglich im Verhältnis zu anderem bestimmen lasse. Gro ß en Wert legt Barbaric darauf, die δύναμις der Chora und des ἄπειρον nicht als „ Mög- lichkeit“, sondern als „ Kra^”oder „ Vermögen”zu verstehen, welche letztlich nichts anderes als Aspekte der „ unbestimmten Zweiheit”darstellen. Überhaupt sieht Barbaric im Begri] der δύναμις – auch in Anlehnung an Sophistes 248 ]. – geradezu die entschei- dende Seinsbestimmung des späten Platon. Wenn im Sophistes das „ Vermögen zu tun und zu leiden”sowohl den Ideen als auch den Erscheinungen zukommt, so sei in der so verstandenen δύναμις die Klu^ zwischen Sein und Werden überbrückt, ein beiden Gemeinsames gefunden.

Auch das Wirken der „ unbestimmten Zweiheit”sei als δύναμις zu fassen, die zumal allem Weltgeschehen latent zu Grunde liege. Deshalb dürfe der sogenannte „ vorkosmische Zustand”auch nicht im zeitlichen Sin- ne, sondern als immerwährend verstanden werden. Die „ vorweltlichen und vorzeitlichen »Geschehnisse”(παθήματα), aus denen die zwar sichtbare, aber noch nicht zur körperlichen Festigkeit und Beständigkeit gelangenden Kra^bewegungen der Chora  bestehen, ereignen sich […] immer, überall in der Welt und mitten in der Zeit, in jedem Augenblick”(61f.) 6.

Weiterhin sucht Barbaric zu begründen, dass von der Chora bzw. der „ unbestimmten Zweiheit”im Timaios nicht erst nach dem „ anderen Anfang”die Rede sei, sondern der Sache nach schon viel früher, z. B. in 30 ]., wo das dem Demiurgen Vor*ndliche als „ nicht in Ruhe, sondern regellos und ungeordnet bewegt”beschrieben wird. Nicht zuletzt in der Genese der Weltseele sei die Chora bereits am Werk, namentlich im „ Anderen”als Teil ihrer Mischung. Die Gattung des „ Anderen”wird bekanntlich im Sophistes  näher erörtert und nimmt dort – verglichen mit den sons- tigen „ höchsten Gattungen”– eine Sonderrolle ein, insofern ihr keine Selbigkeit eignet, sie mithin nu r im Bezug auf Anderes charakterisierbar ist. Im „ An- deren”erblickt Barbaric nun wiederum eine Ausprä- gung des zweiten Prinzips, das vom Demiurgen mit Gewalt (βία) zur Mischung gezwungen werden muss. Die kosmische Topologie der Bewegungen reicht im Timaios vom sich gleichbleibenden Kreis der Fixster- ne, in dem das „ Selbe”gänzlich dominiere, über die verschiedenen Planetenbahnen, in deren ellipsenför- migen und unterschiedlich schnellen Bewegungen bereits das „ Andere”seine Kra^ entfalte, bis hin zu den ungeordneten Bewegungen auf der Erde, wo der Ein- &uss des „ Anderen”(und d. h. des zweiten Prinzips) überwiege. Letztlich hat für Barbaric die harmonische Ordnung der Weltseele – zu deren musikalischem Hintergrund er auch einige Überlegungen entfaltet – ihren Ursprung „ in den Schwingungen der allem Leben zugrunde liegenden Urbewegung, die an sich ordnungs- und regellos ist, aber durch die Zahl und die auf ihr beruhenden mannigfaltigen Analogiever- hältnisse zum Teil geordnet werden kann”(78). Da- mit ist die dynamische Urspannung der zwei Prinzi- pien auch in der Seele (besonders in ihren A]ekten) präsent; ihre Herstellung sei lediglich als „ rationaler und das hei ß t harmonisch gestalteter Überbau”(107) des chaotischen Urgrundes zu fassen.

Die Spannung zwischen den zwei Prinzipien zieht sich im Grunde durch alle Wirklichkeitsebenen, deren Genese – wie schon Konrad Gaiser ausführlich dargestellt hat – in der sogenannten „ Dimensionenfolge”von Punkt, Linie, Fläche und Körper veranschaulicht werden kann, wobei das jeweils Einfachere als Grenze (πέρας) für die nächste Dimension fungiert. Was die Entstehung der Körperlichkeit aus der Fläche betri – und dies bezeichnet ontologisch ja den Hervorgang der Sinnenwelt (und damit das Thema des Timaios) –, unterzieht Barbaric folgende wichtige Stelle aus den Nomoi  (894a) einer näheren Betrachtung: „ Und die Entstehung von allem, bei welchem Geschehnis (πάθος) kommt sie zustande? O]enkundig dann, wenn der Ursprung (ἀρχή), die Dimension anneh- mend (λαβοῦσα αὔξην), sich in den zweiten Um- schlag-Übergang (μετάβασιν) begibt und von diesem in den folgenden, und so, zu drei Dimensionen kom- mend, den Wahrnehmenden die Wahrnehmungen gibt.”Hier sei, so Barbaric, von der sukzessiven Ent- stehung der Körperwelt die Rede, die sich über einen mehrfachen „ Umschlag”bzw. „ Übergang”vollziehe, und zwar dergestalt, dass im Umschlag zu einer neu- en Dimension jeweils die ungeordnete δύναμις des zweiten Prinzips wirksam sei, die freilich zugleich wiederum vom ersten Prinzip begrenzt werde.7 Diese Entfaltung sei nun – mathematisch betrachtet – zu- gleich das Kommensurabelwerden eines innerhalb einer Dimension Inkommensurablen, d. i. die Auf- lösung einer innerdimensionalen Spannung durch den Übergang in eine neue Dimension. Am Beispiel des Verhältnisses der „ irrationalen”Diagonale eines Quadrats zu dessen Seitenlänge lasse sich dies veran- schaulichen: eine Diagonale mit der Länge „ Wurzel 2”ist niemals kommensurabel mit der Seitenlänge des betre]enden Quadrats. Erst im Übergang zur nächs- ten Dimension (d. h. in der Selbstmultiplikation von „ Wurzel 2“) lässt sich die Spannung au&ösen. Barbaric weist diesbezüglich darauf hin, dass die Griechen die- sen Übergang mit dem Verb δύναμαι bezeichneten, z. B. in der Formel „ »die Linie kann (δύναται)  die Flä- che”[…], wobei dieses »Können”wohl im Sinne von »hat den Drang nach…”und »hat die Kra^ zu…”zu verstehen ist”(100). Erst unter Berücksichtigung die- ses aus der Sphäre des Mathematischen geschöp^en δύναμις-Begri]s, so die These, erhalte Platons späte Seinsbestimmung ihre volle Bedeutung. Diese Seins- bestimmung sei nämlich primär auf die durch die Spannung der Prinzipien generierte Entfaltung der Dimensionenfolge zugeschnitten.

In dem im Sophistes  und im Timaios  dargelegten Weltverständnis sieht Barbaric die Ideenlehre nicht auf- gegeben, vielmehr eingebettet in und vertieft durch die Prinzipienlehre, welche der Sinnenwelt allererst ih reigenes Recht lasse. Der Urbild-Abbild-Dualismus tret e zurück hinter einer dynamisch-kontinuierlichen, zum al substanzlosen Au]assung der Gesamtwirklichkeit, wo- bei der Streit zwischen den beiden Prinzipien sich auf je- der Wirklichkeitsebene austrage. Die Implikationen, die sich hieraus für eine Verhältnisbestimmung zwischen dem Timaios und Platons gro ß em Alterswerk, den Nomoi, ergeben, deutet Barbaric nur an: „ Die Gesetze sind sein [d. i. Platons] Versuch, diese neue Konzeption mits amt ihren weitreichenden Folgen philosophisch produktiv zu machen”(123) – und damit gewisserma ß en das poli- tische Gegenstück zum Timaios.

Barbarics genaue Interpretation des Timaios, die Bezüge, die er zu anderen Dialogen sowie nicht zu- letzt zur indirekten Überlieferung zieht, vermögen über weite Strecken zu überzeugen. Hinsichtlich des metaphysikkritischen Potentials von Platons „ ande- rem Anfang”ergeben sich allerdings einige Fragen: Muss man den von Barbaric behaupteten Versuch der Überwindung der Metaphysik im Sinne einer Zwei-Welten-Lehre im Timaios notwendigerweise an die „ ungeschriebene Lehre”koppeln? Ist Platons „ an- derer Anfang”und das damit verbundene (selbst)kri- tische Potential nur (oder überhaupt) unter Annahme eines prinzipientheoretischen Hintergrundes plausi- bel zu machen? Insbesondere stellt sich bei einer prin- zipientheoretisch fundierten Chora, die für den Ver- such der Überwindung der Metaphysik in Anspruch genommen werden soll, die Frage, ob die Lehre von den zwei Prinzipien nicht ihrerseits „ metaphysisch”ist. Tritt uns das Problem des Dualismus nicht auch hier entgegen, jetzt freilich nicht mehr im Sinne der Zwei-Welten-Lehre  sondern  prinzipiendualistisch? Ob sich die prinzipientheoretisch fundierte Chora für eine Metaphysikkritik im heideggerschen Sinne eignet, erscheint jedenfalls fraglich. Das Kriterium der „ zwei Welten”mag für Nietzsches Verständnis von Metaphysik entscheidend sein, nicht aber ohne weiteres – wie Barbaric suggeriert (vgl. 12) – auch für Heidegger. Dessen Paradigma der Metaphysik als Onto-Theologie kann, muss jedoch nicht notwendi- gerweise mit einer „ Zwei-Welten-Lehre”korrespon- dieren. Also nicht anhand der Überwindung einer „ Zwei-Welten-Lehre“, sondern anhand einer Über- windung der Onto-%eologie wäre mit Heidegger die Tragweite des platonischen „ anderen Anfangs”zu ermessen. Diese Probleme scheint Barbaric – auch wenn er nicht explizit darauf zu sprechen kommt – insoweit gesehen oder zumindest geahnt zu haben, als es ihm am Ende weniger um eine Überwindung der Metaphysik denn um eine Wiederbelebung derselben „ auf der Spur von Chora “geht (136).

Notas

1 „ Qui-êtes vous Khôra? Receiving Plato’s Timaeus “, in: Existentia. Meletai-Sophias, Vol. XI, Issue 3-4 (2001), 473-490; „ ON KAI KHORA: Situating Heidegger between the Sophist and the Timaeus ”, in: Studia Phaenomenologica, Vol. IV, Issue 1-2 (2004), 73–98; „ Ontopoiēsis and the Interpretation of Plato’s Khôra ”, in: Analecta Husserliana: 1e Yearbook of Phenomeno- logical Research, Vol. LXXXIII (2004), 25–45.

2  Chorology. On Beginning in Plato’s Timaeus, Bloomington 1999.

3  Unscheinbarkeit. Der Raum der Phänomenologie, Tübin- gen 2015, § 3: χώρα.

4  Khôra, Paris 1993.

5 Auch dieser Ansatz ist freilich nicht neu. So hat sich bereits Giovanni Reale (Per una nuova interpretazione di Platone, Milano 21 2003, Kap. 19) an einer prinzipientheoretischen Auswertung der Chora versucht, bei der er teils auf ähnliche Zusammenhänge eingegangen ist wie auch Barbaric.

6 In gewisser Hinsicht lassen sich Barbarics Ausführun- gen zur von der „ unbestimmten Zweiheit”her gedachten und immerwährenden Bewegtheit der Chora auch als Ergänzung zu Konrad Gaisers Ausführungen zur platonischen Geschi- chtsmetaphysik in Teil 2 von Platons ungeschriebene Lehre (Stuttgart ³ 1998) verstehen. In einer ausführlichen Interpre- tation des Politikos -Mythos hatte Gaiser eine Rekonstruktion des platonischen Geschichtsverständnisses vor dem Hinter- grund der Prinzipienlehre versucht, wobei Geschichte dann ni- chts anderes ist als die wechselvolle Austragung der Spannung zwis-chen den Prinzipien in der Zeit. Die geschichtsphiloso- phischen Implikationen von Barbarics Chora-Interpretation weisen in eine ähnliche Richtung.

7 Eine derartige Deutung hat auch Konrad Gaiser (Platons ungeschriebene Lehre, 187f.) nahegelegt.

Referências

DERRIDA, J. (1993). Khôra. Paris, Galilée.

EL- BIZRI, N. (2001). Qui-êtes vous Khôra? Recei- ving Plato’s Timaeus. Existentia. Meletai-Sophias, Vol. XI, Issue 3-4, p. 473-490.

EL- BIZRI, N. (2004). ON KAI KHORA: Situating Heidegger between the Sophist and the Timaeus. Studia Phaenomenologica, Vol. IV, Issue 1-2, p. 73–98.

EL- BIZRI, N. (2004). „ Ontopoiēsis  and the Inter- pretation of Plato’s Khôra ”. Analecta Husserliana: 1e Yearbook of Phenomenological Research, Vol. LXXXI- II, p. 25-45. https://doi.org/10.1007/1-4020-2245-X_3

FIGAL, G. (2015). Unscheinbarkeit. Der Raum der Phänomenologie. Tübingen, Mohr Siebeck.

GAISER, K. (1998). Platons ungeschriebene Lehre. 3ºed. Stuttgart, Klett-Cotta.

REALE, G. (2003). Per una nuova interpretazione di Platone. 21º ed. Milano, Vita e pensiero.

SALLIS, J. (1999). Chorology. On Beginning in Plato’s Timaeus. Bloomington, Indiana University Press.

Felix Herkert – Albert Ludwigs Universität Freiburg (Deutschland). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Lógica e Ciência em Aristóteles – ANGIONI (RA)

ANGIONI, Lucas (Ed). Lógica e Ciência em Aristóteles. Campinas: Editora. Phi, 2014. Resenha de: BERRÓN, Manuel. Revista Archai, Brasília, n.20, p.335-342, Maio, 2017.

El volumen compilado por Lucas Angioni contiene ocho artículos antecedidos por un prefacio de Rodrigo Guerizoli y Raphael Zillig y una introducción del p ropio Angioni. En dicha introducción, hace una somera per o valiosa presentación del contenido de los artículos. Éstos se abocan al examen de distintos aspectos de la filosofía de la ciencia de Aristóteles tales como, por caso, la teoría de la predicación, la teoría de la demostración y del silogis- mo en general, así como la importancia de la dialéctica en conexión con el conocimiento de los principios. El último artículo constituye una excepción puesto que se ded ica, como veremos, al examen de la aporía 11 de Metaph. B.

Tal como señalan Guerizoli y Zillig en el prefacio, el texto reúne un conjunto de artículos elaborados por investigadores vinculados a la Universidad de Campinas y orientados por Angioni. La unidad del grupo se observa por la coherencia en la perspectiva gene ral bajo la que se estudia Aristóteles. Un elemento característico de ella es la ponderación del silogismo como la herramienta adecuada para la expresión de las re la- ciones causales a las que aspira una genuina demostración científica. Tal tesis, opuesta a la interpretación más ortodoxa y difundida, entre otros, por J. Barnes en la década de 1970, constituye una interesante y destacada novedad en el plano de las interpretaciones de la filosofía de la ciencia del estagirita. En efecto, encontramos como característica general de esta nueva interpretación que la demostración científica posee una estructura tripartita fielmente expuesta en la estructura del silogismo; de esta manera, quedan unidos de modo indisoluble una herramienta formal como es el silogismo con la explicación causal científica.

El capítulo 1, “Os predicados per se em Aristoteles”de Carlos Terra, se dedica a examinar los sentidos en que se usa per se  (kath’hauto) en APo. I 4 y en Metaph. V 30. Terra defende la concordancia de ambos textos y, para probar la misma, se ocupa de comparar el listado de predicados per se en uno y otro texto. El problema del alcance de lo que es un predicado per se  es decisivo para la teoría de la demostración científica puesto que, tal como afirma Aristóteles en distintos lugares, dichos predicados son los requeridos para la demostración. En vista de la importancia del problema, el examen de Terra apunta a mostrar que las clasificaciones desarrolla- das en estos pasajes son armónicas pero, de un modo heterodoxo, pretende mostrar también que un sub- conjunto de sentidos de per se permite comprender a ciertos predicados no esenciales como per se. Esta tesis, enormemente sugerente, asume que los predi- cados “propios”, tal como se los conoce en Tópicos, y los concomitantes por sí mismos, aun no siendo esenciales son necesarios para sus sujetos y, así, podrían ser utilizados científicamente.

En el capítulo 2, “Demostração, silogismo e causalidade”, de Lucas Angioni, se examinan críticamente diferentes posiciones estándar sobre la relación en tre la demostración y el silogismo tales como la lectur a de Barnes, de Hintikka y las de Corcoran/ Smith. Según nos informa Angioni, estos intérpretes destacan el v alor que el aspecto formal del silogismo habría tenido para Aristóteles. En contra de estas lecturas, Angioni defiende en su artículo tres tesis centrales: i) que la de mostración tiene por objeto principal captar la causa par a un cierto explanandum; ii) a su vez, y como ha expuesto en otros artículos, defiende nuevamente que la noción de causa posee una estructura triádica fundamental y que esta estructura es clave para que el silogismo pueda explicar su propia conclusión; iii) por último, Ang ioni sostiene que Aristóteles habría utilizado el format o del silogismo justamente porque entre sus beneficios habría encontrado que dicho formato es el que mejor destaca la noción de explicación por la causa apropiad a. El texto tiene la particularidad de reunir sintéticamen te la opinión general de Angioni sobre distintos aspectos de la teoría de la ciencia aristotélica a los que ha dedicado muchos años de investigación y estudio.

El capítulo 3, “Silogismo e demonstração na concepção de conhecimento científico dos Analíticos  de Aristóteles”, de Francine Maria Ribeiro, aborda en una primera parte del texto y de modo crítico dos interpretaciones fuertes sobre la silogística aristotélica en el Siglo XX, a saber: las lecturas de Łukasiewicz y de Corcoran. Como es sabido, el primero tendió a interpre tar la silogística como si fuera una teoría axiomática mientras que el segundo la concibió como un sistema de deducción natural. Ribeiro apunta a destacar que l a elección del silogismo como formato para la demostración se debería a que éste es el modelo deductivo más apto para expresar relaciones causales apropiadas o adecuadas. Ribeiro fortalece su posición examinando detalladamente APo. I 2 71b9-16 allí donde Aristóteles establece que el conocimiento es de lo necesario o de lo que no puede ser de otro modo. De modo sintético, su lectura es que el silogismo no es un mero aparato formal deductivo sino que es el mejor modelo deductivo en tanto que permite expresar fidedignamente la conexión causal existente entre dos términos logrando así elaborar una genuina prueba científica.

En el capítulo 4, “Fundacionalismo e Silogística”de Breno Andrade Zuppolini, se investiga sobre la relación que existe entre el silogismo y el modo en que éste da pie -o no- para una visión axiomática y fundacionista de la estructura de la ciencia. Según algunos intérpr e- tes tales como J. Barnes, el proyecto axiomático more geometrico no sería armónico con la naturaleza del silogismo. Para salvar esta dificultad, Zuppolini apun ta a redefinir la ciencia demostrativa centrándose en la noción de aitía. Hecha esta asunción, se logra mostrar que los principios de la demostración son aquellos que realmente operan en las pruebas científicas y que, por ello, exhiben la causa. Con este esquema, desliga los principios comunes y las suposiciones de existencia de la demostración científica y exime a la trama final que adquiere la estructura demostrativa de cumplir con la exigencia de contenerlos explícitamente. Tal estrategia vale, finalmente, para liberar al fundacionismo aristotélico de la dificultad del uso del silogismo como herra- mienta demostrativa y, en este sentido, no sólo liberarlo sino volverlo compatible con el silogismo.

En el capítulo 5, “As proposições categóricas na lógica de Aristóteles”, de Mateus Ricardo Fernandes Ferreira -que lamentablemente carece de una introducción y sus conclusiones- aborda críticamente tres interpretaciones relativas al modo en que se interpreta el cuadro de oposición de las proposiciones categóricas en Aristóteles. Una (1) primera posición deriva- da de la lógica formal clásica -posición denominada semántico-existencial- asumiría el valor existencial de las proposiciones para garantizar las relaciones lógicas entre las cuatro proposiciones. (2) Una opción distinta (Wedin y Parsons) reordena la formalización del cuadro de oposición puesto que asume que sólo las proposiciones categóricas afirmativas poseen valor existencial. (3) Una tercera opción heterodoxa viene propuesta por Malink y, apoyándose en une lectu- ra diferente del dictum de omni et nullo  de APr. I 1 24b28-30, construye una interpretación no extensio- nal de las proposiciones categóricas. En sendos apar- tados subsiguientes, Fernandes Ferreira se dedica a discutir detalles de las lecturas de Wedin y Malink contrastándolas con pasajes del corpus aristotélico.

El capítulo 6, “Silogismos e ordenação de termos nos Primeros analíticos “de Felipe Weinmann, tiene por objeto el examen de la definición fundacional de silogismo de APr. I 1 24b18-20. El autor se detiene en ponderar la Cláusula Final (CF) de la definición, “em virtude de serem tais coisas”(su traducción), puesto que la misma ha sido objeto de controversia erudita: la tradición estándar la considera super>ua y como una mera adición a la definición estricta y de carácter inferencial mientras que otra tradición, contrariamente, defende que la CF posee un valor relevante aunque no logra explicar satisfactoriamente por qué. Weinmann defiende que la CF establece una impor- tante restricción concebida por Aristóteles y referida al modo en que los términos del juicio están ordenados. Su hipótesis es que CF se establece para asegurar que de dos premisas dadas se deriva necesariamente una conclusión tal en la que el término A se predi- ca de C. Con la finalidad de sustentar tal afirmación, Weinmann estudia en detalle APr. I 4 y I 7 como dos capítulos en donde Aristóteles utiliza efectivamente la restricción CF, y así su existencia no sería para nada super>ua, para mostrar la conexión entre las premisas y la conclusión en el sentido señalado.

En capítulo 7, “A utilidade dos Tópicos  em relação aos princípios das ciências”de Martins Mendonça, F. se aborda un asunto muy discutido recientemente relativo a la función de la dialéctica en su carácter de herramienta apta para alcanzar los principios del conoci- miento en el contexto de las investigación científica. El autor se ocupa de examinar, y relativizar, la muy difundida tesis de que la dialéctica posee un genuino valor heurístico en relación con los principios. Mendonça considera que debemos tener una posición deflacionaria sobre el poder de la dialéctica y, como principal argumento, afirma que el problema más difícil para atribuirle dicho poder consistiría en la asimetría existente entre los éndoxa, los puntos de partida del examen dialéctico, y los principios. Los primeros son sólo plausibles mientras que los segundos son verdaderos: ¿cómo asegurar su verdad? Mendonça considera que esta asimetría no puede ser salvada (p. 312-20). El argumento que se apoya en la coherencia -y que da origen a la versión coherentista de Aristóteles- no lograría resolver esta asimetría. Su hipótesis, de modo contrario, pretende restringir la función de la dialéctica a su función de entrenamiento argumentativo, a su carácter gimnástico. Las ciencias y la filosofía, dado su carácter argumentativo, se benefician por las técnicas desarr o- lladas por la dialéctica, y sólo eso. A modo de crítica, podemos señalar que el examen de Mendoça se restringe únicamente a Top. I 2 cuando la mayor parte de la bibliografía que reivindica el uso de la dialéctica con carácter heurístico se apoya, desde Owen en adelante, en el celebrado pasaje de Ética a Nicómaco VII 1, don- de Aristóteles afirrma que la búsqueda de los principios parte de éndoxa y que esto será “prueba suficiente”.

En último lugar, en el capítulo 8, “A aporia 11 e o projecto aristotélico de fundação da filosofia primeira”de Wellington Damasceno de Almeida, se aborda, desde luego, la aporía 11 de Metafísica  III (beta) en su desarrollo y desenlace tal como es presentado en Metafísica X (iota) 2. Según el autor, Aristóteles se esfuerza por examinar la semántica del término “uno”(to hen) por medio de la semántica del término “ele- mento”para poder luego discutir las interpretaciones que del “uno”, en primer lugar, hicieron los físicos materialistas y, en segundo lugar, los pitagóricos y Platón. Los primeros entendieron al “uno”como naturaleza subyacente mientras que los segundos hicieron de él una naturaleza en sí misma. El recorrido de la aporía concluye en establecer que el concepto de “uno”es un concepto de segundo orden utilizado para hacer referencia a una multiplicidad de entes de la misma clase. De este modo, “uno”permitiría algo así como conferir cognoscibilidad a la multiplicidad de entes de los que se predica (p. 365). Este término, así como causa, elemento, principio y otros, son “transcategoriales”y aseguran la inteligibilidad de las cosas, pero no logran establecer la naturaleza de las cosas (reservada a las definiciones de la esencia). En síntesis, según Damas- ceno de Almeida, los conceptos de este tipo son indis pensables para la construcción del conocimiento aun- que son incapaces por sí mismos de denotar la esencia de las cosas.

Para cerrar, quisiera destacar algunos detalles gene- rales y de forma: cada capítulo contiene la bibliografía utilizada al final pero, quizá, hubiera sido más útil el armado de una bibliografía común al final del volumen evitando las repeticiones innecesarias. Por otra parte, la obra carece de índices de nombres y lugares que seguramente hubieran sido de mucha utilidad a los lectores.

Manuel Berrón Chora. Über das zweite Prinzip Platons Albert-Ludwigs – Universidad Nacional del Litoral (Argentina). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Poética – ARISTÓTELES (RA)

ARISTÓTELES. Poética. Edição bilíngue. Tradução, Introdução e notas de Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2015. Resenha de: FRANCO, Irley Fernandes. Revista Archai, Brasília, n.18, p. 417-425, set., 2016.

Poética pertence ao grupo dos chamados escritos esotéricos, ou acroamáticos 1  (como eram nomeados pelos primeiros estudiosos de Aristóteles), isto é, escritos ou anotações “do que foi ouvido”ou lido 2. Mais do que isso, a Poética  é considerada, por seu caráter incompleto, fragmentário e muitas vezes desconexo, como o exemplo mais perfeito desse gênero aristotélico. Não só não foi escrita para ser publicada, tal os escritos “exotéricos”(ἐξωτερικών συγγράμματα) 3, os diálogos perdidos que o próprio estagirita teria publicado em vida, como é, dentre os “não publicados”, o mais condensado e enigmático. Ela é talvez parte daquele outro gênero, para o qual já havia apontado Cícero, em suas observações acerca dos escritos morais aristotélicos 4: o dos “Comentários”(hoje identificado aos acima citados “esotéricos ou acroamáticos”), gênero que abrange desde os tratados enciclopédicos com argumentação rigorosa e sofisticada, até as anotações mais descuidadas, como, aliás, parece ser aqui o caso. À palavra “comentários”equivale o termo grego ὑπομνήματα, ie, o conjunto de notas que servem para trazer à lembrança determinados temas, possivelmente já tratados (em aulas?) e certamente já publicados.

O próprio Aristóteles jamais usou a terminologia acima citada. na Poética,  ele se refere a “escritos publicados”(1454b18: ἐκδεδομένοι λόγοι) justificando o fato de não estar aí explicando os temas que estão sendo tratados, o que fortemente sugere que esta fosse a única classificação dada por ele à sua obra: “publicados”e “não publicados”. na passagem em questão, ele está certamente se referindo ao diálogo Dos poetas (Περὶ ποιητῶν), livro exotérico perdido, mencionado em catálogos antigos e do qual restam-nos apenas fragmentos. neste livro, o filósofo, conhecido e admirado, desde a Idade Média pelo rigor de seus argumentos, teria feito todas as articulações essenciais referentes à matéria esquematicamente apresentada na Poética.

A Poética, ademais, não chegou inteira aos nossos dias. Ela sobreviveu, como os demais escritos acroamáticos, mas, à diferença deles, nunca foi comentada ou revisada durante o período de grande atividade exegética, sobretudo no séc. II com Alexandre de Aphrodisias. Do séc. III ao V, a Poética  parece ser totalmente desconhecida. E, conforme o catálogo que nos foi transmitido por Diógenes Laércio (Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres  3 48), ela era composta de dois livros. Um segundo volume teria sido dedicado à comédia e disso sabemos através tanto da própria Poética, onde se lê, no capítulo VI (1449 b21) “da imitação em hexâmetros e da comédia trataremos depois”, quanto de outros tratados de Aristóteles, principalmente a Retórica, que, em dois lugares diferentes, — I, 11, 1372 a 1; III, 18, 1419 b5 —, refere-se ao “γελοῖος”(engraçado, risível) de que já tratara na Poética. a Política, quando menciona que o sentido de catarse será esclarecido ἐν τοἶς περὶ ποιητικῆς (“nos [livros] sobre a poesia”) e tal esclarecimento não aparece no livro I, também nos leva a supor a existência desse segundo livro.

Há ainda o problema peculiar da transmissão do texto da Poética, pois ela descende de quatro manuscritos autônomos: o Parisinus Graecus 1741 (sécs. X-XI), somente descoberto no séc. XVIII, o Ricardianus  46 (séc. XII), a versão latina (Moerbeke, 1278), e o Parisinus Árabe 2376 (c. séc. X) 5, o que agrava bastante a situação já fragmentária do texto acroamático, porque, com a passagem dos séculos, e à medida que os manuscritos foram sendo descobertos, o texto foi também se transformando, sofrendo intercalações, acréscimos, omissões etc. a tradução que ora se comenta usa o texto estabelecido por Rudolf Kassel, edição relativamente recente (1965) e amplamente adotada pelos especialistas em Aristóteles. a versão de Kassel tem a preferência dos scholars porque considera com muita atenção as quatro fontes acima citadas do texto aristotélico. De fato, somente Kassel conseguiu sintetizar de maneira satisfatória esses quatro manuscritos.

Sendo essa, então, a situação em que nos encontramos diante da Poética, considere-se o valor de uma tradução que, além de enfrentar as dificuldades naturais do grego antigo, — língua a que poucos têm acesso — tenha ainda como perspectiva dar a esse texto coerência e unidade. Pois foi essa a tarefa ciclópea a que se entregou Paulo Pinheiro. a fim de dar ao leitor condições de pensar a partir do texto original, pois é essa a finalidade de toda tradução, nosso tradutor não só foi à fonte grega como generosamente a ilustrou com fartas e elucidativas notas, única maneira de garantir que o mais “torturado”dos textos aristotélicos — como o qualificou Eudoro de Souza 6  — ganhasse corpo e clareza. Sem notas, permaneceria ininteligível a maior parte das teses apresentadas na Poética. Tampouco fariam sentido aqueles pontos que nos parecem intransponíveis se não os relacionamos com outras obras do corpus aristotelicum, principalmente com a Ética Nicomaqueia e com a Retórica.

Essa é, pois, a vantagem de termos um tradutor filósofo. E, de fato, em língua pátria, essa é a primeira tradução que tenta dar conta, através de notas explicativas, do vasto material conceitual trazido pela Poética. Termos como μίμεσις, μύθος, κάθαρσις, τύχη, πράξις, ἁρμαρτία etc., alguns hoje caros à teoria da literatura, e cujos sentidos têm sido exaustivamente investigados por estudiosos da Poética, são aí brevemente mencionados, como se fizessem parte de um vocabulário com o qual os leitores já devessem estar familiarizados. Da mesma forma, a maior parte das teses de Aristóteles sobre a poesia é aí lançada sem maiores explicações.

Assim, por exemplo, e em especial, a famosa teoria aristotélica da catarse, cujo sentido aqui somos obrigados a deduzir da definição desesperadoramente lacunar de tragédia, resumida por nosso filósofo em um único parágrafo (cap. VI). as poucas teses aí desenvolvidas, algumas de grande importância para a atual disciplina da Estética, como é o caso do problema da origem da tragédia e da comédia — tema que se tornou caro à filosofia desde O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música, de Nietzsche — o são de modo extremamente econômico.

A edição em comento é bilíngue, mas a tradução é perifrástica; sacrifica a forma ao conteúdo. É natural que assim seja, uma vez que o texto parece ser, como já dissemos, um conjunto de anotações descuidadas e que têm por finalidade trazer à memória o que antes já foi ensinado e escrito. o texto é, sem exagero, além de curto (15 páginas, ou 30 colunas) 7, extremamente condensado e tem, no geral, uma estrutura gramatical bastante irregular, sendo seus conteúdos, os mais complexos, tratados inúmeras vezes através de “frases quebradas”. o grego “ao lado”permite-nos constatar a infinidade de anacolutos que nos obrigam a “interpretar”, em lugar de simplesmente “traduzir”.

Nem sempre concordamos com as escolhas do tradutor. algumas vezes, porque destoam de nossas próprias interpretações, tais como a de μύθος por “en- redo”, φόβος por “pavor”, ἁρμαρτία por “erro”, e assim por diante. Já em outros casos, porque consideramos que a escolha do tradutor não reflete todo o conteúdo semântico do termo de origem. Tal é, por exemplo, o caso da tradução de πάθος (1452b 10) por “comoção emocional”. Ora, “comoção emocional”é expressão fraca para significar a violência que se abate sobre o herói trágico e que se dá após o reconheci- mento (άναγνώρισις) e a reviravolta (περιπέτεια), momento tópico, clímax da tragédia complexa. Πάθος é o terceiro elemento da trama (μύθος) e é definido por aristóteles como “uma ação destrutiva ou dolorosa”(1452b 12: πάθος δέ ἐστι πρᾶξις φθαρτιὴ ἢ ὀδυνηρά). o uso da palavra “emocional”sugere uma situação estritamente psicológica, mais presente na mente do que na ação, como se o psicológico estivesse separado e distante da ação. De acordo com a passagem, entre- tanto, o πάθος trágico é uma ação e não uma “emoção”.

Poder-se-ia pensar, por essa razão, que se trata aí de uma tradução que obriga seus leitores a aceitar e seguir suas próprias opções sem lhes dar a possibilidade de reflexão. Mas não é esse o caso, pois nosso tradutor justifica e generosamente explica cada uma de suas escolhas, como o faz justamente em relação ao termo cuja tradução acabamos de criticar: πάθος. Em nota ao termo, Paulo Pinheiro cita diversas traduções já oferecidas na longa história dos estudos da Poética. assim, Eudoro de Souza, traduz por “catástrofe”, Magnien e Hardy, por “événement pathétique”, Dupont-Roc e Lallot por “effet violent”, Else, por “suffering”e, finalmente Halliwell mantém simplesmente “pathos”.

Como observação final, destacamos a importância, muitas vezes negligenciada, da Poética para o pensa- mento e cultura ocidentais. Tomando como exemplo as poesias épica e trágica, Aristóteles, diverge radical- mente de seu mestre Platão, e dá à poesia a dignidade de um domínio próprio, que não mais depende de propostas políticas ou de uma filosofia moral. Pode-se dizer que, pela primeira vez, a mimesis poética é pensada como tendo uma potência própria e que, desde aí, não parou de contar a sua história. os cânones aí introduzidos para a composição da boa tragédia acabaram se tornando paradigmáticos para os demais gêneros literários e, através deles, para outras formas de produção artística, fazendo da Poética  um dos livros mais poderosos e influentes da história da literatura ocidental.

Notas

1 ἀκροαματικά, do verbo ἀκροάομαι, “ouvir”, “escutar”, don- de ensinamentos orais.

2 Ao contrário de Platão, que parece desprezar a escrita (vide principalmente Fedro 275a-276a e Carta VII 341a-d), Aristóteles era um grande amante da leitura —Platão o apelidou de “o leitor”(άναγνώστης) na academia – e teria sido o inventor do que hoje chamamos de “biblioteca”. Segundo Estrabão (séc. I  a.C), ele « foi o primeiro a colecionar livros e teria ensinado os reis do Egito o modo como organizar uma biblioteca.” Sabemos, além disso, que ele possuía uma coleção particular de livros, a qual, mais tarde, colocou à disposição de seus alunos do Liceu.

3 A expressão aparece em vários autores da antiguidade, por ex., Clemente de Alexandria (c. 250 d.C.), aulo Gélio (séc. I  d.C.), Jâmblico (séc. III) e Cícero. Este último refere-se aos escritos “exotéricos”de Aristóteles de modo extremamente elogioso: “flumen orationis aureum fundens “(a cademici Libri 2 119), “dicendi incredibili quadam cum copia tum suavitate “(Topica 1, 3).

4 Cic. Fin. V 5, 12.

5 Em sua Introdução, Paulo Pinheiro comenta brevemente as questões relativas à tradição manuscrita do texto grego. Para uma abordagem ultra detalhada do tema, ver Yebra (1992). Ver também Else (1967) e Eudoro de Sousa (1966). 6 Em sua Introdução à Poética (1966).

7 Comparativamente, a Metafísica tem 114 páginas e a Ética Nicomaqueia 98 páginas. Cf. Whalley (1970, p.77-106).

Referências

ELSE, G. F. (1967). Aristotle Poetics (translated with an introduction and notes). Ann arbor, University of Michigan Press.

RACKHAM, H. H. (1931). Marcus Tullius Cicero. De Finibus Bonorum et Malorum, V 5, 12. Loeb Library. Cambridge, MA.

SOUSA, E. de (1996). Poética  de Aristóteles. Tradução, prefácio, introdução, comentário e apêndice. Porto Alegre, Globo.

YEBRA, V. García (1992). ΑΡΙΣΤΟΤΕΛΟΥΣ ΠΕΡΙ ΠΟΙΗΤΙΚΗΣ. ARISTOTELIS ARS POETIKA. POÉTICA DE ARISTÓTELES. Edición trilíngue. Madrid, Editorial Gredos.

WHALLEY, G. (1970). On translating aristotle’s Poetics. University of Toronto Quarterly, vol.39, n.2, January, p.77-106.

Irley Fernandes Franco – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

 

Experience and Teleo­logy in Ancient Historiography. ‘Futures Past’ from Herodotus to Augus­tine – GRETHLEIN (RA)

GRETHLEIN, J. Experience and Teleo­logy in Ancient Historiography. ‘Futures Past’ from Herodotus to Augus­tine. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. Resenha de: SIERRA, César. Revista Archai, Brasília, n.18, p. 407- 416, set., 2016.

Lo primero que me ha venido a la mente tras leer la propuesta de Jonas Grethlein es que se trata de un libro que trabaja las técnicas de los historiadores para generar sensaciones en los lectores. Concretamente aborda cómo la historiografía desarrolló una narrativa empática, destacando los siguientes rasgos: teleología, enárgeia  (viveza en la narración) y mímesis. Por descontado que el análisis es mucho más rico y elaborado pero destaco las que, a mi juicio, son los recursos más analizados en el libro. El autor parte de una larga investigación sobre este tema lo cual se nota en la calidad del resultado.

La estructura del libro se divide en una introducción metodológica y tres apartados centrales: I) experien ce: making the past present; II) Teleology: the power of retrospect; y III) Beyond experience and teleology. en la primera parte se aborda el estudio de Tucídides, Jenofonte, Plutarco y Tácito; en la segunda tenemos a Heródoto, Polibio y Salustio; y, finamente, se analizan las Confesiones de agustín de Hipona. Una trayectoria que abarca prácticamente toda la antigüedad clásica y orienta la obra hacia una perspectiva global de la historiografía. Todo ello viene acompañado de una edición esmerada, que cuenta con los siempre útiles índices onomásticos y de pasajes citados además de una recopilación bibliográfica final. Magnífica edición como es habitual en las publicaciones de Cambridge University Press.

No muchos historiadores están en condiciones de abarcar con solvencia un período tan amplio como propone Grethlein y ello es muy loable, como también lo es su atención a las diferentes sensibilidades y escuelas historiográficas modernas. La selecta bibliografía en varios idiomas da buena cuenta de mi aserto. Por mi parte, centraré la discusión en aquellos autores que más he trabajado: Heródoto, Tucídides, Jenofon- te, Polibio y Plutarco.

Respecto a Heródoto, el autor destaca el uso de la retrospección en su conocidas digresiones (p.185). Desde mi punto de vista, el autor selecciona muy bien los pasajes en los que Heródoto introduce al público en el relato. Por ejemplo, las lágrimas de Jerjes en el Helesponto cuando contempla su ejército en todo su esplendor cruzando el paso y se lamenta de que toda esa muchedumbre desaparecerá con el tiempo, reflexión sobre lo efímero de la grandeza y la vida huma- na (Hdt.7.56.2). al respecto Grethlein capta muy bien que esta alusión a lo que ve y dice el monarca persa es una técnica narrativa para poner al público en una situación en la que el pasado se hace presente. También es muy destacable su análisis del lenguaje críptico de los oráculos, que precisan de una elevada hermenéutica para ser descifrados. en concreto, el autor centra su atención en los signos (sêmeîon) que introducen los oráculos en la narración de Heródoto, un presagio a menudo interpretado erróneamente por los humanos. Valgan como ejemplos el oráculo que vaticinó la ruina de Creso (Hdt.1.54.1), interpretado erróneamente por el monarca lidio, y el famoso oráculo sobre la muralla de madera que debía proteger a los atenienses frente a Jerjes, bien descifrado por Temístocles (Hdt. 8.51.1). Creo que el autor acierta al señalar que la obra de He- ródoto con frecuencia traslada al lector adelante en el tiempo y prueba de ello es que la Historia termina con la toma de Sesto por la Liga de Delos, los infortunios amorosos de Jerjes con su hermana y las enigmáticas palabras de Ciro I sobre la degeneración moral de los persas. Todo ello introduce la idea de que un imperio decae mientras otro nace (p. 206 -207).

En cambio, la descripción moral o psicológica de los protagonistas persas no está suficientemente bien trabajada. Bajo mi punto de vista, las cualidades y defectos de personajes como Jerjes o Leónidas respon- den a modelos que tienen sus raíces en la épica griega. Por ejemplo, Jerjes representa un monarca arrogante y despótico, comparable en algunos rasgos al agamenón homérico; que contrasta con el sacrificio de Leó- nidas cuyo trágico destino es similar al de aquiles 1. Por tanto, Heródoto simplifica los rasgos de la perso- nalidad de los protagonistas persas con la voluntad de acercarlos al público griego. Todo ello influye también en su relato historiográfico.

El análisis de Grethlein sobre Tucídides se centra en el ‘presentismo’ y la elaborada técnica del ateniense a la hora de introducir pequeños detalles en la narración. Me ha gustado especialmente el análisis del célebre discurso fúnebre de Pericles (p. 50), presentado como un argumento fuertemente teleológico. También la costumbre del ateniense al avanzar los planes estratégicos y después narrar los eventos, de esta manera el lector puede aventurar el resultado. el autor está muy acertado destacando que se introducen pequeños de- talles en la descripción de batallas o se define el estado de ánimo de los ejércitos con la intención de generar empatía en el lector. Son datos intrascendentes para la comprensión del fenómeno objeto de estudio pero que sirven para captar la atención del lector y generar un escenario. Por ejemplo, en el debate sobre la suerte de los mitilenos (Th.3.36) el autor llama la atención sobre el suspense creado por Tucídides (p.44). Como sabemos, se decidía en asamblea la suerte de los sublevados de Mitilene y, en una primera votación, los atenienses decidieron ejecutarlos a todos, enviando una nave con dicha orden; no obstante, tras deliberar mejor la situación decidieron no suprimirlos a todos y enviaron otra nave que tuvo que adelantarse a la anterior para transmitir las órdenes correctas. esto se puede explicar de muchas maneras pero, como indica Grethlein, es notable la intención de Tucídides de generar un suspense trágico.

Acerca del análisis que se realiza en el libro so- bre la obra de Tucídides, sólo reseñar que sería recomendable incluir una valoración sobre la ‘Pentecontecia’. en mi opinión, hay una división básica a nivel metodológico entre el libro I y el resto de la obra de Tucídides. El primer libro cumple la función de prefacio donde se aborda el pasado griego anterior a la guerra del Peloponeso desde una óptica fuertemente teleológica, por ejemplo: los episodios de Pausanias y Temístocles, la ‘ arqueología’, la citada ‘Pentecontecia’. La cuestión está muy estudiada y pienso que ayudaría a completar el buen enfoque que el autor ha realizado sobre Tucídides 2.

Personalmente considero que el mejor capítulo del libro es el dedicado al estudio de  la Anábasis  de Je- nofonte. en esta ocasión el foco de la narración pasa del exterior al interior de la acción. el autor percibe muy bien el giro narrativo que toma la Anábasis tras la muerte de los generales griegos (An.3.1.4) y el cambio total de contexto tras Cunaxa. Ciertamente a partir de la emboscada que termina con el mando de la tropa mercenaria, la narración se aproxima gradualmente hacia Jenofonte, quien adquiere protagonismo en la improvisada dirección de los Diez Mil. Se destaca el valor narrativo de los diálogos y discursos a sabiendas de que el lector interpreta que son de primera mano. Lo anterior genera una sensación casi novelesca de la narración que tiene su punto álgido en la llegada de los griegos al mar (p.60). Para mantener el ‘presentismo’ y la tensión narrativa, Jenofonte utiliza un gran abanico de recursos: descripción, focalización interna, discursos, presagios y finales abiertos. estos rasgos otorgan a la Anábasis un carácter ‘empírico’ muy particular.

Lo único objetable a este apartado es que el autor no haya realizado alguna anotación al hecho de que Tucídides también fue protagonista de la acción histó- rica. Como sabemos, el historiador era estratego cuando anfípolis cayó en manos del espartano Brasidas (Th.5.10). Su participación y responsabilidad en este conflicto condicionaron su interpretación del suceso, valorando positivamente a Brasidas y negativamente a Cleón 3. Hubiera sido interesante valorar los recursos expositivos de Tucídides en relación a este suceso y al conjunto de la obra.

La buena dinámica que el autor sostiene a lo largo del libro se mantiene en su análisis de Polibio. en este caso abunda en la enárgeia, con especial atención al ambiente que se vivió durante la proclamación de la libertad griega patrocinada por Flaminino en los Jue- gos Ístmicos (Plb.18.46.12), o la vívida descripción del paso de escipión entre los cadáveres del campo de ba- talla en Zama (Plb.38.20.1). Sin embargo, lo que más me ha llamado la atención son las interesantes aportaciones sobre teoría de la historia que se plantean tras valorar el uso del término historíe  en Polibio (1.3.4). No cabe duda de que este análisis rompe con la monotonía del libro y enriquece su aportación. No obstante, merecería la pena realizar un análisis más completo para apreciar la evolución del término desde el siglo V a.C. hasta ese preciso pasaje donde se utiliza en su acepción moderna. De esta forma apreciaríamos mejor le peculiaridad que propone Polibio 4 (p.230). Por lo demás, el capítulo nos parece de lo más edificante.

Finalmente, llegamos al apartado que más desentona con el buen nivel del libro. Para un libro de esta temática considero que no es acertada la inclusión de Plutarco y su Vida de Alejandro. el autor es consciente del problema que supone añadir una biografía, máxime cuando el propio Plutarco sostiene que no escribía historia (Plu. Alex. 1.1). Personalmente no me convence la justificación de Grethlein en las prime- ras páginas del capítulo. No digo que sea imposible el análisis, sólo pienso que los objetivos, la finalidad y el público potencial de la biografía y la historiografía no coinciden. aparte podemos considerar la diferencia metodológica entre ambos géneros. No obstante, comprendo la posición del autor al señalar que Plutarco no era refractario a la historiografía, de hecho, para elaborar sus biografías utiliza en gran medida fuentes históricas. en este sentido, Historia y biografía mantienen un delicado equilibrio pero considero el víncu- lo insuficiente. Por ejemplo, en Sobre la malevolencia de Heródoto, el biógrafo sostiene que un historiador debe decantarse por la narración de los actos buenos y nobles (Plu.Mor. 855C) 5. Esta elección del evento historiable es legítima por parte de Plutarco pero tiene evidentes implicaciones sobre la técnica narrativa. Así pues, la Vida de Alejandro será una narración con una potente enárgeia como corresponde a los objetivos del género literario al que pertenece. al margen de todo esto, considero que el autor conoce bien la obra de Plutarco y maneja con criterio la bibliografía.

Como conclusión general, al libro quizás le falte analizar cómo afectaron todas estas técnicas narrativas a la ecuanimidad del relato historiográfico. De la misma manera que el autor describe la sensación que se traslada al lector también se puede valorar las intenciones del historiador al construir el relato. así, la cuidada descripción de un suceso y la minuciosa incorporación de detalles no sólo generan empatía en el lector sino que trasladan una opinión. Dicho de otra manera, el historiador impone su punto de vista con la intención de manipular la memoria colectiva. Por ejemplo, situémonos en el contexto de la guerra del Peloponeso y, concretamente, en los prolegómenos de la campaña en Sicilia. Desde mi punto de vista el objetivo de Tucídides es mostrar lo desacertado de la inva- sión y lo ignorante que era el dêmos ateniense acerca de la extensión, riqueza y poder de la isla. Para fundamentar esta tesis, Tucídides introduce previamente una digresión etnográfica y geográfica sobre Sicilia, detalla las diferentes posturas de Nicias y alcibíades en la asamblea e incluso reflexiona sobre el interés de los jóvenes ateniense en emular las gestas de sus an- cestros; utilizando muchas de las técnicas que el autor desarrolla en el libro. Dicho de otro modo, hay una voluntad de generar una opinión y no sólo que el lector experimente una sensación. Por descontado, cuando al historiador no le interesa, todos los detalles y los esfuerzos por recrear la acción histórica desaparecen.

Con todo, considero que Experience and Teleology es un libro muy interesante y que aporta importantes elementos de debate a la historiografía y sus técnicas literarias. Si bien he mostrado algunos puntos de des- acuerdo, ello se debe a que el libro genera una profunda reflexión y deja una buena sensación en el lector. Por tanto, un libro totalmente recomendable.

Notas

1 En un trabajo anterior sugerí que Heródoto realiza un con- traste entre el ‘mal gobernante’ Jerjes/a gameón y el ‘buen gobernante’ Leónidas/a quiles y Temístocles/Odiseo; Sierra (2011).

2 Por ejemplo, cito los artículos clásicos de Konishi (1970) y Westlake (1955).

3 Una buena síntesis se encuentra en Mazzarino (1974, p. 253 -257).

4 De nuevo un tema muy trabajado, remito a otro clásico; Meier (1987).

5 Un análisis interesante de este escrito desde la historiografía se encuentra en Marincola (1994).

Referências

KONISHI, H. (1970). Thucydides’ Method in the episodes of Pausanias and Themistocles. AJPh 91 n.º1, p.52 -69.

MARINCOLA, J. (1994). Plutarch’s refutation of Herodotus. Classical World 25, p.191 -203.

MAZZARINO, S. (1974). Il pensiero storico classi­co. v.1, Roma -Bari, Laterza.

MEIER, CH. (1987). Historical answers to histori- cal questions: the origins of history in ancient Greece. Arethusa 20 n.º1 -2, p.41 -57.

SIERRA, C. (2011). Jerjes, Leónidas y Temístocles: modelos griegos en el relato de Heródoto. Historiae 8, p.65 -91.

WESTLAKE, H. D. (1955). Thucydides and the Pentekontaetia. CQ 5 n.º1, p.53 -67.

César Sierra – Università della Calabria (Italia). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Greek Models of Mind and Self – LONG (RA)

LONG, A. A. Greek Models of Mind and Self. London: Cambridge (MA), Harvard University Press, 2015. Resenha de: PEDRO JUNIOR, Proscurcin. Revista Archai, Brasília, n.18, p. 395- 406, set., 2016.

O mais recente livro de Anthony A. Long, professor emérito da Universidade da Califórnia – Berkeley, contempla o momentoso tema referente aos chamados modelos de “espírito” e do “eu”, em inglês “models of mind and self ”, no contexto da Literatura e Filosofia na Grécia antiga1. Trata -se de um livro que apresenta, segundo o autor, o resultado de um caminho de pesquisas feitas ao longo de uma vida dedicada ao pensamento sobre o mundo grego antigo. Na verdade, o livro acabou por se constituir no ano de 2012, ao final de uma série de aulas magnas realizadas na Universidade de Renmin, em Pequim, na China. Em que pese o leitor pudesse esperar uma obra gigantesca sobre o tópico, em razão da magnitude do período histórico compreendido (Homero até Plotino), Long escreve um livro por demais compacto, com apenas 231 páginas, o que faz com que o mesmo tenha um caráter propedêutico e seja recomendado para aqueles que desejam ter um contato inicial com uma interpretação atual, não obstante tradicional, sobre a compreensão psicológica do “eu”e do “espírito”na cultura grega antiga. Após um breve prefácio e uma introdução explicativa, o autor elabora cinco capítulos que tratam sobre o citado assunto. Ao final, apresenta um epílogo, notas e um índice remissivo.

Na introdução do livro, a forma de aproximação empreendida pelo autor fica, desde logo, clara. Após sua crítica a abordagem hegeliana de Eduard Zeller, o autor expressa uma rejeição à interpretação linear histórico -desenvolvimententista das noções referentes a ideia de “eu”e “espírito”entre os gregos. Contudo, como apontarei nesta resenha, Long acaba se comprometendo com a mesma posição ao confrontar em seu livro a noção de “alma”em Homero com posições como as de Sócrates, Platão ou Aristóteles. Como o próprio autor afirma, é difícil deixar de lado a visão desenvolvimentista, o que torna qualquer abordagem sobre tais questões “particularmente traiçoeira”.

O autor afirma que não há uma compreensão primitiva do “eu”em Homero, apenas por ele ter elaborado um texto alguns séculos antes de Platão. Isso significa que não se deve interpretar o poeta como incapaz de entender a constituição mental e corporal dos seres humanos ou afirmar que Homero teria “uma compreensão ainda confusa”(p. 3) 2, a ser melhor desenvolvida por Platão e Aristóteles. A compreensão do que seria a alma, o espírito e o eu em Homero torna -se, assim, a temática do primeiro capítulo do livro. A discussão começa com o famoso emprego do uso do termo psyche 3 em Homero. É sabido que a psyche tem um outro sentido nos versos épicos. A palavra pode se re- ferir ao “espírito morto”, ao “Totengeist “(veja -se otto, 1923, p.26), ou seja, informando o evento morte nos versos do poema épico, ou pode também referir -se à qualidade de se estar simplesmente vivo. nesse contexto, Long entende como fundamental a diferença entre mortais (brotoi) e imortais (athanatoi) e enfatiza que aquilo que irá persistir após a morte dos mortais será chamado de psyche.

A fim de mostrar o entendimento de Homero sobre o que chamaríamos hoje de “fisiologia e psicologia humanas”, Long decide, a partir daí, trabalhar com a distinção grega de soma e psyche e concentrar-se no significado desses termos. Assim, ele conclui que Homero vê a “identidade humana”como “completamente corporal ou física”(p. 25). Ele cita os versos iniciais da Ilíada  para indicar que, quando Homero fala dos heróis que se tornaram carniça e foram “eles próprios”atirados aos cães e aves (IL. i, 4 -5), o termo “eles próprios”(autous) seria indicativo de que tal “identidade humana”seria apenas corporal. Entretanto, o que não fica claro na análise é que, se a identidade das personagens fosse apenas corporal, por que Homero ilustraria a cena com al- mas que caminhariam ao Hades? Parece -me que a passagem refere -se muito mais aos “corpos”(dos heróis) do que ao “eu”dos mesmos e muito mais ao que restou fisicamente, em contraste ao que permanece enquanto “identidade”no Hades.

Ao lembrar da riqueza terminológica dos versos épicos e ao citar alguns termos homéricos, que mais propriamente se referem à “alma”ou ao “espírito”(phren, noos, thumos, kradie  ou etor), o autor critica Bruno Snell. Long afirma que o erro de Snell foi o fato de ele não ter lido Platão. no entanto, ele não percebe que sua análise comete um erro semelhante: concentrar -se na análise evolutiva de certas palavras, no caso em específico, no termo psyche. Long observa que as dessemelhanças nas compreenções anímicas de Homero e Platão dizem respeito muito mais “ao destino postmortem da psyche “(p. 30). A princípio, o autor consegue discernir bem as abordagens. Contudo, ao citar o famoso monólogo de odisseu, que conversa com seu thumos (Od. 20.17 -18), excede ao afirmar que a maior parte das personagens homéricas só seriam movidas por emoções. Há cenas, tanto na Ilíada quanto na Odisséia, que comprovam um agir humano não apenas motivado por emoções ou meramente impulsivos.

O autor frisa que, em Homero, a palavra que se refere ao “espírito”é thumos. no entanto, termos como esse são mais indicativos e complicados de se adequa- rem a um único termo geral correspondente 4. A meu ver, o melhor teria sido denominar esse âmbito geral concernente à “alma”de “esfera anímico -espiritual”, o que englobaria as noções de “alma”, o que concerne ao todo interno que se opõe ao corpo, e de “espírito”, aquilo que gira em torno da ação intelectiva ou do intelecto. Também discordo de Long, quando este afirma que em Homero não existiria um elemento racional na alma das personagens. Tanto nas cenas de monólogos, em que personagens buscam conter a reação do thumos, quanto em cenas vinculadas ao agir sexual impulsivo, como é, por exemplo, o caso da cena que envolve o episódio do cinto de Afrodite (IL. 14.155 -355), verificamos que há em jogo partes ou porções contrastantes da “alma”. no primeiro caso, observa -se que uma porção da alma pode refrear o agir vinculado à porção que motiva o agente a agir apenas por ódio ou rancor (Od. 20.17 -18), no segundo, uma porção intelectiva (noos) submete -se a outra porção presa a um agir apenas motivado pelo desejo ardente (Proscurcin Jr., 2014, p.198 -199).

No capítulo 2, o autor aborda Hesíodo, Píndaro, Empédocles e Heráclito, a fim de estabelecer uma outra visão da psyche  mais próxima do sentido do divino. Todavia, simplifica demais a sua análise, ao classificar a “identidade humana”homérica como “psicosomática”e a platônica como “psíquica”. Como antes, Long foca -se no conceito evolutivo da palavra psyche. Faltou a observação dos contextos que envol- vem os termos anímicos noos, thumos, phren  ou ker, antes de se decidir pela conclusão definitiva de que a “alma”homérica é “um todo psicossomático”5. Em algumas passagens, como a que trata do autocontrole de Aquiles sobre um impulso colérico (IL. 1. 188 -192) ou o já citado monólogo de odisseu, vemos como é impossível atribuir a certas ações um resultado advindo do que se poderia chamar de mistura “psicossomática”. Será que não há aí uma funcionalidade anímica que impediria o impulso de desejos corporais? Já não há em cenas como essas uma diferenciação plausível? A meu ver, o problema está no método empregado pelo autor, muito mais vinculado a mudança dos significados de um único termo grego (psyche), do que a uma análise contextual mais ampla de passagens dos poemas épicos, envolvendo passagens que constam os termos phren, noos, thumos etc.

Na sequência, ao abordar Hesíodo, particularmente a estória das idades do homem (Op. 109 -210) e a estória de Prometeu (Th.535 -616), o autor afirma que tais narrativas teriam um caráter teológico, indicando que o homem teria sido outrora semelhante aos deuses, mas, posteriormente, estaria sofrendo uma espécie de expiação. Segundo ele, o texto de Hesíodo, com suas estórias sobre justiça, crime e punição, antecipa em muito a psicologia moral que Platão irá elaborar depois. Para ele, o diferencial de Hesíodo foi conectar a “bondade da alma”com o bom agir de um indivíduo, “separando completamente a prosperidade”da questão do “benefício material”, o que possibilitou o entendimento de “prosperar”vinculado a noção de “caráter virtuoso”. Para Long, esse é o caminho que Sócrates fez ao separar a “bondade da alma”de quais- quer benefícios corporais ou materiais (Ap. 29d).

No capítulo 3, a preocupação está na forma como a orientação retórica distingue -se da orientação filosófica. novamente, embora tenha criticado a abordagem evolucionista, Long parte justamente dessa perspectiva para analisar, p. ex., o quão distante a concepção de isócrates estaria daquela estruturada por Homero. Para ele, não haveria um funcionalismo na épica grega e, de forma semelhante ao que Snell elaborou em seu livro (1955, p. 33), ele defende que não haveria uma distinção entre “funções físicas e órgãos anatômicos de seres humanos”em Homero. As palavras para indicá-las seriam as mesmas e, por isso, Long conclui que não haveria a possibilidade de diferenciar o órgão de sua função. A evolução, para Long, ocorre quando o corpo se subordina a alma, como pode comprovar em textos de retóricos (Górgias) e filósofos (Sócrates e Platão). o capítulo 4 preocupa- -se com a teoria psicológica de Platão, em específico, com a tripartição da alma empreendida na República. É claro que o autor toca no tema das divisões estruturais em classes de indíviduos na cidade e como isso é analogamente observado na divisão da alma de cada indivíduo. o mais importante, segundo Long, é como Platão diferencia a parte que governa das partes subordinadas a essa. Segundo ele, na República, há um princípio segundo o qual “no universo, na política e na alma, uma coisa, e somente uma coisa, está devida- mente qualificada a controlar e exercer a autoridade sobre todas as coisas”, esta coisa é “a razão ou o raciocínio, expressado em grego por meio do substantivo logismos, do adjetivo logistikos e do verbo logizesthai “(p.129). Ao aproximar a teoria psicológica de Platão à análise de Homero, e para tanto o autor menciona a citação de Platão do mencionado monólogo de odis- seu (IL. 20.17 -18), comete -se o equívoco de informar que Platão (R.4.441b) apenas lê ali um “conflito de desejos”e não um conflito entre “razão e ódio, muito menos [como] uma luta entre diferentes partes da alma”(p.136). Lamentavelmente, mais uma vez, a investigação do autor assemelha -se a de Snell, quando esse afirma que o thumos ou o noos seriam apenas órgãos anímicos humanos e não as partes da alma de Platão (Snell, 1955, p.40).

Long deveria ter avaliado melhor a aparição contextual de termos como thumos, noos  ou phren em Homero, isso teria lhe possibilitado verificar que tais lexemas regem o agir intelectivo de certos personagens, em situações em que esses podem ser levados por desejos ou impulsos. Homero emprega os termos não apenas como uma mera localização de órgãos, mas como funções anímicas vinculadas ao agir das personagens. o citado exemplo do monólogo de odis- seu poderia ser melhor explorado, se o autor verificas- se os versos imediatamente anteriores (Od.20.9 -13). Nessa passagem, Homero afirma que odisseu “pen- sou (mermerize) em muitas vias (polla) segundo o seu phren (kata phrena) e segundo seu thumos (kai kata thumon)”(Od. 20.10). Se é indicado no texto que ele pensou de acordo com seu phren e com a ajuda do thumos, algo está a apontar que é a partir daí que Platão retira a conclusão de que a parte “thumoeides “assiste a parte racional (logistikon) e é seu auxiliar natural (R. 4.441a2). Faltou uma leitura contextual de Platão.

Quando Platão comenta essa passagem citada da Odisseia  (20.17 -18), esclarece: “Pois é claro aqui que Homero considera como distintas, uma da outra, a porção racional que pensa sobre o que é melhor e o que é inferior, e a porção colérica, destituída de razão, que é repreendida por aquela”(R. 4.441b -c). Platão observa tal separação com clareza e vê na personagem de odisseu uma porção racional que rege uma outra, thumética, desprovida de logos. Entre o que Long de- fende e o que diz Platão, há uma enorme distância. Do mesmo modo, a simples afirmação de que “as personagens de Homero são movidas pelo thumos mais do que guiadas pela razão”(p.145 -146) parece ser muito plana, em razão do próprio contexto da Odisseia.

No capítulo final, o autor concentra -se no estudo do estoicismo. o objetivo torna -se “investigar a dimensão teológica da psicologia moral grega”(p. 163). nesta parte do livro, as questões sobre o “divino”ou a “divindade”(daimon) e seu correlato grego “felicidade”(eudaimonia) são abordadas. Long defende a tese de que os filósofos gregos, ao invocarem o divino em sua ética e sua psicologia, “propõem uma conexão essencial entre a melhor vida que existe no universo, a saber, a vida divina, e a melhor vida que seres humanos podem alcançar ou aspirar alcançar”(p.168). Atribuir ao “espírito”o caráter de divino, implica em dizer que os seres humanos podem alcançar um pata- mar de excelência, felicidade e contentamento incomparáveis. Para tanto, requer -se “o cultivo da racionalidade”e sua priorização. Esse é o melhor capítulo do livro. Long interpreta, de forma precisa, ao afirmar que o que diferencia a doutrina estóica é a circunstância de que todo corpo natural tem algo de divino em si e os seres humanos podem reconhecer isso. Realmente, a capacidade racional humana possibilita o contato com o que há de divino em nós e nos permite alcançar a felicidade. o “poder de raciocinar”é, para Epiteto, equivalente ao “espírito divino”. nenhuma outra faculdade tem esse poder de estudar a si mesma e tudo que a cerca. Essa faculdade de raciocinar é o que também nos possibilita distinguir o que é bom ou mal (“fatos e valores”). Essa combinação entre ética e psicologia é o que diferencia, segundo o autor, a escola estóica e estabelece um sentido inovador de “identidade humana”aos gregos, conectando a humanidade comum que temos em todos nós a nossa individualidade específica.

O livro de Long é, sem dúvida, uma contribuição importante para os estudos do “eu”(self) e do “espírito”ou “alma”(mind) na cultura grega antiga. Portanto, é recomendável a sua leitura. no entanto, como apontado, deve -se ler o livro com certo distanciamento crítico, em razão de certos parâmetros tradicionais adotados nas leituras e comparações envolvendo especialmente os textos de Homero. Se o autor não comparasse Homero a certos filósofos posteriores da forma como fez, estabelecendo uma tese primitivista, talvez o texto ficasse mais bem ajustado ao objetivo proposto.

Notas

1 O âmbito conotativo das palavras “mind “e “self “é am- plo. A primeira pode significar “alma”ou “mente”e, a segunda, “ego”ou, no anglicismo adaptado, “self ”.

2 Todas as traduções são de minha autoria.

3 A discussão sobre o sentido de psyche em Homero é anti- ga e remete -se a trabalhos como os de Völcker (1825), rohde (1898) ou Zielinski (1922). Cf. Proscurcin Jr.(2014, p. 47 -48).

4 Para Wilamowitz, thumos é “Seele”e não necessáriamente “Geist”(1927, p.195). no entanto, é importante levar em consi- deração que o thumos pode ser visto como uma parte funcional da alma em Homero (Proscurcin Junior, 2014, p.49).

5 Nesse aspecto, as análises de Thomas Jahn são certamente mais profundas e esclarecedoras.

Referência

JAHN, T. (1987). Zum Wortfeld ‘Seele‑Geist’ in der Sprache Homers. München, C. H. Beck.

OTTO, W.F.(1923). Die Manen oder von den Un‑ formen des Totenglaubens. Berlin, Springer.

PROSCURCIN JUNIOR, P. (2014). Der Begriff Ethos bei Homer. Heidelberg, C. Winter.

SNELL, B. (1955). Die Entdeckung des Geistes. Hamburg, Claassen.

WILAMOWITZ‑MOELLENDORFF, U.(1927). Die Heimkehr des Odysseus. Berlin, Weidmann.

Pedro  Proscurcin  Junior – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Brasil); Pontificia Universidad Católica de Chile [email protected]

Acessar publicação original

 

The Alexandrian Epitomes of Galen vol. 1: On the Medical Sects for Beginners; The Small art of Medicine; On the Elements According to the Opinion of Hippocrates – WALBRIDGE (RA)

WALBRIDGE, J. The Alexandrian Epitomes of Galen vol. 1: On the Medical Sects for Beginners; The Small art of Medicine; On the Elements According to the Opinion of Hippocrates. A parallel English-Arabic text translated, introduced, and anno- tated. Utah: Brigham Young University Press, 2014 Resenha de: BRITO, Rodrigo Pinto de. Revista Archai, Brasília, n.18, p. p. 389-394, set., 2016.

The book is edited, translated, introduced and an- notated by John Walbridge, who earned his PhD in 1983 from Harvard University. Nowadays, Walbridge is Professor of Near Eastern Languages and Cultures at indiana University Bloomington, his researches are mainly in the area of islamic Philosophy, Religion and Sciences. Walbridge has been writing books and pa- pers on the islamic culture, especially on the islamic reception of the Greek culture in Medieval period. As examples, in 1992 he published The Science of Mys- tic Lights: Qutb al-Din Shirazi and the Illuminationist Tradition of Islamic Philosophy: a monograph about the philosophy of Qutb al-Din Shirazi, an iranian phi- losopher of the 13 th  century who was influenced by Platonism, Avicennian Neoplatonist theory of emana- tions and iranian Mythology. In 1996, he published Sacred Acts, Sacred Space, Sacred Time: a very com- plete work on the Baha’i religion, which began in 19 th century iran. The book fills a great gap offering gen- eral information about the sociological features of the religion, its history, law and rites for instance. Last but not least, the book accurately also explains the Baha’i scriptures.

Returning to the theme of the Greek influences on the islamic Mysticism, in 1996, Walbridge published The Leaven of the Ancients: Suhrawardi and the Herit- age of the Greeks. This book dialogues with the above mentioned book which was published in 1992, since Suhrawardi, the main character here, was the person who mostly influenced the work and thought of Qutb al-Din Shirazi, theme of Walbridge’s book of 1992. The Leaven of the Ancients consists of a translation of the Suhrawardi dream with Aristotle, accompanied by Dr. Walbridge’s commentaries which explain, for instance, the reasons that made Suhrawardi develop a mystical approach of islamic religion, leaving the Aristotelian influences on the sciences and advanc- ing a Neoplatonic tradition “leaded”by Pythagoras, Plato and Hermes trismegistus. The whole context and background of the transmission of Platonic and Neoplatonic thought and philosophy and their recep- tion by Suhrawardi is explained in 2001 in Walbridge’s book: The Wisdom of the Mystic East: Suhrawardai and Platonic Orientalism.

In 2013, Walbridge published God and Logic in Islam: The Caliphate Of Reason, a very welcomed book, since Walbridge shows that, despite the violence and fundamentalism which are usually thought as inner features of islamic religion, in Medieval period the islamic laws and theology were developed through great rational arguments and debates, quite often founded in philosophical grounds, and the same can be said about the sciences. Maybe the rationalism is the way for bringing back the islamic Golden Age and, consequently also stopping the fundamentalism.

Regardless of the quality and importance of Walbridge’s works for the area of the Near Eastern studies, the parallel English-Arabic translation of On the Medical Sects for Beginners; The Small art of Medicine; On the Elements According to the Opinion of Hippocrates (in: The Alexandrian Epitomes of Galen vol. 1) can easily be considered as his major work, and the main feature which makes the book so outstanding is the excellence: of the introduction, commentaries, translations, appendices, glossary and bibliography, and we must not forget also the high quality of the Arabic typography. in short, the book is very complete as a whole and each part is excellent in itself. it is a unique source for comprehending the reception of the Galenism by Medieval Arabic thinkers.

Regarding the current volume of The Alexandrian Epitomes of Galen, the introduction offers useful ex- planations on the issues treated, and it is divided in the following chapters: The Alexandrian medical curricu- lum (subdivided in: The medical school in Alexandria; The Alexandrian medical syllabus; Alexandria and the Islamicate medical curriculum); The Alexandrian epitomes (subdivided in: Genre, form, and title; Style and content of the epitomes; History and authorship of the epitomes; Possible authors of the epitomes; Plausibil- ity of the Arabic accounts and dating the epitomes; The Arabic translation; Galen’s three texts and their Alexandrian epitomes); The edition and translation (subdivided in: Previous versions, editions, and translations; Descriptions of manuscripts; Textual history and edit- ing methods; Other editorial policies; Division of the texts; Glosses and scholia; Translation; Annotation). As usual, this introductory chapters and subchapters are followed by one chapter on Abbreviations and Conventions.

After that, we have the complete, parallel and bilingual translation of the following Alexandrian epitomes of Galen: On the Medical Sects for Beginners; The Small art of Medicine; On the Elements According to the Opinion of Hippocrates, annotated. This study also provide us with three appendices: the former offers a list of Greek and Islamicate Physicians; the second one offers more info on The Three Schools of Medicine; and the third one is a brief explanation of The Structure and Terminology of the Eye in the Epitome of The Small Art. Finally we also have a very complete and exciting Arabic-Greek-English Glossary; a very useful and updated Bibliography; and a very good Index.

Obviously, the book is aimed to be read by scholars and professors even if the way the author wrote it as well as the exhaustive amount of information available could make it a “bestseller”. Unfortunately the theme of the book, despite being extremely interesting, is still forgotten by most scholars, even those whose works deal with the History of Medicine or History of Phi- losophy. i sincerely hope that this great book can fill the huge gap left by the oblivion of the transmission of one of the major trends of Late Ancient thought, Galenism, to Medieval thinkers.

Referências

WALBRIDGE, J. (1992). The Science of Mystic Lights: Qutb al-Din Shirazi and the Illuminationist Tradition of Islamic Philosophy. Harvard, Harvard University Press.

_(1996). Sacred Acts, Sacred Space, Sacred Time. Welwyn, George Ronald.

_(1999). The Leaven of the Ancients: Suhrawardi and the Heritage of the Greeks. New York, State University of New York Press.

_(2001). The Wisdom of the Mystic East: Suhrawardai and Platonic Orientalism. New York, State University of New York Press…

_(2013). God and Logic in Islam: The Caliphate Of Reason. Cambridge, Cambridge University Press.

_(2014). The Alexandrian Epitomes of Galen vol. 1: On the Medical Sects for Beginners; The Small art of Medicine; On the Elements According to the Opinion of Hippocrates. A parallel English-Arabic text translated, introduced, and annotated by john Walbridge. in: Islamic Translation Series. Utah, Brigham Young University Press.

Rodrigo Pinto de Brito – Universidade Federal de Sergipe (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

The Platonic Art of Philosophy – BOYS-STONES et al (RA)

BOYS -STONES, G.; EL MURR, D; AND GILL, C. (Eds.). The Platonic Art of Philosophy. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. PITTELOUD, Luca. Revista Archai, Brasília, n.17, p. 351-360, maio, 2016.

Cet ouvrage est composé d’une collection d’articles rédigés en hommage à Christopher Rowe et inspirés par les travaux et exégèses de ce dernier à propos de la philosophie de Platon. Les auteurs qui ont contribué à cet ouvrage sont de traditions et d’approches très va- riées et la mise en relation des articles permet un dia- logue inédit entre les différents points de vue. Chacune des contributions se destine à dialoguer avec une des problématiques abordées dans l’œuvre de Christopher Rowe: l’unité philosophique et littéraire de l’œuvre de Platon, la fonction du mythe, l’héritage socratique de Platon, la position platonicienne concernant la vérité et l’être.

Une question centrale discutée dans cet ouvrage est celle du socratisme de Platon. Christopher Rowe dé- fend l’idée que l’objectif de Platon n’est pas de dépeindre le Socrate historique mais de proposer une philosophie socratique: Platon, d’après Rowe, n’a jamais cherché à s’éloigner du personnage de Socrate afin de développer sa propre philosophie (à ce titre une lecture dévelop- pementaliste des dialogues doit être rejetée) mais, au contraire, propose une philosophie réellement socra- tique. Christopher Rowe considère dans ses écrits la question de l’intégration des thèses socratiques (éthi- ques, psychologiques et épistémologiques) dans les dialogues de Platon. Les contributeurs à cet ouvrage sont amenés à réagir et à situer leurs propres interprétations par rapport aux idées défendues par Rowe.

A ce titre, M. Dixsaut  défend une vision multidi- mensionnelle et nuancée de la lecture des œuvres de Platon qui, puisque ce dernier a choisi d’écrire des dia- logues, refuse de donner une exposition linéaire de sa philosophie en tant que système. M. A. Fierro exami- ne, afin de justifier l’idée selon laquelle le contexte est primordial dans la lecture d’un dialogue,  comment, dans le Phèdre, cohabitent deux visions opposées du corps: la méfiance que de ce dernier peut inspirer comme source de distraction cohabite, dans le même dialogue, avec une vision plus positive où le corps peut être considéré comme un auxiliaire à l’activité philosophique. N. Notomi  cherche à montrer com- ment le Phédon  ne propose pas une rupture avec la philosophie de Socrate mais, au contraire, développe le message original de l’éthique socratique. D. Sedley argumente que les tensions souvent relevées dans la théorie psychologique de la République (la vision tri- partite des livres 4, 8 et 9 comme s’opposant à celle des livres 5 -7 où serait mis en avant l’intellectualisme socratique) possède en réalité un unité réelle dans le contexte de la vie vertueuse du philosophe, vie défi- nie en tant qu’activité contemplative. T. Johansen  se propose d’associer la notion de progression éthique de l’allégorie de la caverne à une vision cosmologi- que plus large telle que présentée dans le Timée  afin de résoudre la tension qui existe entre la question de la dimension politique et éthique de cette allégorie et son fondement cosmologique et philosophique basé sur les conclusions des analogies de la ligne et du so- leil. M. M. Mc Cabe interroge l’unité de l’Euthydème dans le cadre de la discussion épistémologique qui émerge dans la rencontre entre Socrate et les sophis- tes. M. Narcy  envisage comment le Théétète  dépeint un Socrate maitrisant la technique éristique dans son opposition avec Protagoras. toujours à propos du Théétète, U. Ziliolo s’intéresse à la relation entre le Cy- rénaïsme et la position qui identifie la connaissance à la perception. T. Penner met en perceptive la théorie de l’incorrigibilité des perceptions telle que défen- due par Protagoras dans le Théétète avec la notion de «  proposition » telle qu’elle est définie dans la séman- tique moderne. Pour Penner, Platon se montre plus intéressé aux « real -world entities » que cela est le cas dans ces théories sémantiques modernes. D. O’Brien rejette l’idée commune, en logique moderne, que l’être ne serait pas un prédicat en montrant que, dans le Sophiste, pour Platon, le non -être, non pas défini en tant que ce qui n’est d’aucune façon, mais décrit comme ce qui est différent possède une réalité propre: l’être peut lui être prédiqué au sens où le non -être (ce qui est autre) est. Finalement, l’ouvrage se termine par trois contributions concernant les dimensions politique et historique de l’œuvre de Platon: S. Broadie  étudie la notion de véracité de récit de l’Atlantide, M. Tulli pose la question de l’intérêt et du respect de Platon pour l’histoire à propos de la transmission du récit de Critias et enfin, M. Schofield invoque l’importance de l’amitié dans le cadre de la théorie politique des Lois.

L’ouvrage, au travers des contributions de D. Sedley, C. Gill et D. El Murr, propose également un traitement intéressant d’une discussion centrale dans l’œuvre de Christopher Rowe: l’intellectualisme socratique et les tensions qu’une telle théorie semble entraîner, notam- ment quant à la question de l’unité de l’âme. Ce dernier a défendu l’idée que Platon n’a jamais abandonné l’intellectualisme socratique au profit d’une vision tripartite de l’âme.  en ce sens, Sedley affirme que la théorie de la tripartition représente un mode de discours, peutêtre trompeur, mais sans doute inévitable, à propos de la vie incarnée humaine lors de laquelle la plupart des mortels fonctionnent comme s’ils étaient sous l’influence de forces irrationnelles, alors qu’en réalité ces forces ne font pas partie de leur vraie na- ture. Ainsi, ce qui définit réellement le philosophe ne sera pas, comme le note Sedley, le contrôle raisonné des passions irrationnelles, mais l’accès à un niveau de cognition dans lequel les motivations corporelles disparaissent petit à petit et, dans cet état cognitif, le corps et ses passions ne recéleront plus qu’une in- fluence motivationnelle minimale. Autrement dit, la vraie nature de l’âme est unitaire (intellectuelle), elle n’est décrite comme ayant des parties que du point de vue de la condition humaine qui se considère comme divisée par les passions corporelles, mais, de fait, cette division n’ est pas réelle. C. Gill conclue sa contribu- tion sur cette problématique en affirmant que, sans doute, Platon cherche à défendre une vision unifiée de sa psychologie dans laquelle les théories socratique et platonicienne de l’âme se trouveraient, dans la République, intégrées au sein d’un argument cohérent sans que cela impliquerait une quelconque contradiction.

La question de l’intellectualisme socratique est évi- demment liée au statut du Bien tel qu’il est décrit dans la République. D. El Murr cherche à montrer que les critiques qui ont fait de ce Bien métaphysique, une entité tant abstraite qu’elle ne serait pas pratiquement réalisable (prakton) reposent sur une mauvaise com- préhension du statut de ce Bien: en effet ce dernier, en tant que principe ontologique suprême, confère l’être (ousia) aux entités qui possèdent la réalité et la stabi- lité suffisante pour être accessibles à l’intellect. Autre- ment dit, le Bien qui est responsable de la distinction entre le sensible et l’intelligible. or cette objectivité suprême du Bien implique également une valeur éthi- que et politique. La République  cherche à distinguer entre ce qui est réellement juste et ce qui n’ est juste qu’en apparence. Cette distinction ne peut être garan- tie que par l’existence du Bien qui est toujours l’ultime objet du désir. Je peux désirer l’apparence de la justice car je pense que cette dernière est bonne pour moi, mais je ne peux pas désirer l’apparence du bien. Au contraire je désire toujours ce qui est mon propre bien. Autrement dit, je peux désirer quelque chose de façon superficielle, car je pense que cette chose m’ est profitable, mais je ne peux nullement désirer ce profit en apparence. Cette thèse qui fonde l’intellectualisme socratique ne peut être justifiée que s’il existe une réalité d’une valeur ontologique éminente qui puisse être l’objet du désir humain. or cette réalité est le Bien. C’est au final cette prééminence du Bien qui garantit la distinction entre a) le sensible et l’intelligible et b) ce qui est réellement X et ce qui n’ est X qu’en appa- rence, de sorte que le Bien de la République  possède une forte valeur pratique. Platon ainsi ne semble pas faire de la Forme du Bien une entité déconnectée de la vie morale.

Luca Pitteloud – Universidade Federal do ABC (Brasil). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides – RODRÍGUEZ (RA)

RODRÍGUEZ, Cidre E. Cautivas Troyanas. El mundo femenino fragmentado en las tragedias de Eurípides. Córdoba: Ediciones El copista, 2010. Resenha de: MARISCAL, Lucia Romero. Revista Archai, Brasília, n.17, p.221-230, maio, 2016.

En el ya bastante poblado panorama de los estudios sobre Eurípides, Cautivas Troyanas de Rodríguez cidre (RC en lo sucesivo) constituye una aportación valiosa a la investigación que sigue la línea de seleccionar en el corpus del tragediógrafo una serie de piezas según criterios temáticos, dramatúrgicos o cronológicos (por citar los más recurridos). De este modo se consigue destacar la diversidad de los tratamientos trágicos de los aspectos en cuestión, al tiempo que se indagan las continuidades que eventualmente permiten hablar de la singularidad de Eurípides en el contexto del género, la literatura o la cultura de su tiempo. En su monografía, RC ha seguido un criterio temático- -dramatúrgico para constituir su elenco entorno a la figura de las mujeres troyanas que en la tragedia que podemos todavía leer (y hasta ver representada) son siempre cautivas. Nos quedamos, pues, con Andrómaca, Hécuba y Troyanas, para atender a la manera euripidea de poner en escena mujeres en el trance de la esclavitud, un trance considerado en tres dimensiones diferentes de la textualidad dramática, que dan relieve trágico a las mujeres de la que fue Troya sobre el fon- do de su condición femenina, tal como la vieron los (hombres) griegos: el léxico del lecho, la imagen del animal y la acción del lamento.

RC dedica sendos capítulos a cada una de las perspectivas señaladas, a los que hace preceder de una introducción en la que la autora aborda el ‘estado de la cuestión’ de uno de los temas sobre los que la bibliografía es abrumamdoramente extensa, como es el de la mujer en la antigüedad clásica griega y su representación en el medio teatral trágico. RC procede con rigor en la selección de los estudios que considera relevantes de una corriente histórico -crítica difícil de resumir y de hacer converger. En este primer apartado introductorio la autora expone igualmente su líneas metodológicas básicas, que conciernen a la documentación y asesoramiento de los estudios de historia antigua como referente cultural de autor y público, a los que se aplica un procedimiento filológico -literario de escrupuloso seguimiento y comentario léxico.

El primer capítulo está dedicado a “Los lechos en Andrómaca, Hécuba  y Troyanas ”. En él se aportan datos cuantitativos –número de apariciones de los términos que designan denotativa, connotativa o tropológicamente al lechocon datos cualitativos de inconmensurable valor: en qué contextos, bajo qué focalizaciones dramáticas, y con qué valencias mito- lógicas, simbólicas y de realia  tanto en el imaginario poético de la obra como en el universo cultural com- partido por público y autor. Así, para el caso de la obra Andrómaca, la autora explora los conceptos de ‘esposa legítima’, ‘concubina’ o ‘esclava de lecho’ en la obra y en algunos textos no literarios de la época, particularmente en relación con la ciudad de Atenas. Al mismo tiempo, se exploran otros términos capitales en esta tragedia, como el del hijo no legítimo o bastardo (nóthos) o el de la complicada relación de authéntes. El lecho, tantas veces invocado en la obra bajo múltiples advocaciones, resume el problema de la fertilidad y de la infertilidad femenina que condicionan la identidad misma de la mujer (ápais y paidopoiós) en el mundo antiguo. Andrómaca  converge en torno al problema del lecho compartido, de la vigilancia masculina so- bre la mujer, y del carácter relacional de esta última en función del lecho al que queda unida o del que es separada. El lecho es fuente de confrontación entre mujeres y también entre mujeres y varones cuando la guerra o la falta de prudencia o virtud alteran el ideal del lecho único, legítimo y fértil. Únicamente los dioses, en este caso Tetis, pueden hacer valer el privilegio de la unión consagrada por un lecho divino, aun cuando la tradición mítica de la diosa la hiciera en principio reluctante a la unión en el lecho con un mortal como Peleo.

Todas las referencias al lecho en Hécuba están, en cambio, teñidas de una sombra de muerte, por lo que el apartado dedicado a esta tragedia se subtitula, con razón, “los tálamos de Hades”. La autora va más allá del topos que en la tragedia relaciona el sacrificio de don- cellas con unas bodas en el Hades. como señala R.C., incluso las referencias al lecho que unen a casandra como mujer botín con Agamenón están al servicio del personaje cuya muerte capitaliza la primera parte de la obra, i.e. Políxena, a la que inútilmente intenta salvar su desesperada madre. En la segunda parte, Po- lidoro y los hijos de Poliméstor acaparan una escena llena de cadáveres. El único personaje masculino que hace referencia al lecho en esta pieza es, precisamen- te, Poliméstor y para él el lecho es un mobiliario del interior de la tienda en la que Hécuba lo acoge a él y a sus hijos con una familiaridad doméstica que se va a transmutar en una grotesca y horrenda trampa mortal. Los lechos de las troyanas del coro de esta tragedia también guardan una penosa relación con la muerte, en este caso la muerte de sus esposos en la toma de la ciudad que ellas rememoran con dolor. El destino que les aguarda es, como el de casandra, el de compañeras de lecho tomadas por la lanza enemiga. La yuxtaposición entre los lechos felices y legítimos del pasado y los lechos enemigos y esclavos del presente acentúa el horror y la compasión por las troyanas.

Precisamente en Troy ana s esa confrontación entre el esplendor y la felicidad de los lechos del pasado y la miseria de los lechos esclavos del futuro inminente es una de las imágenes más recurrentes por parte de los personajes femeninos de esta obra, especialmente Hécuba y el coro. La autora subraya que, excepto Atenea, la diosa virgen, todos los personajes, tanto femeninos como masculinos, mortales e inmortales, mencionan en más de una ocasión el lecho con marcadas acepcio- nes sexuales. El trauma de las troyanas es su condición de mujeres -botín y así lo asumen también personajes masculinos como Poseidón y Taltibio. Únicamente casandra hace mención al lecho en un desconcertan- te sentido matrimonial o nupcial, que estará teñido, a su vez, de muerte, como episodio final de una guerra cuya victoria la joven atribuye a los troyanos.

El segundo capítulo versa sobre los procesos de animalización en Andrómaca, Hécuba y Troyanas. La metáfora animal es empleada tanto por las cautivas troyanas como por otros personajes en referencia a las cautivas y contrastan, dentro de cada obra, con las imágenes animales aplicadas a los otros personajes del drama. Así, en Andrómaca, por ejemplo, la protagonista es agresiva a la hora de calificar a su antagonista Hermíone como equidna, animal más peligroso aún que las sierpes. A ella y a su padre Menelao, que la hostigan a salir del templo en el que se ha refugiado, los tilda la protagonista de buitres. En cambio, una imaginería animal doméstica y frágil es la que designa a Andrómaca y Moloso, conducidos por sus enemigos como víctimas sacrificiales, como oveja y cordero. Por supuesto, el topos del polluelo o pichón que es arran- cado del regazo de su madre encuentra su desarrollo en el tratamiento del desamparo infantil en esta obra. sin embargo, también la desarbolada Hermíone es ob- jeto de asimilación con un ave, a la que ella misma se compara en su desesperado intento de huir de la apurada situación en la que se encuentra. La joven es designada en los términos imagísticos que traducen en el imaginario poético antiguo el estatuto de la parthenos como potrilla que ha de ser domada en el matri- monio, aunque en su caso sus progenitores sean devaluados por su comportamiento en la guerra de Troya y ella misma, infértil, sea asimilada una novilla estéril.

La cautiva troyana que acumula un mayor número de asimilaciones animales en la primera parte de Hécuba  es Políxena, a quien su madre, las troyanas del coro, ella misma e incluso el heraldo Taltibio designan como cervatilla, potrilla, pájaro, cachorra, ruiseñor y novilla. En la mayoría de estas imágenes predominan las connotaciones de la caza y el sacrificio, al que, de hecho, la joven será entregada en lugar de una víctima sacrificial animal. Las metáforas, cargadas de resonan- cias épicas, líricas y trágicas, desarrollan asociaciones y emociones en personajes y público que contrastan con el discurso libérrimo que el poeta pone en labios de la joven y con el comportamiento ejemplar de la misma narrado por el heraldo. En uno y otro caso la asombrosa humanidad de la joven subraya la diferencia respecto a la analogía con el mundo animal. con todo, el tropo animal sirve para destacar el pathos del sacrificio de la víctima, cuyo carácter inmaduro es puesto de relieve en la comparación, que posee, ade- más, connotaciones sexuales a través de la asimilación tópica del sacrificio con el rito matrimonial.

En Troyanas  las metáforas del mundo animal se aplican tanto a vencedores como a vencidos para su- brayar la fragilidad de estos así como la agresividad de aquellos. Hécuba se asimila a sí misma con un zángano, animal inútil, tara como esclava anciana e infértil, que ha perdido su condición regia. En cambio, su nuevo amo, odiseo, es calificado por ella como ‘bestia mordedora’ de lengua bífida debido a su habilidad oratoria mordaz y a su reptar sinuoso y adaptaticio. Las imágenes del polluelo y las aves vuelven a incre- mentar el pathos de la indefensión de un niño, Astia- nacte, y de una Troya que resuena con lamentos que- jumbrosos. Pero es, sobre todo, la imagen animal del yugo la que con más frecuencia aparece en esta obra donde el yugo de la esclavitud y de la unión sexual como mujeres -botín afecta en mayor grado a las cau- tivas troyanas. La autora señala que la imaginería del yugo al que se es uncido como animal domesticado aparece cuatro veces en Andrómaca, dos en Hécuba y hasta en ocho ocasiones en Troyanas, que tematiza, como ninguna otra, el trauma de la pérdida de la ciu- dad y, por lo tanto, de la libertad y de los lazos fami- liares legítimos, especialmente los que tienen relación con el lecho. Estas mujeres, como desarrolla sobre todo Andrómaca muy elocuentemente, serán uncidas al yugo de la esclavitud sexual como mujeres tomadas por la lanza.

La imaginería animal alcanza su efecto trágico más atroz cuando la víctima animal sacrificial es sustituida por una víctima humana. son las mujeres, particularmente las doncellas, quienes suelen protagonizar estas escenas en las que la víctima degollada no es una ternera o un buey, como se esperaría, sino una joven cuya sangre es asimilada tanto a la sangre de las víctimas del sacrificio religioso propiciatorio como a la de la pérdida de la virginidad en la consumación del matrimo- nio. La autora desentraña el complejo de asociaciones y valores simbólicos que en el imaginario antiguo y en la cultura científico -médica de la época ostenta especialmente el cuello femenino, abertura que comunica con la vagina en la representación del cuerpo de la mujer en la antigüedad. En “la negra sangre de las degolladas”, R-C analiza el vocabulario que tanto en Andrómaca  como en Hécuba  y Troyanas  remite a la degollación de víctimas humanas, como los frustra- dos intentos de muerte sobre Andrómaca y Moloso en la primera; el sacrificio de Políxena y la muerte de los hijos de Poliméstor en la segunda, y las muertes de Príamo, Políxena y Astianacte en la tercera. si bien es el sacrificio de Políxena en Hécuba el que recibe un tratamiento poético más extenso, en todas estas trage- dias queda subrayado el carácter impío del sacrificio en el que, en el lugar de un animal, es una persona quien es herida mortalmente y cuya sangre se derrama.

El capítulo segundo concluye con el análisis de la imaginería poética que presenta a la mujer bajo el espectro de lo monstruoso, la forma más extrema de representación de la triple alteridad de las cautivas tro- yanas como mujeres, enemigas y esclavas no griegas. En Andrómaca, de hecho, la estrategia dialéctica de Menelao frente a Peleo es subrayar la alteridad de la protagonista, cuyos rasgos bárbaros y hostiles, como oriunda de un pueblo enemigo vencido al alto precio de la guerra, prácticamente la asimilan a las sirenas con las que ya habían sido identificadas otras mujeres en la obra. Pero la exégesis más original y persuasiva de este último apartado se encuentra en el análisis de la segunda parte de Hécuba, donde la metamorfosis de la protagonista en una perra de piedra relaciona al personaje con la monstruosa Escila. Esta interpretación no es excluyente de las ya propuestas y conocidas acerca del valor simbólico de la perra como imagen de maternidad feroz y como Erinia vengadora. Los argumentos mitológicos, literarios y metateatrales que aporta la autora hacen plausible la equivalencia entre Hécuba y las troyanas que la ayudan a ejecutar su ven- ganza con Escila como peligro y señal de navegantes. En Troyanas, casandra se presenta a sí misma como una de las tres Erinias mientras que Helena es incre- pada y referida por el resto de personajes (femeninos y masculinos) como hija de deidades destructivas y como un ser devastador. La belleza deletérea de He- lena la asimila sutilmente a figuras de lo monstruoso como Gorgonas, sirenas y Harpías. Estas analogías indirectas enriquecen el sentido del texto con todas sus implicaciones ideológicas.

El tercer y último capítulo versa sobre el duelo y su tratamiento en las tres tragedias seleccionadas. En Andrómaca todo intento de duelo termina por ser interrumpido: no solamente el que la protagonista renueva al principio de la obra, sino también el que la desesperada Hermíone intenta llevar a cabo sobre sí misma y, sobre todo, el que el anciano Peleo, a falta de otro familiar femenino, ejecuta sobre el cadáver de su nieto Neoptólemo. Gestos y palabras son ana- lizados con detalle en esta obra en la que la falta de hijos es el tema preponderante que relaciona a estos personajes tan distintos entre sí. Algo parecido sucede en Hécuba, si bien aquí los cadáveres se acumulan sin poder ser llorados ni enterrados con propiedad. Un difuso lamento permanente recorre una obra en la que se confunden los papeles de quien llora y quien ha de ser llorado. En cambio, en Troyanas el treno es constante de principio a fin y es, con mucho, la obra en la que se acumula un mayor registro léxico referi- do al duelo. con todo, tampoco en esta obra el duelo de las cautivas se lleva a cabo en la forma habitual o esperada. Debido a su situación de mujeres privadas de una ciudad que vemos arder ante nuestros ojos y de una comunidad que ha sido aniquilada, las cautivas troyanas no logran sino una imitación distorsionada de unos ritos que tratan en vano de llevar a cabo. El duelo por Astianacte y por la ciudad son los que al- canzan un mayor desarrollo poético y dramatúrgico, con la impresionante escena del escudo y con los ges- tos físicos finales de Hécuba y el coro que, más que llorar a sus muertos, los invocan.

Todos los capítulos se cierran con conclusiones parciales que resumen las ideas principales de los mismos. A ellos se añaden las conclusiones finales que culminan un libro que supone una inestimable contribución a los estudios del teatro clásico griego y de la mujer en la literatura y el pensamiento atenien- se de época clásica. La actualización bibliográfica y la selección pertinente de la misma son también de gran utilidad tanto para especialistas como para el público universitario en general.

Lucia Romero Mariscal – Universidad de Almería (España). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

The Structure of Enquiry in Plato’s Early Dialogues – POLITIS (RA)

POLITIS, Vasilis. The Structure of Enquiry in Plato’s Early Dialogues. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. Resenha de: SABRIER, Pauline. Revista Archai, Brasília, n.16, p.361-365, jan., 2016.

Vasilis Politis’ book provides a new insight into Plato’s early dialogues. The purpose of the book is to defend an ‘aporia-based account’ of Plato’s early dialogues against the common ‘de”nition-based account’. Traditionally, the early dialogues are read as ‘de”nitio nal’ in the sense that the ti esti question is seen as the central question motivating the inquiry, and as ‘aporetic’ in the sense that they generally end in the failure of Socrates and his interlocutors to answer the ti esti question. Usually, the failure is attributed to the incapacity o f Socrates’ interlocutor to provide an answer to the ti esti question which meets Socrates’ requirements, which are that the question should be answered by giving a unitary, general and explanatory de”nition of Φ  and not by pointing at an example. One problem with this vi ew is that the reason for these requirements is either  le unexplained, or it is explained dogmatically, by pu tting forward Plato’s own theory of knowledge, or it leav es room for suspicions of scepticism, the failure of t he dialogue pointing to the impossibility of knowledge. Staring from the diculties raised by the traditional vi ew, Politis develops a radically di$erent approach in w hich the ti esti  question is not any more the central ques- tion of the dialogue. Instead, he shows that the inquiry is motivated and structured by questions of the form ‘whether or not Φ is Ψ ’ which turn into aporiai when one or more of the interlocutors, a er having argued on both sides of the question, face a con%ict of re asons and it appears to them that there are equally good rea- sons on both sides. Based on textual evidence, Poli tis’ central claim is that it is in order to “nd a way o ut of the aporia that the ti esti  question, understood as the demand for a standard for a thing’s being Φ, is raised in these dialogues, and furthermore, that it is in o rder to unlock the particular case of ‘radical aporiai’, that is aporiai which render every example-and-exemplar questionable, that Socrates requires a unitary, gen eral and explanatory de”nition. It is thus the understan ding of the early dialogues as being primarily aporia-ba sed dialogues which provides the key to the ti esti question.

The book is divided into two parts. Part I is dedicated to the criticism of the ‘de”nition based-account’. Politis’ point is to show, against this view, that the ti esti question stands in need for justi”cation, and consequen tly, that the ti esti question cannot alone be the crux of the dialogue. !ree elements are put forward: “rst, the place of the ti esti question in the inquiry, which, Politis shows, is raised at di$erent places depending o n the dialogue, including at the very end; secondly, Socrates’  requirement to answer the ti esti  question by giving a unitary, general and explanatory de”nition, and not by pointing at an example; and, thirdly, the suppos ed bene”ts of answering the ti esti  question, which ex- plains why it is seen as an indispensable step by Socrates and is pursued relentlessly. The second point has, in particular, crystallised the attention of critics. On the whole, those who have recognised the need for justication of the requirements for de”nitions have eit her argued against Plato that such a justi”cation is mi ssing (Peter Geach, famously) or that the justi”cation is to be found in Plato’s theory of knowledge. Politis argues for a third way namely, that Plato’s justi”cation is in deed to be found in the dialogues — this is the whole point of Part II — but that it is not to be found in his theory of knowledge. Large sections of Part I are dedicated to the latter issue, which certainly constitutes one of the main strengths of the book.

Part II is the constructive part of the book, where Politis argues that the raising and the pursuing of  the ti esti question is in fact motivated by the emergence of an aporia within the dialogue. The “rststep consist s in establishing that the ti esti question is always preceded, or raised together with, one or many questions of t he form ‘whether or not Φ  is Ψ ’. This claim is based on the study of a large range of dialogues — Charmenides, Euthyphro, Republic I, Gorgias, Hippias Major, Lach es, Protagoras, Meno, Lysis —  which are brought under close examination. In a second step, Politis shows how some of these whether-or-not questions articulate an aporia, that is a conflict of reasons such that ther e appears to one and the same person to be genuinely go od reasons on both sides of the whether-or-not question, and how then it is in order to “nd a way out of the aporia that a ti esti question, that is the question for a standard of a thing’s being Φ, is raised. Again, the argument is carried through the careful study of four dialog ues —  Euthyphro, Charmides, Protagoras, Meno. Finally, Politis develops the notion of ‘radical aporia’ to explain that some aporiai are such that they render question- able every example-and-exemplars of a thing’s being Φ, and that this is the reason why Socrates, in this p recise situation, requires that the ti esti question must be an- swered not by pointing at an example but by giving a unitary, general and explanatory de”nition of Φ.

Politis’ book is undeniably of great value for the study of Plato’s early dialogues. Not only does it challenge the traditional view on the ti esti question, but it completely renews the role of aporiai in these dialogues. If a poriai still refer to a state of puzzlement, they are more fundamentally a decisive moment in an inquiry and they show that a further step is required in order to pur sue the original issue. Given that whether-or-not quest ions naturally provide the ground for the emergence of aporiai, and given that, as Politis has shown, Plato in these dialogues takes the raising of whether-or-not quest ions as his starting-point, one could say in that sense t hat Plato is an aporetic thinker. However, this should not be interpreted in any way as implying that Plato is a sceptic. Politis devotes a chapter in Part II to ref ute this claim, which has being considered by Julia Annas an d more recently defended by Michael Forster. Politis argues against this view that if there is indeed a sc eptical dimension in the method of aporia-based inquiries, the raising of the ti esti question shows on the contrary that the moment of the aporia is meant to be overcome. ! e ability of Politis to tackle all these di$erent asp ects of the topic is another major asset of this book. For inst ance, the apparent paradox of Socrates’ ignorance, who on the one side denies that he possesses any knowledge but on the other side defends some strong positions, a paradox which becomes acute in the Gorgias for instance, is also addressed. Finally, the signi”cance of the book goes beyond the early dialogues. As the author himself puts it, the careful study of the raising o f the ti esti question brings us to ‘the roots of Plato’s essent ialism’, and as a result, it is likely that such an im portant change in the understanding of the role of the ti esti question in these dialogues will have consequences for our understanding of the theory of forms. In particu lar, the fact that only radical aporiai require answerin g the ti esti question with a unitary, general and explanatory de”nition could have implications for the question of whether there is a form for each and every thing. But this point goes well beyond the scope of the book, and accordingly, Politis does not deal with it. Nonethe less, this is another element which makes this book so va luable for any student of Plato and, I think, many st udents of philosophical method and enquiry.

Pauline Sabrier – Trinity College Dublin (Ireland), E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Platão e as temporalidades: a questão metodológica – BENOIT (RA)

BENOIT, H. Platão e as temporalidades: a questão metodológica. São Paulo: Annablume, 2015. Resenha de: SOUZA, Eliane de. Revista Archai, Brasília, n.16, p. 351-360, jan., 2016.

Foi finalmente publicada a primeira parte da tese de Livre Docência em Filosofia de Hector Benoit, defendida em 2004 no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. o trabalho original era uma tetralogia dramática e, para fins de publicação, foi dividido em duas partes. Benoit apresenta, nessa primeira parte, um trabalho metodológico que serve como preparação para a publicação futura do romance filosófico A odisseia de Platão, mas que pode também ser lido como um livro autônomo.

O livro, que conta com apresentação do professor Arlei Moreno, da Unicamp, procura aproximar o leitor da situação de um leigo que lê Platão sem nenhuma informação, sus pendendo os pressupostos teóricos que envolvem o texto dos diálogos e afastando -o da metafísica ocidental. a proposta é deixar de lado a ideia de que Platão é o autor supremo de uma doutrina sistemática e começar a ver a cena dos diálogos como análoga à da poesia homérica e trágica. Nesse sentido, o livro tem um caráter negativo, ao colocar em suspensão as interpretações que impedem a aproximação a um Platão conceitualmente poético. Seu intuito é preparar o leitor para ler os diálogos sem o recurso da tradição interpretativa, o que permite contemplar a sua lexis (modo de exposição). a disposição ordenada dos textos em uma temporalidade construída com os elementos léxicos revolucionaria a interpretação desses textos e o processo hermenêutico de toda a história da filosofia, segundo Benoit.

O livro é dividido em cinco capítulos. O capítulo 1, Platão e a poética do logos, levanta a questão da relação entre discurso filosófico e poesia a partir do logos de Platão, questão que, segundo o autor, não foi bem compreendida até hoje, nem mesmo por Heidegger. O problema passa a ser investigado a partir de um histórico de narrações que relatam Platão como sendo inicialmente um poeta e que, ao se tornar discípulo de Sócrates, se afasta da poesia e se transforma em seu inimigo. Esse percurso biográfico de Platão, que Benoit considera lendário, foi divulgado por Apuleu no século II d.C., sustentado no neoplatonismo por Proclus no século V d.C. e relatado no manual anônimo Prolegomena, texto do século VI d.C. A descrição de Platão como crítico da poesia perdura até Nietzsche, causando, na interpretação do texto platônico, uma tensão entre arte, moral e metafísica. Essa tensão se repete em Heidegger e permanece na maioria dos comentários contemporâneos que se referem a Platão como aquele que expulsou os poetas da cidade, dentre os quais Havelock. Graças a esse tipo de interpretação, até artistas e pensadores de vanguarda se voltaram contra Platão, mostra Benoit. O autor coloca uma dúvida: como é possível que Platão tenha tentado destruir a poesia e, ao mesmo tempo, tenha escrito obras filosóficas que são também estéticas e dramáticas?

Benoit considera que não existe diálogo que seja propriamente narrativo. Todos os diálogos são dramas não narrados diretamente ao leitor, mesmo aqueles que a tradição reconheceu como narrativos. Como exemplo, faz um exame do Protágoras, do Cármides e da República para mostrar que são diálogos e não narrações, como se costuma interpretar. Se os diálogos forem lidos a partir da forma dramática e da imitação, propõe, a obra de Platão se aproxima da lexis poética da tragédia e da comédia. Os diálogos seriam então uma das formas supremas da arte grega.

Para Benoit, a cena da metafísica ocidental é uma visão exterior da obra. Nietzsche, ao pretender romper com essa cena, paradoxalmente encontra na filosofia de Platão seu alicerce. a dúvida do autor é até que ponto se pode aceitar essa posição de Nietzsche e de seus seguidores. O livro é um esforço metodológico para mostrar que as acusações de que Platão expulsou os poetas e a poesia da cidade se fundamentam em uma tradição interpretativa duvidosa, da qual Benoit acredita que ainda não nos libertamos. Em vez de excluir a poesia, o autor opta por seguir a lexis platônica em busca da construção conceitualmente poética das temporalidades presentes em seu pensamento.

No capítulo 2, Os diálogos entre Homero e Proclus, Benoit faz uma escolha pela tautagoria, forma de leitura sem qual quer interpretação, que procura trazer apenas o que se manifesta em suas relações de superfície, em detrimento da interpretação alegórica, que procura uma outra coisa sob as coisas que se manifestam e um outro dizer com significado profundo. Benoit reconstrói historicamente a transformação do discurso autônomo, não instrumentalizado, em um discurso que passa a velar o mundo. Com o surgimento das formas mercantis, o logos deixa de ser parte da physis e exige técnicas de interpretação para a descoberta de significados profundos. A preocupação do autor é mostrar como, a partir do século V a.C., toda a tradição antiga é submetida à exegese alegórica, começando pelos mitos e poemas homéricos e chegando até Platão no neoplatonismo. Ele elege como exemplo dessa tradição exegética neoplatônica a leitura que Proclus faz de uma passagem da Ilíada, segundo a qual busca -se compreender a doutrina secreta sob os versos de Homero e absolvê -lo das acusações que Platão faz a ele na República. Para Proclus, as imitações poéticas escondem manifestações onto-teológicas e seu esforço corresponde à uma leitura de Homero à luz dos diálogos de Platão. Deve -se a Proclus também uma vasta interpretação onto-teológica dos diálogos, que Benoit considera tão arbitrária e fantasiosa quanto aquela dedicada a Homero.

Benoit denuncia, nas leituras de Proclus e de seus antecessores, as origens da interpretação de como Platão criador do mundo supra -sensível, interpretação essa que surgiu às custas de sucessivas camadas de hermenênutica neoplatônica, e coloca em dúvida se as interpretações modernas e contemporâneas não trazem esse legado de mutilação da lexis  platônica. o que Benoit propõe, então, é um grande trabalho arqueológico para fazer surgir o texto platônico mais próximo de Homero, fora do âmbito alegórico do neoplatonismo; propõe não priorizar a doutrina filosófica, ao modo de Proclus, mas ler os diálogos como organismos internamente e externamente articulados.

O Capítulo 3, Uma obra sem autor e sem doutrina, é uma busca de Platão no interior dos seus próprios diálogos. Em uma época em que os gregos afirmavam a autoria de seus escritos, Platão está ausente dos diálogos, seja como autor, seja como defensor de uma doutrina. Seu nome aparece poucas vezes como personagem, porém de modo breve ou que às vezes, sus- peita Benoit, se faz presente por sua ausência. Por isso, uma leitura com suspensão das suposições tomadas pela tradição como certezas irrefutáveis levará o leitor a ver que pouco resta da presença de Platão como identidade. Personagens como Sócrates, Crítias, Parmênides e o Estrangeiro de Eleia não são portadores da palavra de Platão e não há, nos diálogos, um único autor que centraliza uma dou trina positiva, coerente e sistemática, já que os diálogos são discursos entrecruzados de múltiplos personagens e não podem expressar uma doutrina filosófica única.

O privilégio da fala de Sócrates, além de diversas estratégias que suprimem a dramaticidade do diálogo, transformaram o texto em monólogos e daí, explica o autor, se deduz uma “doutrina platônica”das ideias e, em torno dela, outros “dogmas”, como a ideia de Bem, a oposição sensível -inteligível, a teoria da reminiscência, a teoria da mímesis que condena os poetas, a paideia platônica e o projeto de cidade ideal. a questão que Benoit levanta é: em que medida recortes de discursos de diversos personagens podem, de maneira legítima, ser tomados como a doutrina de Platão? Se hoje essa questão não faz sentido para os leitores e intérpretes, Benoit nota que a antiguidade não teve tanta certeza a respeito da existência de uma doutrina platônica. Para mostrar isso, faz uma exposição de testemunhos antigos que negavam um Platão dogmático.

Uma leitura conceitualmente poética de Platão exige um olhar sem mediação da tradição, por isso o capítulo termina com uma introdução ao tema da temporalidade da lexis, mostrando que os personagens dos diálogos são marcados por esta temporalidade e não seres imutáveis como, em geral, tradição os representa. a maioria dos diálogos possuem demarcações temporais objetivas inscritas nos próprios textos, como fatos ou acontecimentos históricos, que os situam em certa diataxis ou disposição geral.

Segundo o autor, essas demarcações temporais já eram utilizadas em edições dos diálogos desde o século III a.C. A primeira edição teria ordenado os textos em trilogias que obedeciam às demarcações lexicais. Benoit faz então um histórico da ordenação dos diálogos nas edições, que passam de trilogias para tetralogias, e salienta que até o século II d.C. a disposição era feita por demarcações lexicais, quando então passa a obedecer a uma nova ordem exigida por uma suposta “doutrina”de Platão. Só em 1920 a publicação da Société d’Édition “Les Belles Lettres” rompe com a tradição das tetralogias e passa a dispor os diálogos a partir do suposto tempo cronológico de produção da obra. Constrói -se, então, um Platão socrático, dos primeiros diálogos, e um Platão da maturidade, dos diálogos metafísicos. Desde 1950, o problema do ordenamento foi sendo abandonado como teoricamente irrelevante para a compreensão dos textos de Platão, com exceção das interpretações de Schleierma cher e Munk.

O capítulo 4, a diátaxis  enquanto temporalidade da lexis,  tenta encontrar a disposição dos diálogos a partir da lexis, sem qualquer interpretação. Entre os vinte e nove diálogos reconhecidos como autênticos, Benoit data com precisão dezenove diálogos entre os considerados mais importantes do ponto de vista do conteúdo da filosofia platônica e consegue uma datação aproximada dos outros. a disposição da temporalidade da lexis obedece uma periodização em cinco momentos. após a exposição de seu trabalho de datação de cada diálogo, Benoit chega ao seguinte esquema geral da temporalidade da lexis: primeiro momento (450) – Parmênides; segundo momento (434 a 410) – Protágoras, Eutidemo, Lysis, Alcibíades I, Cármides, Górgias, Hipias Maior, Hípias Menor, Lákhes, Mênon, Banquete, Fedro; terceiro momento (410 a 399) – Re pública, Timeu, Crítias, Filebo; q uarto momento (399) – Teeteto, Eutífron, Crátilo, Sofista, Político, Apologia, Criton, Fédon; quinto momento (356 -347) – Leis.

No capítulo 5, a lexis e outras temporalidades, Benoit reconhece, em Platão, além de uma temporalidade da lexis, outras três temporalidades que partem desta e se articulam: uma temporalidade da noesis, correspondente ao pensamento lógico -conceitual de Platão; uma temporalidade da genesis, correspondente aos acontecimentos que envolvem a história dos personagens, do pensamento e da história factual grega; e uma temporalidade da poiesis, correspondente à ação temporal de produção da obra, a sua cronologia.

Em geral, nota o autor, os comentadores privilegiam uma ou outra dessas temporalidades como filosoficamente pertinente. Sob essa perspectiva, faz críticas a tais comentadores, principalmente à corrente estruturalista de Victor Goldschimidt, que teria privilegiado a temporalidade lógico -conceitual.

A partir da temporalidade da lexis, seguindo o critério metodológico, pode -se chegar primeiramente à temporalidade lógico -conceitual de um modo não mais arbitrário, como aquele que propôs o estruturalismo. a disposição ordenada dos textos segundo a temporalidade da lexis  poderia indicar a intencionalidade do autor, ou seja, a forma final através da qual Platão procurou ordenar seu logos. Teremos então o sentido de cada diálogo no tempo geral de sua obra. assim, a temporalidade da lexis  deve ser pensada como não meramente literária, sob o risco de alterar a temporalidade conceitual dos diálogos.

Depois de descobertas lexis e noesis, haverá a possibilidade de reconstruir (em maior ou menor medi- da) a temporalidade da genesis –  a história biográfica de Platão –  e daí se pode finalmente chegar à temporalidade da poiesis –  a cronologia de sua obra. a ordem metodológica das temporalidades é lexis­ ­noesis ­gênesis ­poiesis, embora a ordem objetiva de construção dos textos seja genesis ­poiesis ­noesis ­lexis. a lexis deve ser sempre o ponto de partida metodológico para os leitores de Platão.

A temporalidade da lexis não pressupõe que o Platão tenha o projeto de sua obra acabado desde o começo. Benoit considera lexis e noesis como resultados de toda a produção do autor. Portanto, a temporalidade da ge­ nesis e a temporalidade da poiesis não coincidem com elas. Tanto lexis quanto noesis são posteriores às outras duas temporalidades porque, afirma, provavelmente somente no fim da sua produção Platão conseguiu decifrar o enigma do tempo conceitual de sua obra.

***

A publicação do livro se fazia necessária porque traz aos estudiosos em Platão e público em geral uma ideia que vem há anos influenciando alunos e colegas de Benoit. Também é um alerta para que o leitor de Platão questione se o Platão que está lendo não é um texto recortado e completamente afastado da cena dramática. Benoit provoca o leitor a ler o texto platô- nico na sua arquitetura e no seu movimento e mostra que Platão está muito além daquele filósofo dogmático dos dois mundos, que condenou o corpo, o amor e a arte. ao sabermos a origem dessa interpretação, podemos colocá -la em dúvida e olhar o Platão criador de uma filosofia poética. ao encontrarmos nos diálogos um sinal de que o pensamento de Platão só estava terminado depois de sua obra ter sido escrita, de que sua filosofia foi um pensamento dinâmico sempre em construção, não uma doutrina, podemos ler os diálogos sem procurar neles um sentido pré -determinado.

Há que ter o cuidado, no entanto, de não nos deixarmos tomar por um medo das interpretações a ponto de cair em uma espécie de ódio aos intérpretes, lembrando a misologia à qual Sócrates se refere no Fédon. A leitura de um texto antigo não é um fim em si mesmo, nem que tenha um objetivo de reconstrução histórica. Quando se trata de uma leitura filosófica, a leitura que se faz, as questões que se coloca, têm a ver com nossa realidade, por isso dependem de ferramentas hermenêuticas. Várias interpretações aproximam os problemas filosóficos levantados por Platão a problemas filosóficos atuais e é isso que move a discussão e faz com que Platão seja um filósofo estudado ainda hoje.

O que Benoit propõe, um trabalho liberto de toda e qualquer exegese, é um primeiro trabalho metodológico necessário ao exame dos diálogos. Minha dúvida, porém, é se deve ser definitivo ou se o trabalho metodológico de Benoit pode ser um guia para reconhecer uma boa interpretação, aquela que ajuda a refletir sobre Platão sem mutilá -lo. Talvez não seja impossível conciliar a leitura que Benoit nos proporciona com a leitura da vasta e importante pesquisa em Platão. Como Benoit mostra, Platão tem muitos logoi. Por que não pode ser lido de várias maneiras?

Eliane de Souza – Universidade Federal de São Carlos (Brasil) [email protected]

Acessar publicação original

Aspasia de Mileto y la emancipación de las mujeres. Wilamowitz frente a Bruns – SOLANA DUESO (RA)

SOLANA DUESO, J. Aspasia de Mileto y la emancipación de las mujeres. Wilamowitz frente a Bruns. Amazon E-book, 2014. Resenha de: GARDELLA, Mariana. Revista Archai, Brasília, n.19, p. 275-282, jan., 2016.

Con este trabajo, José Solana Dueso, profesor emérito de la Universidad de Zaragoza, continúa y amplía su investigación sobre el movimiento griego de emancipación femenina, Cuyo primer fruto fue la traducción de los fragmentos y testimonios de Aspasia de  Mileto (Barcelona, Anthropos, 1994). El estudio que se nos presenta en esta oportunidad pretende sumar una nueva voz a la polémica mantenida entre los filólogos Ivo Bruns y Ulrich von Wilamowitz a propósito de la situación de la mujer en la antigua Grecia.

A partir del análisis de testimonios tomados de  textos literarios y filosóficos, Bruns defendió con sólidos y convincentes argumentos que en el siglo V a.  C. se originó un movimiento social que reclamaba la  emancipación de las mujeres. Este movimiento fue impulsado por las extranjeras cultas que cumplían el rol de heteras en Atenas y, en especial, por Aspasia, cuyas proclamas habrían sido defendidas también por Pericles. Esta situación social inspiró a poetas y filósofos,  que recogieron en sus obras algunas de las reivindicaciones de las mujeres, como se observa en Tesmoforias, Lisístrata  y  Asambleístas de Aristófanes, en la  Medea de Eurípides y en el libro V de la República de Platón.

Inmediatamente, Wilamowitz publicó un escrito  que discutía la posición de Bruns, aunque con argumentos más débiles que repetían las calumnias  según las cuales Aspasia fue sólo una prostituta que  no tuvo influencia alguna en el ambiente intelectual  de su época. En palabras de Wilamowitz: “Yo no soy tan necio como para guardar rencor a una mujerzuela muerta, pero uno debe dejarla como es, muerta y una mujerzuela”(p. 117). Dado que Bruns falleció poco  después de haber publicado su estudio, no tuvo oportunidad de responder a las críticas de Wilamowitz. El objetivo general de la investigación de Solana Dueso no sólo es dar a conocer este debate, acercando al lector  hispanohablante la traducción castellana de los textos alemanes donde se plasmó la controversia, sino  también aportar nuevos argumentos para rebatir la  opinión de Wilamowitz y consolidar, al tiempo que  ampliar, la hipótesis de Bruns.

El libro se compone de cinco capítulos. En los capítulos primero y segundo, el autor presenta su propia interpretación sobre el desarrollo del movimiento  griego de emancipación femenina; en los capítulos  restantes incluye las traducciones de los trabajos de  los filólogos mencionados. La traducción del estudio de Bruns, “Frauenemanzipation in Athen. Ein Beitrag zur attischen Kulturgeschichte des 5. und 4. Jahrhunderts”(en Vorträge und Aufsätze, München, Beck’sche Verlagsbuchhandlung, 1900, pp. 154-193), ocupa el  capítulo tercero. En el capítulo cuarto, se agrega la traducción del excurso sobre Aspasia de Eduard Meyer  (“Excurs: Aspasia”,  Forschungen zur alten Geschichte, vol. II, Halle, Niemeyer, 1899, pp. 55-57), dado que  allí se anticipan, aunque de manera germinal, algunas de las ideas desarrolladas posteriormente por Bruns. En el capítulo quinto, se presenta la traducción de la sección del artículo en el que Wilamowitz critica la  posición de Bruns (“Lesefrüchte”,  Hermes, vol. 35, n.  3, 1900, pp. 548-553), así como también la de dos notas dedicadas a Aspasia en su  Aristoteles und Athen (Berlin, Weidmannsche Buchhandlung, vol. I, 1893,  p.263-264, n.7; vol. II, Berlin, p. 99-100, n.35). El libro se completa con un prólogo, donde se sitúa históricamente la disputa entre los alemanes y se analizan algunos estudios actuales que acuerdan con las opiniones de Wilamowitz; una lista de la bibliografía empleada en la investigación y dos apéndices.

Si bien los argumentos que Solana Dueso expone en los dos primeros capítulos toman como punto departida la hipótesis de Bruns, el análisis de nuevos testimonios no considerados por el alemán le permite llegar a conclusiones completamente originales. Dicho análisis sigue un principio metodológico específico según  el cual los textos literarios reflejan, bajo el adorno de la ficción, realidades histórico-sociales (p.10-11, 16, 22). De ahí que la puesta en escena de mujeres que critican la opresión de los varones, y reclaman el acceso a la  educación y la participación política no sean inventos de los poetas, sino la representación ficticia de una  realidad en la cual estos reclamos estaban, de alguna  manera, presentes.

La hipótesis central del capítulo primero, “La mujer en la sociedad patriarcal griega”, sostiene que el sistema patriarcal griego, según el cual el varón detenta un poder unilateral en todos los planos – kósmos, pólis y oîkos –, no constituye una realidad natural, sino más bien convencional, que es resultado de un proceso de dominación del que los varones resultan vencedores. Dado el carácter convencional de este sistema, es  posible que nazca el germen de la subversión, a partir de voces que, denunciando la relación de opresión, aspiran a transformarla.

Para probar su hipótesis, el autor analiza algunos  mitos que exhiben conflictos entre divinidades masculinas y femeninas. En estas luchas o bien vencen los dioses, o bien las diosas alcanzan la victoria y los dioses toman, por este motivo, represalias. Esto se observa  en el mito sobre la disputa entre Poseidón y Atenea  por el nombre de la ciudad de Atenas (August. De civ. D. XVIII.9), que se incluye en el primer apéndice del trabajo. Siguiendo la prescripción del oráculo de Delfos, tanto las mujeres como los hombres debían votar si llamar a la ciudad con el nombre de Poseidón  o con el de Atenea. Dado que las mujeres eran mayoría y todas ellas votaron por Atenea, la ciudad recibió el nombre de la diosa. Poseidón las castigó por esto,  prohibiéndoles votar, dar nombre a su descendencia y ser llamadas “atenienses”. Una disputa similar sostuvo Poseidón con Hera por la ciudad de Micenas (Paus.  II.15.4). Como los ríos de la región apoyaron a la diosa, el dios hizo desaparecer toda el agua del lugar a modo de venganza.

Asimismo, el autor incluye numerosos testimonios que prueban que las mujeres no ocupaban un único  rol en las sociedades patriarcales del mundo antiguo, sino que éste variaba en las diferentes regiones.  En efecto, Grecia era más hostil hacia las mujeres en comparación con el mundo visto desde la óptica griega como “bárbaro”. Es posible suponer que en Troya las mujeres eran consideras sujetos políticos, ya que en la Ilíada los troyanos suelen proferir la expresión “troyanos y troyanas”para referirse al conjunto de  habitantes de la ciudad (e.g. Τρῶας καὶ Τρῳάδας, Il. XXII, 105). Como lo muestran los pasajes del poema épico incluidos en el segundo apéndice del libro, los troyanos no consideraban que el género masculino fuera el género universal. Esto contrasta con la  situación de los argivos, quienes no emplean expresiones semejantes. Lo mismo se ve en Atenas, ya que mientras la expresión “varones atenienses”(ἄνδρες  Ἀθήναιοι) se repite en un sinnúmero de fuentes, no  existe una fórmula equivalente para “mujeres atenienses”, lo cual señalaría que éstas son excluidas del conjunto de la comunidad política.

Solana Dueso defiende incluso que, dentro del  mundo griego, la situación de las mujeres también era variable. Εn las ciudades jonias y eolias de Asia menor y en las islas del Egeo, como Lesbos, Quíos y Samos, las mujeres recibían una educación semejante a la de los varones y, por este motivo, podían dedicarse al trabajo intelectual, como fue el caso de Safo de Lesbos y Aspasia de Mileto; o participar de las actividades bélicas, como hizo Artemisia de Halicarnaso. Entre todas estas mujeres, Aspasia desempeñó un rol fundamental, ya que por su condición de hetera pudo acceder al mundo cultural de los varones atenienses y transformarse en una eximia maestra de retórica, que no sólo educó a muchos varones influyentes de su época, sino que también compuso discursos epidícticos y epigramas, motivo por el cual no debería ser puesta en duda su inclusión dentro del gran movimiento sofístico del siglo V a. C.

Por otra parte, Solana Dueso analiza algunas de las críticas dirigidas al sistema de dominación patriarcal. Si bien son varias las fuentes en las cuales estas críticas pueden rastrearse, el autor se concentra fundamentalmente en testimonios tomados de las tragedias de  Eurípides, aunque sin dejar de referir a la  Orestíada de Esquilo y a algunas tragedias de Sófocles, como  las Traquinias  y los fragmentos conservados del  Tereo. Este análisis posee un gran valor, pues permite  cuestionar el extendido prejuicio que señala a Eurípides como un poeta misógino, prejuicio fundado en  parte en las críticas que le dirigen las mujeres de las  Tesmoforias de Aristófanes (Th. 545-548). Si tomamos por caso la  Medea, allí se ponen en escena no sólo  opiniones misóginas, que son las que erróneamente  se identifican con el punto de vista del poeta, sino  también una serie de comentarios que en boca de Medea y del coro de corintias denuncian la opresión de la mujer. Por ejemplo, Medea declara que los cuerpos de las mujeres tienen amos varones (Med. 230-251) y que éstas han sido objeto de una fama injuriosa injustificada, que no se han atrevido a refutar con un himno que también cantara los defectos de los varones (Med. 410-432). Por eso se hace hincapié en que las mujeres “también poseemos una Musa que nos acompaña en busca de la sabiduría”(Med. 1085-1086), sentencia  que esconde el reclamo al acceso a una educación  igualitaria.

Solana Dueso completa este análisis en el segundo capítulo, “Dos tragedias feministas de Eurípides:  Melanipa la sabia y Melanipa cautiva ”, donde examina los fragmentos conservados de ambas tragedias y algunos versos del  Protesilao. La imagen radicalmente  rupturista de la mujer que se presenta en estas obras le habría valido al poeta críticas y burlas (cfr. Ar. Th. 547, Pl. Smp. 177a1-3, Arist. Po. 1454a31). En efecto, Melanipa reivindica la importancia de las mujeres  en la religión griega, que contrasta con la poca participación que poseen en otro tipo de actividades (fr. 481, 494 Nauck); señala que su madre Hipe profería  relatos de tipo cosmogónicos que explicaban el origen del mundo, similares a los de los filósofos “físicos” (fr. 484); y censura las opiniones generales negativas  que los varones profieren sobre el género femenino,  sin juzgar a cada mujer particular por el valor de su  carácter y acciones (fr. 493-494).

El estudio incluye también algunas referencias a la situación de las mujeres en el siglo IV a. C., momento donde las reivindicaciones de emancipación se ven eclipsadas por la aparición de nuevos escritos que,  como el Económico de Jenofonte, algunas secciones de la Política  de Aristóteles y algunos comentarios de la  Leyes de Platón, reafirman la superioridad natural del varón sobre la mujer y proponen un principio de división del trabajo según el cual la mujer debe realizar las tareas del hogar y el varón, aquéllas que se desarrollan en la esfera pública. No obstante, estas opiniones contrastan con los testimonios sobre la participación de las mujeres en ciertas actividades reservadas usualmente  a los varones, como se observa paradigmáticamente en el ámbito de la educación. En efecto, existen testimonios sobre la presencia de mujeres en las escuelas de  filosofía del siglo IV a. C., como es el caso de las alumnas de la Academia platónica, Lastenia de Mantinea  y Axiotea de Fliunte; Hiparquia de Maronea, llamada “la filósofo”(τῆς φιλοσόφου), compañera de Crates el cínico; Arete, hija de Aristipo de Cirene que educó a su propio hijo, apodado por este motivo Μητροδ ί δακτος (“educado por la madre”); las hijas de Diodoro Crono que se dedicaron a la dialéctica; y las alumnas de la  escuela de Epicuro, Temista y, en especial, Leoncio a  quien Cicerón insulta por haberse animado a escribir contra Teofrasto (Cic. Nat. D. I. 93).

Mujeres como Leoncio o Aspasia, o como todas  aquellas mujeres anónimas que se vieron reflejadas  en Medea y Melanipa, lograron salir del espacio que  el patriarcado les tenía reservado. Sin embargo, como advierte Solana Dueso, fueron reintroducidas en dicho espacio posteriormente, a través de relatos condenatorios cuyo flagrante androcentrismo el autor de este libro logra exitosamente interrogar y revertir.

Mariana Gardella – Universidad de Buenos Aires/Universidad de San  Martín (Argentina). E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Encheirídion de Epicteto – HIERÁPOLIS (RA)

HIERÁPOLIS, Epicteto de. Encheirídion de Epicteto. Introdução, Tradução e Comentários de Aldo Dinucci e Alfredo Julien. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014. Resenha de: MOREIRA,Valter Duarte. Revista Archai, Brasília, n.15, p. 169-170, jul., 2015.

Em Abril deste ano foi publicada pela Universidade de Coimbra a tradução comentada e anotada do Encheirídion de Epicteto, tradução que é fruto de um trabalho minucioso resultante da união de esforços de dois especialistas em história e filosofia clássicas, o doutor em história social Alfredo Julien (USP) e o doutor em filosofia Aldo Dinucci (PUC-RJ).

Epicteto, Frígio, de Hierápolis, liberto de Epafrodito (um dos guarda-costas do imperador Nero), influente filósofo estoico no século I d.C., ministrava aulas em Nicópolis. Segundo fontes clássicas, Epicteto nada teria escrito, mas seu pensamento nos chegou por um de seus alunos, Flávio Arriano Xenofonte, que compilou suas aulas e as transformou em oito livros, as Diatribes, das quais nos chegaram apenas as quatro primeiras e, delas, uma síntese do pensamento estoico, o Encheirídion, a partir da qual, aqueles já familiarizados com os princípios teóricos dessa escola poderiam usar como uma ferramenta sempre à mão quando fosse necessário aplicar seus ensinamentos. Embora não tendo sido escritas por Epicteto, a tradição atribui tais obras à sua autoria.

A obra em questão há alguns anos recebe a atenção concentrada desses dois pesquisadores. Efetivamente, em 2007, Aldo Dinucci publicou Manual de Epicteto: aforismos da sabedoria estoica (São Cristóvão, EdiUFS), uma edição de divulgação  contendo uma tradução preliminar com introdução e notas. Esta obra teve nova edição em 2008. Neste mesmo ano, Aldo Dinucci e Alfredo Julien uniram-se para traduzir os fragmentos epicteteanos (Epicteto: testemunhos e fragmentos. Aldo Dinucci; Alfredo Julien (Org.). São Cristóvão: EdiUFS, 2008 1). Após receber financiamento do CNPq, a mesma equipe trabalhou na edição bilíngue da obra, com publicação em 2012 (Encheirídion de Epicteto, edição bilíngue. São Cristóvão, EdiUFS: 2012 2). Notícia dessa publicação foi veiculada pela revista eletrônica de filosofia Crítica na Rede 3. No mesmo ano, juntamente com essa obra, tivemos a publicação da terceira edição da versão de divulgação, contendo a nova tradução, agora intitulada: Introdução ao Manual de Epicteto (São Cristóvão: EdiUFS, 2012 4). Uma versão compacta desta tradução foi também publicada pela revista de filosofia clássica Archai 5. Desses esforços somados, resultou a publicação de que ora nos ocupamos, que contém uma tradução burilada ao extremo, além de estar repleta de notas de esclarecimento acerca dos termos técnicos utilizados pelo estoicismo, bem como de eventos históricos e personagens (históricos ou míticos) citados na obra e de temas relevantes para o entendimento da obra.

Essa tradução é constituída de uma introdução, na qual consta uma Nota biográfica sobre Epicteto, Epafrodito e Musônio, indicando as referentes fontes de informação. Em segundo lugar, encontra-se uma seção intitulada A quem se destina e para que serve o Encheirídion de Epicteto, onde são esclarecidas algumas questões fundamentais sobre as práticas do estoicismo.

Na seção seguinte estão informações sobre a Recepção e transmissão do Encheirídion de Epicteto: da era bizantina aos nossos dias, capítulo igualmente rico em detalhes quanto às fontes, no qual constam evidências textuais da importância e relevância que a obra alcançou no decorrer do tempo, seguido de uma breve seção intitulada Sobre a divisão em capítulos do Encheirídion de Epicteto, expondo os critérios tomados pelos principais pesquisadores e tradutores desta obra em todo o mundo, quando seguem ou não a tradição e por qual razão.

Na seção seguinte, há informações substanciais acerca de como o estabelecimento do texto grego desta obra foi fundamental para balizar posteriores estudos epicteteanos. Em tal capítulo, apontam-se quais autores foram responsáveis por esse trabalho e qual o ano de publicação de suas obras. Um dos principais foi Boter que, para estabelecer o texto grego do Encheirídion, baseou-se (i) nos códices que contêm o texto do Encheirídion, (ii) nos códices que contêm o Comentário de Simplício, (iii) nos títulos contidos em alguns códices do Comentário de Simplício, (iv) nos títulos suplementares contidos em alguns códices do Comentário de Simplício, (v) nos trechos das Diatribes, dos quais Arriano fez sínteses que adicionou ao Encheirídion, (vi) nas citações do Encheirídion feitas por autores antigos de séculos posteriores e (vii) nas três paráfrases cristãs. Segundo esse autor, existem exatos 59 códices contendo o Encheirídion, e nenhum deles é anterior ao século XIV. Aqueles que contêm as paráfrases cristãs são bem mais antigos, datando alguns dos séculos X e XI.

Após trinta e três páginas de contextualização e esclarecimentos necessários para a leitura da obra, passa-se à tradução propriamente dita, seguida de uma extensa bibliografia acerca do estoicismo e da obra referida. Ao final da obra o livro dispõe de um Index Locorum e de um Index Rerum, seguidos de uma bibliografia complementar intitulada Textos Gregos, indicando as principais obras de autores como Plutarco e Xenofonte, por exemplo.

Esta obra de Epicteto, além de ser de suma importância para a compreensão do estoicismo imperial, também é fonte para o resgate do estoicismo antigo, uma vez que Epicteto, por lecionar o estoicismo, e não somente o praticar, descreveu diversos conceitos estoicos à luz de Crisipo de Sólis (280-208 a.C.), escolarca e principal sistematizador do estoicismo velho (300-129 a.C.).

Além de ser traduzida com muita precisão, essa obra é cuidadosamente anotada, o que a transforma em fonte de grande utilidade para os pesquisadores em estoicismo.

A obra pode ser comprada no seguinte link:  https://lojas.ci.uc.pt/imprensa product_infophp?cPath=71_73&products_id=690. Além disso, a Classica Digitalia disponibiliza a obra em pdf para download gratuito no link a seguir: https://bdigitalsib.uc.pt/jspui/handle/123456789/171.

Notas

1  Disponível em: http://seer.ufs.br/index.php/prometeus/issue/ view/107

2  Disponível em: http://seer.ufs.br/index.php/prometeus/issue/ view/112

3 “O punhal de Epicteto”. Disponível emm: http:// criticanarede.com/encheiridion.html

4  Disponível em: http://seer.ufs. br/index.php/prometeus/issue/ view/111

5  Dinucci, A.; Julien, A. (1912), “O Encheirídion de Epicteto”. Archai, Brasília, n.9, p. 123-136. D isponível em em: http://seer.bce.unb.br/index.php/archai/article/ view/7657/6588

Valter Duarte Moreira – Universidade Federal de Sergipe – Sergipe, Brasil – [email protected]

Acessar publicação original

 

Libero arbitrio. Storia di una controversia filosófica – DE CARO et al (RA)

DE CARO, M.; MORI, M.; SPINELLI, E. (Eds). Libero arbitrio. Storia di una controversia filosófica. Roma: Carocci, 2014. Resenha de: MAZZETTI, Manuel. Revista Archai, Brasília, n.15, p. 165-167, jul., 2015.

Ii problema del libero arbitrio ha ricevuto un’attenzione costante durante la storia della filosofia, dall’antichità fino ai nostri giorni. Il volume curato da De Caro, Mori e Spinelli offre una panoramica esauriente sulle modalità con cui il tema è stato affrontato nell’intera storia della filosofia. Con ciò non si deve intendere che vi sia stato, in un arco temporale che supera i due millenni, un solo problema del libero arbitrio: come premettono i curatori, la peculiarità di questo tema rispetto ad altre questioni che solcano l’intero cammino della storia della filosofia è quella di aver ricevuto non soltanto una miriade di diverse risposte, ma anche una serie di formulazioni diverse: libero arbitrio in relazione ora alla volontà, ora all’azione; avversario del determinismo o compatibile con esso; minacciato da fattori fisici (le leggi naturali; il fato), teologici (la provvidenza), logici (il problema della verità delle affermazioni sul futuro); e così via. L’esigenza ermeneutica di cogliere il problema nella formulazione specifica di ogni epoca storica in cui viene affrontato è tanto più cogente quanto più si risale indietro nel tempo: i capitoli riguardanti la filosofia antica, che considereremo in questa sede, si impegnano pertanto a fornire una ricostruzione, per quanto possibile, fedele ai testi in nostro possesso, senza proiettarvi illecitamente schemi mentali tipici della contemporaneità.

Nel primo capitolo Franco Trabattoni ripercorre la teoria platonica della libertà umana – che trova la sua più celebre e felice esposizione nel mito di Er della Repubblica – considerata come antitetica sia alla visione «pessimistica”dell’epica e degli autori tragici, secondo la quale l’uomo, per quanto si sforzi di impiegare al meglio la sua razionalità per perseguire la virtù, resta in ultima analisi soggiogato alla volontà arbitraria e insondabile degli dèi, che possono manovrarlo e ingannarlo a loro discrezione; sia alla tesi, di matrice soprattutto eraclitea, per cui l’agire umano, anche quando si affranchi dall’influenza degli dèi, resta ugualmente condizionato tanto dalla necessità interna costituita dal suo carattere e dai suoi desideri, quanto dai processi naturali, in cui le cicliche trasformazioni degli elementi sono regolate dal destino. Com’è noto, Platone risponde che ciascuna anima, prima della nascita, ha avuto la possibilità di scegliere il proprio demone, e che pertanto la responsabilità delle azioni che da esso conseguono non è della divinità, bensì dell’uomo stesso. Seppur libera, la scelta prenatale sembra tuttavia condizionare in toto le future azioni di chi l’ha compiuta, e ciò contrasta con l’intento pedagogico di plasmare e modificare il carattere, perseguito in altri luoghi della Repubblica stessa. Trabattoni osserva che «formalmente parlando» (p. 19) questo problema risulta «inaggirabile», ma insiste anche sulla necessità di stemperare l’apparente gravità di tale incoerenza tenendo presente il carattere metaforico e polemico dell’intero mito di Er: in quanto mito, esso è una rappresentazione approssimativa della realtà a cui si riferisce. Nella parte finale del capitolo, l’autore si impegna a ricostruire in cosa consista, di fatto, la libertà difesa negli scritti platonici: premesso che il fine della vita umana non può essere scelto, in quanto consiste per natura nel raggiungimento della felicità, la libertà deve riguardare la scelta dei mezzi adeguati a perseguire quel fine. La conseguenza, solo apparentemente paradossale, di questa tesi è che la libertà non consiste affatto nella possibilità di scegliere in modo arbitrario e indiscriminato ciò che si vuole: se, per esempio, al piccolo Liside del dialogo omonimo non venisse proibito di guidare il carro del padre, ed egli fosse perciò del tutto libero di farlo, ciò non contribuirebbe affatto alla sua felicità, bensì alla sua rovina. In tal senso, una libertà totale riguardo ai mezzi coincide con l’ignoranza: l’esito di questa riflessione sembra essere, pertanto, che minore è la libertà riguardo ai mezzi, ovvero le alternative fra cui è auspicabile scegliere, maggiore è la libertà di poter ottenere il fine.

Nel secondo capitolo Carlo Natali raccoglie innanzitutto i passi delle opere di Aristotele più significativi per ricostruire il suo pensiero sul libero arbitrio: la lettura diretta dei testi è, qui più che altrove, necessaria per offrire un quadro obiettivo della posizione aristotelica, poiché essa è stata oggetto, dall’antichità fino ad oggi, di interpretazioni disparate e spesso fra di loro contraddittorie. È noto infatti che gli scritti dello Stagirita enfatizzano in molti luoghi la contingenza di tutto ciò che riguarda il mondo sublunare (che può essere o non essere, e in cui gli eventi si verificano «per lo più», ma ammettono eccezioni), e la responsabilità dell’uomo per una classe di azioni che dipendono da lui, cioè non sono forzate da agenti esterni. I Peripatetici antichi interpretarono queste asserzioni in senso indeterministico, ma sono possibili altresì letture di stampo deterministico, e non si può neppure escludere che Aristotele non si fosse affatto posto il problema. I due punti problematici su cui si è incentrato il dibattito contemporaneo, messi in luce da Natali, sono la vaghezza del concetto di contingenza – che sembra riguardare più casi generici (l’acqua può bollire o meno), che le loro singole istanziazioni (in certe circostanze, per es. in presenza di una fonte di calore, l’acqua bolle necessariamente) – e soprattutto le ambiguità relative alla formazione del carattere: un agente è responsabile delle azioni che discendono dal suo carattere perché a lui è imputabile la formazione del carattere stesso; ma tale formazione è influenzata a sua volta da fattori esterni e culturali, e in ultima analisi non sembra perciò libera. Natali inclina per un’interpretazione cautamente indeterminista e conclude che Aristotele, pur non avendo impostato il problema in maniera del tutto rigorosa, rappresenta un momento importante nel dibattito sui rapporti fra libero arbitrio e determinismo.

In età ellenistica la questione assume un’importanza dirompente, benché – come osservano Emidio Spinelli e Francesco Verde, autori del capitolo sulle scuole ellenistiche – i termini in cui essa viene affrontata non debbano essere anacronisticamente sovrapposti a quelli del dibattito attuale, con cui pure presentano innegabili analogie. Il merito principale della sezione su Epicuro è quello di riportare l’attenzione sui frammenti del XXV libro dell’opera Sulla natura, oltre che sui più celebri passi in cui viene riferita la dottrina del clinamen: secondo Verde, quest’ultima sarebbe stata introdotta in una fase successiva alla redazione del XXV libro in cui infatti, stando almeno alle parti superstiti, non trova menzione alcuna. Nell’opera Sulla natura Epicuro avrebbe difeso la capacità della mente di potersi determinare autonomamente, nonostante la necessità dei moti degli atomi, non essendo totalmente soggetta ai condizionamenti esterni e a quelli della sua stessa struttura atomica. Con la successiva introduzione del clinamen, ovvero della possibilità degli atomi di deviare dalla propria traiettoria in un momento indeterminato spazio-temporalmente, Epicuro avrebbe offerto una spiegazione in termini fisici di quell’autonomia già precedentemente teorizzata. La seconda sezione del capitolo ripercorre sinteticamente i punti chiave della teoria degli Stoici, che costituiscono i deterministi par excellence dell’antichità. I presupposti che inducono ad ammettere che da ogni causa consegua inevitabilmente un solo effetto, e che il mondo costituisca una sorta di «rete”in cui infinite cause si intrecciano secondo modalità per lo più ignote all’osservatore umano, sono tuttavia di ordine metafisico ancor prima che scientifico: il cosmo è infatti, secondo gli Stoici, un intero le cui parti sono tutte correlate fra loro secondo un criterio razionale, sancito da un principio divino immanente al cosmo stesso. Spinelli ripercorre sinteticamente il diverso approccio con cui Cleante, Crisippo ed Epitteto si impegnarono a mostrare la compatibilità tra la loro fisica rigorosamente deterministica e, in campo etico, la responsabilità umana: al di là delle differenti formulazioni, la tesi comune è che le azioni provenienti dall’iniziativa umana, ancorché determinate in maniera univoca, siano tuttavia imputabili al soggetto agente, per il fatto stesso di provenire da facoltà a lui interne, e non da costrizioni esterne.

L’anello di congiunzione fra il terzo e il quarto capitolo è costituito da Carneade, di cui tuttavia vengono proposte due differenti letture: Spinelli e Verde insistono sugli aspetti scettici del pensiero di Carneade, ovvero sulla natura puramente dialettica delle sue critiche, vòlte a mostrare che ciascuna delle tesi contrastanti difese dalle scuole filosofiche è parimenti insoddisfacente; Trabattoni si appella invece all’appartenenza di Carneade all’Accademia per scorgere, dietro alle sue critiche, l’affermazione di una dottrina positiva di matrice platonica. La parte rimanente del quarto capitolo, curato sempre da Trabattoni, e l’intero capitolo successivo, curato ancora da Natali, sono dedicate a ricostruire le reazioni delle scuole dogmatiche – rispettivamente, l’Accademia e il Peripato – al determinismo stoico, tese a ritagliare uno spazio alla libertà dell’agire umano più ampio della mera provenienza da principî interni. Il cosiddetto «medio-platonismo”elaborò, sulla base del mito di Er, la dottrina del fato come legge condizionale, esprimibile nella forma: «se sceglierai una certa cosa, deriveranno certe conseguenze»; la scelta posta dall’apodosi è in nostro potere, e non è determinata dal fato, a cui sono imputabili invece gli esiti inevitabili che da essa scaturiscono. In Plotino e negli altri neoplatonici, invece, il problema del libero arbitrio è inquadrato nella prospettiva più schiettamente teologica del provvidenzialismo: la divinità agisce per il meglio e determina il ruolo che ciascun individuo riveste nel mondo; ma solo a l’individuo spetta il compito di recitare bene o male, come un buon o cattivo attore, la parte che la provvidenza gli ha assegnato. Infine, il Peripato, e in particolare Alessandro di Afrodisia, equiparava il fato alla natura individuale degli enti sublunari, ovvero a quel complesso di caratteristiche che, pur condizionando gli eventi con una certa regolarità, ammettono eccezioni.

In conclusione, il libro sul libero arbitrio, di cui abbiamo velocemente ripercorso le sezioni riguardanti la filosofia antica, ha il merito di fornire un quadro generale dell’approccio di ciascun autore o scuola filosofica alla questione, e nel contempo di dare una visione essenziale, ma precisa e aggiornata alla bibliografia più recente, degli aspetti problematici e delle più interessanti interpretazioni moderne.

Manuel Mazzetti – La Sapienza University of Rome – Roma, Itália – [email protected]

Acessar publicação original

 

Aristotle’s Metaphysics Alpha: Symposium Aristotelicum – STEEL (RA)

STEEL, C (Ed). Aristotle’s Metaphysics Alpha: Symposium Aristotelicum. Oxford: Oxford University Press, 2012. Resenha de: LAKS, André. Revista Archai, Brasília, n.15, p. 157-163, jul., 2015.

Esta obra procede do 18° Symposium Aristotelicum ocorrido em 2008 em Louvain, no qual as primeiras versões de todos os ensaios, à exceção de um, foram apresentadas e discutidas. Certamente o primeiro livro da Metafísica de Aristóteles é, no mínimo, tão famoso quanto os demais, embora talvez seja o menos lido, se por “lido”se entende “lido por si mesmo”, em vez de ser utilizado pelas informações exclusivas que dispõe da aurora da filosofia grega e de Platão. Uma clara indicação disso é que, salvo a edição e comentário ainda indispensáveis de toda a Metafísica por Ross, não dispomos (tanto quanto eu saiba) de nenhuma obra específica dedicada ao Livro A – compare-se com o Gamma, os assim chamados livros centrais, Lambda, e mesmo o Beta. O presente volume que é o resultado de muita organização, muito trabalho e muitas discussões vem agora suprir esta falta de maneira significativa. Ele não  constitui propriamente um “comentário contínuo”do Livro A. Primeiro, por haver onze comentadores (aproximadamente um para cada um dos dez capítulos, exceto o A9, que tem dois 1); segundo, porque nem todos os pormenores do texto aristotélico são discutidos (embora grande parte deles de fato o seja); e terceiro porque, como se espera de uma compilação, cada capítulo assume a feição de um ensaio e assim se mantém guiado por questões definidas ou por um conjunto de questões. No entanto, mesmo com essas particularidades, o volume transmite uma impressão de notável homogeneidade, especialmente por que (quase) todas as contribuições seguem a progressão do texto de Aristóteles seção a seção, com marcações adequadas e intertítulos. Uma tradução pessoal das passagens comentadas é frequentemente apresentada antes dos comentários propriamente ditos. Assim, o volume como um todo funciona efetivamente à maneira de um comentário polifônico (multi-voiced) e pode ser assim utilizado.

O capítulo 9 (sobre a concepção platônica de causa formal) revela um aspecto peculiar, seja do ponto de vista formal, seja em termos de conteúdos, e tem sido constantemente objeto de atenção específica pois, tomado em conjunto com o comentário de Alexandre, encerra o material básico para a reconstrução da crítica aristotélica à teoria das Formas de Platão. Neste caso, é especialmente útil – e agradável, dado o grau elevado de tecnicidade e especulação que se têm posto ao serviço da reconstrução de argumentos completa ou parcialmente perdidos – dispormos de duas contribuições (de Dorothea Frede e Michel Crubellier) que apresentam panorama claro e atualizado de todo o desenvolvimento, acompanhado de avaliação breve, mas razoável, de cada argumento. Visto que não se pode tratar deste capítulo desvinculado da sua retractatio e repetição parcial no livro M, M4-5 também merece alguma atenção.

Uma nova edição, por Oliver Primavesi, do texto da Metafísica A segue-se aos onze ensaios. Esta inserção, se comparada aos volumes anteriores da mesma série, representa uma inovação formal. Contribui para a unidade do volume, pois as decisões acerca do tratamento de problemas textuais no interior de cada trabalho refere-se sistematicamente ao texto e sigla de Primavesi, seja para indicar acordo ou discordância. Não obstante, pode-se avançar dois pontos de vista muito diferentes sobre semelhante inclusão. Por um lado, esta edição representa o primeiro passo rumo a uma nova edição da totalidade da Metafísica de Aristóteles, destinada a substituir a de Ross e a de Jaeger (cf. as stemmas de Primavesi para as diferentes partes da Metafísica p. 392ff.; para o Livro A- α 2, em que J desaparece, cf. p. 397). Por outro lado, constitui-se em uma contribuição específica ao volume, que é textualmente orientada, mas implica um número importante de problemas interpretativos.O tratamento apropriado do primeiro aspecto exigiria discussão extensa e técnica que não estou em condições de oferecer mais por razões de competência, do que pela natureza desta resenha. Mas no que se refere ao segundo aspecto eu diria que, embora a edição seja útil e estruturada com clareza (com uma introdução de 80 páginas, contendo a análise mais proveitosa das 23 passagens da Metafísica A), sua consulta não é propriamente fácil. O texto grego de Aristóteles está dividido em pequenas seções imediatamente seguidas pelo aparato crítico correspondente, interrompido pela numeração das linhas uma a uma e pela referência, antes de cada seção (de 987a6 em diante) ao assim chamado Textus de Averróis em seu Comentário à Metafísica de Aristóteles (cf. p. 400). E isso sem mencionar o aparato rico – demasiado rico, eu penso, para a finalidade do volume em questão e talvez até mesmo para uma edição da Metafísica em geral. Felizmente, a informação mais significativa a que os ensaios se referem sistematicamente, a saber, a questão de se uma determinada leitura pertence à assim chamada tradição- alfa ou à tradição- beta, pode ser facilmente compreendida graças ao uso das letras α e β em negrito, as quais o leitor também encontra em todas as contribuições.

O primeiro livro da Metafísica contém duas seções principais. A primeira (A1 e 2) esboça o quadro geral de determinada investigação, dedicada a uma área de pesquisa cujo objeto é definido posteriormente. Tal será a tarefa dos livros subsequentes, iniciando-se com as aporias do Livro Beta, claramente anunciadas nas últimas linhas do capítulo 10 – e que emerge, em certo sentido, do que Aristóteles estava desenvolvendo na Metafísica A (esta é uma compreensão importante que é claramente apresentada por John Cooper em seu “Retrospecto”, p. 351-53). Na Metafísica A, a investigação em análise caracteriza-se como sabedoria (sophia) e lida com as primeiras causas, o que significa, neste caso concreto, as primeiras causas do ser e dos entes enquanto tais (Sarah Broadi, “Uma ciência dos primeiros princípios”, sobre A2, p. 65; Rachel Barney, “História e dialética”, sobre A3, p. 73; Cooper, que, mais uma vez, insiste corretamente neste ponto, p. 358-361). Tal sugere de imediato que até mesmo a razão de Aristóteles para se empenhar em uma exposição (e crítica) da concepção dos seus predecessores de A3 a A10, não pode limitar-se apenas a confirmar a exatidão da doutrina das quatro causas conforme exposta na Física, embora componha certamente parte do projeto (cf. A3, 983a24-983b6, com os comentários de Barney, p. 74; A7, 988a21-23, com os comentários de Primavesi em seu “Reconsiderações sobre alguns pré-socráticos”, p. 226; e as linhas iniciais do capítulo conclusivo, 10, com Cooper, p. 336ff.). Teria a sequência seguida por Aristóteles caráter teleológico? Esta é a opinião corrente, mas que é rejeitada, ou no mínimo fortemente matizada, em duas contribuições. Stephen Menn, em seu “Crítica dos primeiros filósofos sobre o bem e as causas”(sobre A7 a 8, 989a18), sustenta que pelo menos em A7 Aristóteles não diz

… que assim como algumas pessoas  ́lidaram de modo obscuro ́ com a causa formal, também outras  ́lidaram de algum modo obscuro ́ com a causa final… mas ele diz que os primeiros pensadores… compreenderam imperfeitamente o bem, ao não utilizá- lo como causa final e interpreta isso à luz (e não o inverso) da sentença em A10, 993a14, a qual sustenta que “de certa maneira todos [os tipos de causas] já foram referidos anteriormente”(cf. p. 210, com o n. 18; e, para a retomada geral de Menn sobre o assunto, p. 202 e 216); e Gábor Betegh, ao comentar “O próximo princípio”(sobre A4) acerca da famosa metáfora de Aristóteles em 4.985a5 (cf. 10.993a13), segundo a qual seus predecessores mostravam-se “titubeantes”(tottering), sugere que uma forma de titubear é aquela em que há incerteza sobre o modo de conduzir uma sentença ao seu desfecho. Consequentemente, “mais de uma linha de desenvolvimento [ scil. na história da filosofia] foi possível”(p. 106). Pergunto-me se isto é assaz consistente com a tradução de psellizesthai por “expressar-se de maneira inarticulada”(p. 125 com o n. 46), pois a maneira peculiar como falam as crianças representa, seguramente, certo estágio de um desenvolvimento teleológico. Certamente, a teleologia de Aristóteles não é de tipo “panglossiano”(Menn, p. 216); e pode- se caracterizar a história de Aristóteles mais como “progressivista”do que “determinística”(Betegh, p. 106, com uma análise interessante das complexidades que cercam a antecipação da causa eficiente, p. 110). No entanto, se a observação de Aristóteles sobre os filósofos se verem impulsionados pela “coisa”em si mesma (984a1), ou “pela verdade em si mesma”(984b9f.), aplica-se não apenas aos primeiros filósofos, mas também aos filósofos em geral, talvez seja difícil negar que no mínimo certo teor de teleologia exerce o seu papel no construto aristotélico.

De todo modo, de A3 em diante Aristóteles empenha-se em viés desenvolvimentista do passado filosófico, um tipo inteiramente novo de abordagem. Trata-se de um dos aspectos mais fascinantes do Livro A, pois implica todas as questões básicas acerca do que significa escrever história, sobretudo escrever a história da filosofia, e ainda mais especificamente, escrever a história da filosofia a partir de determinado ponto de vista. Como é compreensível, este é um tema recorrente ao longo do volume. Ressalta-se a novidade da abordagem aristotélica mediante a comparação com os procedimentos anteriores e em que se lidava com a história das ideias, tais como o trabalho “homonoético”de Hípias, a biografia intelectual de Sócrates no Fédon de Platão, e a Gigantomachia em seu Sofista, todos eles textos que exerceram papel implícito, mas importante, no entendimento que Aristóteles tinha da sua própria teorização (Barney, p. 90 e 101 sobre o Hípias e o Sofista de Platão; Menn sobre o Fédon platônico, que sublinha corretamente na p. 211f. a centralidade, para o projeto pessoal de Aristóteles, da identificação do bem como “primeiro princípio”).

A segunda seção da Metafísica A encontra-se subdividida em suas seções: enquanto A3-A6 consiste essencialmente na exposição meticulosa de como as quatro causas – e não mais que quatro – gradativamente emergem ao longo do desenvolvimento de Tales até, pelo menos, Platão, A7-A9 empenha- se na revisão crítica do que os predecessores de Aristóteles tinham a dizer sobre o que as primeiras causas do ser como um todo são. Barney e Cooper empreendem discussão sobre se esta seção liga-se ao mesmo desenvolvimento “histórico”que A3-6, ou se pertence a outro nível, com ênfase clara na crítica, no questionamento aporético, e na dialética. Barney apresenta resposta positiva (p. 103), enquanto Cooper distingue a empresa “histórica”da “crítica”(p. 359). A descrição que Primaveri oferece do desenvolvimento em duas etapas em seu “Reconsiderações sobre alguns pré-socráticos”(em A8, 989a18-990a32) é neutra a esse respeito:

Os capítulos 3-5 fazem tão somente uma pergunta acerca dos primeiros pensadores: se os seus relatos acerca das causas últimas podem ser reduzidos, sem restos, a um ou mais elementos da lista aristotélica de causas. O capítulo 8, por outro lado, analisará os primeiros pensadores em todos os aspectos que podem ser úteis à busca da sabedoria (p. 227).

Com efeito, se alguém escolhe vincular a seção crítica ao trabalho histórico ou não, isso depende do quão amplamente interpreta a “história”ou, mais especificamente, a história filosófica da filosofia. O importante é que os capítulos A3-A9 constituem um todo admiravelmente bem-articulado. Tal não significa que inexistam problemas estruturais ou dificuldades pontuais, a mais interessante das quais se liga à efetiva complexidade da empresa “histórica”de Aristóteles. Um aspecto disso é que, segundo penso, a linha filosófica aristotélica de reconstrução da história da filosofia, certamente predominante na Metafísica Alfa acompanha e em certa medida entra em conflito com, a tendência à exaustividade – tensão que poderia ler-se como antecipando a diferença entre dois modos de se conceber a história da filosofia que é paradigmaticamente representada por Hegel e Zeller.

Uma das grandes virtudes deste livro é que ele sublinha seja o cuidado com o qual Aristóteles desenvolve seu projeto específico, sejam as tensões daí resultantes – para ele e para nós – a partir da sua própria complexidade: qual é exatamente o intuito da seção sobre Leucipo e Demócrito em 4.985b4-20 do ponto de vista do argumento de Aristóteles (Betegh, p. 136ff.)? E “que relevância tem isso para o projeto aristotélico na Metafísica A?”, pergunta Malcolm Schofield em sua análise da seção sobre os eleatas em 5.986b8-987b (p. 159 do seu “Pitagorismo: surgindo da névoa pré-socrática”, sobre A5). Além disso, como a “misteriosa”ausência do nome de Anaximandro é explicada em todo o livro (cf. Barney, p. 78, que menciona o problema, mas não lida propriamente com ele, nem o faz qualquer outra contribuição)? 2 Ademais, é bastante claro que a história relatada nos capítulos 3 e 4, em que Aristóteles resume as concepções de Tales, Anaxágoras, Empédocles, Demócrito e dos eleatas, e brevemente menciona mais alguns nomes (tais como os de Anaxímenes, Hipaso, Diógenes de Apolônia e Heráclito), conduz ao capítulo 5, o qual, ao ocupar o centro de todo o livro, representa um ponto de inflexão em todo o desenvolvimento.

Como fica claro pelo título da contribuição de Schofield (conferir acima), os pitagóricos representam, na construção aristotélica, o momento decisivo na história da filosofia, espécie de ponte entre a filosofia pré-socrática (ou melhor, pré- platônica) “típica”e Platão. Schofield discute o caráter “intersticial”do pitagorismo e é importante que, na apresentação aristotélica, a cronologia encontra-se com o desenvolvimento conceitual (p. 142f.). Com efeito, pode-se afirmar que a partir de A6, apresentada por Carlos Steel (“Platão visto por Aristóteles”), Platão ocupará o centro do interesse e refutação de Aristóteles (em A7b-A9), embora a seção dedicada à crítica aos predecessores se inicie com a crítica aos representantes do pensamento pré-platônico que apresentam potencialmente algum contributo à própria investigação de Aristóteles (cf. a explicação de Primavesi acerca do motivo de Aristóteles se concentrar aqui exclusivamente em Empédocles, Anaxágoras e nos pitagóricos: as concepções de Filolau, Parmênides e Demócrito “encontram-se simplesmente muito distantes do caminho certo, p. 227).”

A centralidade que Aristóteles atribui aos pitagóricos e Platão na história da busca pelos primeiros princípios traduz-se materialmente na extensa crítica à teoria das Formas em A9. Esta crítica divide-se facilmente em duas partes, correspondendo às duas versões ou etapas da teoria das Formas de Platão. A primeira corresponde às exposições clássicas nos diálogos, a segunda, à tese de que as Formas são números. No entanto, embora a divisão entre A9 a e A9 b se justifique perfeitamente e se confirme externamente pelo fato notório de que A9 a é repetida quase palavra a palavra em M 4-5, Crubellier salienta curiosamente em sua contribuição a continuidade entre as duas seções de A9, lidas a partir do ponto de vista específico do projeto aristotélico no Livro A – continuidade refletida na numeração contínua dos argumentos nas contribuições de Frede e Crubellier (de I a VII para A9 a, de VIII a XXIII para A9 b; ver p. 300 e o proveitoso Apêndice I à p. 332, que oferece o plano geral de A9). Formalmente, a concisão e aridez de A9 b não é tão diferente de A9 a (Crubellier, p. 300); substancialmente, e o que é mais importante, enquanto a crítica aristotélica em M revela basicamente natureza ontológica, A9 dirige-se às concepções metafísicas de Platão, “no sentido de uma busca pelos princípios mais fundamentais e universais dos entes naturais e dos fenômenos”(p. 300).

Entretanto, o peso específico do capítulo 9 é manifesto não apenas por sua extensão. O próprio fato de que a refutação assume forma sistemática (a ponto de parecer exceder o verdadeiro objetivo do livro A) justifica-se se Platão, na esteira dos “pitagóricos”, alcançou um ponto decisivo: a descoberta da causa formal que foi ou esquecida, ou apenas ligeiramente esboçada por seus antecessores. É verdade que, de acordo com Aristóteles, Platão fala de forma imprecisa; mas, como observa Cooper, há uma diferença importante entre referir “imprecisamente”e fazê-lo apenas “com hesitação”. Platão permanece impreciso, de acordo com a sugestão de Cooper, porque “a filosofia necessita falar com base em uma relato plenamente articulado não apenas de algo tal como a causa de determinada espécie… mas… que a compreensão deve ser constituída em um pensamento sistemático, plenamente articulado sobre as causas em geral”(p. 350). Platão, no entanto, de modo algum hesita, mas oferece uma teoria explícita da causa formal. Isto é suficiente para explicar o caráter sistemático da crítica de Aristóteles em A9.

Seria a sua crítica hostil? A questão é abordada por Frede, que nos convida a examiná-la não “enquanto um longo ressentimento reprimido contra a teoria das Formas de Platão”, e sim como “um longo catálogo de aporiai compartilhadas por alguns platonistas, à maneira de um desafio para discussão posterior”(p. 295). Esta visão está intimamente ligada à famosa questão do grau de fidelidade de Aristóteles à Academia de Platão à época em que ele escreveu a Metafísica A e o famoso “nós”(“nós”, os discípulos de Platão), que, como observa Primavesi, p. 412, surge “nada menos que em treze passagens do capítulo nove em nossa [de Primavesi] edição”, e contrasta fortemente com o uso da terceira pessoa (“eles”) nas passagens paralelas do Livro M. Pode-se divergir quanto às conclusões que se pode ou deve extrair desta mudança tornada famosa por Jaeger (ver Frede, p. 269ff. e Crubellier, p. 299). Mas Aristóteles alguma vez escreveu “tal como nós dissemos no Fédon “(hos en Phaidoni legomen)? Este é o texto que Primavesi publica em 991b3f. (cf. p. 414f.), na esteira das últimas reflexões de Jaeger sobre este assunto3 A leitura, que obviamente representa lectio difficilior, se não mesmo uma lectio impossibilis, não é transmitida nem em α ou β (e ambas têm legetai, “ele diz”), mas é narrada por Alexandre na p.106 do seu comentário (cf. também Asclépio, p. 90, 19). 4 Trata-se de um caso interessante não apenas para a história da transmissão do texto, mas também pela “ousadia”intrínseca da fórmula – inexiste algo comparável nas outras formas da primeira pessoa do plural no Livro A, apesar do que Alexandre afirma. Primavesi o explica: “Aristóteles não diz que ele compôs o Fédon; ele tão somente diz que algumas opiniões expressas no diálogo platônico representam a posição de um grupo de filósofos a que o próprio Aristóteles, de certa maneira, julga pertencer”(p. 414). Bem, parece-me que a frase diz algo mais do que isso; em sendo assim, o problema permanece.

A retomada crítica das opiniões dos seus predecessores é bastante comum nas obras de Aristóteles e representa um aspecto importante da sua abordagem filosófica em geral. Mas a revisão que encontramos na Metafísica A é única no gênero, especialmente porque a estrutura da apresentação e discussão das diversas doutrinas possui acentuado componente cronológico. Certamente um aspecto importante do interesse de Aristóteles na Metafísica A é a dúvida acerca do grau de precisão com que a filosofia se desenvolveu ao longo do tempo, e muitas observações cronológicas feitas de passagem atestam esta preocupação. Aristóteles interessa-se por antecedentes: Homero e Hesíodo vs. Tales, Hermótimo vs. Anaxágoras, Hesíodo e Parmênides vs. Anaxágoras e Empédocles, Anaxágoras vs. Empédocles (para a interpretação da controversa sentença em 984a11f., ver Barney, p. 93, n. 61), assim como “as palavras notoriamente obscuras de abertura do capítulo 5”(Schofield, p. 142): “Esses pensadores e, antes deles, os pitagóricos, como eram chamados, inclinaram-se às matemáticas”(Schofield sugere que Aristóteles “intenta inserir os pitagóricos tardios entre os pré-socráticos pluralistas”). E se a sentença sobre a relação cronológica entre Alcmeão e Pitágoras em 986a28-31 é, de fato, um acréscimo não pertencente ao texto original de Aristóteles, como foi sustentado por grande número de estudiosos (incluindo Primavesi, que pensa ser tal suplemento de origem neopitagórica, p. 447), um motivo para o acréscimo seria o de prosseguir nesta linha de investigação mas eu penso que Schofield na p. 150 está correto em considerá-la como sendo uma observação original de Aristóteles).

Alguém poderia perguntar por que este interesse especial de Aristóteles se manifesta precisamente no caso da “primeira filosofia”(compare as observações esboçadas acerca da história da dialética no capítulo final das Refutações sofísticas). Gostaria de sugerir que este zelo cronológico dialoga, e, na verdade, o aprofunda em nível ontogenético, por assim dizer, com a perspectiva que é indicada em A1 em nível quase-filogenético: o homem é por natureza uma criatura cognitiva. O liame entre o desenvolvimento da faculdade cognitiva humana e as opiniões e teorias acerca da causalidade, que articula as seções do Livro A (A1-2, A3-10), não é indicado por nenhum dos autores, salvo engano. Porém, Giuseppe Cambiano (“O desejo de conhecer”, sobre A1) e Broadie mostram bem o quanto os capítulos A1-A2, em que pesem as similaridades que revelam com o Protréptico e a Ética, lançam desde o início um projeto inteiramente distinto, a saber, “delinear e justificar um programa de pesquisa acerca dos princípios e primeiras causas”(Cambiano, p. 41; cf. Broadie, p. 48), embora ambos também deixem claro, nos termos de Broadie, que “A1-2 é, entre outras coisas, espécie de manifesto cultural, reivindicando o termo “filosofia”para estudos tais como os que temos na Metafísica, face à reivindicação de Isócrates para o seu tipo de atividade”(p. 50, com referência a Cambiano, p. 36 e 41).

Como foi indicado acima, o foco desse volume atém-se ao propósito e estratégia de Aristóteles ao lidar com os seus antecessores, e não ao intuito de utilizá-lo enquanto fonte para a reconstrução do pensamento dos pré-socráticos (ou mesmo de Platão). Assim procede Betegh, ao referir-se à seção dedicada aos atomistas em A4: “Aquilo em que estou interessado é… sua posição e função no contexto do nosso capítulo”(p. 137); ou Schofield, falando sobre A5:

O meu principal objetivo [não é] discutir em si mesmo o pitagorismo… a que Aristóteles está se reportando. O foco principal repousa antes nos benefícios que ele tenta auferir destes pensadores na medida em que se relacionam com a sua investigação acerca dos princípios e causas.

Mesmo assim, concentrar-se no projeto aristotélico não apenas não impede de considerá-lo uma “fonte”, mas às vezes chega mesmo a exigi-lo. O capítulo de Schofield é um bom exemplo disso, pois parte essencial dele consiste na reivindicação da interpretação aristotélica de Filolau (cuja obra é reconhecidamente a principal fonte da doutrina que Aristóteles atribui ao primeiro grupo de pitagóricos anônimos) contra aquela de Carl Huffman em seu livro clássico. Enquanto o último deseja salvar Filolau de haver concebido os números literalmente enquanto constitutivos do cosmos (imagem que se toma a Aristóteles) e pensa que Filolau apenas estabeleceu um paralelo entre teoria dos números e cosmologia (cf. p. 155), Schofield argumenta, ao invés, que a visão de mundo “fantástica”que emerge da apresentação de Aristóteles (e que é confirmada por outros relatos) deve refletir a doutrina original. Reside precisamente nesta “fantasia”, que a perspicácia filosófica de Aristóteles é capaz de reconhecer, a emergência de uma “reflexão autoconsciente sobre a explicação”(p. 164; cf. também suas observações sobre a relação entre a síntese inicial em 985b23- 986a21 e o comentário de Aristóteles em 987a15- 19, p. 163-5). E impulsiona a contribuição de Steel especialmente o pressuposto de ser Aristóteles uma fonte – neste caso, fonte para o nosso conhecimento e para o seu próprio conhecimento – da doutrina de Platão. Sua perspectiva fundamental, reagindo claramente contra a insistência de Cherniss nas distorções de Aristóteles e na caça sistemática por doutrinas não-escritas e a pitagorização de Platão, é que, além da doutrina do “Grande e Pequeno”que “parece”representar “clara evidência de uma doutrina não-escrita”(p. 194), os relatos aristotélicos de Platão em A6 ou procedem dos diálogos platônicos, ou são rastreáveis até eles (cf. p. 184, p. 188). Em todo caso, as doutrinas não-escritas existiram e A9 b lida extensamente com um dos seus aspectos mais enigmáticos: a tese que as Formas são números,  sobre a qual Crubellier apresenta exposição e exegese lúcidas (p. 303f.).

O livro inicia-se um tanto abruptamente, após o breve prefácio formal do editor, com a análise de Cambiano de A1, orientada para uma comparação entre o material presente em A1 e os desenvolvimentos paralelos dentro e fora do corpus aristotélico (para os paralelos “internos”, cf. em particular comparação esperada entre A1 e An. Post. II, 19, p. 15ff.; e para as comparações externas, cf. especialmente a 5 a. seção “Sobre o contexto intelectual de A1”, p. 26ff.). Eis por que eu recomendaria que os leitores – mesmo aqueles já familiarizados com o Livro A – comecem com a “Conclusão – e retrospecto”de Cooper, o qual se dedica explicitamente a cobrir a estrutura geral do empreendimento aristotélico. Os leitores talvez queiram então passar à primeira seção do capítulo de Barney (p. 71-76) com as suas lúcidas reflexões sobre o método histórico de Aristóteles e, em seguida, para “Uma ciência dos primeiros princípios”que preenche bem o esboço oferecido por Cooper em seu “Retrospecto”sobre o projeto geral de Aristóteles de redefinição da sophia.

O livro é extraordinariamente rico, e o leitor encontrará em cada capítulo bastante material para alimentar a reflexão acerca de um grande número de tópicos e problemas que a presente resenha não poderia sequer começar a mencionar. Eu gostaria, entretanto, de chamar a atenção para o fato de que, além da contribuição editorial extremamente importante de Primavesi, que deveria por si só ser estudada por seus próprios méritos, o leitor descobrirá nos vários ensaios muitas discussões proveitosas e compreensão dos problemas textuais; por exemplo, a lúcida exposição de Steel do intricado problema suscitado pela presença de homonuma em 987b9f. (p. 177-180); a convincente preferência de Broadie por pensar que aquilo que Aristóteles escreveu em 982b18 foi “o amante da sabedoria é de certa forma também um amante do mito”(com a tradição α) em vez de “o amante do mito é de certa forma um amante da sabedoria”, conforme a edição de Ross e Jaeger e traduzido por muitos intérpretes (cf. por exemplo Ross-Barnes na Oxford Revised Translation); ou as razões de Cambiano (p. 12, n. 25) para seguir em 980b1 a tradição β contra a correção sugerida por Primavesi (com base no comentário de Alexandre).

Identifiquei alguns poucos erros tipográficos, nenhum dos quais é verdadeiramente preocupante. Os índices (Nomes, Passagens, e o Índice Geral, incluindo importantes palavras gregas transcritas) são um auxílio complementar, fazendo deste livro uma ferramenta indispensável 5.

Notas

1  Há uma outra exceção ao esquema um capítulo/ um ensaio: S. Menn aborda o capítulo 7 e o início do 8 até 989a18; O. Primavei, o restante do capítulo 8. Em termos de tamanho, a exemplo da cisão do capítulo 9 em duas partes, pode-se aqui oferecer melhor divisão entre os dois comentadores. No entanto, não existe justificativa interna verdadeira para esta divisão. Na realidade, a primeira parte do capítulo 8 (crítica dos monistas) também é retomada no trabalho de Primavesi (p. 225-229).

2  Há um debate em andamento sobre se Aristóteles refere-se implicitamente a Anaximandro em 7.988a29-32; cf. Menn, p. 207, com n. 14.

3 JAEGER, W. “Nós dissemos no Fédon ”, em S. Lieberman, Sh. Spiegel, L. Strauss, A. Hyman (edd.), Harry Austryn Wolfson Jubilee Volume, vol. I. Jerusalem,American Academy for Jewish Research, p. 407-21.

4  Na nota de rodapé 93, p. 414, Primavesi corrige a opinião dada por Jaeger, na p. 408 do seu artigo (e previamente pelo aparato de Michael Hayduk em sua edição do comentário de Alexandre), de que os dois manuscritos de Aristóteles também se leem como legomen.

5  Frente à importância da obra, a revista Archai, com autorização do autor e da revista, publica excepcionalmente versão portuguesa desta resenha, publicada originalmente na Notre Dame Philosophical Reviews – An Electronic Journal, no ano de 2013. Tradutor do inglês: Gilmário Guerreiro da Costa.

André Laks – Université Paris-Sorbonne, Paris, França – Universidad Panamericana, México; D.F. [email protected]

Acessar publicação original

Contra os Retóricos – SEXTO EMPÍRICO (RA)

SEXTO EMPÍRICO. Contra os Retóricos. Introdução, Tradução e notas de Rodrigo Brito e Rafael Huguenin. Marília: UNESP, 2013. Resenha de: DINUCCI, Aldo. Revista Archai, Brasília, n.15, p. 153-155, jul., 2015.

Até certa altura do século XX compreendia- se, nos meios de pesquisadores de filosofia antiga, o dito de Whitehead segundo o qual tudo o que fora escrito depois de Platão serviria tão somente como notas de rodapé aos diálogos do ateniense 1 como uma confirmação da suposta inferioridade e redundância das filosofias helenísticas em relação àquelas de Platão e Aristóteles. Entretanto, tal visão logo se viu superada pelo trabalho acadêmico de eminentes pesquisadores que reuniram os fragmentos das obras dos filósofos helenistas e começaram a estudá-los. Von Arnim, no princípio do século XX, já coletara os fragmentos dos antigos estoicos 2. Décadas depois, Anthony Long e David Sedley completaram uma importante obra 3 na qual selecionaram e comentaram fragmentos dos estoicos, dos céticos e dos epicuristas. Filósofos destacados como Dudley 4 pesquisaram o que nos chegou dos cínicos. Lukasievicz 5 e Benson Mates 6, notáveis lógicos contemporâneos, debruçaram-se sobre a lógica estoica. E a lista não parou mais de aumentar. Hoje, filósofos de vulto, como Suzanne Bobzien, Jonathan Barnes, Julia Annas e Nicholas Rescher 7 dedicam-se ao estudo dos filósofos helenistas. A tal ponto valorizou-se o estudo destes filósofos que, entre norte-americanos e europeus, não se concebe mais que um pesquisador de filosofia antiga ignore ou não dedique parte de seu tempo ao estudo dos helenistas.

O filósofo francês Pierre Hadot, também responsável pela valorização do estudo dos filósofos helenistas, foi um dos primeiros a enfatizar o caráter existencial dessas filosofias, que se traduz pela complementaridade entre teoria e prática. Essa ligação da filosofia com a ação, da filosofia eleita como escolha de vida, é o diferencial dessas filosofias, tanto em relação àquelas de Platão e de Aristóteles, quanto no que tange à filosofia moderna e contemporânea que, herdeiras do medievo, trazem consigo a ferida da separação medieval entre a filosofia e a prática filosófica – melhor ainda: da extirpação desta última em nome de uma moralidade cristã fundada no dogma teológico 8.

O ceticismo é um dos quatro pilares do helenismo filosófico, sendo os outros o estoicismo, o cinismo e o epicurismo. Sua aposta é alta: a busca da imperturbabilidade através da suspensão de juízo e da superação dos dogmatismos filosóficos. No Brasil, o ceticismo antigo tem sido pesquisado por grandes filósofos do cenário nacional, tais como Danilo Marcondes Filho e Luiz Bicca, só para citar dois nomes que nos vêm imediatamente à mente. Entretanto, faltavam as traduções dos textos primários, em especial a tradução das obras de Sexto Empírico, médico e filósofo que viveu provavelmente entre 160 e 210 d.C. e que é um dos expoentes do ceticismo antigo, ao lado de Pirro de Élis (360-270 a.C.). Essa lacuna começou a ser preenchida, em 2013, pelos jovens pesquisadores Rodrigo Pinto de Brito e Rafael Huguenin (ambos graduados em filosofia pela UERJ e mestres e doutores em filosofia pela PUC-RJ) com a publicação pela UNESP da tradução bilíngue e anotada de Contra os Retóricos, de Sexto Empírico.

Rafael e Rodrigo fazem ambos parte do Viva Vox, grupo de pesquisa da Universidade Federal de Sergipe que conta com a maior biblioteca especializada em filosofia helenista da América Latina, biblioteca que vem se constituindo com o apoio de sucessivos editais do CNPq. Além de editor-júnior da revista de filosofia Prometeus 9, Rodrigo Pinto de Brito é o responsável, junto com Cesar Kiraly, doutor em filosofia, professor da UFF e autor de Ceticismo e Política (São Paulo: Giz editorial, 2012), pela organização dos Colóquios sobre Ceticismo, evento que ocorre desde 2012 no Rio de Janeiro.

Dos tratados de Sexto, três nos chegaram: Esboços de Pirronismo e dois outros (con)fundidos na obra intitulada Adversus Mathematicos. Cada um dos seis primeiros livros dessa obra recebe um nome diferente: Livro I –  Contra os Gramáticos; Livro II – Contra os Retóricos; Livro III – Contra os Geômetras; Livro IV – Contra os Aritméticos; Livro V – Contra os Astrólogos; Livro VI – Contra os Músicos. Os livros VII, VIII, IX, X e XI perfazem outra obra, que nos chegou incompleta, sendo os livros VII e VIII intitulados Contra os Lógicos; os livros IX e X, Contra os Físicos; e o Livro XI, Contra os Éticos.

Contra os retóricos, a obra comentada, traduzida e anotada pela dupla de jovens filósofos cariocas, corresponde ao livro II de Adversus Mathematicos. Em Contra os Retóricos, Sexto busca demonstrar a impossibilidade de ensinar a retórica e negar que a retórica seja uma arte (techne). Começando pela constatação da multiplicidade de concepções coexistentes de techne, Sexto conclui pela falta de consistência da noção. O próximo passo do filósofo é a tentativa de provar que é impossível definir tal techne, através do exame da definição platônica, aristotélica e acadêmica de retórica. Sexto volta-se então para a concepção estoica, buscando refutá-la ao final do opúsculo. A obra de Sexto, essencial para a compreensão do ceticismo antigo, é riquíssima como fonte de fragmentos de outras correntes filosóficas da Antiguidade. Sexto é a principal fonte para conhecermos a lógica estoica, sendo um dos poucos comentadores antigos que têm real compreensão do escopo de tal lógica (Diógenes Laércio, nossa segunda mais importante referência no assunto, nada faz senão citar verbatim o manual de lógica de Díocles de Magnésia).

A tradução comentada e anotada de Contra os Retóricos é realizada com esmero. As notas são abundantes e relevantes, constituindo-se como ferramenta de pesquisa da mais alta qualidade. Lamenta-se, entretanto, que a EDUNESP não tenha ainda disponibilizado graciosamente o pdf da obra, de modo a difundi-la como se deve. Que se tome como exemplo, para isso, os Classica Digitalia 10, da Universidade de Coimbra, que combinam edições físicas excelentes com a divulgação gratuita em formato digital.

Contra os Retóricos pode ser adquirido diretamente pelo site da editora EDUNESP, no link: http://www.editoraunesp.com.br/catalogo-detalhe asp?ctl_id=1486. Estão todos convidados então para, junto com Sexto, buscarem a imperturbabilidade através da razão crítica e da suspensão de juízo.  Dos mesmos pesquisadores teremos, neste ano de 2015, a publicação de Contra os Gramáticos, obra que se encontra já no prelo, também pela EDUNESP.

Notas

1 “The safest general characterization of the European philosophical tradition is that it consists of a series of footnotes to Plato”(WHITEHEAD, A. N. (1929). Process and Reality. An Essay in Cosmology. Gifford Lectures Delivered in the University of Edinburgh During the Session 1927–1928. Cambridge, Cambridge University Press, p. 39).

2 VON ARNIM, H. (2005). Stoicorum Veterum Fragmenta Volume 1: Zeno or Zenonis Discipuli [1903]. Berlim. De Gruyter.

3 LONG, A. A. & SEDLEY, D. N. (1987). Hellenistic Philosophers (volumes 1 & 2). Cambridge,. Cambridge University Press.

4  DUDLEY. D. R (1937). A history of cynicism. Londres,  Mithuen & co.

5 LUKASIEWICZ, J. (1970). On the History of the Logic of Proposition [1934]. IN: Jan Lukasiewicz Selected Works. Amsterdam, North-Holland Pub. Co.

6 MATES, B. (1961), Stoic Logic. Berkeley-Los Angeles, University of California Press.

7  Refi ro-me aqui par- Refiro-me aqui particula rmente ao impressionante trabalho de 1966: Galen and the syllogism (Pittsburgh, University of Pittsburgh Press), no qual Rescher comenta um tratado de Galeno sobre lógica que nos chegou em árabe.

8  HADOT, P. (1995). Philosophy as way of life. New Jersey, Blackwell, p. 107.

9  http://seer.ufs.br/index.php/ prometeus.

10  Cf. classicadigitalia.uc.pt

Aldo Dinucci – Professor associado da Universidade Federal de Sergipe – Sergipe, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Plato’s Erotic World: From Cosmic Origins to Human Death – GORDON (RA)

GORDON, J.  Plato’s Erotic World: From Cosmic Origins to Human Death. Cambridge: Cambridge University Press, 2012. Resenha de: Riegel, Nicholas. Revista Archai, Brasília, n.14, p. 159-162, jan., 2015.

In this work, Jill Gordon presents a contribution to the scholarship that must be read by anyone interested in the subject of erotic love, eros, and related issues in Plato. The book is written in a clear style which will be accessible to undergraduates,  and it contains insights and new interpretations  which will challenge and be useful to more advanced scholars as well. Though the lack of a conclusion would seem to indicate that her book is not primarily written in the form of an argument, Gordon wants to defend several theses. The main goal of the book is to highlight the significance of those passages in the Platonic corpus having to do with eros, which are outside of what are traditionally considered Plato’s erotic dialogues, namely,  Symposium, Phaedrus, Charmides, Lysis, Alcibiades I, and perhaps Republic (1). While she will have certain things to say about these dialogues, especially Phaedrus and Alcibiades I, she will focus on the role of eros in  Timaeus, Cratylus, Protagoras, Parmenides, Theaetetus, and  Phaedo. Within these dialogues her main aim is to show how eros is part of our divine origin, and how through proper cultivation of eros we may return  to that original state. The proper cultivation will  involve, first, becoming aware of one’s ignorance  and adopting an interrogative outlook. Second, it will require the courage to undertake a long and  difficult task whose outcome is uncertain. It will  also require guides who know the soul, and who  are adept both at matchmaking and leading their charges to self-knowledge. And finally she addresses the connection between eros and the memory of our original state to which we strive to return. Thus  Gordon takes us on a circular journey beginning with our divine origins in the Timaeus, then descending to the difficulties of our embodied state in the Cratylus, Protagoras, Parmenides and Theaetetus, and then finally returning to our nostos, our journey home, and re-attainment of that original state, in the Phaedo.

In the first chapter, Gordon is primarily concerned to establish two points. The first is that,  contrary to the traditional reading of the Timaeus, eros is part of our original noetic condition and thus eros, or at least the capacity for it, is part of the Demiurge’s contribution to the human soul, as opposed to being the work of the lesser gods. The second and for Gordon related point is that eros is not an emotion and it is not part of the epithumetic desires, which at least in Republic Book IV constitute the third part of the soul. Gordon wants to establish the latter point because, among other reasons, if eros were an emotion or among the epithumetic desires then it would be part of the work of the lesser gods in the Timaeus. And, according to Gordon, this would imply that eros is not due to the creative activity of the Demiurge himself and therefore that it is not part of our original noetic condition.

Her main argument for the view that the  Demiurge is responsible for eros in the human  soul revolves around the interpretation of two  passages, Timaeus 42a-b and 69c-e, which seem to say much the same thing. Both seem to describe  how the affections, such as fear, anger, and eros, come to be in the human soul in connection with its embodiment. At 69c-e the introduction of these affections (if I may use that word) is clearly the work of the lesser gods. The crucial question is whether the earlier passage, 42a-b, likewise describes the  work of the lesser gods. According to Gordon, the traditional interpretation accepts that it does, but Gordon argues that 42a-b describes the Demiurge’s own work, and thus that eros, or the capacity for eros, is part of our original noetic and divine condition. Gordon presents three reasons for believing this. First, 42a-b “occurs before the demiurge has handed off responsibility for the mortal soul to  the lesser gods. It presents itself as part of the  demiurge’s long set of instructions and descriptions of his work, which precedes what he assigns to the lesser gods”(16). Second, the affections at 69c-e are presented in a negative light, while they are  not so presented at 42a-b. And third, 69c-e occurs after the “new beginning”at 48a-b, where Timaeus switches from speaking about the causal role of  intellect to that of necessity.

In chapters 2 through 5 Gordon explores the four main aspects of eros, which emerge in the context of the self-cultivation required to achieve the return our original noetic state. Chapter 2 mainly concerns the importance of questioning and the  interrogative state for eros. She begins with the Cratylus where a homophonic connection is made between the Greek words for ‘hero,’ ‘eros,’ and ‘questioning’ (ἥρως, ἔρως, ἐρωτάω). Heroes occupy a position between the gods and mortals, much  as Diotima describes eros in the Symposium. And Gordon ties Socrates’ claim to knowledge of erotics in Symposium to his expertise in questioning. By asking questions, Socrates shows his interlocutors that they do not know what they thought they  knew, and thus he instills in them the erotic desire to know the truth. Chapter 3 discusses the courage required to engage in erotic questioning and in the philosophic pursuit generally. Here Gordon takes  Parmenides  as her starting point, claiming that  “eros is a significant philosophical theme”in that dialogue (86). Her grounds for saying so revolve mainly around the fear Parmenides and Socrates  share both about the range of the Forms, and  about the problems of discontinuity between the realm of the Forms and the concrete realm. This  fear is to be overcome by the philosophical exercise exemplified by Parmenides in the second half of the dialogue. Gordon highlights the erotic dimension of gymnastic training in Ancient Greece, and thus connects the second half of the Parmenides with an erotic desire which in some way overcomes the discontinuity between the concrete and abstract  realms.

In the fourth and fifth chapters Gordon tackles the related issues of matchmaking, self-knowledge, and the necessity of having a good leader or teacher. In the Theaetetus Socrates reveals that matchmaking is part of his maieutic art, and he uses his knowledge of these matters to demonstrate that Theodorus is not a good match for Theaetetus, because, among other reasons, Theodorus does not have a good  understanding of Theaetetus’ soul. The significance of good matchmaking becomes apparent when we turn to the  Alcibiades, where Socrates reveals to  Alcibiades that he needs a good teacher in order to achieve self-knowledge, and that in fact Socrates  himself would be his best teacher because Socrates understands Alcibiades’ soul. In chapter 5 Gordon takes on several of Schleiermacher’s arguments  against the authenticity of the Alcibiades. She argues that self-knowledge can only be achieved in the  company of another, and that it is best achieved in the company of a lover who knows one’s soul. Self-knowledge is crucial in order to discover what one truly desires and loves. Thus in helping the beloved achieve self-knowledge the lover also redirects the beloved’s eros towards its true objects.

Finally, in the last chapter Gordon addresses the connection between eros and memory in helping us return to our original noetic state in the Phaedo. Here she highlights the example of seeing the lyre or cloak of the beloved as an explanation of the  connection between eros and memory. And she challenges the tradition according to which recollection is a purely mental, rational endeavor. Instead Gordon highlights the importance of the senses, of actually seeing the cloak or lyre or equal sticks, in the act of remembering our original condition.

Clearly it is only possible to give the broadest outline Gordon’s work here, and many of her most rewarding and challenging insights and interpretations have been left for the reader to discover. At this point, however, I turn to making three evaluations before concluding.

First, while I agree that there is evidence  in the Platonic corpus for the view that eros is  part of our original noetic condition, I find myself un-persuaded by Gordon’s interpretation of the  Timaeus. While not claiming any expertise on that dialogue it seems that on a straightforward reading of Timaeus 42a-b, the Demiurge is merely explaining to the human souls what will happen to them once they are embodied and receive affections such as anger, fear, and love. The passage is preceded by  the following: “And putting each in a sort of chariot he showed them the nature of the universe and told them the ordained laws… (καὶ ἐμβιβάσας ὡς ἐς ὄχημα τὴν τοῦ παντὸς φύσιν ἔδειξεν, νόμους τε τοὺς εἱμαρμένους εἶπεν αὐταῖς, 41e).”As I read the text, everything that follows until 42d is part of this explanation by the Demiurge to the human souls about what will happen to them, namely that they will receive affections when embodied and that they must control these if they wish to regain their original divine state. This interpretation is  supported at the end of the passage where Timaeus states, “Prescribing all these things to them, in order that he might be blameless for the evil of each… (διαθεσμοθετήσας δὲ πάντα αὐτοῖς ταῦτα, ἵνα τῆς ἔπειτα εἴη κακίας ἑκάστων ἀναίτιος, 42d).”So, I see no reason to take 42a-b as referring to the Demiurge’s own creative activity. It seems, rather, that he is only explaining to them how to live once they received the affections by necessity upon being embodied. And 69c-e further specifies that the embodiment and consequent reception of the affections is the work of the lesser gods. This is not, however, to say that Gordon is wrong to believe that eros is part of our original noetic condition. It is only to say that I think one could find better support for such a thesis elsewhere in the Platonic corpus, e.g. from  Symposium  where Socrates/  Diotima specifically speaks about the possibility of continuing to feel eros even when one possesses the good (Symposium 200c-d, cf. 206a-7a).

Second, at times I found myself remaining  skeptical about Gordon’s claims regarding the  meanings of certain Greek words and concepts, in particular the claim that they have erotic connotations. She claims, for example that “the horse was used in old comedy as a phallic stand-in”(101), and thus that a possible interpretation of Parmenides’ reference to feeling like an old horse at Parmenides 136e-7a is that it is “a playful and raunchy way of expressing that he is being asked to “get it up” again in old age…”(102). Even if it is true that the horse is used as a phallic stand-in in old comedy, I do not see that it follows from this that the horse always has erotic connotations, and so I see no  reason to impute such connotations to this part of the Parmenides. I feel much the same way about her claims regarding ‘persuasion’ (Πειθώ, 34-7, 118- 19), ‘yielding’ (ἡσσάομαι, 36), ‘gymnastic training’ (γυμνάζω, 98), ‘leading’ (προάγω, 168), among others. Even if these concepts sometimes have erotic connotations, it does not follow that they always have them – or at least more work is needed to  establish that they do – and so the reader remains skeptical about the inference that they have such connotations in the passages in question.

Finally, I would like to present a criticism  which will reveal my biases most of all. And this  is that for me the question of eros in Plato is essentially bound up with the questions of goodness and beauty. In this sense, I think, the strength of Gordon’s work is also its weakness. For in focusing on what are traditionally not considered erotic dialogues, it seems to me that certain central issues concerning eros are omitted, which are addressed in the traditional erotic dialogues, especially Symposium and Phaedrus. In the Symposium it is a major revelation that the object of eros is goodness, not beauty (204d-e). And eros is defined as the desire to possess the good forever (206a). And yet Gordon says very little about beauty and even less about goodness. We may infer that, for Gordon, the good which is the proper object of eros is the return to the original noetic condition, and no doubt this is true. But the question remains, why is that original noetic condition good? The  Symposium  explicitly  addresses and rejects the idea that return to original conditions is good merely because it is a return to original conditions. This was Aristophanes’ thesis. Aristophanes argued that the goal of eros was to return us to our original condition of wholeness with our other halves. But Diotima explicitly rejects this thesis at 205e. We would not want original conditions unless those original conditions were good,  and thus we cannot assume that original conditions are always good. This is something which has to be determined. So the question remains, why is our  original noetic condition good?

I have no doubt that Gordon can answer all these questions soundly. And good work in this field should generate controversy and disagreement. In this book Gordon has contributed greatly to the  understanding of eros in Plato, and in particular  to the appreciation of the significance of the topic outside what are traditionally held to be the erotic dialogues. And it is expected that more research  will arise out of the important issues she raises in this work.

Nicholas Riegel – Universidade de Brasília, Brasília, Brasil. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Econômicos – ARISTÓTELES (RA)

ARISTÓTELES. Econômicos. Coleção. Obras Completas de Aristóteles, Volume  VII – Tomo 2. Introdução, notas e tradução do original grego e latino de Delfim F. Leão. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Resenha de: COITINHO, Denis. Revista Archai, Brasília, n.14, p. 155-158, jan., 2015

Qual a relação adequada que deve haver  entre a ética e a economia? Uma relação de subordinação da economia à ética e, assim, os valores  morais serviriam de fundamentação para os valores econômicos ou, alternativamente, economia e  ética não teriam nada em comum, uma vez que  os juízos morais seriam puramente prescritivos  e, por isso, subjetivos e arbitrários, enquanto os  juízos econômicos seriam objetivos por descreverem um certo estado de coisas? Mas, dessa forma, não teríamos um empobrecimento da ciência  econômica? Dados os problemas atuais de crise  financeira global, pobreza, desemprego, impacto  da globalização econômica e crise ambiental, por  exemplo, não seria reducionista tomar a economia apenas como um saber técnico na determinação dos meios necessários ao enriquecimento, tais como os relacionados à produção, distribuição e consumo  dos bens e serviços? Levando em consideração uma visão de economia mais atenta a esses problemas, a relação mais adequada entre as duas disciplinas parece ser a de complementaridade, uma vez que a ética poderia auxiliar à economia na determinação do fim bom para o ser humano, enquanto que a  economia poderia auxiliar na identificação dos meios mais eficientes para a realização desse fim (Ver A. Sen, On Ethics and Economics, Blackwell, 1988, p. 2-7). Esse contexto parece evidenciar a atualidade e urgência do pensamento de Aristóteles, uma vez que ele vincula o saber econômico à ética e à política, com a especificação da vida virtuosa como àquela que deve ser vivida e a eudaimonía como o bem a ser perseguido. Mas qual é a posição aristotélica  a respeito dos meios adequados para a realização desse fim? A obra Econômicos pode nos auxiliar a responder a essa questão. E, mais ainda, penso que ela pode nos ajudar a compreender que a relação  que está sendo proposta é a de complementaridade entre a ética e a economia e não uma relação de total subordinação.

Dito isso, é com enorme satisfação que recebemos a publicação no Brasil dos Econômicos em língua portuguesa. Esta obra pertence ao  corpus aristotelicum e sua datação provável é do último  quarto do Séc. IV e o primeiro do Séc. III AC e,  provavelmente, foi escrita por algum discípulo do Liceu. Importante frisar que, até o presente, só se contava com uma tradução para o vernáculo feita por Moses Bensabat Amzalak, em 1945. Essa publicação faz parte da coleção Obras Completas de Aristóteles, que é organizada pelo Prof. António Pedro Mesquita. Obra originalmente editada pela Imprensa  Nacional – Casa da Moeda em 2004, no quadro do projeto de tradução anotada das Obras Completas de Aristóteles, promovido e coordenado pelo Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa e subsidiado pela Fundação para Ciência e a Tecnologia. A coleção está sendo adaptada para publicação no Brasil pela Editora Martins Fontes. A edição em questão conta com a tradução, introdução e notas de Delfim F.  Leão, além de apresentar um eficiente glossário dos termos gregos e latinos e índice onomástico no final.

Delfim Ferreira Leão é doutor em filologia  clássica e professor catedrático da Faculdade de  Letras, docente do Instituto de Estudos Clássicos e investigador do Centro de Estudos Clássicos e  Humanísticos da Universidade de Coimbra. É uma importante referência na área dos estudos clássicos, com inúmeras traduções do grego e latim para a  língua portuguesa. Sua tradução ao  Econômicos é segura e competente e adota o texto de Van  Groningen-Wartelle (1968), que também serviu  de guia para boa parte de seu comentário feito na introdução. Além disso, a tradução é enriquecida com esclarecedoras notas de rodapé que ora buscam elucidar o significado das palavras em grego e latim e ora contextualizá-las. Na maior parte das vezes, as notas apresentam a palavra em grego (Livros I e II) e latim (Livro III) do original, o que é muito positivo por situar o leitor na complexidade semântica do texto peripatético e mostrar a escolha de tradução que está sendo adotada. Também é  relevante frisar o acerto no uso da transliteração em caracteres latinos dos termos e expressões  gregos, o que possibilita ampliar o alcance da obra para um público não versado na língua grega, mas que pode ter um interesse especial no tema, tais como estudiosos de teoria política e econômica,  direito, história, filosofia etc. Delfim F. Leão procura destacar em sua introdução os motivos do por que a obra, em que pese seu título, não despertou muito interesse no quadro do debate em torno da economia antiga: “(…) em primeiro lugar, porque o trabalho de Xenofonte constitui um exemplo muito mais significativo da abordagem tradicional (…); em segundo, porque as reflexões feitas nos Econômicos são, apesar de tudo, bastante menos fecundas do que as apresentadas no Livro V da Ética nicomaquéia e no Livro I da Política “(p. VIII).

Em que pese a verdade da afirmação acima, sobretudo por não contar com uma teoria do valor como na Ética Nicomaquéia (EN V, 5, 1133 a 7-18), quero destacar três conceitos chaves que parecem estar pressupostos nas teses apresentadas nos  Econômicos  e que são fundamentais no  corpus aristotelicum. Em primeiro lugar, há uma reflexão teleológica, isto é, se partirá da finalidade do ente para se identificar qual é o seu dever. Aqui o conceito de função (ergon) e natureza parecem ser determinantes na administração da casa, que tem como  centro o homem e a propriedade. Em segundo lugar, a pesquisa em economia parece se fundamentar no conceito de virtude (arete), uma vez que a formação do caráter virtuoso do agente será fundamental para a eficiência econômica. Por último, a finalidade buscada na economia é a autárkeia (autossuficiência) e, assim, o parâmetro normativo da casa é o mesmo que o dos agentes e da comunidade política.

Mas, quais as teses mesmas que são apresentadas nos Econômicos ? No Livro I, já há a tentativa de um enquadramento geral da ciência econômica a partir de uma importante distinção feita entre a economia (oikonomike administração da casa) e  a política (politike administração da  pólis) que  revelará uma certa prioridade da casa frente à pólis:

A pólis resulta, por conseguinte, de um agregado  constituído por casas, terras e bens que seja autossuficiente (autarkes) e capaz de garantir o bem-estar (to eu zen). Essa realidade afigura-se evidente, pois, quando as pessoas não se mostram capazes de atingir aquele objetivo, a comunidade (koinonia) acaba por dissolver-se. (1343 a 10-14).

Assim sendo, há um espaço relevante deixado em aberto para o saber específico da administração da oik îa, que será condição de possiblidade da  política e que se concentrará na investigação dos elementos da casa, a saber, o homem e a propriedade. Nesse livro, teremos por destaque os deveres dos homens para com as mulheres e os escravos  (1343 b 8 – 1344 b 21) e, também, se destacará as funções do senhor da casa no tocante aos bens, consistindo na capacidade de adquirir e manter os bens, além da capacidade de organizar e fazer bom uso das posses (1344 b 22 – 1345 b 4). Isso parece revelar a importância da virtude para a economia. Assim, o que parece ser a tese central nesse primeiro livro é que o caráter virtuoso é peça chave da boa administração da casa. Além de um conhecimento específico ser importante para a vida boa, tal como saber as melhores técnicas de produção, armazenamento, compra e venda, o agente econômico deverá ser um agente moral, no sentido de ter um caráter virtuoso, o que lhe propiciará estabelecer as relações adequadas com os indivíduos (esposa, filhos e escravos), com o trabalho e, também, com os bens.

O papel do Livro II parece ser o de buscar  delinear um enquadramento geral da economia de uma forma mais apropriada e, para tal, estabelecerá uma relação de complementaridade entre a esfera econômica e a esfera ética em razão da importância desses dois saberes para a vida boa: “A pessoa que tiver intenção de administrar uma casa da forma  correta terá de estar familiarizada com os lugares de que vai se ocupar, ser dotada, por natureza, de boas qualidades e possuir, por vontade própria, sentido de trabalho e justiça”(1345 b 7-10). Esse livro também distingue quatro formas de economia, a saber, a real (basilike), dos sátrapas (satrapike), política (politike) e individual (idiotike), e trata de alguns dos temas centrais da economia, tais como: cunhagem da moeda, exportação, importação, controle nas despesas, impostos, produção agrícola, comércio, pecuária,  juros, entre outros temas econômicos (1345 b 20 – 1346 a 15). Também, faz uma acurada descrição de casos econômicos bem-sucedidos, apresentando pessoas e cidades que usaram os meios adequados para obter riqueza e administrá-la corretamente  (1346 b 1 – 1353 b 25).

O Livro III reforça a ideia ética já apresentada no Livro I, ressaltando os deveres e sentimentos  necessários do marido para com a esposa e filhos, principalmente, para a obtenção de uma vida bem-sucedida. Em que pese o problema da não conservação do original grego, sendo o texto conhecido por traduções latinas medievais, em especial a translatio Durandi, creio que esse livro tem um importante  papel de reforçar a ideia da necessidade da ética  para a economia. Nele se ressalta a tese da virtude ser necessária tanto para os homens quanto para  as mulheres, uma vez que ambos “são guardiões de interesses comuns”(145 7), além de defender uma divisão de trabalho entre os sexos, sendo a mulher responsável pela administração do interior da casa. Também, a fidelidade aparece como um dever central do marido à esposa em razão dela assegurar a concórdia e a harmonia, isto é, a “sintonia das vontades entre marido e mulher”na maneira de administrar uma casa (146 18).

Creio que a exposição dos principais temas que são tratados nos Econômicos mostra a relevância do pensamento do Estagirita para o atual estágio da  economia, uma vez que está no cerne da discussão contemporânea a tentativa de abordar a ciência  econômica de uma forma menos descritiva e mais prescritiva. Por fim, só resta recomendar vivamente a leitura e esperar que ela possa contribuir com a qualificação do estudo do pensamento aristotélico no Brasil, além de possibilitar o surgimento de  alguma(s) alternativa(s) aos desafios que enfrentamos enquanto coletividade.

Denis Coitinho – Professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

Catábases: estudos sobre as viagens aos infernos na antiguidade – SOUZA (RA)

SOUZA, Eudoro de. Catábases: estudos sobre as viagens aos infernos na antiguidade. São Paulo. Annablume Clássica, 2013. Resenha de: SERRA, Ordep José Trindade. Revista Archai, Brasília, n.14, p. 149-153, jan., 2015.

Um novo livro de Eudoro de Sousa, falecido em 1987, representa, sem dúvida, uma bela surpresa: a essa altura, já ninguém o esperava, mesmo porque não se tinha notícia segura de obra remanescente em seu espólio. Todavia, estudiosos dedicados descobriram textos inéditos do saudoso helenista, conservados graças ao zelo de seu discípulo Fernando Bastos (também já falecido) e da viúva deste. Trata-se de sumários de um célebre curso que Eudoro ministrou na década de 1960 (mais precisamente, em 1965) sobre “O tema do Inferno nas Literaturas Clássicas: das catábases Sumero-Acadianas até Dante Alighieri.”Destinado aos alunos do Instituto de Letras da Universidade de Brasília, o curso assim intitulado atraiu ouvintes de diferentes unidades, como sempre acontecia quando se espalhava a notícia de que  Eudoro de Sousa daria lições. O brilho de suas aulas irradiava-se no meio universitário, com frequência transcendendo o campus. E provocava sempre um  efeito duradouro sobre seu público. Desde sua chegada à nova capital Eudoro fizera-se uma estrela da universidade nascente, um mestre que fascinava seu auditório. No entanto, mesmo levando-se em conta o sucesso que sempre alcançavam as preleções do mestre luso-brasileiro, pode-se dizer que o curso  eudoriano sobre as catábases teve um impacto fora do comum. Merece o título de “lendário”que lhe deu Marcus Mota no Prefácio do livro em tela: permanece na lembrança dos que o assistiram e mesmo na memória de quem só teve ciência dele de forma indireta, pelo testemunho dos alunos privilegiados.

Quem esteve presente a essas aulas dificilmente as olvidará. Mais de meio século depois,  eu as recordo muito bem. E me espanto ao dar-me conta de que ainda sinto o impacto de uma série de preleções que, a rigor, não se completou. Por  motivo de saúde, Eudoro não chegou ao termo que tinha previsto: as últimas aulas desse curso foram dadas por José Xavier de Melo Carneiro, que na  época concluía seu mestrado no Centro de Estudos Clássicos e, no papel de Instrutor, encarregou-se  do comentário de textos selecionados pelo orientador. Por outro lado, também se pode dizer que o dito curso teve uma continuidade extra-curricular: prolongou-se em alguns dos seminários que Eudoro dirigiu no CEC, destinados ao pequeno círculo de  professores e estudantes ligados de forma direta  a este Centro, mas com a participação de ouvintes de variada procedência. Recordo-me de uma sessão que teve início com a leitura de um trecho da Divina Comédia, o Canto V do Inferno, por um professor  italiano para isso convidado (o Professor Ivo Perugini). Nessa ocasião Eudoro nos brindou ricas lições sobre Dante e Virgílio. De certo modo, fez então o arremate que o curso sobre as catábases não tivera.

O presente livro, editado com capricho por  Marcus Mota e Gabriele Cornelli, tem especial valor histórico. Registra um momento importante da  acidentada saga da UnB, documenta um estágio  muito rico da evolução das ideias de um pensador notável, opera o resgate de uma passagem brilhante da história dos Estudos Clássicos no Brasil. Os responsáveis por sua edição, ambos professores da Universidade de Brasília, brindam-na com o resgate de um luminoso fragmento de sua memória, que  parecia perdido; fazem uma ponte entre o velho CEC e o Núcleo de Estudos Clássicos (NEC) de que ambos fazem parte. Eudoro de Sousa certamente ficaria  feliz se pudesse saber que seu projeto afinal vingou e em sua Universidade dois destacados helenistas, de projeção internacional, trabalharam com afinco para reconstituir um seu precioso trabalho.

Como se sabe, o CEC foi brutalmente extinto por um interventor tacanho que ocupou a reitoria da UnB nos anos mais torvos da Ditadura. Por sorte, o projeto acalentado por Eudoro de Sousa de implantar os estudos clássicos no solo candango renasceu. Este livro mostra a consciência que têm os novos helenistas da UnB do valor de uma tradição preciosa, que de fato merecem capitalizar. Seu empenho em fazê-la reviver mostra que o NEC faz jus à legenda do CEC.

Começarei esta resenha dando notícia do curso que originou o livro em pauta, curso que tive o  privilégio de assistir. Orgulho-me de ter colaborado, embora humildemente, com sua realização. Eudoro encarregou-me de fazer a tradução (do inglês) de dois textos extraídos do ANET, ambos reproduzidos no livro em apreço: o poema que é conhecido como último canto da Epopeia de Gilgamesh (mas na  verdade vem a ser uma tradução acadiana de um poema sumério, anexada à epopeia) e o documento acadiano chamado “Uma visão dos Infernos”, uma espécie de catábase onírica. (Do mesmo tipo de  apocalipse se encontra um belo exemplo na própria Epopeia de Gilgamesh: refiro-me ao “Sonho de  Enkidu”, legível na Tábula V da “Versão Assíria”,  texto nas edições modernas complementado por  um fragmento hitita editado por E. F. Weidner em 1922). Já da “Descida de Inana”e da “Descida de Ishtar”foram usadas versões do próprio Eudoro, que já tinham sido publicadas, tempos atrás, na revista Diálogos. O mestre também me incumbiu de traduzir (do latim) o Canto VI da Eneida, determinando que o fizesse em prosa. Jair Gramacho, então mestrando e instrutor no CEC, traduzira em versos esse famoso Canto, procurando imitar o ritmo do hexâmetro  virgiliano. Eudoro, todavia, queria uma versão em prosa, mais clara e “analítica”. Não a tenho mais, nem sei o que aconteceu com a de Gramacho. Que eu saiba, esta tampouco foi publicada.

José Xavier de Melo Carneiro fez para o mesmo curso uma tradução muito bonita do Canto XI da  Odisseia. A tradução de Agostinho da Silva do Somnium Scipionis (famoso trecho do sexto livro do De republica de Cícero) foi utilizada em comentário, mas acho que não foi disponibilizada para os alunos em apostila. O estudo eudoriano sobre “Os dois cantos finais d’ Os Lusíadas à luz da tradição clássica”, que consta do Anexo II da publicação em exame, teve redação posterior; mas no curso Eudoro falou, sim, da epopeia camoniana.

É claro que esses Sumários não reproduzem na íntegra o curso a que se destinaram. Eudoro era um mestre muito criativo e suas aulas lhe serviam também para refletir em voz alta, amadurecer suas ideias, construir suas teses. Eram, a um tempo, exposição e estudo. Por outro lado, o projeto do curso não se encerrou nele, antes o transcendeu. Em ricas notas de rodapé, os editores, além de atualizar (e completar) as referências feitas pelo autor a várias obras eruditas, fazem comentários oportunos e suprem informações valiosas, indicando, por exemplo, escritos posteriores de Eudoro de Sousa a que ele incorporou textos extraídos desses ora publicados, ou em que ele “desdobrou-lhes”o conteúdo. Vê-se bem que os temas abordados naquela ocasião o  ocuparam por longo tempo, continuaram a ser objeto de suas considerações. Nos ricos apontamentos hoje franqueados ao grande público estão em germe alguns dos ensaios eudorianos mais relevantes.

Chama a atenção a amplitude do campo que o helenista emérito então descortinou. No texto que se tornou o segundo capítulo deste livro ele relaciona os tópicos a serem contemplados no curso: o culto dos mortos (tema do Sumário convertido em segundo capítulo), a religião “de mistério”, (assunto dos  capítulos terceiro e quarto) o pitagorismo e a doutrina da palingenesia, Orfeu e orfismo, escatologia e gnoseologia platônicas (de que tratam os capítulos seguintes, ou seja, o quinto, o sexto e o sétimo).

Na Discussão Inicial, que corresponde a uma apresentação do curso e ora corresponde ao capítulo primeiro do livro, o autor tece, de maneira concisa, breves considerações sobre a bibliografia pertinente a fim de mostrar a diversidade das fontes e a variada distribuição dos estudos que interessam ao exame da problemática a ser focalizada, evocando, a propósito, diferentes rubricas encontráveis no Année Philologique. Indica assim a necessidade de um  enfoque sistemático de seu objetoe a novidade de sua empresa.

No capítulo segundo, ele adverte que todos os tópicos assinalados têm a ver com a “poesia dos infernos”. Vê-se bem que essa multiforme poesia se tornou o foco das reflexões posteriores do mestre luso-brasileiro: os temas apontados voltaram insistentemente ao cenário de suas pesquisas e alimentaram de modo generoso sua reflexão filosófica.

Neste ponto, sei que o contrario. Na fase  derradeira de sua rica vida intelectual, Eudoro não queria ser chamado de filósofo. Chegou a dizer que o projeto denominado “filosofia”se tinha concluído, chegado a seu arremate histórico. Já dera seus frutos, dizia ele. Estava consumado. Devia dar lugar a outra coisa, outro tipo de pensamento ainda por nascer, cuja aurora apenas se anunciava. Nietzsche e o último Heidgger o levaram a esta conclusão. Mas parece-me que tal como eles o mestre de Brasília era ainda filósofo, embora quisesse outra coisa:  filosofava de olhos postos no horizonte, procurando mais além um novo espaço. Em suma, fez-se um  pensador liminal, transformado intimamente pelo  tema que o fascinou. Bem o mostra o tratamento que ele deu a esta problemática, ao reconstruí-la  de um modo novo. De fato, ele não abordou o tema das catábases apenas na perspectiva da história da religião, ou só no âmbito da antropologia, isto é, no plano transcultural em que a situou de forma  provocativa. Nessa reconstrução, Eudoro de Sousa foi muito além de uma exposição erudita cingida  ao campo da Antiguidade “mediterrânea”, como  (quase) chegou a ser a breve panorâmica esboçada por Ganschnietz no artigo “Katábasis”da RE (vol. X, 2359 sq. A tradução desse verbete, feita por  Xavier Carneiro, também foi entregue em apostila aos alunos do famoso curso). Além de dar-lhe maior alcance, recorrendo a notáveis paralelos etnográficos e examinando-os de modo a pôr o problema em termos efetivamente trans-históricos, Eudoro tomou o mitologema da catábase como ponto de partida para uma reflexão profunda sobre a existência humana. O leitor atento deste livro logo perceberá que o autor não se limitou a informar sobre o assunto (como a erudição “às secas”costuma fazer): ele de fato o problematizou, e é isso que confere a seu estudo um valor especial tanto para a história como para a antropologia. E, convenhamos, para a filosofia.

O interesse antropológico da proposta de  Eudoro não reside meramente em seu recurso a teses de Adolph Jensen, de que ele parece ter sido o primeiro a dar notícia no Brasil. Muito mais importa, repito, o modo como ele pôs o problema, o alcance transcultural que lhe deu.

Se ficamos no Ocidente, no horizonte da sua história, não é difícil mostrar que a obra dantesca de modo nenhum estanca, no campo literário, a recorrência do tema das catábases. (Escusado lembrar que ele se manteve bem vivo, no campo religioso, ao longo da variada trajetória das igrejas cristãs: baste a constatação de que, por notável exemplo, o Credo de Niceia o recorda todos os dias aos católicos).  Creio ter mostrado em meu livro “Antropologia Infernal”(SERRA, 2002) a extraordinária vitalidade do referido tópos, examinando textos de Lewis Carrol, Borges, Pávich.

Parece-me claro também que este tema se  entrelaça com a grande trama da apocalíptica.  Embora esta seja usualmente pesquisada em bases historiográficas e nos limites do judeo-cristianismo, aproximações com outros domínios culturais são  facilmente encontráveis.

Volto, porém, ao que afirmei mais acima: Eudoro de Sousa fez do tema das catábases o ponto de partida para uma reflexão sobre a existência humana e sobre o mundo que ao homem corresponde. No  livro em discussão ele apenas abre caminho para  essa abordagem, quando discute a a transposição platônica de motivos órficos e dos ritos de mistério. Já em seu Mitologias (SOUSA, 2004), livro que escreveu bem mais tarde, ele medita sobre essa vertente mítica de uma forma nova, em estilo eloquente,  quase arrebatado: cf. ibidem cap. 2, parágrafos  32-40. Em certo trecho (ver op. cit. parágrafo 33), o mestre de Brasília recorre ao poema da Descida de Inana aos Infernos para explicar a condição do homem, cifrada em sua ambígua relação com o  divino. O mito é então tomado como interpretante da situação existencial que define a humanidade, ou configura, como também se poderia dizer, o estatuto ontológico dos homens.

Nessa altura o discurso do pensador assume um tom quase oracular. Eudoro previne, quase no fim do referido ensaio (no seu parágrafo 64), que esta sua obra tem um novo sentido: “Tudo quanto para trás ficou escrito é mitologia e não quis ser outra coisa”. Mas trata-se, evidentemente, de um tipo novo de mitologia, nascida de um projeto hermenêutico de que a raiz primeira, segundo creio, se acha no estudo agora dado a público. Este lavrou-se, porém, numa linguagem bem diferente: clara, sóbria, de  uma economia que nada deve ao objetivo prático do apontamento, antes se estriba em zelosa busca de precisão. É que mesmo em simples Sumários de Curso o Professor Emérito responsável pela primeira floração dos estudos clássicos na UnB era capaz de cultivar um estilo conciso, elegante, com algo da discreta harmonia do seu admirado Isócrates. (Já nas suas últimas obras sua escrita se modifica: torna-se mais colorida, apaixonada. Em certas passagens,  ganha um esplendor barroco, que o aproxima do tom solene, majestoso, dos sermões de Antônio Vieira).

Na reflexão eudoriana sobre as catábases de que o livro em apreço mostra o ponto de partida  também se acha em germe a rica, original e fecunda exploração que ele fez do tema da “mitologia do  horizonte”, objeto de uma sua obra prima aparecida uma década depois. Encontro um sinal disso na revelação que me fez o caro mestre: disse-me Eudoro que seu Horizonte e Complementariedade (SOUSA, 1975) teve início no trecho que, na redação final do livro, corresponde ao parágrafo 50 (p. 77). Nesse trecho ele inicia uma discussão extraordinariamente rica do Poema de Parmênides. Ora, é difícil negar que a imagem regente do poema, a viagem do filósofo guiado por uma deusa, segue o modelo simbólico de um apocalipse cujo viático vem a ser uma espécie de catábase. Eudoro afirma então (P. 87) que para descortinar o verdadeiro sentido do Proêmio do poema parmenídeo  torna-se necessário ter em mente que “o mistério do horizonte preludia à codificação lógica do mistério do Ser”. Posto isso, e apoiando-se em Burkert (1969), avança a hipótese de que “a catábase de Pitágoras seria o pressuposto ou o antecedente de uma catábase de Parmênides.”Vem a ser ineludível a conclusão de que o dito Proêmio corresponde a uma catábase.

Basta lembrá-lo para que se advirta a importância do escrito em comento. O curso que lhe deu origem foi seminal para o Mestre e também para seus alunos. Os sumários de aparência despretensiosa encerram uma riqueza muito grande. Chamo a atenção para os seus três últimos capítulos: o quinto, rico de considerações luminosas sobre os Endmythen  platônicos, traz em anexo a tradução de um trecho da Sétima Epístola do filósofo da Academia; o sexto discute o que bem pudera denominar-se “a questão órfica”, isto é, o debate entre os helenistas que,  na sequela de Willamowitz-Moellendorf, negaram a existência do orfismo e os que não acataram essa rejeição. Eudoro toma partido decididamente pelos últimos, isto é, pelos que reconheceram a consistência do thesaurus “órfico”. De modo convincente sustenta ele ainda, no capítulo derradeiro, que desse legado serviu-se Platão, transformando-o, por certo, com sua inegável originalidade: reconhece a presença da herança de Orfeu e Pitágoras na gnoseologia e na escatologia platônicas.

Em suma, o livro que traz de volta a poderosa reflexão de Eudoro de Sousa em um momento axial de sua carreira de helenista e pensador encerra, em prosa sucinta, clara e elegante, uma riqueza de ideias frutíferas e uma abordagem original de temas do  mais alto interesse não só para os especialistas nos estudos clássicos como para todos os interessados nas humanidades, no sentido mais amplo do termo. Chega ao público em momento oportuno, na altura em que as atenções dos helenistas se voltam para este tema com renovado interesse, como mostra a realização, entre 2 e 5 de maio deste ano de 2014, em Québec e Montréal, de um colóquio internacional sobre o assunto (Colloque International Katábasis) organizado pelo Prof. Pierre Bonnechère e pela Dra. Gabriela Cursaru, com a colaboração de eminentes mestres de quatro instituições universitárias de  peso: os professores Alberto Bernabé, da Universidade Complutense de Madri, Bill Gladhill e Lynn Kozak, da MacGill, Anne-France Morand, da Université Laval (Quebec) e Jean Michel Roessli, da Concordia University (Montréal). A publicação das atas desse colóquio certamente vai provocar uma nova e produtiva onda de debates sobre o assunto. É uma boa hora para recordar estas lições de nosso Eudoro.

SIGLAS (OBRAS DE REFERÊNCIA CITADAS)

ANET – Ancient Near Easter Texts relating to the Old  Testament. Ed. J. B. PRITCHARD. Princeton: New Jersey  University Press, 1950.

RE – Paulys Realencyclopädie der Altertumswissenschaft. Eds. PAULY, A. F. VON; WISSOWA, G.; KROLL, W. Stuttgart: J. B. Metzler, 1894-1972.

ReferênciasBURKERT, W. (1928). Das Proömium des Parmenides und die Katabasis des Pythagoras. In: Phronesis, n. 14.

SERRA, O. (2002). Veredas: Antropologia Infernal. Salvador, EDUFBA.

SOUSA, E. (1975).  Horizonte e complementariedade. Brasília, Editora da UnB.

_______. (2004). Mitologias. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda

Ordep José Trindade Serra – Universidade Federal da Bahia. [email protected]

Acessar publicação original

Plato and Pythagoreanism – HORKY (RA)

HORKY, P. S. Plato and Pythagoreanism. Oxford University Press1, 2013. Resenha de: WEINMAN, Michael. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 165-169, jul., 2014.

Philip S. Horky’s Plato and Pythagoreanism is both deeply insightful and actually pleasant to read. According to the way it presents itself, his work is meant chiefly to offer two things. First, he means to defend a c ontroversial thesis that offers a perspective on the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy that differs meaningfully from the commonly accepted view of this matter. Second, he means to do so through a comprehensive analysis of the earliest philosophical, historical, and literary evidence concerning Pythagoreanism.

It is clear that in both respects, it is a great succ ess. My aim here is to point out some of the ways in which it succeeds. The majority of what follows is my best shot at a simple excursus through many of the central claims of the work—though, for reasons that will emerge, I focus on the first, second, and sixth of his chapters because this seems to me to  allow me to do the best job I can of doing some  justice to his central, and as he notes, controversial thesis on “the role mathematics played in the development of Plato’s philosophy,”without getting too lost in the very learned and very interesting thickets of his “comprehensive analysis”of all the relevant sources. Also, if we are honest, what discussion of Pythagoreanism wants to get caught up in chapters  numbered 3, 4, 5? 2

The central feature in Horky’s account is what he (and obviously not only he) calls “mathematical”Pythagoreanism; the “obviously not only he”modifier is a reference to the tradition—dating back to Aristotle—to divide Pythagoreans between the acousmatic and the mathematical, the ones  who hear (only) certain things, and the one who attend to a certain kind of technical knowledge that relates to the features of numbers, and especially to small whole-number ratios. Fair enough. What  is novel—and challenging—in Horky’s picture is,  first, the precise way in which he characterizes what makes the mathematical Pythagoreans the  mathematical Pythagoreans, and, second, the way in which he attempts to establish his view that “Plato inherits mathematical Pythagorean method only to transform it into a powerful philosophical argument concerning the essential relationships between the cosmos and the human being.”

My version of the “big picture”of Horky’s  argument comes fairly into focus just from the titles of the three chapters on which I focus; namely: (1) Aristotle on Mathematical Pythagoreanism in the  4th Century BCE; (2) Hippasus of Metapontum and Mathematical Pythagoreanism; (3) [ch.6] The Method of the Gods: Mathematical Pythagoreanism and Discovery. As we can see from this, the first thing we need to do, in order to take in Horky’s main claim, is to achieve the proper (i.e., critical) understanding of Aristotle’s version of what is meant by the category “mathematical Pythagoreanism”; in so doing, Horky will work closely with the findings of Burkert, Huffman, and most recently Cornelli, in order to  expound on the grounds of Aristotle’s distinction between the two kinds of Pythagoreans and also  point toward what Aristotle might not have entirely grasped about them. Chiefly relevant in this is the proper understanding of the role of Hippasus, to  which Horky devotes chapter 2, and through whom he wants to bring out his own understanding of mathematical Pythagoreanism. The following chapters then show how this mathematical Pythagoreanism both manifests itself in Plato’s philosophy, and is put to work (appropriated) by Plato in order to discover and bring to light something that transcends the level of perspicacity that figures like Hippasus, Empedocles, Philolaus, and Archytas had achieved. This last part of the story is not re-capitulated here, but I believe my summary of how the findings of the first two “legs”of the race are deployed in the final longer leg will all same convey the sense of how Horky’s two main goals are met in this book.

So, first, Aristotle and mathematical Pythagoreanism. Here, Horky basically wants us to believe a few things, none of which requires us to deviate very far from what seems to me a consensus about the subject matter of this chapter that has emerged over the past generation and a half. Namely, we are to begin with a more or less trusting belief in the evidence Aristotle provides for a distinction between mathematical and acousmatic Pythagoreans. Namely, these are distinguished by their methodology: mathematical Pythagoreans employ mathematical  sciences to explain the “reason why”they hold their philosophical position, whereas acousmatic’s “appeal to basic, empirically derived fact (3).”Further, Aristotle says, we should hold that the demonstrations of mathematical Pythagoreans represent an  innovation over “facts”of acousmatic Pythagoreans. Philolaus’ fragments provide further evidence in  analysing these claims regarding mathematical  Pythagoreans and Aristotle. All the same, Horky, here in a manner similar to Cornelli (2013), wants to investigate a different tradition than the one  set down by Aristotle and not just take Aristotle’s definitions of acousmatics and mathematicians for granted. In Horky’s (2013: 5) words: “Indeed, the primary criterion for distinguishing acousmatic from mathematical Pythagoreans, as I will show, is each group’s pragmateia (πραγματεία), a term that  must be further contextualized in order to make  sense of precisely how Aristotle draws the line (5).

“What do we find when (in the context of “Aristotle and mathematical Pythagoreanism”) we deepen our account through a careful consideration of pragma ? Perhaps most importantly, Horky’s conclusion that Iamblichus is referring to Pythagoreans in general in his fragment on the question ‘what  is to be done’, rather than mathematical/acousmatic factions. Horky also provides three reasons for why he thinks Iamblichus’ passage applies to  Pythagoreans in general: because he does not use a conjunction to separate the groups here (where he has previously); the two groups shared religious precepts; the passage is repeated later to apply to all Pythagoreans. This matters because it shows  that whatever divides these two groups it cannot simply be (as Burkert had it) that the mathematical Pythagoreans were the scientists/theorists and the acousmatic were practical/political. For Horky, the complaint recorded by Iamblichus actually presents Aristotle’s criticism of “the activities of the mathematical Pythagorean Archytas of Tarentum (32).” What we primarily take home from this version  of “mathematical Pythagoreanism”through the  eyes of Aristotle, according to Horky, is that the for Aristotle, the fundamental difference between acousmatics and mathematical Pythagoreans was  how the latter used demonstrative argumentation. Additionally, we should bear in mind how the  mathematical Pythagoreans would also establish  similarities between number and perceptibles, as  well as an ontological order that was closely related to the social order of the polis. (This view of politics is discussed further, especially in chapters 3-5, not discussed in detail here.)

The crucial role of Hippasus in bringing  us from mathematical Pythagoreanism as we encounter it through Aristotle and the mathematical Pythagoreanism that motivated Plato emanates  from Hippasus’s importance for Horky’s continuing enquiry into the  pragmateia of the mathematical  Pythagoreans. Understanding Hippasus (or at least what middle-Platonists attributed to him, as we  cannot always hope to disentangle the two) helps us to see “how metaphysics could have been brought to bear on religion and politics in the mathematical Pythagorean pragmateia (38).”In trying to figure out the genuine place of Hippasus (and Philolaus and Archytas) in this development, Horky discusses two sets of sources for his enquiry: the Platonists of the early academy (following Plato’s death in  347 BCE) and Aristotle’s associates at the Lyceum, Theophrastus and Aristoxenus. Theophrastus is  listed as an especially important source for two  reasons: firstly, because his knowledge of Pythagoreans was informed by Platonic teachers and not  Aristotle’s skewed vision, and secondly because his “doxographical”works also reveal important differences with Aristotle. Aristoxenus, meanwhile, is also important because the fragments that survive of his work on Pythagoreanism reveal a deep engagement with the tradition.

Horky is interested in comparing Aristoxenus’ idea of “aiming at the divine”and Aristotle’s idea of ordering the universe according to what is more honourable, using Wehrli, F23 in this analysis. Horky (2013: 46) concludes his analysis of the fragment by saying: “this fragment evidences Aristoxenus’s interest to explain a Pythagorean  axiology of the  “honorable”by appeal to strategies of assimilation between numbers and things.”This conclusion, he asserts, is important for two reasons, what is says about the “first principles”themselves, and how these first principles are both ontological and a principle of military and household rule. For Horky, the principle that the ἀρχή is a “most honorable”thing”is originally a product of Platonic thought and was systematized in Aristotle; it is drawn from sources in mathematical Pythagoreanism, but is original to Plato. Horky provides a long list of places in the dialogues where “honourable”appears, including the Timaeus, to show that Plato was aware of and using this concept. He then argues that the combination of what is “better”with what is “honourable”is a recurring topos in Aristotle’s writing and that this raises the view that arguments that involve the  metaphysics of the honourable, and attributed to the Pythagoreans by Aristoxenus, may in fact be  Aristotealian in origin. He concludes this section with a discussion of how there is no reference to axiological uses of the honourable in genuine fragments of mathematical Pythagoreans like Philolaus and Archytas, and how this fact complicates his  interpretation.

The remainder of this chapter surveys the  many, conflicting views put forth about Hippasus—both those of the specialists of the past two generations, and those of the tradition, from the Academy and Lyceum through the Hellenic and  medieval periods—concluding with Xenocrates of  Chalcedon, whose doctrines bare striking resemblance to those of Hippasus. Horky’s goal is to show  that the Early Platonists wrote about Hippasus and assimilated Hippasus’ doctrine to Pythagorean ideals. Horky’s (2013: 77) specific suggestion is that Xenocrates might have considered the “Forms”as “paradigms,”which would not be a major innovation since “a strong association of these concepts follows almost naturally from a reading of Plato’s Timaeus, and more important, it might have already been circulating in the Early Academy after Plato’s death.”On this basis, Horky returns to a discussion of Aristotle’s views of the Pythagoreans, where he concludes that Aristotle is the source of the claim that Hippasus is a natural philosopher  as well as  the source of the claim that Hippasus was the progenitor of the ‘mathematical’ school within Pythagoreanism. Aristoxenus, Horky believes, takes over from Aristotle the focus on what is “honourable”in Pythagoreanism and that the doctrine ascribed to Hippasus, that he believed that “Soul-number is the first paradigm of the making of the world,”is owed to Speusippus’s or possibly Xenocrates’s writings on the Pythagoreans, in an attempt to align Hippasus’s supposed ancient doctrine with their own (which, subsequently, has been derived in various fashions from Plato’s Timaeus).

“Which brings us, again leaving to the side for the moment a treasure of threads worth retracing that are found in chapters three through five— and let me point specifically among them Horky’s treatment of the two classes, “what is”(τί ἔστι), “what is to the greatest degree”(τί μάλιστα), as “forming the background for Plato’s dialectical response to Pythagoreanism,”discussed at length in chapters 4 and 5—to the question Horky tries to answer in chapter 6: how did Plato advance beyond mathematical Pythagoreanism? His answer involves Plato’s use of what Horky (2013: 201) calls Plato’s “first-discoverer myths”(of Prometheus, Palamedes, and Theuth), which are used by Plato to explore the methods of inquiry of the mathematical Pythagoreans, and which “allow him to attack the positions of his contemporary intellectual competitors without naming them (201).”Horky distinguishes between two periods in Plato’s dialogues utilizing the “first-discoverer”myths, and naturally we will focus on the second, later period which includes the Timaeus. (The early period, not further discussed here,  deals with problems of mathematics and writing,  as relevant to the pursuance of the Good.) Horky (2013: 202) believes that with the later-period  “first-discoverer”myths, “Plato demonstrates a reevaluation of what empirical science—especially that employed by the mathematical Pythagoreans in their approaches to harmonic theory—could offer to his own approaches to cosmogony, metaphysics, and dialectic.”Horky will try to answer his question by means of showing what the proper interpretation of the “first-discoverer”tradition teaches us about Plato’s critical response to the Pythagoreans. He  does so by interpreting the place of the figures of Palamedes, Prometheus, and Theuth in the Protagoras, Republic, and Phaedrus.

Horky proceeds by addressing the “heurematographical topos “in these dialogues. Horky adopts the term “heuromatography”from Zhmud (2006)  and it means: “the surviving written treatments  of various “elements of culture as discoveries  (εὑρήματα)”made by certain “first discoverers (πρῶτοι εὑρεταί),”whether divine or human.” Though of immense interest, I pass over the discussion of Protagoras and Phaedrus, to conclude with Horky’s presentation of, as his subject heading has it, “mathematical pythagoreans and the musical  dialectics in the Timaeus and Philebus.

“With respect to Philebus, Horky (2013: 252) works with  the basic binary opposition between  quantity and quality in the intervals with regard to ‘number,’ introduced at 17c11-e3, finding that it is “difficult to know for sure whether Plato intended pitch height or depth to be numerically quantifiable, if indeed this is the right way to read this passage.”Horky’s claim is that the Timeaus offers a ‘third way’ between two interpretive responses here. Namely, that the number of notes is in fact limited quantitively because it is shown to repeat (252). Horky (2013: 254) this way: “It is pretty clear that Plato’s description of the generation of a complex entity such as “health”or “music”that is made up of a factor that limits the unlimited in the Philebus is coordinate with other late presentations of the cosmic generation of entities marked by the qualities of being concordant and symmetrical, especially what is found in Plato’s  Timaeus.”Horky (2013:  255) here cites what he calls the “dialectical tenor”of Timaeus’s description (at 80b2-8, translation is Horky’s following Barker 1989) of συμφωνίαι in which slower sounds “catch up [to swifter sounds] they do not disturb their motion by imparting a different one…[but]…by attaching [to one another] in a similarity [ ὁμοιότητα προσάψαντες ], they are blended together into a single effect, derived from the high and the low [ μίαν ἐξ ὀξείας καὶ βαρείας συνεκεράσαντο πάθην ]. Hence they  provide pleasure to people of poor understanding, and delight to those of good understanding, because of the imitation of the divine harmonia that comes into being in mortal movements.”

For Horky (2013: 256), and following Barker, “the Demiurge’s activity of division is based on the classification of means and proportions advanced by Archytas in Fragment 2.189. It remains only a speculation, but we can nevertheless see Hippasus of Metapontum hiding in the background of  Archytas’s classification, informing both Archytas’s approaches to music theory and Plato’s approaches to generation of the world-soul.”This then manifests in the spatiotemporal “pause”, by which Horky (2013: 256) means “the assimilation of one thing to another that had previously been different, or alternatively to the placing of things in opposition in a relationship of concordance (256).”This pause occurs in dialectical relationships as well as physics and metaphysics, which Horky relates to Plato’s theorizing about the “monochord”. Here Horky (2013: 258) makes fascinating use of Mitchell Miller’s claim that Plato is thinking of the so-called ‘Dorian mode’ (when in  Tim 35b4-36b6  the Demiurge dividing  universe with Pythagorean ratios) in order to show that if a two-octave stretch of string were divided in such a way the seven-notes of the octave would be repeated once, there would thus be a repeating order in the continuum. For Horky (2013: 258), Plato could thus describe this as a limit on the unlimited continuum: “Plato might describe this activity as bringing a limit based in “due measure”to bear on what is otherwise unlimited, the continuum that  lacks proper measurement and is thereby neither  “commensurate”nor “concordant”without it.  Dialectic, cosmology, and metaphysics are thus  understood in Plato’s Timaeus and Philebus to conform to the rules of mathematics, both harmonic and calculative, and are understood to be informed by empirical observation. (258)”

Here—in this final conclusion about dialectic, cosmology and metaphysics are seen as  both  the  result of a calculative and harmonic and informed by empirical observation—we see the singular value of both Horky’s “controversial thesis”about Plato as an inheritor and extender of the tradition of mathematical Pythagoreanism and his “comprehensive analysis”of the all the sources for that tradition, both antedating and postdating Plato. In its comprehensiveness and its precision, this concluding  claim seems to me emblematic of the success of  Horky’s work, and why it will be a standard text for those interested in Plato and in Pythagoreanism, and especially for those of us interested in their  interconnection.

Notas

  1. While this discussion of Horky’s book appears under my signature, I want to flag clearly and loudly that it owes a real debt to my research assistant, Lindsay Parkhowell.
  2. In the interest of full disclosure, I should report that when this was presented at the “Recent Books on Pythagoreanism”book celebration at the State Library of Berlin on Monday 21 October 2013, Philip Horky greatly objected to this, and insisted that in his view it is precisely the chapters not presented here that are to him the most important. I leave it to his readers—who will be many—to decide for themselves.

Michael Weinman – Bard College, Berlin.

Acessar publicação original

 

Pythagoras and the Early Pythagoreans – ZHMUD (RA)

ZHMUD, L. Pythagoras and the Early Pythagoreans. Oxford: Oxford University Press, 2012. Resenha de: MCKIRAHAN, Richard. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 161-164, jul., 2014.

With an unsurpassed command of primary materials and meticulous scholarship Professor Zhmud gives us a thorough treatment of Pythagoreanism through the fifth century, occasionally ranging into the Pythagoreans of the fourth century as well. He presents a careful treatment of the source material on Pythagoras’ life and activities, and takes up  the rarely discussed problem of who are to count as Pythagoreans. He proceeds to discuss all things (allegedly) Pythagorean, including  metempsychosis  and vegetarianism, politics and the nature of  Pythagorean ‘societies’,  mathematici  and  acusmatici, number theory and numerology, geometry and harmonics, cosmology and astronomy, (surprisingly) medicine and the life sciences, and he concludes by examining Pythagorean views on the soul and the doctrine that all is number.

I have the honor to say a few things about Professor Zhmud’s recent book Pythagoras and the Early Pythagoreans. This is a major revision and  expansion of his 1997 book Wissenschaft, Philosophie und Religion im frühen Pythagoreismus, a book described by one reviewer as the most important  contribution to Pythagorean studies in the previous thirty years. The magnitude of that assessment can be recognized when we bear in mind that that thirty-year period saw the publication of Burkert’s Lore and Science in Ancient Pythagoreanism, which is widely considered the foundation of modern Pythagorean studies. My assessment of Pythagoras and the Early Pythagoreans is that it is even better than Professor Zhmud’s previous book.

There is wide agreement that later (that is, Neopythagorean and Neoplatonic) sources contain far more information than the early sources from the 6th-5th century BCE and that much of this later information is fabricated. Recent treatments of Pythagoreanism present early material, admit that it is too scanty to yield a full picture of Pythagoras and his followers, and then proceed to supplement it by selective use of the later material. Professor Zhmud perforce follows this method, but modifies it in two important ways. First, he is more consistent in rejecting later information that does not have a pedigree going back to the fourth century. This methodological approach considerably reduces what can be safely asserted about Pythagoras and the  early Pythagoreans. Second, he infers the interests and activities of Pythagoras from those reliably attributed to his followers, a move that expands what can be assigned to their leader. These twin procedures lead to some surprising conclusions that challenge widely held beliefs. Consider the following examples.

  • Pythagoras was not a shaman or a wonder-worker.
  • Stories of his travels to Egypt and other lands are probably spurious.
  • His success in Croton was probably not instantaneous but attained gradually, over a period of many years.
  • No single trait marks all known early Pythagoreans (except that they presumably belonged to Pythagorean societies): some pursued mathematics, others natural philosophy, others medicine, and still others athletics.
  • Pythagorean societies were not religious groups or cults.
  • The Pythagorean way of life did not include observing a strict code of conduct that regulated every aspect of their life.
  • The Pythagoreans were not a secret society; their views were known to outsiders.
  • The early Pythagoreans did not attribute their own discoveries to Pythagoras.
  • The distinction between mathematikoi and akousmatikoi was a much later fabrication.
  • It is likely that Pythagoras discovered the Pythagorean theorem, the theory of even and odd numbers and the arithmetic, geometric and harmonic means.
  • Pythagoras was first to use deductive proofs in number theory.
  • Early Pythagoreans and possibly Pythagoras himself made use of experiments to verify their physical theories. • The tetraktys  and the ideas associated with it were unknown to early Pythagoreans.
  • *Very little is known of Pythagorean contibutions to astronomy prior to Philolaus.
  • Pythagoras invented the quadrivium.
  • Alcmaeon was a Pythagorean.
  • Alcmaeon alone taught that the soul is immortal, a theory that has no connection with metempsychosis. It is doubtful that any Pythagoreans believed soul to be a  harmonia.

These conclusions radically undermine traditional interpretations of early Pythagoreanism. They are founded on close readings of the relevant textual evidence and cannot be overlooked.

The remainder of this review will focus on  the Familienähnlichkeit that Professor Zhmud finds among the early Pythagoreans, and his conclusions about Pythagoras’ mathematical activity, but first a brief remark on Professor Zhmud’s view that for Pythagoras metempsychosis was a religious doctrine (e.g., p.20). I question the appropriateness of the word “religious”to describe  metempsychosis. Orphism, from which Pythagoras borrowed the  doctrine, was a religion of sorts, but metempsychosis  does not by itself need to have any religious  implications. Professor Zhmud is right to insist  that Pythagorean communities were not religious θιασοί (144) and that there is no evidence of any special cults or distinctive private worship among the Pythagoreans (144). And for one who believes in metempsychosis the idea that a pure life is the ticket to a better next reincarnation may be no different in kind than the idea that a good diet is the ticket to better health in this life.

Unable to find any single common characteristic that applies to all known ancient Pythagoreans from the end of the sixth century to the middle of the fourth, Professor Zhmud applies Wittgenstein’s conception of family resemblance as a solution to the problem of Pythagorean identity (111). For  Wittgenstein, the the way in which family members resemble each other is not through one specific trait but depends on a variety of traits. The members of a family do not all possess any single trait, but they all resemble each other in that each of them possesses at least one of the traits and each trait shows up in more than one member of the family. Thus, we have some Pythagoreans (Hippasus, Theodorus,  Philolaus and Archytas) who pursued mathematics, others (Hippasus, Alcmaeon, Philolaus, Menestor  and Hippon) who pursued natural philosophy, others (Democedes, Alcmaeon and Iccus) who worked in medicine, and still others (Milo, Astylus and Iccus) who engaged in athletics (111).Crucially, some  Pythagoreans engaged in more than one of these pursuits: Hippasus and Philolaus in mathematics and natural philosophy, Alcmaeon and Hippon in natural philosophy and medicine, and Iccus in medicine and athletics. Hence the family resemblance.

But some of this is pretty thin. Was Hippon a Pythagorean? We have only Iamblichus’ word for it. Likewise for Iccus, Asylus, Theodorus and Menestor. And Iamblichus is a suspect source. (Even accepting Professor Zhmud’s view that Iamblichus’ catalogue  goes back to Aristoxenus (111ff.) the early Pythagoreans under discussion lived long before Aristoxenus, plenty long enough for the catalogue to have grown to include notable South Italian figures from earlier times who were not Pythagoreans. If these men are excluded then we have a much smaller list: only Hippasus, Philolaus and Archytas for mathematics, of whom only Hippasus was early; only Hippasus, Philolaus and Alcmaeon for natural philosophy; only Democedes and Alcmaeon for medicine; only Milon for athletics (which removes the pursuit of athletics from the list of family traits ascribable to early Pythagoreanism  on the basis of the activities ascribed to known early Pythagoreans). But even of these, Democedes’ identity as a Pythagorean may not be assured simply because he had Milon as a father in law, and Alcmaeon’s  claim to be a Pythagorean is disputed. In fact an  important passage in Aristotle seems to tell against it (Metaph 986b1). If we reject these men too, then there are no early Pythagoreans left who pursued  medicine, leaving only mathematics and natural  philosophy (each represented solely by Hippasus).

Milon presents a different problem as well.  Granted that that great athlete was a Pythagorean, we may ask whether his athletic prowess had anything to do with his Pythagoreanism. Perhaps he was just an athlete who was also a Pythagorean. A possible point of comparison is the Belleville Church Golf League in rural Illinois, consisting of teams from seven local churches (with names like Pres 1 and Pres 2, representing the local Presbyterian church). Do the golfers see participating in this athletic activity as part of their Christianity? Can we detect a family resemblance between golfers and Christians? This question may sound trivial and even frivolous, but it invites a more serious question: is it possible  that the mathematical, scientific, and (for the sake of argument) medical activities characteristic of  some known early Pythagoreans were not part of  their Pythagoreanism? How can we possibly know?

Here is an opposite-minded alternative view. As long as the Pythagorean societies existed membership was the determining feature (146ff.) During that period various kinds of activities (athletics,  mathematics, etc.) were pursued by various Pythagoreans, but not as a requirement of membership. (And we must keep in mind that during the period in question these activities were pursued in the  Greek world by men who were not Pythagoreans.) After the upheavals in the mid-fifth century and the subsequent scattering of the survivors, some  continued to call themselves Pythagoreans and  continued to pursue the same activities as before; if they had followers who did the same, they could be called Pythagoreans too, but their Pythagoreanism could not have been the same as the pre-diaspora Pythagoreanism.

If neither of these approaches can be accepted without methodological reservations, the best hope for unity might seem to rest in the figure of Pythagoras himself. If he introduced the famous  Pythagorean way of life, if he founded the first Pythagorean ἑταιρία, if he also pursued mathematical and scientific activities (for which there is no early evidence), perhaps these are the keys to who is a Pythagorean. But how about medicine and athletics, Professor Zhmud’s other two pillars of Pythagorean identity? Did Pythagoras engage in these activities as well? Are we comfortable with the idea that since Milon was an athlete, Pythagoras was too? Further since so little is reliably attested to Pythagoras, if we define his activities taking his followers’ pursuits as guides to Pythagoras’s own and then say that engaging in those activities makes one a Pythagorean, we have an intolerable circularity.

Finally, regarding Pythagoras’ contributions to mathematics: as Professor Zhmud says (256), in the century and a half passed between Thales (the founder of Greek geometry) and Hippocrates (the author of the first Elements of geometry) a lot of progress was made in mathematics. Professor Zhmud gives evidence that the association of Pythagoras with the famous theorem is attested as far back as the late fourth century (257), although elsewhere he is less than certain that this is the theorem to which source is referring (267). We need to bear in mind that even this date is a century and a half after Pythagoras’s death. Again, it is a better pedigree than Iamblichus, but in my mind it still leaves a good deal of uncertainty.

Professor Zhmud credits Pythagoras with the following achievements:

  • Proving the Pythagorean theorem, probably by the use of the arithmetical theory of proportions (256, 271)
  • Discoveriing the ratios of the harmonic intervals (258-9)
  • Discovering the arithmetic, geometric and harmonic means (271)
  • Adding arithmetic and harmonics to astronomy and geometry (subjects already pursued in Ionia) to form the quadrivium (271)
  • Inventing number theory including the five basic theorems about even and odd numbers, which he proved on the basis of definitions of unit, number, and even and odd numbers that we find in Aristoxenus and Euclid (272-73)
  • The use of indirect proof (273)

Here Professor Zhmud carries to extremes his practice of ascribing to Pythagoras the pursuits of his followers. Not only is Pythagoras not said by any early source to have engaged in mathematical pursuits, the only early Pythagorean we know of who did so was Hippasus (275). Professor Zhmud says that the Pythagoreans achieved too much in mathematics in the fifth century for Hippasus alone to have done it (275), and he points out that the discoveries he attributes to Pythagoras are not complex and “correspond fully with the stage mathêmata had reached before Hippasus”(268). Still, it seems to me to be optimistic in the extreme to attribute all of them to Pythagoras. It is safer to limit ourselves to the thought that Pythagoras encouraged others to be active in these areas rather than supposing that he engaged in them himself — a line of interpretation floated by Professor Zhmud himself (141).

Here is another story that seems to me equally plausible. Pythagoras discovered the numerical ratios of the concordant musical intervals or alternatively, he saw the potential of a discovery was made by  someone else (I think of Lasus of Hermione as a  possibility); there is no good evidence that the discovery was due to Pythagoras. He was struck by the thought that numbers could account for something apparently as different from numbers as music, and in a breathtaking generalization paralleled only by other Presocratic thinkers, declared (without more evidence) that number was fundamental to reality. Some of his followers (Hippasus among them)  took up the project of exploring numbers. Among  other things they identified and defined species of numbers (including even and odd) and discovered  (and proved, more likely by pebble diagrams than  by indirect proofs based on definitions) elementary results such as that the sum of two odd numbers is an even number. They also identified properties of ratios of numbers such as those concerned with the three means mentioned above. In this way we have an account of the origin of the Pythagorean tradition of mathematics — and one that accounts for the silence of our sources on Pythagoras’s contribution to it.

These brief discussions of Pythagorean identity and Pythagorean mathematics are not intended to disprove Professor Zhmud’s carefully worked out conclusions, but rather to illustrate the kind of  work that needs to be done in order to to maintain contrary views. I want to conclude by saying that my already considerable admiration for Professor Zhmud has been raised to new heights. I regard his book as a landmark whose arguments and theses cannot be disregarded by anyone who wants to form an  accurate picture of Pythagoras and the Pythagorean tradition. I say with confidence that it will remain a standard reference for the foreseeable future.

Richard McKirahan – Pomona College, Los Angeles.

Acessar publicação original

 

In Search of Pythagoreanism. Pythagoreanism as an Historiographical Category – CORNELLI (RA)

CORNELLI, G. In Search of Pythagoreanism. Pythagoreanism as an Historiographical  Category. Berlin: “Studia Praesocratica”4, De Gruyter, 2013. Resenha de: STAVRU, Alessandro. Revista Archai, Brasília, n.13, p. 171-173, jul., 2014.

This book is the English version of a work  which appeared two years ago in Portuguese.1 Its structure and general aim are clearly outlined 2. I will give a brief sketch of them before moving to more general issues. The volume consists of four chapters. The first two have a methodological character, and deal with the history of modern scholarship on  Pythagoreanism and Pythagoreanism as an historiographical category respectively. Chapters three and four have a more specific character, being focused on two fundamental doctrines of Pythagoreanism such as metempsychosis and arithmology. The interplay between these different aspects, that is on the one hand methodology, on the other the discussion  of sources, is a main feature of the book. Equally noteworthy are the range of ancient and modern materials examined, the variety of scholarly approaches surveyed, and the original insights provided on  different topics.

The author’s main claim is that Pythagoreanism cannot be understood by the conventional  means of scientific investigation. Pythagoreanism is a phenomenon sui generis; it requires therefore a methodology which must also be sui generis. First of all, it is a phenomenon which is not limited in time, as Pythagorean tradition never died3 Secondly, it is a multi-faceted phenomenon which cannot be studied without taking into account its complexity and its contradictions. Last but not least, even the definition of “Pythagoreanism”is a problem: every scholar has more or less his own view of what is “Pythagorean”and what is not, of what belongs  to the tradition going back to Pythagoras and his immediate followers and what has been added to it later.

As the author puts it, the uniqueness of  Pythagoreanism depends on the fact that this phenomenon is both diachronic and synchronic. It is diachronic because it can be understood only if one deals with the different strata of its tradition. Every stage of Pythagoreanism is a construction (or even a re-construction) whose reliability depends both on the trustfulness of the elements which constitute it and the soundness of the methodological criteria applied. Since the times of August Boeckh, 4 scholars have been analyzing these elements trying to sort out doxographical trees of succession which would enable to grasp fragments of lost texts of Pythagoreanism. This task has been accomplished by studying late authors such as Porphyry and Iamblichus, whose accounts turned out to rely on earlier texts such as those of Aristotle and his followers. But  however successful (or unsuccessful) these studies have been, 5 other problems arose from them. The data made available by Quellenforschung showed that Pythagoreanism had always been a multifaceted as well as an extremely controversial movement, and that reconstructing its tradition from Neoplatonism up Aristotle and Plato could not help in explaining its inconsistencies. On the contrary, the more “original”testimonies emerged from Hellenistic and Roman literature the more it became evident that Pythagoreanism was characterized by two apparently incompatible strands of knowledge, i.e. the “mystical”one of acousmata and metempsychosis and  the “scientific”one of cosmology and mathematics.

Cornelli gives full account of the interpretations which led to this impasse. His scrutiny of  Pythagorean scholarship is both exhaustive and  stimulating. The different hermeneutic approaches to Pythagorean literature make clear that a purely diachronic approach to the historical development of tradition is not sufficient to grasp its uniqueness. Cornelli suggests therefore to combine this approach with another one, which he calls «synchronic ». As he puts it, «to synchronically understand Pythagoreanism is to recognize its place within the categories ordinarily used to describe ancient philosophy»,  namely: «“pre-Socratic”, “school”, “science”, “religion”, “politics”, or even “philosophy”» (54). But as none of these standard categories is multifaceted enough to apply to Pythagoreanism, an adjustment in methodology becomes necessary. A truly  synchronic understanding of Pythagoreanism must be multidisciplinary, in order to overcome «the  dichotomies between science and magic, writing  and orality, Ionians and Italics, to which historiography usually appeals”(55). Such an approach had already been attempted by Walter Burkert, who in his seminal book of 1972 pointed out the necessity to have a treatment of Pythagoreanism as «many- sided as possible».6 Cornelli follows this path, but goes further. He claims that if Pythagorean wisdom is polymathy, as Heracleitus puts it (fr. 22 B 40 and 129 DK), the study of it must suit its nature, and thus turn into a « methodological polymathy » (54). This leads Cornelli to claim that  Pythagoreanism itself must be considerated as an historiographical category. It does not fall under the “conventional”categories of Presocratic philosophy such as religion, politics and science, but encompasses them all.

Cornelli’s aim is ambitious: he maintains that one has to understand Pythagoreanism not through already existing categories, but as a category on its own. This « will permit Pythagoreanism to emerge from the mists of its complex history » (54), and in turn enable to get a better understanding of other categories of ancient philosophy. Such a methodology may even be of great impact outside the field of Pythagoreanism, as it will likely have consequences also for the study of the pre-Socratics in general.7

One may wonder whether such an holistic approach, which aims at eliminating barriers between disciplines, is altogether possible, given the ultra- specialized character of contemporary scholarship. Another problem concerns the subjects of research which characterize Pythagoreanism. These appear to be fundamentally heterogeneous: on the one  hand science, on the other religion: can we cope with such diverse topics using one single approach? Cornelli’s book leaves many questions open: only  time will tell if its ideas will be able to convert into reality. One thing is certain: a holistic approach to Pythagoreanism may be difficult if not altogether impossible to attain. But even more so, there is no doubt that such an approach represents a highly  wished desideratum in scholarship, where compartmentalization of the different facets of Pythagorean knowledge has become more and more increasing, thus making it difficult to study the context of their origins, development, and interdependency.

But  Pythagoreanism is not only an historiographical category. Cornelli goes further this categorization, and tackles key-issues linked to it, namely the definition of Pythagoreanism and the criterion for being Pythagorean.8 To answer these questions, he focuses on three distinct strands of Pythagorean tradition,  namely: way of life as attested in the akousmata and symbola, immortality and transmigration of the soul, and numerology. Cornelli’s idea is that all of these  forms of knowledge, though different, go back to  “Proto-pythagoreanism”, 9 that is to the most ancient stage of this philosophical movement, and that they remained a distinct feature of Pythagoreanism also in later ages. In two distinct chapters he deals in detail with these topics (chapter 3, on metempsychosis;  chapter 4, on numbers), which showcase how varied and multifaceted Pythagoreanism is. Here we learn, among other things, that Pythagoreanism appears to be « both mystical and scientific, because on the one hand, the theory of metempsych ō sis does not respond only to a soteriological mystique, but also becomes an explanatory element of a reality that is irreducibly interconnected, as well as being the foundation of  epistemology in the practice of anám n ē s is» (192).

One might think that in Cornelli’s view the definition of Pythagorean identity is a complex one, similar to that of Pythagoreanism as an historiographical category. But this is not the case, as for Cornelli the criterion for being Pythagorean is « membership in a community and a shared bíos consisting primarily in observing Pythagorean  akoúsmata and symbola, rather than the acceptance of certain philosophical and scientific theories » (82). This means that if on one hand there is no contradiction between the acousmatic and the  mathematical Pythagoreanism, on the other there is no doubt that the acousmatic moment is decisive: not science but way of life and belonging to a Pythagorean koinonia 10 is the ultimate criterion for identifying a Pythagorean.11

So we see: the concern of an historiographical Pythagoreanism which encompasses the contrasts and differences of tradition does not impede the  author to provide the distinctive feature of what is specifically Pythagorean and what is not. A major achievement of the book lies in the productivity of this ambivalence: very different figures of tradition like Philolaus and Apollonius turn out to be similar as soon as their adherence to a special lifestyle and a community comes to the fore. We can therefore conclude that Cornelli’s Pythagoreanism is not just a “historiographical category”, as it has to do not with the doctrines, but with the lives of its protagonists. It is a category  in flesh and blood, which cannot  be separated from the charismatic manners and  attitudes of the representatives of Pythagoreanism in its different historical stages.

Notas

  1. G. Cornelli, O pitagorismo como categoria historiográfica, “Classica Digitalia Brasil”, CECH- Universidade de Coimbra/Annablume, Coimbra/São Paulo 2011. In the same year the author organized a conference on Pythagorean tradition in Brasilia, the proceedings of which have appeared recently (On Pythagoreanism, eds. G. Cornelli, C. Macris, R. McKirahan, de Gruyter, Berlin 2013).
  2. See the reviews of the Portuguese version of Cornelli’s book: Francesc Casadesús Bordoy, Archai 7 (2011), 159-162 and Manuela Dal Borgo, Digressus 12 (2012), 64-71.
  3. 53: «Rather, the proposed methodology aims to understand how, through the intertwining of diachronic and synchronic dimensions, the category of “Pythagoreanism”survived the expected dilution of a multifaceted movement, a movement that is not only radically and extensively diverse in its authors and subjects, but that additionally spans over a thousand years of the history of Western thought. In fact, the unique challenge of this project among to the problems associated with the history of pre-Socratic philosophy lies in the fact that Pythagoreanism has properly never died».
  4. A. Boeckh, Philolaos des Pythagoreers Lehren nebst den Bruchstücken seines Werkes, Vossische Buchhandlung, Berlin 1819.
  5. Seminal Quellenforschung in Pythagoreanism has been done since the last decades of 1800. See E. Zeller, E. Rohde, Die Quellen des Iamblichus in seiner Biographie des Pythagoras, Rheinisches Museum für Philologie 26 (1871), 554-576; J. Mewaldt, De Aristoxeni Pythagoricis sententiis et Vita Pythagorica, Dissertation Berlin 1904; W. Bertermann, De Iamblichi vitae Pythagoricae fontibus, Dissertation Königsberg 1913; A. Delatte, Études sur la littérature pythagoricienne, Slatkine & Fils, Paris 1915, Essai sur la politique pythagoricienne, Slatkine & Fils, Paris 1922, La vie de Pythagore de Diogène Laërce, Lamertin, Bruxelles 1922; H. Jäger, Die Quellen des Porphyrios in seiner Pythagoras-Biographie, Dissertation Zürich 1919; I. Lévy, Recherches sur les sources de la legend de Pythagore, Leroux, Paris 1927; A.-J. Festugière, Sur la ‘Vita Pythagorica’ de Jamblique, Revue des études grecques 50 (1937), 470-484; K. von Fritz, Pythagorean Politics in Southern Italy. An Analysis of the Sources, Columbia University Press, New York 1940 and ‘Pythagoras’, RE 47, 1963, 171-203; W. Burkert, Lore and Science in Ancient Pythagoreanism, Cambridge University Press, Cambridge 1972, esp. 53-83 and 97-109. The achievements reached by these scholars have been recently doubted by Leonid Zhmud, who claims that «attempts to reconstruct authentic Pythagorean texts from the fifth and fourth centuries brought to no result», and that «perhaps because of the absence of palpable success in this area of Quellenforschung, in recent decades very few scholars have ventured far into it» (Pythagoras and the Early Pythagoreans, Oxford University Press, Oxford 2012, 9-10). Despite Zhmud’s skepticism, many scholars do nowadays still believe that later authors (such as Iamblichus) use sources going back to texts of the 5th and 4th centuries (such as Aristotle’s works on Pythagoreanism). A recent work going in this direction is P.S. Horky, Plato and Pythagoreanism, Oxford University Press, Oxford 2013, esp. 85-88.
  6. W. Burkert, Lore and Science, 12: «Most studies of Pythagoreanism have dealt with only one restricted aspect; even Zeller confined himself to the development of philosophical concepts, left mathematics aside, and bracketed out religious and ethical questions; and later works have been even more specialized, whether in the philosophical area, in that of mathematical, astronomical, and musical problems, or that of religion». This approach has been severely criticized by Leonid Zhmud, who thinks that Pythagoreanism can be studied only by sorting out single issues «which may prove amenable to solution» (L. Zhmud, Pythagoras, 12; on this issue see also Zhmud’s latest paper On the Fallacy of the Holistic Approach to Pythagoreanism, held in Berlin on October 20, 2013 at the workshop “Pythagorean Harmonics from Philolaus to Leibniz”).
  7. Thanks to its complexity, Cornelli’s Pythagoreanism turns out to be a paradigmatic hermeneutic category which forces to overcome the traditional boundaries that characterize the study of ancient thought and culture: «In the case of Pythagoreanism, it will be necessary to overcome the rigid dichotomies of a historiography too accustomed to distinguish, for example, between sciene and magic, writing and orality, Ionian and Italian. None of these alone seems to capture the complexity of Pythagorean social organization and doctrine» (55).
  8. In Cornelli’s view, the criteria which are commonly used for defining “what is Pythagorean”are not sufficient: «The criteria commonly used to classify someone as a Pythagorean did not seem to stand up to our methodological test: because one cannot think of the Pythagorean school as something doctrinally homogeneous. Further, neither geographical criteria nor doxographical trees of succession serve as adequate ways to define the category» (84).
  9. The term “Proto-Pythagoreanism”is not new in scholarship: see, e.g., G. de Santillana & H. von Dechend, Hamlet’s Mill. An Essay on Myth and the Frame of Time, Gambit, Boston 1969. New is the systematical use of it Cornelli makes in his book (5-6, 42-44, 49, 51, 60-61, 73, 84-85, 87, 91, 94, 97-99, 119, 126, 132, 134, 135, 137, 144, 145, 147, 185, 188, 190, 192, 194).
  10. The issue of Pythagorean koinonia  is debated at pages 67-77 of the  volume. To define the specific character of Pythagorean “clubs”Cornelli opts for the neutral term koinonia, thus rejecting other definitions such as “sect”(Rohde, Burkert, Riedweg) and “church”(Toynbee, Jaeger). On this and related issues see also G. Cornelli, Sulla vita filosofica in comune: koinonía e philía pitagoriche, in: S. Giombini & F. Marcacci (eds.), Il quinto secolo. Studi di filosofia antica in onore di Livio Rossetti, Aguaplano, Perugia 2010, 415-436.
  11. In Cornelli’s view, these two aspects are linked: «However, the possibility of adherence to a particular way of life implies, at least in its inaugural pre-Socratic times, the actual existence of a community that is structured around that same way of life» (59). Bruno Centrone (Review of Zhmud, Wissenschaft, Philosophie und Religion im frühen Pythagoreismus, Elenchos  20 (1999), 441) and Carl Huffman (Two Problems in Pythagoreanism, in P. Curd & D.W. Graham (eds.), The Oxford Handbook to Presocratic Philosophy, Oxford University Press, Oxford 2008, 301) have similar claims, but they do not connect these two aspects.

Alessandro Stavru – Freie Universität, Berlin.

Acessar publicação original

Pólis e nómos: o problema da lei no pensamento grego – OLIVEIRA (RA)

OLIVEIRA, R. R. Pólis e nómos: o problema da lei no pensamento grego. São Paulo: Loyola, 2013. Resenha de: TABONE, Danilo Andrade. Revista Archai, Brasília, n.12, p.197-200, jan., 2014.

A obra do filósofo Dr. Richard Romeiro Oliveira objetiva explicitamente, através de “reflexões de  caráter jurídico e ético nas obras de variados autores”(p. 9), fornecer “um panorama dos principais momentos que marcaram o desenvolvimento [da]  reflexão legal na Hélade. Trata-se, pois, de tentar acompanhar o nascimento e as principais transformações ou vicissitudes do pensamento jurídico no mundo grego “(p. 13, grifo meu). Desde o título se estabelece a proposta de pensar a relação entre a noção de nómos (lei) e a emergência da pólis. Este tema mais amplo é tratado no primeiro capítulo,  ‘A formação da pólis e a descoberta da lei escrita’, onde, em uma abordagem chamada de “histórico-genética”, o autor percorre o desenvolvimento das concepções legais desde o período micênico até a época clássica, relacionando-as com a origem da  pólis e o desenvolvimento da democracia em Atenas.

Os dois capítulos seguintes tratam mais especificamente das especulações filosóficas a respeito da lei no curso do séc. V a.C.: no capítulo 2, ‘A  oposição sofística physis x nómos e a desconstrução filosófica da ideia de lei’, aborda a oposição entre esses dois conceitos no pensamento sofista, que  passa a questionar a soberania do nómos como era até então entendida pelos pré-socráticos, a qual  passa a ser vista como mera criação humana. capítulo 3 ‘Lei e racionalidade em Platão’, trata da questão no pensamento político de Platão, onde o tema aparece como uma resposta que se contrapõe à relativização defendida pelos sofistas.

A partir do título temos uma questão que é de ordem histórica/cultural: a emergência da pólis e da noção de nómos. Mas ao reduzir o fenômeno pensamento unicamente àquele presente no discurso filosófico, pretendendo, por exemplo, que uma “crise [da] tradição legalista e nomotética [surja] a partir da ascensão do convencionalismo sofístico”(p. 13), o autor se afasta de uma concepção de pólis como fenômeno cultural mais amplo. O pensamento no  mundo grego Antigo não se resumia à Filosofia;  redução que é estruturada e por conseguinte acaba estruturando uma série de equívocos sobre as culturas gregas Antigas. Esta resenha, por isso, assumirá uma posição crítica com relação aos conceitos adotados tanto para pólis quanto para nómos.

A abordagem “histórico-genética”adotada  pelo autor no primeiro capítulo, acaba por redundar em uma evolução de tipo teleológico, culminando em uma secularização/racionalização do pensamento grego na Atenas democrática do séc. V a.C. Baseado em Jean-Pierre Vernant (1970), o autor  percebe uma pólis aberta a racionalização, com a transformação de um “saber secreto de tipo místico”de época micênica/homérica 1, onde o “direito”estava subordinado ao poder do basileús/ ánax, em um corpo de verdades divulgadas, que passam a ser escritas, constituindo um “direito positivo”.

Isto traz alguns problemas que dizem respeito à natureza da pólis. Como falar em ‘secularização’ em Estados que não tem cleros, mas religiões  próprias, que sorteiam seus magistrados (cargos  que são também religiosos), onde procedimento e penalidade, inclusive o julgamento e a condenação por homicídio, são governados pelo medo do miásma – e não por se conceberem ‘direitos humanos’ – que lapidam anualmente um pharmakós, que processam por impiedade? (DELCOURT, 1964). Em outras palavras, póleis enquanto comunidades que se definem pela participação comum de seus membros no culto. E ao falar na emergência de um “espaço público” como prova de uma “nova forma de sociabilidade”, secularizada (p. 17ss), mas desconsiderando a  evidência da Arqueologia, o autor se priva de reconhecer a importância das áreas sacras na divisão do território público das  póleis. Vale lembrar que  na ágora de Atenas estavam as estátuas dos heróis epônimos, o altar de Zeus Agoraios, dos Doze Deuses, de Ares, entre outros monumentos sacros que também dominavam a paisagem ao redor, como o Hefesteion e o próprio complexo da acrópole, o que mostra a inconsistência da tese que procura ver a pólis como um mundo secularizado.

Segundo ponto. Nesta imagem de uma pólis secularizada surge o nómos enquanto norma humana em oposição ao thémis / thesmós como norma de origem divina; fenômeno que se relaciona com a origem de uma pólis entendida como uma “comunidade  citadina e urbana”(p. 31), onde há descentralização e coletivização do poder. Em outras palavras, é afirmado que o surgimento do “direito positivo”se relaciona com a emergência da democracia em  Atenas, entendida como uma “forma superior de  organização do poder”(p. 41).

Para Oliveira, o elemento gerador de “mudanças no paradigma legalista”(p. 64)  rumo à  “secularização da lei”foi o surgimento do debate no contexto democrático, quando o nómos teria passado a ser entendido como “mero decreto humano”. O autor busca sinais dessa mudança de paradigma no discurso trágico. Em sua análise da  Antígona de Sófocles, a presença de um conflito entre dois princípios de justiça (ambos nomeados como nómos) – o direito dos homens (encarnado em Creonte, o rei de Tebas) e o direito dos deuses e sua Justiça (encarnado em Antígona) – é visto como evidência para alegar a secularização da noção de lei. Mas  em uma análise mais cuidadosa, onde se considere a tragédia sofocleana em seu contexto, entende-se que o embate acontece entre uma lei ancestral/ divina e a lei de Creonte, que aparece virtualmente como tirano (aparecem os termos basileús, ánax e estratego), este sim, para os atenienses, em conflito com as leis divinas. No diálogo entre Creonte e seu filho Hemon, este questiona o decreto do pai afirmando que a “cidade de Tebas”com ele não  concordava, [ οὕ φησι Θέβης τῆσδ` ὁμόπτολις λεώς ] (Soph. Ant. 732), ao que o rei questiona se a cidade deve dizê-lo como agir [ πόλις γἁρ ἡμῖν ἁμὲ χρὴ τάσσειν ἐρεῖ;] (Soph. Ant. 733). Então Hemon lhe responde que “não há cidade que seja de um só”(Soph. Ant. 738-739). Vale lembrar o coro no início da peça, que ao exaltar os feitos humanos, cita as “leis da cidade”, ἀστυνόμους (Soph. Ant. 355), a mesma cidade que Creonte não quis ouvir. No final da tragédia descobrimos que os tebanos  haviam reconhecido a importância de se observar  as leis dos deuses, e que foi Creonte, governando sozinho, que não a reconheceu.

Do ponto de vista do ateniense Sófocles está em questão a lei do tirano como um governante  injusto e peremptório, apresentando a tirania como um regime nocivo, onde inexiste o debate de ideias, critério tido como essencial para se chegar às leis justas. Mas esta noção não dá conta do fenômeno no “pensamento grego”como um todo, primeiro ao desconsiderar que a pólis nunca deixou de ser um mundo essencialmente agrário – e que a urbanização de Atenas esteve longe de ser a regra para as demais póleis, o que não as impediu de terem leis escritas (nómoi) votadas em Assembléias (como as póleis e os éthne da Beócia ou da Arcádia, onde a fundação de Megalópolis para servir de centro da Federação foi um fenômeno relativamente tardio, na metade do séc. IV a.C.); também desconsidera o fato de  muitas póleis nunca terem experimentado o regime democrático: Cirene, no norte da África, sempre  foi uma monarquia; e diversas  póleis  viveram sob  regimes oligárquicos, aristocráticos ou em tiranias durante grande parte de sua história, muitas das  quais contando com a aprovação de contingentes  expressivos da população – caso da aclamação  popular de Hieron de Siracusa (Diodoro 11.26.5-6; 67.2.3; HIRATA, 2010, p. 27) – o que leva a crer  que os gregos viam vantagens também neste tipo de governo e que a sua condenação fosse parte de um discurso construído por pensadores atenienses de época clássica (LEWIS, 2006). Assim, não é  possível definir a pólis ou o surgimento de um  “direito positivo”exclusivamente pela existência  de participação política (democracia).

É notável, com isto, que não havia unidade substancial na experiência jurídica do mundo grego, mas sim diversidade local – sobre o que Finley (1989) chamou atenção em um ensaio paradigmático – o que, então, não permite que se fale em  direito grego, ao modo como é possível falar em  um direito romano, e o que a citação do De Legibus de Cícero na epígrafe do livro erroneamente sugere.

De toda forma, estudiosos da lei na Grécia  Antiga como Barbara Agnastou-Canas (2001) e  Ilias Arnatoglou (2003) têm ressaltado o caráter  sagrado dos nómoi também em póleis democráticas, onde se acreditava que as leis eram inspiradas pelos deuses através  do debate público – o debate se  apresenta como elemento de sacralização da lei e não de secularização. Assim como a sua inscrição, o que Rosalind Thomas (1995) reconhece como uma busca por monumentalidade e proteção divina, na medida em que se acreditava que o ato de inscrever as leis em uma pedra as faria desfrutar da mesma respeitabilidade que as normas consuetudinárias,  que não eram questionadas.

O nómos possuía um caráter de permanência, de substância da norma. Em Atenas, ao seu lado, surge outro termo no período Clássico, o psefisma (decreto), para se referir a medidas circunstanciais e provisórias, mas que não poderiam ir contra o estabelecido nos nómoi (AGNASTOU-CANAS, 2001, p. 105). A distinção era formal e consistia na diferença em seus respectivos modos de elaboração, assim como nos procedimentos utilizados para controlar sua conformidade com a nomima (conjunto de leis ou costumes) que formava a  politéia  (constituição), a ordem jurídica  da cidade (sobre esta discussão, cf. HANSEN, 1978, p. 315-330), instituída desde as reformas de Drácon, Sólon e Clístenes – que inclusive eram tidos como  homens excepcionais (heróis) e cujas leis, conhecidas como thesmoi, estavam acima da mera criação humana (cf. MOSSÉ, 1979). São conhecidos outros casos de leis que buscavam assegurar a permanência da ordem jurídica, evitando a promulgação de leis conflitantes e a subversão da  politéia, como a de Zaleucos em  Locres Epizefiri (Estrabão. 6.1.8), de c. 663 a.C., ou outra em Elis (Nomina I, 108) do séc. VI a.C. Esta permanência do nómos estava imbuída por uma ideia de sacralidade: a nomina garantia a estabilidade da politéia, reflexo da ordem cósmica, a qual uma vez ameaçada poderia redundar em desequilíbrio, hýbris – que engendra “homens fortes”, caminho para a tirania (Teógnis 43-44) – ou uma stásis (51-52), entendida como “caos”(Políbio 4.21.4; 21.11), no sentido  de ‘ausência’ de possibilidade de civilização, que  é justamente o que os  thésmoi  preservam, “o que  está fixado”. Em certo sentido, o nómos garante as condições para que o thésmos / thémis seja observado, sendo possível a vida civilizada – ao mesmo tempo urbana e agrária.

Uma das raízes dessa concepção da pólis e da lei provém das fontes consideradas pelo autor. Tal estudo não pode desconsiderar a evidência literária, mas muito menos a da Epigrafia, testemunho privilegiado – e sem intermediários – que fornece nomes de comunidades cívicas e étnicas, textos integrais de decretos, tratados e regulações sobre instituições e festas religiosas, e que permite a consideração  dos usos, dos significados e das “transformações  ou vicissitudes do pensamento jurídico”em uma  relação direta com a realidade das  póleis. A obra  falha, assim, pela ausência de erudição documental e filológica, assim como hermenêutica.

Desde a renovação dos estudos sobre a lei por Louis Gernet (1968), o enfoque antropológico, do que a análise semântica dos textos e dos termos foi um método profícuo, possibilitou perceber a relação entre lei e poder como exercido no interior da sociedade. Por outro lado, não é mais possível que este enfoque desfaça a História (suspendendo o tempo) e se feche em uma cidade (Atenas), excluindo os  conflitos políticos no interior das póleis. É necessário, assim, pôr de lado a oposição existente entre pólis como ‘comunidade’ ou como ‘Estado’ (koinónia ou politéia), em um enfoque antropológico que também considere o político, entendido não enquanto práticas específicas, mas como domínio difuso nas demais instituições sociais, incluso religiosas.

Nota

  1. Ao reconhecer um fundo micênico nos poemas homéricos, o autor confunde esse passado com o “mundo homérico”, eximindo-se, por isso, de recorrer a fontes de época micênica, e de perceber que o mundo onde emergem as póleis nos séculos IX-VIII a.C., e que se reflete nos épicos, corresponde a outra realidade que não a micênica.

Referências

ANAGNASTOU-CANAS, B. (2001) Le droit grec: de la  cité classique à l’Egypte hellénistique et romaine.  École Pratique des Hautes Études. Section des Sciences  Historiques et Philologiques, Ano 15.

ARNATOGLOU, I. (2003) Leis da Grécia Antiga. São Paulo, Odysseus.

DELCOURT, M. (1964) Vernant (J.-P.), Les origines de la pensée grecque.  Revue Belge de Philologie et d’Histoire, v. 42, n.2.

FINLEY, M. (1989) O problema da unidade do direito grego. In. Uso e abuso da história. São Paulo, Martins Fontes.

GERNET, L. (1968) Droit et prédroit, Droit et ville dans  l’antiquité grecque. In. Anthropologie de la Grèce Antique. Paris, François Maspero.

HANSEN, M. H. (1978) Nomos and Psephisma in Fourth- Century Athens. GRBS, v. 19.

HANSEN, M. H. (1993) The Ancient Greek City-State.

HIRATA, E. F. V. (2010) Monumentalidade e representações do poder tirânico no ocidente grego. In. Gabriele Cornelli (ed). Representações da Cidade Antiga: categorias  históricas e discursos filosóficos. Brasília, Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, Classica Digitalia  Vniversitatis Coninbrigensis.

LEWIS, S. (2006) Ancient Tyranny. Edimburgo, Edimburgh University Press.

MOSSÉ, C. (1979) Comment s’élabore un mythe politique: Solon, “père foundateur”de la démocratie athénienne.  Annales ESC, v. 34, n. 3.

MURRAY, O. (1992) Cités des raison. In. Simon Price (ed.). La Cité grecque d’Homère à Alexandre. Paris, La Découverte.

POLIGNAC, F. (1997) Anthropologie du politique en Grèce ancienne. Annales ESC.

THOMAS, R. (1995) Writing in stone? Liberty, equality,  orality and codification of Law.  Bulletin of the Institute  of Classical Studies, v. 40, n. 1.

VAN EFFENTERRE, H.; DEMARGNE, J. (1937) Recherches à Dréros, II Les inscriptions archaïques. BCH, v. 61.

VERNANT, J-P. (1970) Origens do pensamento grego. Rio de Janeiro, Difel.

Danilo Andrade Tabone – Mestre em Arqueologia, Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.

Acessar publicação original

 

Platão: a construção do conhecimento – SANTOS (RA)

SANTOS, José Trindade. Platão: a construção do conhecimento. São Paulo: Paulus, 2012. Resenha de: ARAÚJO, Rodrigo. Revista Archai, Brasília, n.12, p.195-196, jan., 2014.

Centrada na temática do conhecimento, a obra de José Trindade Santos se volta ao tratamento das questões relativas ao ‘ser’ e ao ‘saber’ por dentro  dos diálogos platônicos.

Evidencia, de logo, dois problemas com que Platão se confronta: a constituição da ‘realidade’  (distribuída pelos mundos ‘sensível’ e ‘inteligível’) e a organização das ‘competências cognitivas’  (‘saber’ e ‘opinião’) que possibilitam conhecê-la  adequadamente.

Para enfrentar esses problemas, Platão teria divisado um sofisticado e complexo programa de  investigação que perpassaria toda sua obra, fortemente marcada pelas críticas às concepções cognitivas correntes na Grécia clássica (sécs. V-IV a. C.).

Empreendendo tal crítica, que na visão do  Autor poder-se-ia sintetizar como  construção do  conhecimento, Platão aborda a cognição a partir  da leitura do poema de Parménides,  Da natureza, na qual o “pensamento/conhecimento”é colocado como um estado infalível, percebido pela inteligência, independente da senso-percepção e captado  pela linguagem.

Levando igualmente em conta os paradoxos levantados pelos sofistas, Platão tenciona mostrar como uma concepção coerente e consistente da  cognição é capaz de adequar o contato com o mundo instável, construído pela sensibilidade, à exigência da estabilidade do ‘ser’.

Trindade principia pela acurada análise dos  diálogos chamados ‘socráticos’, o Autor expõe o  elemento pedagógico dos debates e a utilização da metodologia refutativa, com a finalidade de denunciar as limitações dos pretensos “saberes”humanos.

Seguidamente, refletindo sobre a ‘reminiscência’ e a chamada ‘Teoria das Formas’, mostra o postulado ontoepistemológico nesse outro grupo de diálogos:  todas as mentes humanas são dotadas da mesma estrutura eidética e todos devem esforçar-se por recordar, recuperando a memória das Formas. Como, para Platão, ‘o que é’ são as Formas, somente estas constituem o ‘ser’, sendo nesta recuperação que consiste o ‘saber’.

Nos capítulos subsequentes, empenhado na  compreensão dos chamados ‘diálogos críticos’, o  Autor apresenta a discussão sobre a reformulação da ‘Teoria das Formas’, na qual Platão parece tentar reconhecer uma função cognitiva para a ‘ doxa ’, encarando então a cognição como um  processo que será avaliado pelo resultado a que conduz:  verdadeiro ou falso.

No entanto, segundo o Autor, na revisão da ‘Teoria das Formas’, Platão põe em causa a herança eleática, descartando pressupostos ligados direta ou indiretamente a Parménides. Rejeita o monismo, o imobilismo do ser e a identificação do saber com  o ‘conhecimento como  estado ’. Para atingir essa  finalidade obriga-se a redimensionar o significado do ‘não-ser’, passando a encará-lo como ‘um outro ser’, entendido como ‘diferença’ – ‘o outro’ –, e não apenas como o ‘contrário’ do ser.

Nessa nova abordagem das relações entre  ‘conhecimento’ e ‘ser’, Platão desenvolve um projeto unitário de conhecimento da realidade, vinculando o mundo sensível à estrutura inteligível que serve de matriz à própria cognição. É dessa reformulação que nascerá aquilo a que se nomeará ‘conhecimento’.

Desvelando uma das mais belas e clássicas  temáticas que principiaram a literatura filosófica,  a obra insere-se no rol dos textos indispensáveis  aos que se debruçam sobre os diálogos platônicos, ao tempo em que vem cunhada pelo espírito do  pioneirismo, inaugurando a série de publicações da Coleção Cátedra.

Rodrigo Araújo – Universidade Federal da Paraíba.

Acessar publicação original

 

Amores e arte de amar – OVÍDIO (RA)

OVÍDIO. Amores e arte de amar. Tradução de Carlos Ascendo André. Prefácio e apêndice de Peter Green. São Paulo: Penguin/Companhia das Letras. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.11, p.159-160, jul., 2013.

A  editora Companhia das Letras lançou  uma série de livros, associada à Penguin, voltada  para a divulgação, em formato de bolso, de obras clássicas. Essas edições contam com traduções dos originais em latim ou grego por estudiosos lusófonos e com a versão para o nosso idioma de prefácio,  apêndices e notas dos estudiosos anglófonos da  versão inglesa de origem. Essa iniciativa deve ser saudada, pois contribui para a maior divulgação dos autores antigos, algo já em curso em iniciativas de diversas outras casas editoriais que têm publicado, nas últimas décadas, um número crescente de obras. Isto demonstra a popularidade cada vez mais sentida da Antiguidade clássica e o interesse sempre em  aumento pelos antigos.

Os Amores e Arte de Amar  de Ovídio foram  traduzidos pelo classicista coimbrão Carlos Ascenso André, com adaptação para o português brasileiro a cargo de Carlos Minchillo e com a grafia adotada no Brasil em 2009. O estudioso luso também escreveu introduções a ambas as obras, de forma a  complementar o prefácio britânico original. Esta  apresenta ao leitor a vida e a obra de Ovídio e o faz com posições fortes sobre os principais temas relativos ao personagem e obra. Distancia-se da  interpretação difundida de um Ovídio, como outros poetas antigos, farsista literário e reforça, ao contrário, a importância das experiências amorosas pessoais para a sua produção poética. Em seguida, reforça a interpretação política do autor, perseguido também por sua produção considerada subversiva  por Augusto e seus amigos. Faltou uma revisão mais acurada da obra, na medida em que passaram lapsos (como “o relegatio”, quando a palavra é feminina, p. 36, ou domnatio, por damnatio, p. 423, “período helenista”, por “período helenístico”, p. 443, Varro por Varrão, p. 506). Também nas notas traduzidas do inglês há escorregões, como referir-se, à época romana, à Alemanha! O erro advém de traduzir Germany pelo país atual, quando o correto seria a antiga Germânia (p. 421). O leitor comum ficará perdido e uma revisão resolveria tais aporias.

Tais equívocos não aparecem no texto do  classicista lusitano, claro. Ademais, as notas britânicas são longas e muito esclarecedoras (p. 395- 559), enquanto as portuguesas são breves e mais circunscritas a esclarecimentos ao leitor comum.  Green está preocupado em comentar e interpretar cada obra, assim como seus trechos e trocadilhos intraduzíveis, o que muito beneficia o leitor. Assim, a concisão do original latino não se consegue manter no vernáculo, ainda mais numa versão em poesia, mas Green procura, aqui e ali, mostrar como essa riqueza do latim é, ainda, recheada de sentidos que se perdem. Um exemplo bastará.

Arte de Amar, 398: fructus abest, facies cum bona teste caret. Traduzido por André por: Nenhum fruto se colhe quando a beleza de um rosto não tem testemunhas. Mas, lembra Green, há duas traduções possíveis, no duplo sentido do original: “Um rosto  bonito, sem testemunhas, não obtém resultados”e “uma mulher bonita, se nunca faz sexo, não ficará grávida”!

Neste caso, são os sentidos das palavras  fructus (fruto, resultado) e  testis (testemunha e  testículo), assim como do verbo  abest (está presente, existe), que conformam um jogo de palavras intraduzível. Graças às notas de Green, contudo,  diversos passos deste tipo são elucidados e tornam as duas mais fieis ao original.

Apesar da adaptação brasileira, a tradução  mantém todo o sabor original lusitano e castiço,  algo conveniente, ademais, por ser a tradução em versos. Abundam (termo recorrente na tradução)  termos como “madraça”, “Canícula”, expressões no infinitivo (“a falar”), assim como o uso da segunda pessoa (“se rir, ri-te”) e das ênclises (“tornar-se-á mansa”, p. 318). Isso nos leva à questão da unidade do idioma português, pois apenas o leitor culto poderá haurir (outro termo erudito!) de forma plena o conteúdo vertido pelo coimbrão. Parece-me, contudo, que a despeito disso, traduções lusas como esta possam ser muito úteis e mesmo necessárias, até  como uma contrapartida às escolhas correntes nas versões brasileiras. Estas, tampouco abandonam,  muitas vezes, a linguagem erudita e mesmo cheia de neologismos etimológicos, como o faz a vertente ligada à transcriação de Haroldo de Campos. Por  outro lado, pululam versões pedestres que servem a outros propósitos, não menos necessários ou  válidos. Pode concluir-se, portanto, que esta nova série de clássicos deve ser muito bem recebida e  que a edição de Ovídio contribui para incrementar, ainda mais, o interesse no grande poeta latino.

Pedro Paulo A. Funari – Professor titular do Departamento de História e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp

Acessar publicação original

 

Averróis – a arte de governar – PEREIRA (RA)

PEREIRA, R. H. S. Averróis – a arte de governar. São Paulo: Editora perspectiva, 2012. Resenha de: NASCIMENTO, Carlos Arthur Ribeiro do. Revista Archai, Brasília, n.11, p.157-158, jul., 2013.

Não é à toa que a autora de  Averróis – A  Arte de Governar, Rosalie Helena de Souza Pereira, relembra a certa altura (p. 39) o conto de Borges sobre Averróis tentando adivinhar o que Aristóteles entendia por tragédia e comédia. Vez por outra os estudiosos do Comentador devem se sentir, como  Averróis, como Borges, como este resenhista…  Diante de uma obra que se deixa ler através de  traduções e traduções de traduções não há como  não concordar que se trata do “caso de um homem que se propõe um fim que não está vedado a outros, mas sim a ele”.

O livro de Rosalie Pereira contém duas partes: uma introdutória, falando de Averróis e seus escritos, e outra, indicada pelo subtítulo, a arte de governar. A primeira parte recolhe as informações sobre o que se conhece da pessoa de Averróis e seu contexto  na corte almôada em Córdova. Retoma também as diferentes facetas daquele que ficou conhecido no Ocidente latino sobretudo como o comentador por excelência de Aristóteles: filósofo, jurista, médico e até mesmo teólogo.

A segunda parte começa também por evocar o contexto da obra de que tratará especificamente, O Comentário da República, dentro da filosofia (falsafa) de Averróis. Como o próprio Averróis indica (I <I, 8>), dedica-se a comentar a República, de Platão, porque “o livro de Aristóteles sobre a política ainda não chegou até nós”.

A análise do Comentário da República comporta a consideração de seu gênero literário e de sua textura peculiar, terminando com um percurso sobre as virtudes e qualidades do governante.

Além de ser o único comentário de Averróis a uma obra platônica,  O Comentário da República  difere bastante dos comentários deste às obras de Aristóteles. Por exemplo, Averróis não se priva de mencionar exemplos de seu tempo e mesmo de fazer duras críticas a práticas políticas dele conhecidas. Na elaboração de seu texto, Averróis se serve de  um quadro conceitual aristotélico, de tal modo que a autora pode falar de uma “leitura aristotelizante da República ”. Esta característica encontra uma aplicação importante na caracterização do governante como um “sábio de acordo com a ciência operativa”(II <I, 3>), isto é, um phrónimos ou prudente, no sentido da Ética Nicomaqueia.

A autora, Rosalie Pereira, escreveu anteriormente, a partir de sua dissertação de mestrado,  um livro sobre Avicena – A Viagem da Alma (2002), em que expôs a biobibliografia de Ibn Sina, os  grandes temas de sua obra, diversos enfoques do mesmo sobre o conhecimento humano, terminando com uma análise da Narrativa de Hayy ibn Yaqzan. Agora, ela traz a público, a partir de sua tese de doutorado, uma obra sobre Averróis que pode ser considerada como a segunda parte de um díptico. Assim, presta ela mais um apreciável serviço ao  estudo da filosofia em árabe no nosso meio. Haveria ainda que assinalar o impecável trabalho editorial do livro ora publicado.

Carlos Arthur Ribeiro do Nascimento – Professor do Departamento de Filosofia da PUC-SP.

Acessar publicação original

 

Lettera Sulla felicita. a cura Di Angelo Pellegrino – EPICURO (RA)

EPICURO. Lettera Sulla felicita. A cura Di Angelo Pellegrino. Torino: Einaudi, 2012. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.10, p.169-170, jan., 2013.

A edição bilíngue grego/italiano da epístula de Epicuro sobre a felicidade, aos cuidados de Angelo Pellegrino, mostra a atualidade do documento grego, assim como sua popularidade, com ressalta, aliás, o próprio organizador da obra. Sua introdução enfatiza que cada geração tem o direito de sua própria tradução e, de fato, mudam os tempos e modificam-se as maneiras de dizer. Afinal, panta rhei, diria Heráclito, tudo muda,  tempora mutantur, nos et mutamur in illis, os tempos mudam e nós com eles. Tudo isso, por si só, já justifica essa nova empreitada. Mas, é mais do que isso, como intui e sugere Pellegrino, em sua irreverência habitual. Epicuro (341-271 a.C.), nascido em Samos e educado em ambiente jônico, em 306 fundou em Atenas a sua escola, denominada de jardim, aberto até mesmo a mulheres e escravos. Foi autor de muitos escritos, em sua grande parte perdidos, mas três cartas foram preservadas: a primeira dedicada à constituição física do universo, a segunda sobre a astronomia e a terceira sobre a felicidade. Esta última continua da mais alta relevância. Vejamos os argumentos de Pellegrino.

Epicuro foi o menos hipócrita e falso dos filósofos gregos, o mais amado e odiado, mas também o mais mal compreendido, segundo o estudioso  e ativista italiano. Ele retoma as ponderações do  pensador grego e enfatiza que o prazer (hedoné) é natural, constitutivo do humano (oikéion), enquanto a dor lhe é estranha (allótrion). Epicuro, cujo nome lembra seu caráter de “camarada, amigo, apoiador”, foi considerado, a justo título, como um benfeitor da humanidade à maneira de Pasteur, Fleming ou Freud, em particular por sua defesa desbragada do prazer. Pellegrino, de maneira original, aproxima o filósofo grego dos modernos teóricos do crescimento zero, a partir da consideração de Epicuro que “a abundância se goza com mais doçura se menos dela dependemos”. O editor ressalta, ainda, como a presença  de mulheres, hetairas e escravos representou uma verdadeira revolução filosófica, ainda que diferente da partilha comunitária dos pitagóricos, mas nem por isso menos radical e relevante.

A tradução original foi o resultado de uma injunção de circunstâncias ao mesmo tempo pessoais e históricas. Pessoais, pois foi em uma tarde de inverno que Pellegrino, nas escavações de Herculano, foi levado à ideia de traduzir a Carta sobre a Felicidade. Bem em Herculano, na vila dos papiros, de onde provieram novas evidências arqueológicas da difusão de Epicuro. Isso coincidia com o fim da guerra fria, com a queda do muro de Berlim, com a Guerra do Golfo e com a crise política de corrupção da democracia italiana, no que viria a ser conhecido como mãos limpas, tudo no início da década de 1990. O mundo mudava de forma abrupta e radical, após décadas de guerra fria (1947-1989) e de contraposição entre ocidente e oriente, capitalismo e comunismo. O  mundo passava a ser unipolar e a China, embora em termos políticos ainda um país comunista, acelerava sua conversão econômica ao capitalismo e ao enriquecimento de seus empresários. Em vinte anos, a China apresenta o maior número de milionários no mundo, a maior consumidora mundial de Ferraris e, talvez, a civilização mais hedonista e interessada  na tradição ocidental, em uma modernização meiji levada a cabo das bases para cima.

Mas, voltando à tradução, sua publicação em janeiro de 1992 acabou por tornar-se um grande  êxito popular, algo bem incomum, em geral e mais ainda, no que se refere à filosofia antiga. Esta republicação, vinte anos depois, atesta que a atualidade da tradução continua válida. Algumas particularidades do texto e da tradução merecem comentário. Em primeiro lugar, polloi, vertido como gente comune, gente comum, uma escolha sintomática, pois a  aversão de Epicuro aos muitos, tradução literal do termo grego, explica a razão última dessa escolha. Os muitos são criticados por serem pouco atentos à educação, daí que gente comum seja mesmo uma boa escolha. Já asebes vertido como irreligioso é algo arriscado, pois o conceito grego refere-se ao respeito ou piedade às forças sobrenaturais. Na tradução das máximas capitais (kyriai doxai), também parte do  volume, há outros termos de difícil versão, como  phronimos (intelligente).

Esta publicação chama a atenção para a  necessidade de uma edição brasileira à altura da relevância da epístola sobre a felicidade de Epicuro. O Brasil, além de ter passado pelas mesmas mudanças dos últimos vinte anos, viveu transformações substanciais recentemente. O tema de felicidade esteve presente no imaginário popular há algum tempo.  Sem medo de ser feliz, lema dos últimos anos, foi e continua a ser um tema hedonista, assim como na China, que leva imensas massas ao consumo.  Conviria, mais do que nunca, uma atenção a Epicuro e à suas reflexões sobre a o bem viver.

Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular do Departamento de História e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas.

Acessar publicação original

Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política – SOARES (RA)

SOARES, Lucas. Enseñar filosofía o filosofía del enseñar: acerca de Platón y la política. Buenos Aires: Tecnos, 2010. Resenha de: BIEDA, Esteban. Revista Archai, Brasília, n.9 p.153-156, jul., 2012.

Ante todo, acordemos un breve marco conceptual. En líneas generales, el objeto de estudio de la filosofía no son las cosas, sino las I que los filósofos se hacen o tienen acerca de esas cosas.  La etimología de la palabra “teoría”da cuenta de esto, dado que tiene que ver con la “contemplación”de algo, con la “visión”que se puede tener de un objeto, de un fenómeno o de una idea: una teoría no es la cosa sino una representación de la cosa. Siguiendo esta línea, la historia de la filosofía probablemente consista en una representación del modo en que tal o cual filósofo se ha representado, a su vez, determinada cosa: estaríamos ante una  representación de representación. La distancia que media entre el historiador de la filosofía y el mundo podría parecer, así, casi insondable. Es por esta razón que algunos han afirmado que hacer historia de la filosofía no es una tarea filosófica sino, a lo sumo, historiográfica. En lo que sigue trataré de mostrar por qué, a mi juicio, el libro de Lucas Soares, Platón y la política, es una prueba que refuta dicha posición: no es sólo un libro de historia de la filosofía sino fundamentalmente un libro filosófico.

Comencemos por la expresión “hacer filosofía”o, mejor dicho, “tener a la filosofía como profesión en el siglo XXI”. La posición más tradicional sugiere que hacer filosofía consiste en la creación de sistemas de conceptos capaces de dar cuenta del  mundo circundante. Junto a este sentido clásico  y restringido hay otro quizá demasiado amplio: si es cierto, como decíamos antes, que el filósofo no trabaja con el mundo sino con las representaciones que tiene acerca del mundo, alguien podría concluir que, en ese caso, cada hombre particular es un  filósofo particular, alegando que las representacio nes son particulares e intransferibles. Si la primera definición de “hacer filosofía”–en tanto creación de sistemas conceptuales– era demasiado estrecha, esta segunda parece demasiado amplia. ¿Qué estadios intermedios hay v.g. entre la intrincada prosa hegeliana y el taxista que se pregunta por las razones de su tristeza? ¿Qué puentes hay entre el plano de la teoría y el de la praxis en lo que respecta a las preguntas filosóficas por antonomasia: “¿qué es el mundo?”, “¿qué es el hombre?”? Vayamos a esto.

En un tratado dedicado al estudio del alma  Aristóteles insiste en que “filósofo”no es quien tan sólo posee conocimientos filosóficos, sino quien se sirve de ellos, quien los teoriza, quien los pone en acción. El hombre que posee conocimientos pero  está dormido o no los utiliza no es filósofo en sentido pleno. El conocimiento por el conocimiento mismo no es una meta aristotélica. Ahora bien, ¿qué hay que entender por ‘utilizar los conocimientos filosóficos’? Cuando Aristóteles se propone definir lo que entiende por “conocimiento”(epistéme), cosa que hace en el primer capítulo de la que probablemente sea su obra más compleja, la Metafísica, señala como característica fundamental su enseñabilidad. Es en ese contexto que sienta la siguiente posición: “signo para distinguir al que sabe del que no sabe es su capacidad de enseñar”(Met. 981b7). Alguien “sabio”no es, pues, quien simplemente posee conocimientos, sino quien es capaz de utilizarlos o actualizarlos, entre otros modos posibles, mediante la enseñanza. Enseñar filosofía es, sin dudas, uno de los puentes que buscábamos, uno de los lazos capaces de unir el mundo de las más abstractas teorías filosóficas y las quizá poco revisadas convicciones de quienes se acercan a la filosofía por primera vez. Un filósofo no es únicamente quien crea sistemas conceptuales complejos sino también quien los comparte pedagógicamente con sus alumnos.

¿Qué tiene que ver todo esto con el libro de Lucas Soares? Pues bien, en él se plasman  esos dos aspectos que, sólo cuando unidos, hacen a la verdadera filosofía: la erudición teórica, por un lado, y el carácter irrenunciablemente  didáctico con el que se la presenta, por el otro. Al conocimiento profundo y exhaustivo de las  diversas representaciones que tuvo Platón acerca de su mundo y, en particular, de su realidad política, Lucas le suma la traducción a un plano donde se vuelve comunicable. Su libro no reposa, inerte, en el limbo de los análisis enrevesados e incomprensibles, sino que se compromete con la transmisión de la letra platónica sin por ello desatender la claridad y accesibilidad para el  lector. Aun cuando es un fino estudioso de los complejos problemas de la filosofía antigua (y  contemporánea), Lucas logra lo que pocos: hacerlo atractivo para cualquiera, dócil a la lectura para quien esté dispuesto a conocer cómo pensó Platón su entorno político y en qué dirección  hubiese querido transformarlo. ¿Significa esto  que estamos ante un manual de filosofía política platónica? De ningún modo, porque el libro no se limita a describir –pretensión del manual– sino que interpreta  mediante una hipótesis rectora  que lo recorre: “nuestra intención es desmitificar tanto la supuesta confianza ciega en la  pintura ideal de gobierno que Platón delinea en República, como el presunto realismo extremo de Leyes. Como se intentará demostrar a lo largo del libro, el pensamiento platónico es un tanto más complejo…”(p.10). No se resume el pensamiento político platónico, sino que se lo interpreta sobre la base de un profundo respeto, tanto por la letra platónica como por los lectores. ¿Y qué es la docencia sino la re-presentación de ciertos contenidos conceptuales, sensatamente dosificados con las propias interpretaciones? Enseñar interpretando, lo que podríamos denominar una “didáctica hermenéutica”, es una de las formas de la filosofía, y es lo que este libro propone.

Hay una idea que me interpela hace ya  varios años: si hoy Platón viviera, no entendería la mayor parte de los libros que se escriben acerca de él. Y esto ocurriría, creo, porque hay quienes identifican “hacer filosofía”con “complicar lo sencillo”. Tantos  papers, libros monográficos,  colecciones de artículos, todos escritos por los  así (auto)denominados “mayores especialistas en  la obra platónica”, se definen, en algunos casos  (porque por suerte hay varias excepciones), por su capacidad para complicar: cuánto más se enroscan los argumentos, más ‘serio’ y ‘valioso’ es el libro.  ¿Desde cuándo la seriedad es eso? ¿Por qué no  volver a los filósofos griegos del modo que proponía Pascal, pensador al que nadie se atrevería a negarle seriedad: “ordinariamente suele imaginarse a Platón y a Aristóteles con grandes togas y como personajes graves y serios; eran buenos sujetos,  que se divertían, como los demás, en el seno de la amistad. Escribieron sus leyes y retratos de política para distraerse y divertirse: esa era la parte menos filosófica de su vida. La más filosófica era vivir sencilla y tranquilamente”(Pensamientos)? Montaigne se lamentaba de un modo similar: “borran de la  historia que el más sabio y el más virtuoso de los hombres, Sócrates, bailaba”(Ensayos).

Desde mi punto de vista, un libro de filosofía no nace cuando es publicado; tampoco cuando es comprado por alguien. Un libro de filosofía nace  cuando es leído. Pues bien, me atrevo a decir que todos esos libros “eruditos”o de “especialistas”no deben tener, a nivel mundial, más de mil o dos mil lectores, lectores entre los cuales, si estuviera vivo, probablemente no se contaría Platón. ¿Por qué no? Porque, como afirma Lucas en su libro a propósito del proyecto político platónico, “el hecho de erigir su primer y mejor orden político como un ideal  inalcanzable en los mismos términos que supone  el modelo (parádeigma), no significa que la  pólis platónica se limite a una mera abstracción teórica, inviable en la práctica y sustraída al devenir histórico, sino que se trata más bien de un horizonte regulativo que apunta fundamentalmente a señalar un nuevo camino y la meta que debería proseguir de allí en más la verdadera política”(pp.232-3).  El genio de Platón no consiste en lo que algunos consideran su ‘idealismo’: el creador de la teoría  de las ideas no fue un idealista, al menos no en  el sentido que hoy le damos al término. El genio  de Platón consiste en su esfuerzo –quizás nunca  definitivamente exitoso– por tratar de comunicar  el plano de lo modélica y anheladamente perfecto con el de lo difuso y corruptible. A eso se refiere Lucas cuando afirma que “Platón nunca emprende su investigación acerca de lo político en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en el análisis  histórico […] y otro puesto en la elaboración de  una alternativa política de cuño personal”(p.229). Parafraseando este pasaje, me atrevo a decir que  ‘Lucas nunca emprende su investigación, sea cual fuere, en abstracto, sino que pone en práctica un abordaje de naturaleza dual, el cual supone un ojo puesto en la transmisibilidad de los problemas a sus alumnos-lectores y otro puesto en la elaboración  de una interpretación de cuño personal’. Muchos  libros que estudian la filosofía antigua son escritos “en abstracto”; el de Lucas, por el contrario, se  concreta en la misión cuasi divina de la enseñanza, de aquello que hace que cada hombre no sea una mónada cerrada sobre sí misma, sin posibilidad de comunicarse con sus pares. Lucas no escribió un libro para él mismo, no lo escribió para regodearse en  un saber que, por ser incomprensible para muchos, sólo lo satisface a él y a unos pocos colegas; más bien escribió un libro que contiene la generosidad intelectual como marca distintiva. A propósito de la misión “cuasi divina”de la enseñanza, me refiero a que el verdadero docente es quien puede tener un ojo puesto en aquello que enseña y el otro en sus alumnos –paridad no siempre tenida en cuenta lo suficiente–. Este lugar ‘intermedio’ es lo que, según Platón, define nada menos que a Éros, semi-dios  encargado de comunicar el plano divino con el  humano. Es en ese sentido que hablamos de “eros docente”: la docencia es una actividad erótica por cuanto supone un tipo de comunicación cimentada en dos deseos que se encuentran: deseo de saber, por un lado, y de enseñar, por el otro. Sin dudas, este libro contiene altas dosis de eros docente.

Ahora bien, ¿dónde se ve todo esto en el  libro? En la mismísima “Introducción”encontramos el siguiente manifiesto: “se procuró equilibrar en el libro un tipo de exposición clara y ágil con el rigor filosófico y la pluralidad interpretativa que el tema amerita”(p.13). La claridad y la agilidad como  contrapropuesta al lenguaje imbricado y ampuloso, pero sin resignar, por ello, rigor filosófico. Pero hay más: “se ha priorizado, tanto en el cuerpo central como en las notas, la utilización de fuentes primarias, las cuales apuntan a brindarle al lector mayores elementos de juicio a partir de apoyo textual “(p.13). Ya en la propuesta, Lucas le advierte al lector que no pretenderá persuadirlo de determinada línea interpretativa: el autor selecciona y presenta al lector su propia interpretación, pero también aquello que considera relevante para que el lector mismo pueda generar sus propias preguntas e interpretaciones. La filosofía está viva porque activa el pensamiento del lector que, si bien asiste a la exposición de teorías ajenas, no por eso es asfixiado con toneladas de bibliografía secundaria y de problemas tan rebuscados como alejados de la letra platónica. Si bien el libro cuenta con un gran número de notas al pie en las que el lector interesado o el especialista pueden  encontrar referencias bibliográficas de toda índole para profundizar los problemas o conocer algunos debates de la crítica al respecto, no es eso lo más interesante que tiene. Porque sí: hay libros de historia de la filosofía que hacen que la filosofía se cierre sobre problemas que, paradójicamente, hacen que el pensamiento se detenga; algo similar a lo que le ocurrió al ciempiés de la madre de Gelman: “Siempre recuerdo una anécdota que me contó mi vieja, una leyenda rusa. Una vez estaba una arañita ahí al borde del camino y pasa un ciempiés. Entonces, la araña le dice: ‘Señor ciempiés, qué complicado, ¿cómo hace para caminar? ¿Con los cincuenta pies izquierdos primero, cincuenta después de la derecha, diez y diez, uno y uno?’. Y el ciempiés se puso a pensar, y no caminó nunca más”(Juan Gelman, Revista Ñ 11/3/2006). El libro de Lucas invita a pensar a Platón pero en marcha, caminando, es decir: leyendo a Platón mismo, y no desde la atalaya de debates anquilosados y estancos. En una entrevista, Fernando Savater afirmaba: “yo creo que uno de los problemas principales del estudio de la filosofía es lograr entender de qué va o, mejor, cogerle la gracia: como los chistes. No es tan fácil. Isaiah Berlin empezó su vida académica como filósofo (era uno de los discípulos predilectos de Wittgenstein) pero luego dejó este primer amor para dedicarse a la historia de las ideas; cuando se le preguntó por las razones de tal cambio, repuso: ‘Es que quiero estudiar algo de lo que al final pueda saber más que al principio (Diario El País, 02/09/2008). Cuando uno termina de leer el libro de Lucas puede tener la certeza de que sabe algo más que antes de leerlo.

En por todo esto que estoy convencido de que, si Platón viviera, sin dudas leería Platón y la política, entendería Platón y la política  y, más importante  aún, lo recomendaría a sus alumnos de la Academia.

Esteban Bieda – Universidad de Buenos Aires – CONICET.

Acessar publicação original

Il Dizionario delle scienze e delle tecniche di Grecia e Roma – COLACE et al (RA)

COLACE, P. Radici; MEDAGLIA, S. M.; ROSSETTI, L.; SCONOCCHIA, S. (Ed.). Il Dizionario delle scienze e delle tecniche di Grecia e Roma, 2 vols. Tradução de Maria da Graça Gomes de Pina. Pisa-Roma: Fabrizio Serra, 2010. Resenha de: D’ALESSANDRO, Tonia. Revista Archai, Brasília, n.9, p.141-151, jul., 2012.

Quando, ao dirigir o olhar para a antiguidade, se fala de ciência e de técnica e se procura configurar as suas dinâmicas de desenvolvimento ou explicitar as suas conquistas mais significativas, respeitando um modelo hermenêutico que mantém viva a separação das ciências da natureza das ciências humanas, em geral, a atenção foca-se, de forma quase exclusiva, em poucas disciplinas, as que fazem rigorosamente parte dos parâmetros convencionais do saber positivo. A tal propósito, não se pode deixar de recordar o já distante e poderoso Dictionnaire des Antiquités grecques et romaines de Daremberg e Saglio (Paris, 1877-1919), cujo corte marcadamente positivista induz os autores a dar relevo apenas ao que responde aos requisitos de uma investigação pura e abstratamente ligada às ‘Ciências da natureza’; noções, mecanismos, definições, termos técnicos, extrapolados do contexto geral em que se encontram inseridos, são analisados com extrema precisão, mas são apenas fragmentos ou restos sem sentido de um saber mais vasto e articulado, que poderiam ter sido iluminados, mas de cujo contexto não há, contudo, nenhum vestígio. Mais próximo de nós é o The Encyclopedia of Ancient Natural Scientists. The Greek Tradition and its many heirs (P. T. Keyser e G. L. Irby-Massie eds., Londres, 2008), que usa um elenco, alfabeticamente disposto, de autores que se ocuparam de ciência; não se dá nenhuma atenção àquele background mínimo feito de interesses múltiplos, hábitos, crenças, usos, questões teóricas, disciplinas pouco definidas que dialogam entre si, necessário para um tratamento orgânico e coerente do que era a ciência e do que representava na antiguidade. No que diz respeito especificamente à tecnologia, parte-se do trabalho pioneiro de R. J. Forbes, Studies in ancient technology (Leiden, 1955-1964) até ao interessante Oxford Handbook of Engineering and Technology in the Classical World (J. P. Oleson ed., Oxford, 2008). Com isto, não se pretende absolutamente desvalorizar o extraordinário trabalho de escavação de especialistas autorais em cada âmbito da ciência antiga, quer-se só realçar que considerar um facto assente uma separação rígida de Naturwissenschaften e Geisteswissenschaften e ter em conta apenas a história das ciências naturais, as técnicas, os artefactos, os instrumentos que Gregos e Romanos aperfeiçoaram, significa não conseguir penetrar no sentido dessa ciência, não transpor o limite da mera, acrítica, recolha e organização cronológica de eventos, dados, autores; significa renunciar a entrar na mentalidade destes povos, nos seus modos de ver e entender o mundo e, enfim, renunciar a apreender “a importância central que a ciência e a técnica tiveram”nas civilizações clássicas.

No Dizionario delle scienze e delle tecniche di Grecia e Roma, coligido por Paola Radici Colace (Univ. de Messina), com Silvio M. Medaglia (Univ. de Salerno), Livio Rossetti (Univ. de Perúgia), Sergio Sconocchia (Univ. de Trieste), a perspetiva e os objetivos mudam e a história das ciências entrelaça-se com a história humana. Esta obra imponente, a meio caminho entre o dicionário e a enciclopédia, chega ao leitor como um quid novi no panorama historiográfico nacional e internacional dos estudos científicos sobre o mundo antigo, quer porque o vê sob vários aspetos quer, principalmente, pela estrutura metodológica da obra, ou seja, pela superação daquela característica sectorial, unilateral e histórico-evolucionista, que desde sempre contradistinguiu o modo como se via o pensamento técnico-científico grego e romano. Os estudiosos que idearam o projeto e que intervieram diretamente na redação de muitos lemas, conseguiram compor, com base numa recolha considerável de informações sobre autores, textos, práticas, processos produtivos, um quadro sinóptico, criticamente fundado, do caminho percorrido pelas ciências e pelas técnicas nas sociedades antigas e do valor que tiveram nelas, sem descurar a interação com o húmus intelectual, cultural, sociopolítico e económico que, nesses séculos, as sustentou. Eles não se limitaram a organizar o material visando a mera recognição dos protagonistas da ciência antiga ou as invenções extraordinárias que o seu génio produziu, nem dirigiram a atenção somente para a aparição de modelos hermenêuticos do mundo natural e humano canonicamente reconhecidos como pertencentes ao território das ciências positivas. Junto a notícias sobre a vida e as obras de personagens famosos ou desconhecidos à maioria do público, a um exame das problemáticas e dos tópicos metodológicos que caracterizam a sua investigação, a uma análise dos instrumentos e dos conceitos, encontram-se no Dizionario pesquisas minuciosas sobre a cultura popular, sobre a arte, sobre a literatura, disciplinas que se intersectam na antiguidade, quer com os chamados saberes técnico-científicos quer com aquele background feito também de superstições, crenças e práticas religiosas de que se alimentavam os Gregos e os Latinos (vejam-se, por exemplo, as entradas Mântica, pp. 656-60, Sonho revelador, pp. 931-3, Pseudociência e crenças, pp. 881-3, feitas por F. Cuzari, ou então, Astrolatria, pp. 204-7, ao cuidado de C. Lupini). Folheando as páginas densas dos dois volumes que constituem o Dizionario, encontramo-nos face a uma exploração a 360 graus da ciência antiga, em que cada lema – no interior do qual se aprecia o trabalho preciso, meticuloso, de análise lexical feito diretamente a partir das fontes – que faça referência a um autor, a uma disciplina, a um instrumento ou a uma técnica produtiva, inserido numa sequência alfabética, acompanhado de notas e de uma bibliografia peculiar, se torna paradigmaticamente representativo dos esforços feitos pelos antigos para explicar racional e globalmente o mundo da physis e de quem a habitava e para poder, se for o caso, intervir sobre ele.

A aspiração a permanecer fiéis ao espírito, à estrutura e às intenções da investigação dos Gregos e dos Romanos conduziu os autores do Dizionario à recusa a encerrar em âmbitos disciplinares apertados as múltiplas formas em que a ciência deles  se declina e a isolá-la, ao retirá-la daquele grande território a que pertence e de onde se origina: o da experiência vivida. Inúmeras disciplinas nasceram, como sabemos, das exigências da realidade quotidiana destes povos, uma realidade que abrange  ocupações ligadas à terra, à navegação, ao cuidado e à criação de animais, à identificação dos segredos das plantas, à procura de soluções para reduzir ou eliminar os sofrimentos, fazer frente às guerras ou às calamidades naturais, mas também ao cultivo do que pode tranquilizar e alimentar a mente: poesia, música e filosofia. Por conseguinte, no Dizionario, a consciência da impossibilidade de reduzir a uma só dimensão qualquer discurso sobre a ciência e sobre a técnica antigas levou os redatores a alargar o espectro das áreas disciplinares comummente tomadas em consideração. Estas tornam-se vinte e nove precisamente pela inclusão de assuntos que, em geral, se inserem no campo das ‘ciências humanas’ e de temas que dizem respeito a agricultura, agrimensura, alimentação, arquitetura, cosmética, fisionómica,  geografia, hidráulica, mineralogia, náutica, arte bélica, pneumática, toxicologia, veterinária, sectores aos quais se atribui dignidade équa aos que sempre a tiveram, tais como, astrologia, botânica, cosmologia, direito, física, lógica, matemática, mecânica, medicina, música, ótica e zoologia. Por um lado,  como se pode facilmente verificar, dedica-se atenção a todos aqueles ‘saberes’ que derivam da especialização e diferenciação progressiva das technai, isto é, daquelas artes que, partindo de um uso empírico e utilitarista, com o tempo atingirão um estatuto pleno de cientificidade, serão ensinadas e se tornarão objeto de tratamento científico; por outro  lado, não se negligenciam aqueles outros ‘saberes’ normalmente pouco investigados pelos historiadores da ciência grega e romana, considerados não nobres, ou, como prefere dizer Rossetti, insensíveis “a níveis altos de racionalização”. Trata-se especificamente  daquele conjunto de conhecimentos, de habilidades profundamente ancoradas na vida quotidiana,  que nunca atingirão o estatuto de ciência e que  eram objeto de trabalhos práticos, de manuais, de prontuários, com objetivo didático ou divulgativo, transmitidos de geração em geração, sobre os quais achamos notícias também nas obras dos poetas e dos trágicos, ou então, num tratadozito qualquer  (que com muita sorte chegou até nós inteiro) ou  em compilações tardias. É exemplar o caso dos  Geoponica – uma espécie de “suma do pensamento agronómico antigo”–, em vinte livros, cuja primeira redação, atribuível a Cassiano Basso, deveria ser  colocada por volta do século vi (E. Lelli, p. 586). Uma empresa editorial de tão vastas proporções e de tão profundo conteúdo científico  certamente não se poderia realizar a não ser através do contributo de um válido e numeroso grupo de  investigação constituído por peritos em sectores  específicos do pensamento científico antigo. O risco de uma deformidade na redação das entradas, no  que concerne ao conteúdo e ao método, presente precisamente pelo estilo diferente e pelo campo  diversificado de interesses de cada colaborador, foi eliminado pela sapiente direção dos organizadores que, sem sacrificar a sensibilidade científica de cada um deles, conseguiram salvaguardar a coerência  e a unidade da obra. Isso revela-se com grande  evidência na construção equilibrada dos lemas e na convergência do trabalho de todos para um projeto inspirador comum: dar uma imagem da ciência e da técnica grega e romana, ao mesmo tempo histórica e crítica, aderente à mentalidade e à vida dos antigos.

Num projeto tão ambicioso, que com as suas 421 entradas promete um tratamento completo  dos aspetos que conotam as técnicas e as ciências antigas e dos seus resultados, sente-se contudo a ausência de fichas, que talvez encontrassem um lugar preciso no Dizionario, dedicadas a noções tais como arte, corpo, techne, cor. Quanto à arte, se é verdade que se trata amplamente da arquitetura e que se faz um pequeníssimo aceno à pintura, não se menciona de todo a escultura, que na antiguidade tem uma relação íntima com a matemática, a anatomia, as técnicas de manufactura dos materiais, etc. Algumas indicações interessantes sobre as metodologias de pesquisa dos antigos poderia ter sido obtida de lemas que não foram tidos em conta, tais como  experimento/experimental, dado que uma certa forma de experimentação, mesmo que ocasional, se encontra  na ciência grega e romana; encontramos vestígios dela na medicina já no Corpus Hippocraticum, na física, na ótica, na pneumática e em outras disciplinas. Maravilha-nos também, face a uma vasta recognição de máquinas, mecanismos e instrumentos, o silêncio sobre o calculador de Antikyithera (cuja descoberta se cita demasiado rapidamente no ensaio de V. Tavernese, Fortuna e valutazioni della scienza e della tecnica antiche nel pensiero medioevale, moderno e contemporaneo [Fortuna e avalia ções da ciência e da técnica antigas no pensamento medieval, moderno e contemporâneo ], p. 1338) e sobre o  mesolábio de Eratóstenes. Analogamente, um tratamento mais amplo dos cientistas de relevo indubitável para o crescimento de algumas ciências particulares, tais como, só a título de exemplo, Amónio de Alexandria, Antígono de Niceia, Astrâmpsico, Porfírio de Tiro, Trasilo de Alexandria, teria maiormente satisfeito a curiositas que impele o leitor para o assunto declarado, isto é, ciência e técnica.

Escolher a organização por lemas torna certamente os volumes fáceis e rápidos de consultar e distribuí-los por estudiosos de competência  comprovada é garantia de exame preciso e aprofundado do seu conteúdo. Todavia, a grande margem de ação deixada aos autores de cada entrada, que em geral é uma ótima pré-condição para enfrentar qualquer pesquisa, revela-se por vezes uma faca  de dois gumes. Se considerarmos, por exemplo, a  entrada Medicina,  quem escreve, antes de entrar  no busílis da questão, detém-se por algum tempo em problemáticas de carácter geral, certamente  interessantes e derivadas de estudos cuidadosos e profundos, mas que, na verdade, não têm grande  relevância para o assunto tratado. Começa-se com um excurso sobre a cultura latina, que se formou  em modelos gregos, continua-se com um elenco da documentação relativa a algumas das disciplinas mais significativas  (astronomia, astrologia, etnografia)  para tentar provar a interconexão existente, também neste caso, entre a era grega e a latina. Uma ligação que se torna mais evidente em âmbito médico. Estaríamos, portanto, à espera de um exame bem mais aprofundado e alargado das características peculiares da iatrich è techne, sobretudo a partir das suas origens helenistas. Mas aqui a análise apresenta-se pouco penetrante, limitando-se o colaborador a uma escassa apresentação de alguns aspetos da medicina grega. Após ter realçado as relações de dependência da medicina egípcia e a sua autonomia de quaisquer elementos mágico-religiosos, ele esboça alguns  aspetos gerais da medicina hipocrática, evidenciando nela o nascimento de algumas especializações  (fisiologia, anatomia, ginecologia). Pelo contrário, com mais amplidão e de maneira precisa e bem  circunstanciada, o autor fala da medicina romana – considerada quase um decalque da grega, pelo menos até ao século i – e dos seus caracteres essenciais, chamando a atenção não só para a formação da  linguagem m é dica, em grande parte vestígio da helenista e, por isso, “ponto de vista privilegiado para um estudo da língua latina”(p. 678), mas também para os contributos doutrinais e críticos de Celso, Escribónio Largo e para a centralidade da obra de Galeno, promotor e defensor da doutrina hipocrática. A ficha está cheia de reenvios para as entradas (cerca de 46) do Dizionario em que se trata mais amplamente dos protagonistas da medicina greco-romana e de algumas noções específicas que constituem o seu esqueleto. Vejam-se, por exemplo, as entradas Anatomia  (pp. 109-12),  Fisiologia  (pp. 544-8),  Terapêutica médica e veterinária (S. Sconocchia, V. Scipinotti, pp. 973-6), Cirurgia (S. Sconocchia, D. Monacchini, pp. 304-12), que englobam as subsecções: C. celsiana, Gli interventi chirurgici, Un intervento di litotomia secondo la descrizione di Celso [ C. Celsiana, As intervenções cirúrgicas, Uma intervenção de litotomia segundo a descrição de Celso ]. Também se poderia citar a  Veterinária (V. Scipinotti, pp. 996-1007), considerada um autêntico ensaio sobre o assunto. Em cada uma destas entradas, aprecia-se especialmente a tentativa, bem conseguida, de conjugar a recognição de dados, autores e textos  com relevos de tipo metodológico, histórico e ético. Todavia, convém dizer que uma análise detalhada e maiormente incisiva teria servido certamente para melhorar as fichas dedicadas a Díocles de Caristo (F. Fiorucci, pp. 373-4), Herófilo (refiro-me, em especial, ao pequeníssimo § 3., s. v. medicina, realizado por D. Crismani, pp. 455-6), e mesmo a Galeno (D. Crismani, D. Monacchini, pp. 554-6), pois algumas das conquistas metodológicas, teóricas e práticas de tais médicos infelizmente ficaram embotadas. Sobre as pesquisas destes médicos recebemos claramente informações maiores do que as que aparecem nas fichas que lhes são destinadas, ao lermos outras  entradas para as quais somos conduzidos seguindo as indicações do Glossário, o qual cumpre plenamente a tarefa de exaltar os nexos entre os diversos campos de investigação e a de enfrentar cada assunto ou noção de maneira transversal. Apesar disso, alguns temas são só esboçados, outros são ignorados.  Refiro-me, sobretudo, às investigações levadas a  cabo tanto por Herófilo quanto por Díocles sobre  as perturbações mentais 1 e sobre os sonhos 2, além de sobre as inovações que ambos introduziram no campo do vocabulário médico e sobre os protocolos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos que  adoptaram. No que diz respeito a Galeno, segundo as finalidades do Dizionario, talvez fosse oportuno evidenciar as íntimas inter-relações entre diet ética, ética e política. Mas só pequenas referências, quase de fugida, se fazem à psicologia e à psicopatologia e não se fala absolutamente do que Galeno sabia de lógica, de geometria e de arte 3. Mais ainda: apesar de se tratar com amplidão das pesquisas e das ‘demonstrações’ efetuadas pelo médico de Pérgamo no campo da anatomia e da fisiologia normais e patológicas e de se voltar bastantes vezes à prática da dissecação e da vivissecção, não se dá o merecido relevo àquele método de investigação, na verdade introduzido  por Herófilo – como bem evidenciou L. Radici (s. v. Herófilo de Calcedónia, §. 2, pp. 454-5) –, fundado em procedimentos baseados num experimentalismo de tipo quantitativo. Um tema, este, que galvanizou o interesse de numerosos estudiosos a partir de  Claude Bernard que, na sua Introduction à l’ étude de la médecine expérimentale (Paris, 1865), considera Galeno o pai “de la méthode expérimentale ”, dando razões para esse atributo. Também se poderiam  mencionar os estudos de J. S. Wilkie, Galen’s experiments and the origin of the experimental method (D. J. Furley e J. S. Wilkie, Galen on respiration and arteries, Princeton, 1984, pp. 47-57), de A. Debru (L’ éxperimentation chez Galien, W. Haase ed., ANRW, vol. 37.2, Berlin, 1993, pp. 1718-56) ou de M. D. Grmek (Il calderone di Medea. La sperimentazione  sul vivente nell’antichità, Bari, 1996).

A presença das chamadas  defaillances  não  invalida, todavia, o valor e o conteúdo científico  do Dizionario porque, consultando as entradas, na grande maioria dos casos se fica positivamente maravilhados pela riqueza e qualidade das informações, pela subtileza das análises e da abordagem metodológica. Normalmente, os assuntos examinados são tratados de forma meticulosa, as interpretações são passadas pelo crivo crítico e os instrumentos filológicos são sabiamente empregues para desambiguar dados, formas de saber e atividades, ou para fazer luz sobre os efetivos contributos teóricos e/ou práticos de alguns autores aquando da afirmação e do progresso também daquelas ciências não codificadas que começaram a desenhar-se como tais no denso tecido da cultura antiga.

Particularmente apreciável, do ponto de vista estratégico para a composição e distribuição dos  conteúdos, é o escamotage dos frequentes reenvios, técnica feliz, graças à qual o material pesquisado é retirado do seu isolamento, construindo-se uma espécie de trama que liga os assuntos dotando-os de unidade e continuidade e, ao mesmo tempo,  aumentando de maneira exponencial o acervo de  informações disponíveis para quem quer aprofundar ou clarificar os seus aspetos específicos. Em  tal sentido, poder-se-ia dizer, com razão, que cada página do Dizionario pretende constituir uma espécie de mapa intertextual que o próprio leitor desenha: este não recebe passivamente as informações, mas pode (servindo-se também do guia imprescindível e profícuo oferecido pelo Glossário), em função dos próprios interesses ou das curiosidades que quer  satisfazer, dirigir a investigação e decidir das etapas do seu percurso de pesquisa. Pensemos na entrada Matemática (F. Marcacci, pp. 662-5), onde se percebe realmente o proveito que se obtém em termos de profundidade de análise, de unidade conceptual,  até de originalidade dos conteúdos, da organização reticular de que falámos. Ao delinear e discutir  as características gerais de tal disciplina, as suas  distinções internas e diferenciações progressivas,  as relações que possui com a filosofia, os âmbitos de pesquisa que a distinguem, os problemas ligados à periodização, a autora frequentemente insere  links para outros lemas em que se trata mais clara  e pormenorizadamente de filósofos e cientistas,  noções, conceitos, disciplinas, temas que têm a  ver com a matéria examinada. Obtém-se no conjunto um quadro muito articulado e analítico dos  desenvolvimentos do saber geométrico e aritmético e desenvolve-se no leitor a ideia de uma comunhão específica e interdisciplinaridade dos saberes.

Portanto, são duas as vantagens que a escolha organizativa inteligente dos links oferece: uma de natureza epistemológica, dado fornecer grandes  quantidades de notícias e conhecimentos, a outra axiológica, pois se finalizam todos os discursos à  definição, compreensão e conservação não fragmentária de um património cultural de inestimável valor.

São exemplares, em relação a este último aspeto, algumas macro-entradas, autênticos ensaios de dez/vinte ou mais páginas, não destituídas de valor pelo modo como se recuperam fontes descuradas ou não adequadamente interpretadas da literatura de sector, também ela em mais do que uma ocasião  amplamente discutida, de onde a abertura de perspetivas hermenêuticas insondadas. Por exemplo, tais são as entradas:  Astrologia, que se completa com  as correlativas  A. literatura da Grécia e de Roma,  A. metáforas, A. compêndios e compilações, A. manuscritos, A. léxico. (P. Radici Colace, pp. 207-20), Astronomia (C. Santini, pp. 220-38), Cosmologia (L. Rossetti, pp. 330-56), Direito (G. Crifò e L. Rossetti, pp. 376-95), Geografia (P. Janni, pp. 558-78), Caça (O. Longo, pp. 263-77), Construção Pública nas suas diversas especifica ções, C. comemorativa, C. comercial, C. privada, C. pública, C. desportiva e recreativa (P. Radici Colace, S. Pirrotti, pp. 406-526), Ó tica (S. M. Medaglia, pp. 752-62).

Assim, lendo, por exemplo, a entrada Execução musical (S. Grandolini, pp. 457-70), inicia-se uma viagem ideal que percorre a história da poética antiga a partir de Homero, em que, com abundância de pormenores, com uma análise minuciosa apoiada nas fontes, a autora nos informa da idade, do sexo dos cantores, dos lugares, da ocasião, da decoração cenográfica, da situação histórica, do roupeiro, até das diatribes entre poetas; além do mais, liga a  mudança de gosto musical e as inovações métricas e rítmicas à invenção de novos instrumentos de  acompanhamento ou à modificação dos velhos.

Por conseguinte, não é um mero elenco de teorias, instrumentos, descobertas, mas sim um exame antropológico, crítico e histórico onde teorias, instrumentos e descobertas ganham sentido e finalidade. Um interesse análogo suscita a entrada Náutica (P. Janni, pp. 715-28), um campo pouco conhecido e explorado pelos cultores da tradição clássica. Graças a uma recognição precisa dos subsídios que provêm das descobertas arqueológicas, da iconografia, das fontes literárias, da fotografia subaquática, etc.,  somos projetados para o mundo fascinante dos métodos de construção das embarcações, mas também para o das viagens, da geografia, da política, da  guerra, da economia, para ver como estes âmbitos estão inseparavelmente ligados e como cada um  deles pode apresentar material idóneo para fazer  luz sobre os outros.

Agrada-nos também a já citada entrada  Astronomia (C. Santini, pp. 220-37), particularmente atrativa pela riqueza de temas, teorias, personagens, textos analisados, onde se v ê claramente o conhecimento do autor de literatura técnico-científica grega e sobretudo latina. Com mão certa, e prestando  a devida atenção às fontes literárias, filosóficas,  científicas, às ligações entre os conhecimentos  próprios do mundo greco-latino e os dos outros  povos, Santini reconstrói histórica e criticamente a evolução do saber astronómico das suas simples e, se se quiser, ambíguas expressões, até à aquisição de uma organização sistemática apoiada em bases matemáticas. Nas páginas densas em que se articula a entrada, nunca se perdem de vista a complementaridade entre a Astronomia e a esfera humana,  nem a aspiração didática e/ou divulgativa que  conduz alguns dos que foram, de certo modo e por várias maneiras, seus protagonistas, nem, por fim, se negligenciam as diversas conotações e valências que tal disciplina ganha no encontro com culturas específicas e formas de poder político particulares. Passamos, assim, por uma astrometeorologia, uma astronomia filosófica literária, científica, em suma, uma astronomia que serve o poder, que “de ‘literária’ se torna ‘cortesã’”(p. 237).

De grande valor é a entrada Farmacologia (S. Sconocchia, D. Monacchini, M. A. Cervellera e M. Baldini, pp. 486-518), onde, após alguns esclarecimentos sobre o significado do termo – impostos pelas valências não unívocas que pharmakon e pharmakeia adquirem no tempo e em diversos contextos –, graças a um meticuloso trabalho de escavação efetuado sobre as fontes antigas, do Corpus Hippocraticum até Celso, Escribónio, Plínio o Velho, Marcelo Empírico et al., e também sobre as recolhas de  simplicia, sobre os receitários e as receitas de medicamentos, se realiza uma atenta e precisa classificação e descrição da natureza, do uso e do valor terapêutico dos medicinais extraídos do mundo vegetal, do  reino mineral e animal; portanto, passa-se depois a analisar alguns tipos de medicamentos compostos, para acabar nos Realien farmacêuticos, representados pelos laboratórios e pelas oficinas utilizadas para a preparação dos fármacos e sobre os contentores onde eram conservados.

Não se pode deixar de evidenciar também a perspetiva de investigação original que caracteriza os artigos dedicados à Filosofia, em geral pouco considerada em estudos científicos, mas omnipresente na cultura antiga. Além da explicação e focalização de algumas noções fundamentais – partindo do  próprio termo-conceito  Filosofia  (L. Rossetti, pp.  522-31) até ao de Lógica (F. Marcacci, pp. 641-6), que teve no tempo múltiplas conotações antes de especializar-se, no pensamento moderno, em formas bem diversificadas – muita atenção é dedicada aos grandes protagonistas do pensamento grego e latino. Viaja-se do Orfismo aos Pré-socráticos, de Platão a Aristóteles a Epicuro, a Lucrécio, Plotino, Séneca, Agostinho, nos quais a inspiração filosófica se entrelaça com a inclinação para tratar temáticas ligadas ao mundo das ciências. Em especial, as fichas que dizem respeito a Platão (L. Rossetti e P. Tarantino, pp. 836-43), Arist ó teles (L. Rossetti, F. Marcacci e M. Vegetti, pp. 185-92), e também a Tales (L. Radici, F. Marcacci e L. Rossetti, pp. 961-6) e Zen ão (L. Rossetti e F. Marcacci), dividem-se numa série de subsecções organizadas por autores diversos e, longe de serem um mero seco repropor, à maneira dos manuais, dados biográficos, conceitos que são o fundamento das doutrinas dos citados filósofos, ou um elenco esquemático dos contributos que deram ao desenvolvimento das ciências, como seria de esperar de um Dicionário, representam uma releitura do significado completo da investigação destes mestres antigos, reconstruída pari passu, sector por sector, segundo várias angulações e diferentes pontos de vista. A estrutura ‘coral’ (usada com sucesso também nas entradas não filosóficas como, por exemplo, na já citada Farmacologia) parece-nos uma carta bem jogada. De facto, finalizada a leitura da ficha inteira, não se sente nenhuma desarmonia entre as partes, tem-se antes pelo contrário a impressão de estar  no centro de um debate vasto e aceso – do qual se fornecem as coordenadas textuais e críticas –, em que nenhum conhecimento pode ser tomado como definitivo; além do mais, toma-se consciência de que algo de novo, que afasta dos costumeiros clichés, se pode ainda descobrir e dizer acerca de personagens tão estudadas.

Uma prova do sucesso de tal abordagem metodológica é, em especial, a entrada Aristóteles, já antes referida, onde o Estagirita é apresentado num modo que não encontra igual na literatura corrente. O relevo dado à sua metodologia e à organização dos âmbitos de pesquisa; a identificação dos antecedentes e dos objetivos do seu trabalho; o papel central que o filósofo atribui ao Direito comparado e à matemática; a atenção aos seus escritos de  carácter jurídico; a inserção das investigações lógicas e científicas num plano de compreensão global do mundo humano e natural, são  só alguns dos  momentos de um exame do pensamento aristotélico levado a cabo de maneira problemática e crítica. O discurso dos autores, que passa por momentos de grande originalidade, está particularmente atento  a não desarticular as reflexões de Aristóteles do  ambiente em que se formou e a descontaminá-lo  também das revisitações dos seus discípulos diretos ou daqueles imediatamente sucessivos.

Neste caso, como em outros em que a disciplina tratada se distribui por diversos especialistas, percebe-se a peculiaridade da organização do Dizionario, que pretende harmonizar a sensibilidade científica de cada autor e, ao mesmo tempo, salvaguardar a coerência interna das entradas. Empresa não fácil, que pediu a direção atenta dos quatro estudiosos que orientaram os trabalhos; todos, tecelões críticos e perspicazes, conseguiram fazer convergir estrategicamente no Dizionario os resultados de anos de pesquisa de uma fecunda équipe de connaisseurs da literatura técnica e científica grega e romana; hábeis também na construção balanceada dos lemas e na sua uniformização ao projeto comum inspirador:  apresentar o saber científico greco-romano na sua totalidade, unidade e progressiva diferenciação  em disciplinas propedêuticas à s que nós hoje encontramos como possuidoras de um estatuto e de uma identidade próprias, “construir um quadro do desenvolvimento integrado do pensamento científico e técnico”(p. 10). Integração que não quer dizer dissolvência das ciências na cultura geral dos antigos, devida à precariedade e à imprecisão dos seus confins, mas sim religação a essas relações que se fundam em novas bases, abrir o caminho a novas investigações, vencer a preguiça intelectual que  encontra conforto e sossega com o já dado, no já dito, nos esquemas impostos por uma tradição que no fundo já não tem sentido.

Se procuramos as provas de como uma tal  atitude dá concretamente frutos preciosos e duradouros, basta considerar uma das mais importantes conquistas epistemológicas do Dizionario, ou seja, a revalorização, bem documentada, da dimensão  científica contida na filosofia pré-socrática muito  frequentemente marginalizada pelos historiadores  da ciência. De Tales (L. Radici, F. Marcacci, L. Rossetti, pp. 961-6), unilateralmente apresentado pelos filósofos como o archegos sophos (Arist. Metaph. A, 3983 b20) que identifica na matéria os princípios de todas as coisas (b7) e pelos cientistas como  astrónomo e matemático, graças a uma recognição meticulosa das fontes até ao corrente pouco analisadas, foca-se o alcance filosófico e o sentido global de uma investigação com múltiplos aspetos, de um saber complexo que se desenvolve num ambiente  que ainda não tem ideia das especializações disciplinares. Discurso análogo vale para Anaximandro, Anaxímenes, Empédocles, Anaxágoras, Demócrito e para todos os Pré- socráticos, intelectuais com  interesses variados, que estudam cosmologia e astronomia, meteorologia, medicina, matemática, que são inventores e defensores de teorias destinadas a sobreviver por muito tempo, mas sobretudo são sophoi, que progressivamente irão idear técnicas  lógico-retóricas e estratégias de comunicação idóneas à defesa da validade do modelo interpretativo da realidade que propõem.

Embora corram o risco de suscitar perplexidade naqueles leitores não participantes do trabalho, que se formaram com a ideia do escasso peso científico das teorias dos Eleatas, o lugar relevante que os autores do Dizionario atribuem a estes filósofos é amplamente justificado pelos interesses que estes tiveram em relação a temáticas que concernem ao mundo da natureza, à matemática, à medicina, à  astronomia, à cosmologia, à meteorologia, que foram para os antigos aspetos plenamente integrantes da cultura de um  sophos, tal como o é a construção  de um discurso que pretende apresentar-se como  científico. De facto, os Eleatas começaram a definir estruturas argumentativas e artifícios lógico-retóricos finalizados à demonstração da validade/ verdade das próprias teses e a torná -las inatacáveis. O poeta e filosofo Xenófanes (D. Panchenko, pp. 917- 9), observador perspicaz da realidade natural e dos fenómenos celestes, pressupõe, com base em dados evidentes, que a arché – isto é, aquilo de onde tudo provém e para onde tudo regressa – é a terra; procura encontrar explicações plausíveis para a sua grandeza e posição, esforça-se por dar conta dos eclipses, do nascer e do pôr do sol, das fases lunares, da formação das nuvens. Parm é nides (L. Rossetti, F. Marcacci, pp. 779-82), recordado como o primeiro filósofo que  raciocina sobre o ser e como pai do princípio de não-contradição, escreve o seu poema Sobre a natureza usando uma concatenação de deduções e conclusões, prelúdio de um pensamento demonstrativo de tipo apodíctico. Como se pode verificar por uma leitura direta do que ficou da sua obra e de uma tradição de segunda m ã o, o Eleata não desdenha ocupar-se de cosmologia: de facto, cria a hipótese de uma terra no centro do universo, procura explicações sobre  como esta é iluminada e aquecida pelo sol, deteta faixas climáticas, interroga-se sobre o fenómeno da luz lunar e, em geral, sobre quais são as relações existentes entre o nosso planeta e os outros corpos celestes. Parménides, como se verifica por uma  inscrição encontrada durante as escavações de Eleia em que ele é indicado como o ouliades physikos, é também m é dico – o epíteto oulis iatros é atribuído a outros médicos da mesma cidade que viveram em épocas sucessivas, algo que até poderia induzir a  pensar que fora precisamente Parménides o primeiro a introduzir na sua comunidade tal disciplina – e  sente particular interesse pelos problemas ligados à reprodução humana e às condições que predispõem a ter, ou não, uma caracterização sexual bem definida. Poder-se-ia, talvez, considerá-lo pioneiro daquela especialização médica que hoje chamamos de genética, como sugere L. Rossetti? Zenão (L.  Rossetti, F. Marcacci, pp. 1028-30), inventor da  dialética segundo Hegel, cujos paradoxos encontraram lugar na história da matemática, porque  com base numa certa leitura levantam dificuldades ligadas quer à noção pitagórica de número quer à de pluralidade, parece ter dado início a uma perda de fisicalidade de tal disciplina e a uma reflexão sobre as grandezas infinitesimais. Melisso (F. Marcacci, p. 683) usa de maneira consciente e controlada “regras de inferência para uma argumentação apodíctica”, como se deduz dos fragmentos 7 e 8. Para provar a absoluta indivisibilidade e unicidade do ser, em cujo domínio faz reentrar também a natureza, serve-se de um tipo inovador de raciocínio fundado em teses contra a evidência dos factos, que não encontrará decerto a aceitação de Aristóteles.

Mesmo os três ensaios que encerram o Dizionario s ã o dignos de nota. A estes é confiada uma função ‘arquitectónica’, no sentido que têm a tarefa de ligar criticamente o conjunto de informações  apresentadas.

  1. Rossetti, no seu Nas origens da ideia ocidental de ciência e técnica (pp. 1291-315), afastando-se por alguns aspetos da communis opinio, que atribui a Platão e a Aristóteles a distinção entre ciência e técnica e a organização do  saber em  âmbitos específicos com  margens metodologicamente bem  nítidas, encontra na reflexão dos Pré-socráticos  “os núcleos originários da formação das ciências”. Exemplar é o caso de Demócrito, autor de muitíssimos tratados, que vão da geografia, à medicina, à música, à pintura, etc., cuja composição certamente requereu “competência especializada e uma ideia de ciência precisa”. Se andarmos um pouco  para trás no tempo, encontramos Hecateu, discípulo de Anaximandro que, embora tivesse herdado conhecimentos dos predecessores, tende a marcar as distâncias entre o seu saber especializado e as narrações ridículas dos Helenos (fr. A 1.1 Jacoby), e ainda Anaximandro, Anaxímenes, “especializados em fornecer um saber sobre o mundo no seu conjunto”e sobre os seus variados aspetos particulares.

Não só. Daquelas fontes que nos legaram um Tales amante da geometria, que trabalha com ângulos, retas e  triângulos, um Parménides que fala de esfera, um Anaximandro que cria uma terra de forma cilíndrica, deduz-se claramente como “uma matemática, uma geometria, começaram a constituir-se já durante  o século  vi  a.C.”. Dentro de uma construção bem  articulada e precisa do ponto de vista histórico e crítico, Rossetti encontra e passa pelo crivo todos aqueles indícios que levam a pensar que “a ideia  de ciência e de técnica ganha forma na época dos Pré-socráticos”. De facto, isso seria provado pela  invenção da prosa e a publicação de textos em  que se procura dar conta do próprio saber e/ou de habilidades profissionais especiais, pela valorização da escrita no couro, recurso seguro para a construção de uma comunidade científica, pela tendência a certificar as próprias teorias ou a invalidar as de outrem, pela afirmação de um pensamento abstrato, pela produção de doxai em conflito. Fora do terreno batido é também o percurso que o nosso estudioso faz da chamada passagem do mito ao logos e a discussão sobre as relações entre as ciências egípcia, babilónica e grega.

  1. Radici Colace, em Metáforas da ciência e da técnica (pp. 1317-22), detém-se brevemente sobre a função das metáforas e do falar por meio de imagens que, nascidas no seio da linguagem comum ou das artes pobres, refluem para a científica. Carregada de valências epistemológicas e técnicas, desta última escorrem depois, com significados análogos ou diferentes, para os vários âmbitos da cultura grega e romana, sobrevivendo por vezes em época cristã. Quase de relance, a estudiosa enfrenta o problema espinhoso do uso metafórico do vocabulário médico a nível político e de como esse pode representar uma chave hermenêutica segura para a compreensão de passagens cruciais de algumas tragédias. Exemplos paradigmáticos de vocábulos que são colonizados pelos mais diversos âmbitos do saber, destinados, sem quererem, a unir “mundos incrivelmente distantes”, são pithos, chalcheus, demiurgos, originariamente pertencentes ao mundo “do artesão e do trabalhador braçal”; mas pode-se pensar também no termo diktuon, rede de pesca, inserido até na “macrometáfora da conquista das almas no Evangelho”.

Da transmissão e fortuna da ciência e da  técnica grega e latina ocupa-se V. Tavernese, em  Fortuna e valorização da ciência e das técnicas antigas no pensamento medieval, moderno e contemporâneo (pp. 1323-43). Nas suas páginas o estudioso empenha-se num trabalho complexo de reconstrução do percurso feito pelas ciências e pelas técnicas  antigas, passando pela cultura árabe até aos nossos dias, através da menção de posições de alguns filósofos e cientistas. A multiplicidade e parcialidade dos modos de entender e avaliar as conquistas técnico-científicas dos antigos depende, a seu ver, de métodos interpretativos viciados pela ideologia e pelos “nexos especulativos”; obstáculos, estes,  superáveis pelo “desenvolvimento do conhecimento histórico-crítico da literatura científica e técnica  antiga”e pelos principais problemas teoréticos,  necessários “a uma melhor compreensão do papel da técnica no mundo moderno e contemporâneo”. Seguramente lúcida, finamente articulada e de clara matriz filosófica é a análise levada a cabo por Tavernese, embora não contemple um aprofundamento daquela relação interessante que se tem entre a  técnica antiga, as suas descobertas e os usos que deles se fizeram em laboratórios científicos e nas  oficinas de épocas sucessivas. Além disso, é indubitavelmente suportado e partilhável no seu incipit o juízo, acima citado, acerca da necessidade de  potenciar os conhecimentos relativos à literatura  técnico-científica; todavia, a asserção peremptória, como coda ao ensaio sobre a utilidade de tais conhecimentos para uma melhor compreensão do mundo moderno e contemporâneo, talvez necessitasse de alguns esclarecimentos pois poderia ser entendida por um leitor pouco experiente como o reflexo de um modo de pensar anti-histórico, há muito superado, que acaba por privar o pensamento científico antigo da própria autonomia e unicidade. De outros lugares, e há mais tempo (Momigliano, Finley, Lloyd, Cambiano), convida-se a receber uma perspetiva  de investigação que visa compreender e valorizar  o saber científico dos antigos pelo que era por si mesmo, irredutivelmente outro em relação à ciência e à técnica do mundo moderno e contemporâneo.

O Dizionario  é acompanhado por um índice  completo das entradas (pp. 17-20), um  Glossário (organizado por P. Radici Colace, pp. 1187-274, de cuja utilidade e função se falou), uma vasta bibliografia de cerca de 4000 títulos, que inclui muitos dos mais recentes estudos sobre o pensamento científico antigo (pp. 1039-185) e uma apresentação sintética dos autores, dos seus interesses e dos lemas que  cada um escreveu (pp. 1275-88).

Para terminar,  é verdade que por vezes se  sente uma espécie de desequilíbrio entre certas  entradas, no que diz respeito aos conteúdos e às  modalidades da análise, mas é também verdade que a grande maioria delas corresponde plenamente às linhas programáticas do  Dizionario. Alguns lemas  de um certo relevo, como se disse, não foram tomados em consideração, outros foram enfrentados de maneira sintética, outros ainda poderiam até  fazer surgir dúvidas acerca da pertinência da sua  inserção na obra. Por outro lado, o Dizionario deixa-se apreciar por toda uma série de características, sobretudo pelo fatigante e preciso trabalho de  arranjo, recolha e discussão crítica de fontes dificilmente identificáveis ou adequadamente valorizadas noutros lugares, pela riqueza e complexidade dos  temas tratados, pela distância de quaisquer formas de esquematismo expositivo rígido sem  pathos, que nos trabalhos científicos costuma levar a tratamentos pouco empáticos. Talvez não encontremos definições nítidas e precisas, que são o estigma  da matriz à ‘dicionário’; talvez devamos procurar,  consultando mais do que uma entrada, detalhes  técnicos ou aprofundamentos que não sobressaem no lema destinado; faltará também aquela descrição simples e linear das descobertas e dos instrumentos de teor positivista que tanto agrada a alguns leitores. Facto está que, pelo contrário, teremos ampla liberdade de ação na pesquisa, seremos solicitados a ir além do que se pode encontrar no Dizionario, que mentaliza e educa a interpretar a ciência e a técnica como uma atividade entre tantas outras,  teóricas e práticas, às quais os antigos se dedicavam e que se podem redescobrir e compreender só se não forem setorizadas e se não realizarem abstrações e extrapolações deletérias e anti-históricas; seremos encorajados a seguir um método de investigação  histórico e crítico que, permanecendo ancorado na experiência vivida pelos Gregos e Romanos, na sua cultura geral, proceda pelo percurso acidentado de constituições e transmissões, em várias formas, de ‘saberes’ originariamente destituídos de quaisquer  pretensões de cientificidade, até chegarem ao  estatuto de ciência. Por todos estes aspetos e por aqueles evidenciados anteriormente, o  Dizionario pode considerar-se um reference-work imprescindível no que diz respeito à ciência e à técnica antigas, válido seja qual for a formação, o interesse específico ou a intenção de quem o usa.

Notas

  1. Para Herófilo, cf. frag. 211, H. von Staden, Herophilus: The Art of Medicine in Early Alexandria, New Haven 1989. Díocles fala expressamente de frenite, melancolia e mania, cf. frag.s 38, 39, 40, 41, 42, 43, 96, 110, M. Welmann, Die fragmente der sizilischen Aerzte, Berlin, 1901. Cf. também Ph. van der Eijk, Diocles of Carystus: a Collection of the Fragments with Translation and Commentary, 2 voll., Leiden 2000-2001, n. 72 vol. 1 e vol. 2, pp. 144-148.
  2. Em Herófilo encontra-se uma bem precisa e detalhada teoria dos sonhos. Cf., Diels, Doxographi Graeci = Aet. Plac. V, p. 416. Para Díocles de Caristo, veja-se frag. 141 Welmann.
  3. No que diz respeito aos conhecimentos de Galeno nestes campos, cf. K. Kalbfleisch (ed.), Galen. Institutio logica, Leipzig, 1896; De usu part., C. G. Kühn, Claudi Galeni opera omnia, Leipzig 1821-1833 (reed. anastática Hildesheim 1997), III, 830; De med. meth., Kühn, X, 36; De opt. corp. nostr. const., Kühn, IV 743- 745; De Plac. Hipp. et Plat., Kühn, V, 449, 2-3.

Tonia D’Alessandro – Università di Bari.

Acessar publicação original

 

Platão. Helenismo e diferença – AZEVEDO (RA)

AZEVEDO, Maria Teresa Nogueira Schiappa de. Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos. Coleção Archai. São Paulo: Annablume Clássica, 2012. Resenha de: OLIVEIRA, Francisco de. Revista Archai, Brasília, n.9, p.137-140, jul., 2012.

A obra “Platão. Helenismo e diferença. Raízes culturais e análise dos diálogos “aparece publicada sob patrocínio do grupo Archai, consagrado como Cátedra Unesco Archai, que se dedica às origens do pensamento ocidental. A editora é a AnnaBlumme Clássica, de São Paulo, de cujo conselho editorial faz parte o colega e amigo Gabriele Cornelli, que  saúdo também como presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos e enquanto cooperante com o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra, em cujo âmbito foi  elaborado o belo texto que tenho a honra e o prazer de apresentar.

E começo por me referir à sua autora, Maria Teresa Schiappa de Azevedo, que é bem conhecida pela inteligência, argúcia, capacidade crítica e  escrita escorreita e elegante. Além disso, trata-se de uma investigadora que domina como poucos a obra de Platão, por um contacto de longos anos em estudos e traduções sempre de elevada qualidade, numa abrangência e aisance que logo são percetíveis na questão sempre difícil da cronologia da obra  platónica, cuja discussão nas p.21-31 é um exemplo de análise especialmente conseguida e com grande capacidade crítica e espírito sintético, na linha de Cornford, embora divergindo dele quanto ao Fedro e ao Crátilo (cf. p.29).

E não se trata de um simples rememorar desta velha questão, pois um dos mais profícuos resultados da investigação produzida é exatamente mostrar  como, sobre um tema preciso, o pensamento platónico foi sofrendo evolução ao longo do tempo e graças às vivências do próprio filósofo.  Essa evolução é  rastreada tanto na evolução do pensamento como a nível da arte do diálogo, incluindo a caraterização das personagens e a sua origem, e a de Sócrates em especial (ver p.175 ss., início da Segunda Parte),  bem como a escolha dos cenários dos diálogos. M. T. Schiappa de Azevedo assinalou ainda, de forma magistral, a maneira como essa evolução do pensamento e da arte de Platão correspondia, também, à evolução da Atenas coeva e do resto do mundo grego, que passam por alterações muito significativas, em especial na época em causa, entre Péricles e o período helenístico.

A edição agora em apreço faz juz a todas  essas qualidades: bem informada, bem escrita, bem organizada. A obra estrutura-se em 3 partes, para além de uma Introdução:

PRIMEIRA PARTE

1. Pressupostos metodológicos (cronologia, Athenaioi, xenoi e barbaroi;

2. Cronologia

2.1 Athenaioi, Xenoi e Barbaroi 31

2.2. Estatuto genérico nos diálogos platónicos 31

2. O testemunho do Crátilo 47

1. Sócrates em Platão

2. Sócrats e Atenas 59

3. Sócrates e xenoi 74

3. Incidências orientais e recriação platónica 79

1. Música grega e incidências orientais 89

2. Divindades orientais e recriação platónica 93

2.1. As duas Afrodites 93

2.2. Adónis 105

2.3. O dionisismo 119

2.4. o xamanismo 134

SEGUNDA PARTE. Diálogos da primeira e da segunda fases

1. Atenas no contexto helénico 175

2. A cidade 175

  1. A cidade e os mitos das origens 178

2.1. O Eutidemo e o mito de Íon 178

2.2. O Menéxeno e o mito da autoctonia 185

3. Menção genérica de outros Estados gregos 190

4. Lacedemónios 194

2. Atenas e a Antinomia Grego / Bárbaro 213

1. Contextualização 213

2. O testemunho dos diálogos 217

3. O Grande-Rei 224

4. Nomos / Physis na antinomia Grego / Bárbaro 230

TERCEIRA PARTE. Diálogos da terceira fase (últimos diálogos) 249

1. Atenas no contexto helénico 251

1. Atenienses e Xenoi 251

2. A Academia e a experiência siciliana 260

3. Uma nova vivência de xenia 283

2. Atenas e Bárbaros 291

1. Linhas de evolução 291

2. Egípcios 307

2.1. Contextualização 307

2.2. O Egipto de Platão 311

3. Persas

3.1. Contextualização 327

3.2. A Pérsia de Platão 331

4. Vias de superação da antinomia Grego / Bárbaro 338

Em relação a esta estrutura, acrescem  conclusões (p.347) bem apropriadas e muito lógicas e fundamentadas; bibliografia exaustiva e criteriosa; um bom índice de autores antigos e fontes.

Diria somente que me pareceria interessante acrescentar um índice temático, pois temas e conceitos interessantes não faltam nas páginas que  preenchem o esquema apresentado.

É o que logo se vê nas páginas introdutórias. Num verdadeiro sumário do estado da questão, a  própria autora afirma, na p.12: são “escassos os  estudos que tratem a questão incontornável da  relação grego/ bárbaro através do texto platónico”, prejudicada, para alguns críticos, “pelo peso do  passo 470c-471b da República, onde a cruzada pan-helénica da retórica do tempo se traduz na palavra de ordem “contra os Bárbaros”. Mas é a excepção  e não a regra, como espero deixar demonstrado na análise que se segue”.

São também explanados alguns pressupostos metodológicos, que enuncio novamente através das palavras da própria autora (p.15-16):

– “a imprescindibilidade de distinção entre  estrangeiro grego (xenos) e estrangeiro bárbaro  (barbaros), sem a qual será difícil evitar algumas  ambiguidades interpretativas – como sucede no  estudo, em vários aspectos aliciante, de H. Joly;

–  a importância da língua na perspectivação da dicotomia grego/ bárbaro (e parcialmente, da sua superação), de acordo com as reflexões linguísticas e etnográficas que passam do séc. V a.C. às décadas iniciais do século seguinte, concentrando-se  no Crátilo;

–  a projecção da figura de Sócrates num conceito de cidadania que congloba valores atenocêntricos específicos, sobretudo presentes na primeira fase dos diálogos (mas nunca de todo abandonados);

–  a viragem essencial que eventos decisivos da vida de Platão, nomeadamente a primeira viagem à Sicília e a fundação da Academia, consignam na abertura dos diálogos do último período ao mundo dos xenoi e dos barbaroi”.

Esta súmula permite facilmente entrever a  riqueza de conteúdo de um estudo que, logo ao  escolher a temática proposta, vai tratar um vasto acervo de questões de grande relevância em termos científicos e de atualidade, e alguns até espinhosos, como a interpretação do papiro de Derveni.

Respigo algumas ideias da leitura que fiz.  Schiappa de Azevedo sabe contextualizar muito  bem as problemáticas discutidas, mostrando como o fenómeno de aculturação se relaciona com permutas e veículos diversos, incluindo a diplomacia e a guerra, o que se torna evidente nos intercâmbios com a Pérsia após as invasões do continente grego. Aqui, o bárbaro inimigo já tinha uma história de  relacionamento com a Hélade desde a época minóica e micénica, e em particular desde o período arcaico, quando a aristocracia usava marcas de vestuário  persa como sinal de elitismo, fenómeno a que  Miller chama perserie (p.299); o inimigo bárbaro, dizia, verá a sua imagem liberta dos estereótipos  tradicionais que baseavam a felicidade do Grande Rei no ouro, ideia desprezada no Teeteto, 175c (p.275; cf. Lísis, 209d, Ménon, 78d ou a embaixada persa nos Acarnenses de Aristófanes); sob a influência  de Xenofonte, a Pérsia passa mesmo a fornecer  paradigmas de comportamento à sociedade grega  (p.336). Mais do que isso, é bem posto em relevo como a evolução cultural está fatalmente ligada a circunstancialismos históricos, como quando o imaginário grego substitui o bárbaro persa pelo bárbaro cartaginês ou osco, agora os verdadeiros inimigos de um pan-helenismo já alargado, em finais do séc. V, aos colonos gregos da Magna Grécia e da Sicília.

O exempo da Pérsia e do Grande Rei é apenas uma faceta da apropriação das sabedorias bárbaras praticada pelos gregos, apropriação que, naturalmente supõe ou cria as condições para o reconhecimeno, nos bárbaros, de um Outro que tem mérito e que  pode, até, ser superior aos gregos em domínios  específicos, da religião à organização política, a  ponto de a imagem da Pérsia ideal — a de Ciro —, lembrar Atenas nos seus melhores tempos (p.333; cf. Carta  VII, 332a-b, que classifica Dionísio I de  Siracusa como “sete vezes menos sábio do que Dario”, p.336). Isto para não falar noutros sinais da influência assíria, caldaica e mesopotâmica, com  que poderíamos relacionar os mitos da República e do Fedro, ou a filosofia dualista do Bem e do Mal, do Alcibíades I.

É esse também o caso do Egipto, cuja fonte de conhecimento primacial, à época, é o livro II de Heródoto, um Egipto exaltado por domínios artísticos, como a música e a dança, e científicos, como a farmacologia, a escrita, o ensino da matemática (veja.-se o mito de Theu, no Fedro e Leis 819bd); a aura de simpatia de que goza em Atenas assenta, além do mais, em alegadas relações entre Atenas e Saís – que, segundo o Timeu, 21e e 23-24, teriam sido fundadas pela mesma divindade (Neith na língua egípcia, Atena em grego) – e que beneficiariam de um intercâmbio regular, estabelecido após a fundação do porto de Náucratis e da colónia de Cirene, bem como do casamento do faraó Âmasis com uma grega. Os atenienses e Platão admiram no Egipto a sabedoria milenar e a estabilidade política de um regime baseado numa hierarquia social que terá  servido de inspiração à República e às Leis.

A brevidade implícita nesta apresentação  permite-me ainda relevar o modo como a cidade de Atenas é apresentada, e com bom fundamento na obra platónica, como cidade que, apesar do mito da autoctonia ou até graças a ele — e fazendo juz às referidas ligações preferenciais ou até originárias  com a Iónia e com Saís —, se vai sabendo abrir à diversidade e à tolerância, primeiro na perspetivação de um ideal pan-helénico, depois a estrangeiros  bárbaros, firmando-se no culto de Zeus Xenios (Leis, 953de). Acompanhando este percurso, a Academia funciona, a seu tempo, como instituição aberta a xenoi de toda as cidades gregas e mesmo a estrangeiros – e quadra bem ter sido doado por Anicéris de Cirene o terreno onde se fundou a Academia. Como escreve a autora, p.326: “os sistemas legislativos  platónicos mantêm no conjunto o respeito pela diversidade, que os diferentes povos e Estados gregos foram consciencializando na sua evolução comum”.

Em suma, recomendo esta leitura, tanto  pelo valor científico como por ser uma imagem  expressiva da verdadeira paideia grega, base da  tolerância europeia da alteridade. E Schiappa de Azevedo demonstrou cabalmente o enorme contributo de Platão para essa maravilha: “Ao longo do séc. V a. C., o conhecimento e a aceitação  mútua de padrões civilizacionais diversos foram  ganhando ‘simpatizantes dos Gregos’ (phillelenes) entre os Bárbaros e ‘simpatizantes dos Bárbaros’ (philobarbaroi) entre os Gregos (p.343); ou ainda, a propósito das Leis e do uso polissémico do termo xenos: “o intercâmbio deliberado da condição de xenoi, que os três interlocutores partilham entre si nas fórmulas de tratamento, anula idealmente a dicotomia entre polites e xenos, presente de forma mais ou menos perceptível nos diálogos anteriores”(p.285-286).

Francisco de Oliveira – Universidade de Coimbra. Trabalho desenvolvido no Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, no âmbito do Projecto Quadrienal da UI&D- CECH/FCT POC 2010.

Acessar publicação original

 

Not fot Profit: Why Democracy Needs the Humanities – NUSSBAUM (RA)

NUSSBAUM, Martha. Not fot Profit: Why Democracy Needs the Humanities. Princeton University Press, 2010. Resenha de: FAVERSANI, Fábio. Revista Archai, Brasília, n.8, p.145-148, jan., 2012.

Martha Nussbaum, professora de filosofia da Universidade de Chicago, e helenista de formação, reuniu neste livro muitos elementos importantes  para uma reflexão sobre as sociedades que estamos construindo e o papel que a educação tem tido  neste processo. Ela se volta sobretudo para um  problema importante e que está no centro dos debates: a educação tem se voltado por demais para produzir pessoas que possam gerar lucros, mas sem se preocupar com a capacidade delas atuarem em sociedade; as escolas estão se voltando para ter  excelentes notas em testes padronizados, mesmo  que isto signifique formar alunos sem nenhuma  capacidade de pensar criticamente ou formular  um saber original. O ideal é que os alunos estejam ajustados ao mercado e sejam tremendamente competitivos, que se saiam bem nos testes reproduzindo fórmulas prontas e se exercitando em como dar  a resposta certa. Para estes propósitos, a autora  chama a atenção, as humanidades têm parecido  ter pouca serventia. Ainda mais, como ela também ressalta, na atual onde de corte de despesas por  parte do Estado pelo mundo afora, as humanidades são as primeiras a serem eliminadas nas esferas da educação pública. As consequências disto é que as humanidades têm feito falta a “fazedores-de-lucro”e têm produzido sociedades menos saudáveis, menos democráticas. O alerta que a autora faz é pertinente e merece reflexão. Ela afirma, já no final do livro: “Desviados para a busca da riqueza, nós pedimos  cada vez mais para nossas escolas para nos darem úteis fazedores-de-lucro (profit-makers) mais do que cidadãos reflexivos. Sob a pressão de cortar custos, botamos fora exatamente aquelas partes dos esforços educacionais que são cruciais para a preservação de uma sociedade saudável”(pp. 141-2)

Trata-se de uma reflexão importante e muito bem organizada. Ainda que a autora deixe claro que não se trata de um estudo empírico, percebe-se uma boa pesquisa para sustentar os argumentos, sendo os exemplos concretos apresentados bastante numerosos e diversificados. O livro se organiza em sete capítulos, antecedidos por uma apresentação escrita por Ruth O’Brien. No primeiro capítulo ela trata do que qualifica como “uma crise silenciosa”. Tipifica muito bem como a educação tem passado por uma mudança progressiva e geral nos Estudos Unidos e na Índia (mas o mesmo quadro poderia com certeza ser pensado com certeza para outros países, como por exemplo o Brasil), em que uma educação orientada por princípios humanistas e liberais, preocupados em dar uma formação geral e educar cidadãos, cada vez mais está deixando de existir. O diagnóstico da autora é claro: a educação tem piorado. No capítulo 2 ela indica dois modelos de educação, um voltado para a construção de sociedades mais democráticas e outra devotada ao aumento da lucratividade. Nos capítulos 3 a 6 a autora mostra quais as características deste modelo de uma educação para as  sociedades democráticas, enfatizando alguns valores e resultados que ela acredita que devam dar corpo a este tipo de educação, sempre indicando como  as humanidades, incluídas com bastante ênfase as artes, são centrais a este tipo de educação. As humanidades são aparentemente desnecessárias para o aumento da lucratividade através da educação, mas se a educação se volta para a formação de cidadãos que construirão e vivenciarão uma experiência  democrática plena, elas são centrais e indispensáveis. É através das humanidades que se constroem várias das habilidades necessárias ao exercício da cidadania em sociedades democráticas. Sem elas,  ao contrário, é impossível ter estes resultados e,  em decorrência, o corte do ensino de humanidades pode ser traduzido na inviabilização de sociedades democráticas. No capítulo 7 a autora evidencia  que educação democrática está nas cordas (“on  the ropes”). As humanidades estão sendo atacada e a ponto de ser nocauteada. O capítulo conclusivo reforça assim o caráter sensível e importante de  apelo deste trabalho, talvez até mesmo de manifesto, mais do que de estudo empírico – que a obra não pretende ser.

Parece-nos ter a força de uma constatação os aspectos principais que Nussbaum salienta. As mudanças na educação, que se afasta mais e mais do que poderia se chamar de ideias humanistas  ou democráticos (seja lá que sentido se queira  dar a estas palavras), voltando-se apenas para  a formação de mão-de-obra por processos que  cada vez mais se aproximam de um adestramento, são ruins para a sociedade pensada como uma  experiência democrática e de realização humana e também parecem ruins para formar mão-de-obra para uma produção cada vez mais complexa e que exige que os trabalhadores tomem decisões de  forma independente. A autora aponta para estes pontos fundamentais no debate atual. Outro aspecto central da obra é deixar claro que os cortes de recursos na educação são especialmente perniciosos porque atingem diferentemente as áreas do conhecimento, com as restrições praticamente eliminando as possibilidades de uma educação  rica e plural em humanidades e fazendo com que desapareçam por completo sinais de educação em artes. O livro aponta com clareza para problemas que temos no cenário atual e que reclamam uma resposta da sociedade. As mudanças em curso são ruins para a sociedade e são ruins para as pessoas. Nussbaum tem toda razão em seu apelo: isto precisa parar. Mas creio que seja importante pensar para os caminhos que ela aponta para chamar a atenção também para o dato de que a construção de alternativas exige muita reflexão.

Nussbaum contrapõe a educação para o cresci- mento econômico que é cada vez mais predominante, a uma educação para a democracia, que foi vivida nos melhores exemplos da educação liberal clássica estadunidense e no modelo construído pelo educador indiano Rabindranath Tagore. A análise da autora  se concentra na experiência dos Estados Unidos e Índia. A educação para a democracia se volta para o desenvolvimento do pensamento crítico, da compaixão, da imaginação, da simpatia e da criatividade. Por outro lado, a educação para o crescimento  econômico se devota a estimular a obediência, a  competitividade, levando à instrumentalização dos outros seres e, como meio para tanto, sua submissão. Na maior parte do livro a autora procura opor estes dois propósitos como antitéticos, mas em outros ela defende que as humanidades servem aos propósitos de uma educação para o crescimento econômico. Ela busca convencer o leitor de que não faz sentido uma disputa entre projetos: “Se o nosso único objetivo é o crescimento econômico nacional, ainda assim devemos proteger a educação liberal em artes e  humanidades”(p. 112). Ela faz parecer que bastaria que todos sentassem na mesma mesa e, conversando com calma, todos se convenceriam de que o que ela propõe é o melhor para todos, sob todos os pontos de vista. Adotando este ponto de vista, a autora deixa de problematizar quais são os projetos e interesses que estão levando às atuais mudanças na educação e como eles são incompatíveis e irreconciliáveis com os interesses da maioria da população. As mudanças atuais parecem à autora apenas o resultado de uma má compreensão da realidade e que podem ser reformuladas explicando aos gestores desta mudança que eles estão errados. O mesmo ponto aparece quando ela trata do corte dos recursos que financiam a educação. O apelo dela é para que os gestores percebam que as humanidades não custam tão caro assim e faz elogios às iniciativas do terceiro setor que cobrem os espaços deixados pela ausência do financiamento do Estado (este ponto se faz especialmente claro no capítulo IV). Os adversários das humanidades na  educação pública em específico, e do financiamento da educação pública em patamares razoáveis, de um ponto de vista mais geral, simplesmente não são  tipificados, qualificados. A autora parece pensar que todos podem entrar em uma grande e positivo acordo sobre isto se sentarem em uma mesa e conversarem com calma. Claramente, não é o caso.

A autora é professora da Universidade de  Chicago e se orgulha de não precisar buscar recursos do Estado, uma vez que, segundo ela, ex-alunos  orgulhosos da educação que receberam sempre estão dispostos a doar para os projetos de humanidades da Universidade de Chicago, propiciando às novas gerações a mesma educação humanista que tiveram (p. 132). Este visão do lugar de onde fala é que  talvez a faça tão otimista. Mas seria importante que ela percebesse que nem só de bondosos momentos de seus ex-alunos é que se faz a gestão da educação e que os alunos oriundos das maiores e melhores  universidades do mundo é que são os formuladores e gestores das políticas educacionais que ela critica. Estes alunos receberam a melhor educação humanista, que ela recomenda. O livro não trata, como se vê por este exemplo, deste problema em todas as suas consequências.

Um problema na abordagem da autora, a meu ver, é que ela é tão prescritiva e normativa quanto a atual hegemonia que ela critica. Já na apresentação, escrita por Ruth O’Brien, lemos na p. x. que a arte e as humanidades seriam importantes para gerar pessoas “como tanto a democracia quanto a cidadania global exigem”“Mas quem responde à pergunta:  o que é requerido da educação pela democracia e cidadania global? A resposta não é simples e, se ela é única, já não é uma boa resposta a meu ver. Os excessos desta fórmula que inspira a autora têm gerado condutas que beiram a censura mais esdrúxula. Para lembrar aqui um caso recente – e nos esquivarmos das críticas ao insosso domínio do “politicamente correto”–, recordamos da polêmica decisão do Conselho Nacional de Educação que restringia a leitura das obras de Monteiro Lobato nas escolas por conta de seu conteúdo “racista”(http://www1.folha.uol.com.br/saber/822230-conselho-de-educacao-quer- -vetar-livro-de-monteiro-lobato-em-escolas.shtml). Mais recente ainda é a solicitação do Ministério  Público de Minas Gerais para que o dicionário Houaiss fosse retirado de circulação. A fundamentação indica que o verbete “cigano”contém “expressões pejorativas e preconceituosas”contra esta população, como “aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. (Cf. Folha de São Paulo, n. 30.284, de 2 de março de 2012, p. A2.)

O problema que se pode apontar aqui, contrariamente ao que defende a autora, é que não se pode defender que as humanidades devem estar a serviço de um projeto político instrumental dado, mesmo que seja o da defesa da democracia, voltando-se  primevamente para agendas que interessem a certos setores políticos que vejam como importante  os debates sobre raça, gênero e sexualidade, por  exemplo. Esta instrumentalização das humanidades para ensinar os alunos o que alguém específico  acha que todos eles devem saber para serem bons cidadãos tem feito mais mal do que bem à defesa das humanidades nas escolas.

Trata-se de um livro, portanto, cuja leitura  recomendamos fortemente, uma vez que aponta para um tema central de nossa época, através de uma  reflexão bastante sofisticada que propicia ao leitor refletir acerca do problema tendo a frente horizontes bastante amplos que são descortinados pela autora.

Fábio Faversani – Universidade Federal de Ouro Preto.

Acessar publicação original

 

O Livro de Anaximandro. O mais antigo tratado geográfico conhecido – HEIDEL (RA)

HEIDEL, William A. O Livro de Anaximandro. O mais antigo tratado geográfico conhecido. Tradução, apresentação e apêndices de Katsuko Koike; 1ª Ed. Mogi Mirim/SP: Ixtlan, 2011.Resenha de: CORNELLI, Gabriele. Revista Archai, Brasília, n.8, p.143-144, jan., 2012.

A  tradução para o português do artigo de  William Heidel,  Anaximander’s Book, the Earliest  Known Geographical Treatise  (1921) representa  uma contribuição de interesse para o estudo dos  Pré-socráticos. Apesar de já circularem no espaço literário brasileiro alguns trabalhos de relevo sobre os primórdios do pensamento grego, poucos foram os livros editados que trataram de modo específico sobre Anaximandro de Mileto. O helenista americano William Heidel (1968-1941) não procurou  nesse texto discutir a antiga metafísica jônica,  da qual os filósofos de Mileto seriam os primeiros representantes. Seu objetivo, ao invés disso, foi  investigar questões muitas vezes negligenciadas  pela literatura especializada, como por exemplo, a relação da obra de Anaximandro com seu mapa do mundo, ou a natureza desse pretenso escrito. Os  testemunhos sobre o milésio lançam indícios de que seu livro era mais que um mero tratado de filosofia, física ou astronomia, pois deveria conter também assuntos geográficos e históricos supostamente  ligados ao mapa. A tradição doxográfica a partir  de Teofrasto foi responsável por moldar a figura  histórica de Anaximandro como filósofo puro. Mas se todos estiveram substancialmente dependentes dos trabalhos de Aristóteles acerca dos Pré-socráticos, é compreensível que a prioridade da análise recaísse sobre o saber cosmológico concebido pelos antigos physiologoi, como Anaximandro.

O alegado “livro”do milésio é considerado um dos primeiros escritos em prosa da Grécia, e sem dúvida, uma das mais influentes obras da Antiguidade. Sua publicação, ocorrida por meados do século VI a.C., serviu de referência para uma série de escritos posteriores sobre o mundo físico e cosmologia. Mas Heidel decide seguir outro roteiro, em sua pesquisa, com base na informação de que Anaximandro produzira um mapa do mundo conhecido, um relógio de sol e uma esfera celeste. Ao estudar a tradição histórico-geográfica presente em antigos autores  das épocas alexandrina e romana, como Eratóstenes, Estrabão e Agatêmero, além de outras fontes mais antigas, como Hecateu de Mileto e Éforo, ele procurou revelar outros aspectos importantes da  personalidade e da obra do milésio. A tradição bibliográfica tardia, a exemplo da que consta no léxico Suda, confere alguns títulos que no mínimo fornece- riam o escopo da obra que circulou na Antiguidade ligada ao nome de Anaximandro (pp. 13-51). Em  outra parte, o autor avalia o pretenso conteúdo do livro, negando que ele não consistira em um típico escrito de filosofia, mas basicamente continha dados histórico-geográficos segundo exigiria a construção de seu mapa da Terra (pp.51-68). Por fim, Heidel  busca provar a linha histórico-geográfica da obra  aprofundando-se na tradição geográfica alexandrina, ao largo da doxografia oficial de Teofrasto em diante (pp.68-80). Como conclusão, é dito que o livro  de Anaximandro não narrava ou explicava apenas  a cosmologia da Terra e os principais fenômenos  naturais. Para Heidel não há como encobrir o viés histórico da obra, que apresentava basicamente a descrição de povos e terras conhecidos do Mediterrâneo, como fará Hecateu uma geração depois. Outra contribuição importante neste volume está  nos dois apêndices finais (p.83 e p.125), que não apenas comentam o artigo de Heidel, mas também discutem as notícias e a bibliografia mais recentes sobre a figura histórica de Anaximandro e de sua  obra, incluindo uma vistoria nos dados arqueológicos do sítio de Mileto relacionados com seu ilustre cidadão. Katsuzo Koike, tradutor do artigo e autor dos apêndices, atualmente é bolsista da CAPES, e doutorando em Estudos Clássicos na Universidade  de Coimbra, Portugal.

Gabriele Cornelli – Professor da Universidade de Brasília. E-Mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

O pitagorismo como categoria historiográfica – CORNELLI (RA)

CORNELLI, G. O pitagorismo como categoria historiográfica. Tradução de Maria da Graça Gomes de Pina Col. Classica Digitalia Brasil. Coimbra: CECH- Universidade de Coimbra. São Paulo: Annablume, 2011. Resenha de: BORDOY, Francesc Casadesús. Revista Archai, Brasília, n.7, p.159-162, jul., 2011.

Os estudos que se realizaram até aos nossos dias sobre a figura de Pitágoras e sobre o pitagorismo depararam-se com um paradoxo que parece insuperável ou, em todo o caso, se mostra de muito complicada e difícil solução: isto é, a constatação de que a personagem da filosofia pré-socrática de quem possuímos, contrariamente a outras, mais informações apresenta-se-nos sob uma névoa tão espessa que impede que o estudioso extraia conclusões claras. Com efeito, e nisto consiste precisamente o paradoxo, de nenhum outro filósofo da Antiguidade nos chegaram três biografias como as que nos transmitiram Porfírio, Jâmblico e Diógenes Laércio (além de muitos outros testemunhos) e, apesar disso, acerca de nenhuma outra personagem da Antiguidade nos sentimos tão inseguros quando chega o momento de falar dos seus supostos conhecimentos, habilidades e façanhas. Sem dúvida esta frustrante realidade foi determinante no momento de abordar com critérios científicos a figura de Pitágoras e o pitagorismo. Isso porque, desde a Antiguidade, mas muito mais sobretudo a partir das pretensões científicas dos estudiosos e historiadores da filosofia grega no século XIX, a atenção dos investigadores se tem orientado para tentar dirimir a questão da credibilidade que se deve conceder às fontes que de maneira tão generosa nos falam de Pitágoras e dos seus seguidores, os pitagóricos. Por este motivo, qualquer estudo sobre o pitagorismo, após a grande quantidade de livros e artigos publicados, deve tentar esclarecer qual é a sua posição face ao que se começou a chamar de “questão pitagórica”. Dito por outras palavras, um estudo com garantias de rigorosidade científica deve informar qual a sua opinião sobre os testemunhos pitagóricos, para poder fazer um uso consequente deles. Como é bem sabido, os trabalhos que circulam sobre Pitágoras e o pitagorismo movem- se entre os extremos de uma aceitação acrítica das fontes e uma atitude hipercrítica que se nega a aceitar e, por conseguinte, a considerar como válidos a maioria dos testemunhos transmitidos, até ao extremo de pôr em dúvida a relevância do pitagorismo na história da filosofia grega.

Além do mais, a tudo isto é preciso acrescentar que os estudos sobre o pitagorismo, que, como se disse, oscilam entre a hagiografia e o ceticismo mais radical, acabaram por criar um emaranhado de interpretações hermenêuticas que o estudioso deve conhecer muito bem para poder conquistar uma posição ponderada e objetiva. É por isso que, desde já, consideramos acertado que o livro que estamos resenhando trate, como indicado no título, do pitagorismo como uma “categoria historiográfica”. De fato, é muito provável que não haja uma maneira mais lógica e consequente de aproximar-se do seu estudo, dadas as características do que conhecemos na atualidade como “pitagorismo”, e que abarca desde as abundantes fontes primárias e secundárias até as diversas leituras e interpretações que, até aos nossos dias, se têm realizado sobre elas.

Por tudo isto, resulta muito acertada a distribuição do livro em quatro grandes blocos com as divisões e subdivisões correspondentes. Aliás, pode-se afirmar que a estrutura do livro constitui já, em si mesma, toda uma declaração de princípios, pois oferece  grosso modo, uma panorâmica acerca de qual é o método que o autor considera mais idóneo para adentrar-se nos meandros dos estudos sobre o pitagorismo. Assim, no primeiro deles, intitulado “História da Crítica: De Zeller a Kingsley”, oferece-se uma panorâmica ampla e atualizada da opinião dos mais importantes estudiosos do pitagorismo que, a partir do século  XIX, determinaram as principais linhas de investigação. Deste modo, o leitor tem um fácil acesso ao status questionis das principais correntes e linhas de interpretação, de uma perspetiva cronológica e temática, o que faz com que seja especialmente útil para todos os leitores que desejem familiarizar-se, desde o início, com a larga e consolidada história das investigações sobre o pitagorismo. No segundo, intitulado “O pitagorismo como categoria historiográfica”, aborda-se o estudo do pitagorismo conjugando uma focalização sincrónica e diacrónica da qual sobressaem as dificuldades que apresentam as interpretações dos principais estudiosos, condicionadas em grande parte pela problemática suscitada pela transmissão das fontes que, na maioria dos casos e dadas as suas características particulares, condicionam por sua vez as possíveis interpretações do movimento pitagórico. Apoiando-se de modo crítico nessas fontes, o autor oferece uma análise pormenorizada dos traços mais característicos da organização e estrutura da escola pitagóricas. No terceiro, intitulado  “Imortalidade  da  alma  e metempsicose”, trata-se a questão da conceção imortal das almas e as suas transmigrações a partir da análise das fontes mais antigas e relevantes. Nesta questão, central no estudo do pitagorismo, oferece-se uma visão bastante completa da conceção da alma pitagórica, tal como a sua vinculação ao orfismo e a sua receção em Platão. Por último, no quarto capítulo, sob a epígrafe de “Números”, aborda-se a questão da importância do número no seio da filosofia pitagórica, com a intenção de esclarecer qual foi o seu verdadeiro estatuto, entre a numerologia e a matemática, e qual o alcance da sua consideração de princípio identificado com o conjunto das coisas, tal como fora formulado por Aristóteles. Neste último capítulo mostra-se novamente como o autor age com desenvoltura tanto no âmbito das fontes antigas, sobretudo no tratamento de uma figura-chave como Filolau, quanto no manuseio da ampla bibliografia que trata esta questão controversa.

Afirmamos que esta distribuição do livro merece ser considerada uma declaração de princípios por parte do autor, porque pressupõe algo que o torna particularmente valioso: isto é, que – de modo principal e prévio, como se se tratasse de uma lição introdutória e propedêutica, – nele se proporcionam as chaves interpretativas que os interessados pelo pitagorismo devem conhecer para obterem em primeira mão uma informação básica sobre quais foram as principais linhas de investigação, desde Zeller até aos nossos dias. Em relação a este assunto, como faz o autor, a questão capital é discernir qual foi a posição de cada estudioso ante as fontes pitagóricas para comprovar até que ponto esta determinou a orientação das investigações posteriores. Em todo o caso, deste resumo se extrai uma primeira consideração que afeta os estudos modernos sobre o pitagorismo: os comentadores tiveram muita consciência da fiabilidade problemática que as fontes apresentam, o que motivou, desde os inícios modernos dos estudos sobre o pitagorismo, a necessidade de concentrar-se sobre a sua investigação de forma rigorosa. Abriu-se assim o caminho para a  Quellenforschung  das vidas pitagóricas e das que dependem em boa parte das informações transmitidas.

Com esta bagagem, identificado o lugar de cada um dos estudiosos no interior da tradição dos estudos pitagóricos, o livro embarca-se na aplicação destes conhecimentos prévios, metodológicos e hermenêuticos em três âmbitos fundamentais, que serão tratados com profusão em cada um dos restantes três capítulos. O primeiro afeta a sua própria essência e identidade histórica, pois tenta elucidar o que se deve entender por pitagorismo, tendo em conta que, na Antiguidade, a existência deste movimento alcançou quase mil anos. Neste ponto o autor deixa claro que em caso algum põe em dúvida a existência do pitagorismo, desde as suas origens protopitagóricas, embora delimite com nitidez os seus contornos. Limites que se distinguem melhor se se deixarem de lado preconceitos anacrónicos e divisões dicotómicas que chegam a anular qualquer possível definição positiva. A conclusão é que, superando o ceticismo iniciado com Zeller, tal como a problemática distinção entre pitagorismo, religião e magia ou a suposta existência de dois grupos no pitagorismo (como seriam os matemáticos e os acusmáticos), este teve na Antiguidade uma continuidade histórica cheia de novas incorporações e matizes, até ao ponto de erigir-se ele mesmo como categoria historiográfica. Deste modo, o autor parece querer chegar a uma posição conciliadora que, consciente das dificuldades que a posição hipercrítica oferece, aceita que o pitagorismo, longe de apresentar uma forma rígida e unitária, é algo muito mais versátil e plural, susceptivel de ser analisado a partir de muitos pontos de vista. Em suma, o que hoje em dia entendemos por “pitagorismo”é apenas a soma dos diversos pitagorismos que, ao longo do processo histórico, se foram sobrepondo até gerar a amálgama que nos transmitiram as fontes tardias. Estratificar o processo, considerar a evolução diacrónica, tendo em conta os dados sincrónicos, é o caminho que o autor oferece para analisar com garantias a realidade histórica do pitagorismo.

Assentes estes pressupostos, e uma vez estabelecida a existência histórica assim como o seu estatuto historiográfico, o livro apresenta os dois capítulos seguintes com a intenção de analisar os dois campos temáticos que a tradição e as fontes antigas mais vincularam com o pitagorismo: a noção de imortalidade da alma e a função atribuída ao número.

No primeiro caso, e após ter examinado as fontes mais antigas, com o apoio da receção da noção de imortalidade da alma nos diálogos de Platão, assim como as suas afinidades com o orfismo, o autor conclui que essa ideia, apesar das reticências manifestadas por alguns estudiosos, formou parte central do pensamento pitagórico desde as suas origens. Ou melhor, o pitagorismo desempenhou um papel fundamental na absorção de elementos procedentes do orfismo que, convenientemente moralizados, foram desenvolvidos por Platão. Esta concepção do pitagorismo como um movimento vivo que foi evoluindo e mudando com o tempo permite compreender  a  passagem  à  noção  de transmigração da alma, própria do primeiro pitagorismo, a sua transformação em conjunto órfico-pitagórico que entende o ciclo da alma imortal como uma sucessão de prémios e castigos para as almas boas e más, respetivamente.

Para finalizar, no último capítulo aborda-se o segundo aspeto tradicionalmente relacionado com o pitagorismo: a função exercida pelo número, sobre a qual tantas discussões irromperam no mundo académico. Neste âmbito, o autor volta a aplicar os mesmos critérios historiográficos já comentados na busca pela solução de síntese. Assim, se é certo que Aristóteles é uma fonte essencial para aceder ao conhecimento do que os “chamados pitagóricos”entenderam por número, não é menos certo que o seu mestre Platão fez uso, transpondo-os, de princípios matemáticos procedentes do pitagorismo (neste contexto mostra-se capital a análise da passagem do Filebo  16  C -23 C). A isto se deve acrescentar que alguns fragmentos de Filolau, que (contra a opinião da corrente mais cética que os considera uma falsificação de inspiração aristotélica) o autor aceita como genuínos e, por conseguinte, analisa com detalhe, oferecem uma informação que deve ser tida em consideração para obter uma apropriada aproximação ao conceito de número no seio do pitagorismo. Deste modo, como acontece no caso da imortalidade da alma, constata-se de novo um processo, após ter combinado o estudo sincrónico com o diacrónico, que demonstra que a concepção do número sofreu uma evolução que o levou de uma visão mística a outra muito mais epistemológica. Apesar dessa evolução, isto não significa que uma conceção se tenha imposto sobre a outra, como prova a tendência das fontes neoplatónicas a regressarem às exposições numerológicas do primeiro pitagorismo mais do que avançarem nas suas extraordinárias possibilidades científicas. Em todo o caso, após ter analisado criticamente as fontes, o autor deixa claro que é a função epistemológica do número que prevaleceu no seio do pitagorismo na época de Filolau: a conceção do número como instrumento para conhecer o mundo mais do que, como pretendia Aristóteles, uma simples identificação física entre número e a realidade das coisas, formulada com o axioma “tudo é número”e que tantas confusões criou na interpretação do seu verdadeiro sentido.

Em conclusão, o livro mostra-se muito aconselhável a quem deseje conhecer quais são as principais questões que rodeiam a investigação sobre o pitagorismo. A sua leitura garante uma rápida familiarização com os grandes temas discutidos durante mais de um século e meio, aproxima-nos de uma interpretação ponderada e crítica das fontes, ao mesmo tempo em que nos oferece uma base sólida sobre a qual procedecer, construindo em nossos dias a ampla e apaixonante história do pitagorismo.

Francesc Casadesús Bordoy – Professor da Universitat de les Illes Balears.

Acessar publicação original

Il quinto secolo. Studi di filosofia antica in onore di Livio Rosseti – RANZATO (RA)

RANZATO, S. Il quinto secolo. Studi di filosofia antica in onore di Livio Rosseti. Editado por S. Giombini e F. Marcacci. Perugia, 2010. Resenha de: RANZATO, Sofia. Revista Archai, Brasília, n.7, p.153-157, jul., 2011.

Non so se questo sia il caso di tutte le raccolte di saggi in onore di uno studioso, ma Il quinto secolo. Studi di filosofia antica in onore di Livio Rossetti, sembra presentarsi come la più autentica risposta al ricco e personale percorso che questo intellettuale ha compiuto fin qua.

Già il fatto che questo volume nasca dall’iniziativa di due giovani studiose che hanno così voluto rendere un degno tributo al loro maestro è un primo indizio del successo che Livio Rossetti ha avuto nel suscitare ammirazione e affetto nei suoi allievi.

Non si può peraltro dire che la risposta al progetto di Stefania Giombini e Flavia Marcacci non sia stata ampia e partecipata come appare evidente anche solo dalla mole di questo volume e dalla lunga lista di nomi contenuti nella Tabula gratulatoria.

Il prodotto di questo lavoro si presenta, del resto come un’opera ben costruita in cui evidenti appaiono le corrispondenze tra la biografia intellettuale di Rossetti brevemente tratteggiata nella prima parte dell’ Introduzione e i numerosi saggi che sono raccolti nel volume.

L’ampio raggio delle ricerche e delle reti di scambio intellettuale ed umano che Rossetti ha avviato, è chiaramente espresso dalla complessità del tema che dà il titolo a quest’opera: Il V secolo. La scelta di questo macrocontentitore nel nostro caso non è tanto significativa per il suo richiamo all’età d’oro della vita politica e culturale della civiltà greca, quanto per il riferimento a un periodo storico in cui venivano alla luce e si sviluppavano molteplici forme di sapere senza che si arrivasse ad una netta distinzione tra loro e tra le attività politiche e sociali ad esse connesse.

Anche le diverse unità tematiche in base a cui sono suddivisi i diversi saggi Physis, Logos, Ethos, Pathos  ad eccezione dell’ultima  Per L’amico Livio si riferiscono ad altrettanti concetti chiave della cultura greca intorno a cui la riflessione si è andata svolgendo con particolare vivacità nel V secolo, senza che, peraltro, sia stata raggiunta una formalizzazione teorica di tali nozioni. In una maniera per certi versi affine, nell’attività intellettuale di Livio Rossetti si intersecano tra loro interessi di studio, iniziative di scambio culturale e forme di didattica a vari livelli, difficilmente distinguibili e classificabili tra loro.

Per fare chiarezza, sia sulla vivace esperienza intellettuale di questo studioso, che sull’ampia gamma di temi toccati dagli studi raccolti in questo volume, appare pertanto molto utile l’ Introduzione delle curatrici e la bibliografia completa degli scritti di Rossetti presentata nelle pagine immediatamente successive.

La varietà e il gran numero di contributi contenuti nel nostro libro, peraltro, non permette certo di dare conto anche solo in maniera cursoria di ciascuno di essi. Sembra preferibile, pertanto, concentrarsi su alcuni temi intorno a cui ha ruotato, in vario modo, l’attività intellettuale di Rossetti e cercare di vedere in che maniera, studiosi più o meno influenzati dal suo pensiero, ne hanno trattato nei saggi a lui offerti in questa raccolta.

Come molti di voi certamente sanno, fin dagli anni giovanili, Rossetti ha nutrito un forte interesse per Socrate, per la forma dialogica legata al suo insegnamento e per i Socratici.

Questo interesse ha portato alla stesura di un gran numero di contributi  gli ultimi dei quali sono raccolti in Le dialogue socratique, uscito per le Belles Lettres proprio all’inizio del 2011- e alla promozione di una serie di incontri dedicati alla letteratura socratica antica.  Si pensi solo a Socratica  2005 e a Senigallia,  Socratica  2008 a Napoli.

A tale interesse risponde, in questo volume, il contributo dell’amico Giuseppe Mazzara (Università degli Studi di Palermo) che, pur condividendo la proposta sostenuta con forza da Aldo Brancacci di inserire il pensiero di Antistene, anche in campo retorico, all’interno della tradizione socratica, cerca di valutare, in maniera equilibrata, quale influenza possano avere esercitato sulla sua opera i Pitagorici e, soprattutto, Gorgia.

Tra i saggi raccolti nel Quinto secolo dedicati a Socrate, si distinguono, tra l’altro, da un lato i contributi di Rachel Gazolla (Pontíficia Universidade Católica de São Paulo) e di Gilbert Romeyer Dherbey (Université Paris Sorbonne) che si concentrano sull’attività di Socrate come educatore, dall’altro, quelli che considerano la costruzione del personaggio socratico ad opera di Platone. Si pensi, ad esempio, alla lettura che Thomas Robinson (University of Toronto) fa delle argomentazioni di Socrate sull’immortalità dell’anima nel  Fedone  e alle interessanti considerazioni di Giovanni Cerri (Università degli Studi Roma Tre) sugli intenti ideologici e propagandistici con cui Platone avrebbe costruito la rappresentazione che Socrate fa della sua ricerca del vero sapiente nell’ Apologia.

Un altro tema che ha polarizzato l’attenzione di Rossetti nel corso degli anni è l’interesse per le diverse forme di comunicazione, considerate sia in relazione al mondo antico come è evidente dai suoi numerosi studi sulla struttura dialogica e sulla retorica che in rapporto ai differenti metodi e strumenti di comunicazione del sapere nel mondo contemporaneo, come dimostra la sua lungimirante consapevolezza fin dai primi anni novanta della grande utilità che l’informatica può avere nella trasmissione di conoscenza. Si può peraltro supporre che, proprio l’attenzione verso la situazione comunicativa nel mondo antico e i suoi effetti possa essere stata alla base dell’interesse di Rossetti verso nuove forme di comunicazione nella realtà contemporanea, portandolo a realizzare tra gli altri suoi numerosi contributi in questo settore l’ edizione dell’ Eutifrone  di Platone nella forma di ipertesto dialogico-interattivo. A questo proposito, nella sezione finale del Quinto secolo, è possibile leggere l’interessante contributo di Massimo Capponi (Università di Perugia) che mette bene in evidenza l’importante ruolo che l’opera di Rossetti ha ricoperto nella recente storia dell’applicazione degli strumenti informatici alla didattica.

Come viene ben messo in luce da Chiara Chiapperini nel suo contributo al volume, è forse proprio da una riflessione e da una rielaborazione in chiave fortemente personale della maieutica di Socrate che prende forma un progetto come Amica Sofia  divenuta Associazione sociale su base nazionale nel 2008 che si pone il fine di praticare la filosofia con i bambini e con i ragazzi e di diffondere questa pratica tra docenti e pedagoghi.

All’interno di questa raccolta si trovano, del resto, numerose riflessioni sulle diverse forme del discorso nel mondo antico e sui loro effetti nella elaborazione del pensiero filosofico. Tra queste, basti ricordare il breve saggio di Tomás Calvo-Martínez (Universidad Complutense de Madrid) in cui si sostiene che, nel  Fedone, le due concezioni della dialettica come “arte del dialogo”e come “metodo delle ipotesi”non siano contrapposte ma, piuttosto, intrecciate tra loro. Nello stesso ambito si può inserire anche lo studio di Stefania Giombini (Gualdo Tadino, Perugia) e Flavia Marcacci (Pontificia Università Lateranense, Città del Vaticano) sulla posizione tra logica e retorica dell’antilogia. Si pensi, inoltre, all’interessante contributo di Diskin Clay (Duke University, Durham NC) sui vari modi in cui Platone cita, con diverse finalità, i testi a lui precedenti, a volte per fare emergere con poche parole un più ampio contesto, altre per proporre una nuova analisi di un testo famoso, altre ancora dando l’impressione di inventare una citazione o di alterarla deliberatamente.

All’interno di una riflessione sulle diverse forme attraverso cui un pensatore tenta di trasmettere il suo messaggio, sembra iscriversi anche il suggestivo confronto che Giovanni Casertano (Università degli Studi di Napoli “Federico II”) propone tra il modo in cui il mito del re di Lidia Candaule e del suo usurpatore Gige viene narrato in un passo delle  Storie di Erodoto e la maniera in cui questo racconto viene riformulato nel II libro della Repubblica di Platone. Alla diversa costruzione del mito nei due autori, corrisponde un diverso messaggio: mentre nello storico si vuole sottolineare la necessità di “un destino che sovrasta gli attori del dramma umano”, nell’opera del filosofo ateniese la necessità non viene dall’esterno, ma dall’interno dell’individuo: si tratta della forza costrittiva delle passioni.

Un’analisi specifica di come il linguaggio visivo del teatro tragico abbia contribuito, nel corso del V secolo, alla formulazione della concezione di anima come mente si può leggere nel contributo di Lidia Palumbo (Università degli Studi di Napoli “Federico II”). [Nestor Cordero (Université de Rennes 1), per parte sua, si occupa di analizzare il modo in cui Antifonte si proponeva di curare le sofferenze dei suoi pazienti attraverso i discorsi].

Un altro dei poli di interesse intorno a cui ha ruotato l’attività di Rossetti è proprio la polymathia  intesa come varietà e ricchezza di saperi che caratterizza il pensiero del V secolo e, in particolar modo, quello dei “Presocratici”.

In questa direzione appare di particolare interesse il contributo di Laura Gemelli Marciano (Universität Zürich) che, attraverso l’analisi di alcuni trattati del Corpus Hippocraticum, individua, all’interno della nascente  techne  medica, da una parte, una tendenza all’apertura ad altre discipline in particolare alla  meteorologia  con le sue teorie sulla nascita e composizione dell’uomo e del cosmo dall’altra, un atteggiamento favorevole ad una concezione più ristretta e specialistica della medicina come quello degli autori del  De vetere medicina  e del  De natura homininis.

Alla figura del medico nel mondo antico e alla sua condizione socialmente fragile è dedicato il bel saggio di Mario Vegetti (Università degli Studi di Pavia). Nell’analisi di questo studioso, se da una parte la sua debolezza istituzionale porta il medico a non raggiungere mai una completa stanzialità e all’impossibilità di riferirsi a una serie di garanzie pubbliche di competenza e di correttezza morale, dall’altra, può essere considerata una delle ragioni della particolare audacia e indipendenza di questi specialisti.

Tra i cosiddetti “Presocratici”, il primo ad avere attirato con forza le attenzioni di Rossetti è Eraclito. Proprio a Rossetti si deve, infatti, l’organizzazione già nel 1981 del primo Symposium Heracliteum  a Chieti, cui ha fatto seguito, venticinque anni dopo, grazie all’iniziativa di Enrique Hülsz Piccone, un secondo Symposium Heracliteum  a Città del Messico. In consonanza con questo interesse troviamo, nel nostro volume, la ricostruzione dell’esordio del libro di Eraclito seguita da ampio commento di uno studioso che ha fatto dell’opera eraclitea la passione di una vita come Serge Mouraviev (Gaillard, Mosca).

In questa sede, del resto, non si può non ricordare il grande contributo che Livio Rossetti ha dato allo sviluppo degli studi su Parmenide e sugli Eleati, anche attraverso l’ideazione di un’iniziativa come “Eleatica”- giunta ormai alla VI edizione in cui, da alcuni anni si incontrano, nel luogo in cui praticavano il loro sapere Parmenide e Zenone, esperti e appassionati del settore e, grazie alla quale, l’antica città di Elea si arricchisce, ogni anno, di nuovi cittadini onorari.Il primo di questi, Nestor Cordero, ha rivolto un saluto e un caloroso ringraziamento al concittadino Rossetti in uno dei testi conclusivi del nostro volume.

Numerosi, non a caso, sono i contributi di questa raccolta dedicati al pensiero degli Eleati. Tra questi vorrei ricordare la nuova interpretazione che Beatriz Bossi (Universidad Complutense de Madrid) ha proposto di un testo difficile come il frammento B 16 di Parmenide. Secondo tale lettura, in questi versi, l’Eleate non insisterebbe come invece sembra intendere Aristotele sull’aspetto mutevole e soggettivo della conoscenza umana, ma, piuttosto, sugli elementi del processo conoscitivo comuni a tutti gli uomini. In questo modo, tale frammento si porrebbe maggiormente in linea con il discorso veritiero della dea di quanto emerga da una lettura che tende a inserirlo del tutto nel discorso ingannevole delle  doxai  dei mortali. Una riflessione più generale sull’opera di Parmenide e sulla sua posizione all’interno della tradizione del pensiero arcaico, sorretta da una discussione ben documentata del problema del rapporto tra le diverse parti del poema, si può leggere nel contributo di Dario Zucchello (Liceo classico “A. Volta”, Como).

Per un altro verso, la grande attenzione rivolta da Rossetti all’opera di Platone lo ha spinto ad organizzare, nel 1989, un  Symposium Platonicum a Perugia, durante il quale è avvenuta la fondazione dell’ International Plato Society (IPS).Il ruolo fondamentale di Rossetti nella realizzazione di questa importante associazione viene espressamente riconosciuto da Thomas Robinson in uno dei contributi della sezione finale di questo volume.

Gli stessi meriti vengono riconosciuti a Rossetti da Christopher Rowe (Durham University) in una nota introduttiva alla sua concisa ma densa analisi del ruolo che il personaggio di Socrate sembra ricoprire nel  Politico  di Platone, fondata sulla lettura di un passo in cui il giovane interlocutore dello Straniero di Elea suggerisce una certa analogia tra l’arte del governare e il gioco della  petteia.

Sul rapporto tra Parmenide e Platone è peraltro  possibile leggere, all’interno di questo volume, due interessanti contributi. Franco Ferrari (Università degli studi di Salerno) propone, infatti, un’attenta analisi del modo in cui Platone costruisce  il  personaggio  di  Parmenide nell’omonimo dialogo in particolare nella sezione dedicata alla gymnasia nel tentativo di individuare le sue corrispondenze con la figura storica dell’Eleate e di comprendere il rapporto che il filosofo ateniese intende stabilire con il pensiero del suo illustre predecessore. Chiara Robbiano (Universiteit Utrecht), per parte sua, tenta di capire perché Platone nella  Repubblica  suggerisca di attribuire alle rappresentazioni degli dèi presenti nei racconti per bambini, uno dei tratti distintivi dell’essere parmenideo: la sua immutevole immobilità. Al fondamentale valore metafisico ed epistemologico che questo attributo ha in Parmenide si aggiungerebbe, nell’opera platonica, una valenza morale dipendente dalle nozioni di perfezione ed autosufficienza. La rappresentazione degli dèi come esseri buoni, che non mentono e che non cambiano forma può così fungere da modello per i bambini, futuri guardiani della città.

Uno dei tratti più significativi della vita e dell’attività intellettuale di Rossetti, è peraltro, la sua capacità di stringere rapporti con personalità di diversa età ed esperienza e di instaurare scambi e contatti con studiosi e università di diversi paesi. Dell’intenso rapporto di scambio con professori dell’Universidad Nacional Autónoma de México costituisce un’intensa testimonianza il contributo di Gerardo Ramirez Vidal e Omar Álvarez nella sezione conclusiva del volume.

Evidente, peraltro, anche dal buon numero di contributi di studiosi che afferiscono a università sudamericane contenuti nella nostra raccolta è la stretta collaborazione di Rossetti con diverse istituzioni culturali argentine e brasiliane. Dei rapporti con paesi europei in cui gli studi di filosofia antica non godono di una lunga tradizione costituisce significativa testimonianza l’accorato ringraziamento di Marian Wesoly (Univ Poznan, Polonia) posto a suggello di questo volume.

Che l’ideale di una vita filosofica in comune sia uno dei valori che hanno mosso l’attività di Rossetti viene riconosciuto esplicitamente da Gabriele Cornelli (Universidade de Brasília) all’inizio di un intervento dedicato alla trattazione sistematica degli elementi che permettono di definire accogliendo una proposta di Walter Burkert la comunità pitagorica come una setta.

Non a caso, tra questi tratti distintivi, spiccano proprio i valori di  koinonía e di  philía  che Livio Rossetti ha cercato di praticare e di diffondere nel corso di tutto il suo percorso intellettuale.

Sofia Ranzato – Doutoranda em Filologia e Literaturas Grega e Latina na Università degli Studi di Pisa. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

The recovery of Roman Britain 1586-1906. A colony so fertile – HINGLEY (RA)

HINGLEY, Richard. The recovery of Roman Britain 1586-1906. A colony so fertile. Oxford: Oxford University Press, 2009. Resenha de: FUNARI, Pedro Paulo A. Revista Archai, Brasília, n.7, p.151-152, jul., 2011.

Richard Hingley esteve no Brasil, como parte de programa da Escola de Altos Estudos da Capes, em 2008, em atividade sediada no programa de pós-graduação em História da Unicamp, em parceria com cursos de mestrado e doutoramento da UFPR, USP, UNESP, UFRJ, Unirio, UFPel, UFRGS, UEL, entre outros. Voltou, ainda, em 2009, com apoio da secretaria de cultura de Campinas e da Unicamp, tendo fortalecido parcerias com estudiosos brasileiros e publicado um livro,  Imperialismo Romano  (São Paulo, Annablume/Capes, 2010). O estudioso britânico, uma das mais importantes referências vivas no estudo do mundo romano, tem se dedicado à recepção dos antigos, aos usos do passado e às origens do pensamento ocidental. Destaca-se na abordagem crítica das apropriações modernas dos vestígios e herança clássicos, como neste volume destinado ao estudo da Bretanha romana.

Logo na introdução, os objetos são considerados como agentes que são capazes de influenciar as maneiras de agir e pensar das pessoas. O conceito de agência (agency) aplicado à cultura material deriva de perspectivas antropológicas e permite explorar como os artefatos contribuem para dar forma às interpretações do mundo. Um segundo aspecto epistemológico deve ser lembrado: as rupturas, descontinuidades e desacordos no estudo do desenvolvimento do pensamento, em paralelo às continuidades e mudanças graduais, tal como propõe Foucault na  Arqueologia do Saber.  Os objetos antigos, incluindo inscrições latinas, já eram usados por Camden, no século XVI, para demonstrar que uma civilização podia ser reconstruída pela coleção sistemática relíquias do passado. Diversos autores modernos compararam, de forma explícita, os bretões antigos, frente aos romanos, aos ameríndios encontrados pelos ingleses, como Theodor De Bry, em 1590: as imagens “mostram como os habitantes da Grã- Bretanha foram, no passado, tão selvagens como os da Virgínia”(p. 46). Havia, pois, uma mescla explícita entre os antigos selvagens ou bárbaros e os ameríndios encontrados no Novo Mundo, de tal forma que a colonização moderna exercia papel crucial na recriação do mundo antigo. O contato dos bretões com Roma deu a ordem romana à coragem dos bárbaros. Como colonizadores na Irlanda e no América, os ingleses do início da época moderna recorriam a analogias percebidas entre sua própria situação militar e civil e aquela dos antigos romanos. Os séculos seguintes adicionaram outras preocupações, em particular no que diz respeito à colonização interna nas Ilhas Britânicas, quanto aos escoceses e outros celtas.

A partir do grande incêndio de Londres (1666), multiplicaram-se os achados romanos na cidade e, desde meados do século XVIII, expandiram-se as construções de inspiração clássica em Londres, Oxford, Cambridge, Lincoln e Winchester. Vestígios e construções clássicas reforçavam a noção que o Império Britânico assumia o manto imperial da Roma imperial. A idealização de Roma/Grã-Bretanha atingia níveis altíssimos, como quando Gibbon afirmou, no final do século XVIII que “se um homem fosse instado a marcar o período na história do mundo durante o qual a condição da raça humana tenha sido a mais feliz e próspera, ele nomearia, sem hesitar, aquele entre a morte de Domiciano e a ascensão de Cômodo”. Na mesma linha, surgia o dístico sobre “a ocupação romana da Bretanha e nossa ocupação da Índia”, titulo do quarto capítulo. Pitt Rivers, o grande militar fundador da moderna Arqueologia, buscava, no final do século XIX, testemunhos materiais que mostrassem a predominância celta na população britânica, de modo a desvalorizar a matriz germânica dos anglos. O surgimento da Arqueologia como disciplina de matriz militar viria a intensificar os usos da Antiguidade para fins imperialistas. Ao final do século XIX e no início do XX, a possibilidade ou não de aculturação dos subordinados, sob os nomes de romanização antiga e civilização moderna, angustiava os ingleses.

O volume se conclui com a observação que a História antiga serviu para desenvolver narrativas (tales) nacionais e imperiais modernas, tanto por meio do uso de autores antigos, como dos vestígios materiais. Hingley rompe, no volume, com as barreiras disciplinares tradicionais entre historiadores,  classicistas,  arqueólogos, geógrafos, filósofos, e outros especialistas, e mostra a relevância de uma investigação fundamentada em discussões epistemológicas bem informadas e ao corrente das discussões mais recentes. As origens do pensamento ocidental mostram-se, em suas observações atinadas, mais profundas e contraditórias do que muitas vezes se supõe. Leitura agradável e instrutiva, a obra contribui para uma abordagem crítica e inovadora da herança clássica.

Pedro Paulo A. Funari – Professor Titular do Departamento de História. Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Unicamp.

Acessar publicação original

Os Pré-Socráticos – CASERTANO (RA)

CASERTANO, G. Os Pré-Socráticos. Trad. de Maria da Graça Gomes de Pina. Col. “Sabedoria Antiga”. São Paulo: Loyola, 2011. Resenha de: PEIXOTO, Miriam C. D. Revista Archai, Brasília, n.7, p.145-149, jul., 2011.

Em um prefácio escrito para o livro de I.Pozzoni, I Milesi. Filosofia tra oriente e occidente, Giovanni Casertano propõe uma reflexão que seria, a nosso ver, um preâmbulo para o seu próprio livro obre os Pré-Socráticos:

Lembro-me que quando comecei a estudar os Pré- Socráticos alguém me disse: «Ah! Quer dizer que você se ocupa do nada.”A tirada era significativa de muitas coisas; mas, para o que aqui nos interessa, ela sintetizava um modo de ver os estudos de filosofia antiga bastante sintomático. Com efeito, como todos sabem, não possuímos nenhuma obra daqueles que são designados Pré-Socráticos. Até mesmo a denominação Pré-Socráticos foi posta em duvida, mostrando-se a inadequação seja de um ponto de vista histórico (alguns Pré-Socráticos são com efeito contemporâneos de Sócrates, e alguns também de Platão), seja de um ponto de vista teorético (não é possível falar dos Pré-Socráticos como de uma categoria filosófica porque, se assim fosse, ela cobriria aspectos e doutrinas muito diferentes entre els). Mas, se falar dos Pré-Socráticos significa falar do nada, este nada, como demonstram pelo menos os estudos dos últimos cinqüenta anos, revelou-se muito substancioso.

Quando lemos o seu livro, damo-nos conta, de fato, quão substanciosa permanece ainda a pesquisa sobre os primeiros filósofos e o quanto ainda há por ser dito sobre o que pensavam. Examinemos os delineamentos que constituem, a nosso ver, a singularidade da sua “leitura”dos Pré-Socráticos e são o seu cavalo de batalha nos confrontos com os testemunhos e fragmentos que são os porta-vozes das suas opiniões e doutrinas.

Os Pré-Socráticos  nos apresenta, em forma de ensaio, um panorama da filosofia denominada Pré-Socrática compreendendo os problemas de ordem metodológica e hermenêutica, pondo em evidencia os temas e as teses mais importantes entre aqueles de que se ocuparam os filósofos anteriores a Platão em suas investigações. Este período da historia da filosofia cuja denominação foi fixada em conseqüência do emprego do termo Vorsokratiker por Hermann Diels na sua coletânea de testemunhos e fragmentos destes filósofos, mostra-se cada vez mais importante quando se percebe a sua significativa contribuição para a compreensão das filosofias de Platão e de Aristóteles. Todavia é preciso esclarecer os limites do termo para entender o caráter das informações que nos fornece sobre esta geração de filósofos. Casertano, como o fazem hoje os estudiosos mais cuidadosos em suas interpretações deste período da história da filosofia (temos em mente, por exemplo, os recentes volumes publicados ou organizados por A. Laks, entre outros), serve-se ainda do termo, como ele próprio diz, “por comodidade”, e nos recorda – são as suas palavras – que

… se é preciso conservar o adjetivo pré-socrático, ele não pode indicar uma ou mais características comuns à “filosofia”de um certo período, mas indicar apenas que um certo pensador viveu  grosso modo antes de Sócrates. (…) a novidade da atmosfera cultural que se começou a criar na Grécia e nas colônias gregas entre os séculos VI e V a.C. não pode ser determinada com base naquilo que ela “ainda não é”, isto é, a filosofia de Sócrates, e de Platão que fala de Sócrates, mas, pelo contrario, com base naquilo que ela “já não é”, ou seja, em relação às culturas anteriores à grega e à própria cultura grega antes do século VI. (p. 24-25).

Vale notar que o autor prefere falar de “filósofos pré-socráticos”que de uma “filosofia pré-socrática”, consciente da inexistência de um fundo homogêneo do qual emergiriam as suas doutrinas.

Consciente dos problemas inerentes em uma empresa desta natureza, Casertano inicia o seu livro por um exame do que ele denomina o “paradoxo da pesquisa histórica”, isto é, o desafio que representa o desejo de compreender o passado mesmo sendo homens do presente. Vejamos o que ele diz a esse respeito:

Por um lado, isto é, se queremos compreender uma forma cultural do passado, e a mentalidade própria dos homens que a produziram, não podemos atribuir àquele passado e àqueles homens esquemas e atitudes mentais próprias aos homens de hoje. Mas, por outro lado, não podemos tampouco espoliarmo- nos de todo da nossa cultura e da nossa mentalidade de homens de hoje no momento em que realizamos uma pesquisa histórica sobre uma época passada, porque qualquer que seja a investigação que desenvolvemos seremos sempre nós, hoje, a realizá- la, nós com os nossos problemas, os nossos interesses, a nossa cultura. (p. 14).

De fato, o ato de individuar temas e problemas, de selecionar as fontes a privilegiar, testemunhos e fragmentos, traz em si um elemento subjetivo que além disso determina nossas escolhas. O elenco dos Pré-Socráticos que figuram em seu livro corresponde a uma orientação que tem por escopo apresentar a emergência dos problemas que segundo o autor constituem os delineamentos mais significativos do seu pensamento. Mesmo se eles são reunidos com respeito a estes temas e problemas, não permanecem isolados juntos aos seus próximos, mas são confrontados aqui e ali para ressaltar o diálogo entre as idéias e doutrinas e tornar evidente a natureza processual do pensamento que vai de um a outro filósofo. De Epimênides aos Milésios, passando pelos Pitagóricos, pela poesia filosófica de Parmênides e dos demais eleatas, Heráclito, Empédocles, os primeiros filósofos de Atenas, isso é Anaxágoras, Diógenes de Apolônia e Protágoras, até os atomistas. Casertano insere um capítulo sobre a medicina e a matemática dos séculos V e IV que em muito concorre para a inteligibilidade do percurso proposto. Vemos aparecer, um após outro, os principais problemas dos quais se ocuparam filósofos e homens de ciência e que podem ser reunidos sob a égide daquele problema no qual todos os demais encontram a sua origem: aquele da descoberta de um cosmo eterno, sem nascimento nem morte, diferente mas não estranho ao mundo fenomênico dos nascimentos e da mortes, em outras palavras, como escreve Casertano, “uma realidade única imutável, no interior da qual se desenrolam as vicissitudes das coisas que vêm a ser e que mudam”, “uma única realidade que, para ser compreendida, deve ser estudada e pensada a partir de dois pontos de vista: aquele da totalidade e da unicidade, e aquele da particularidade e da multiplicidade”(p. 84).

Ao longo de seu livro, Casertano deixa aparecer os diversos matizes desta enquête, identifica os núcleos problemáticos e as linhas de reflexão comuns, mostrando como emergem, no seu interior, os outros problemas que configuram horizontes de investigação: a alma, o conhecimento, a linguagem e a ética, diferentes campos de manifestação dos basilares problemas da unidade e da multiplicidade, da identidade e da diferença, do visível e do invisível. Neste fundo emergiu a reflexão sobre o corpo e sobre a alma, sobre o conhecimento sensível e o intelectivo, nos  quais  estes  aparentes  opostos  são considerados  em  sua  imediaticidade  e contigüidade.

Enfatiza-se, a cada vez, o caráter de ruptura, particularmente no campo das certezas, seja no que concerne a continuidade com relação à tradiçao mito-poética grega, seja no que concerne aos aspectos da cultura precedente. Em suma, na sua crítica aos estudiosos que afirmam uma radical contraposição ou a mecânica passagem de uma mentalidade a outra, Casertano adverte:

…é importante não formar uma idéia simplista da passagem de uma época e uma cultura afilosóficas ou pré-filosóficas a uma época e uma cultura em que a filosofia nasce e floresce: ou seja, não se forme a idéia de um “salto”ou de um só “passo crucial”no nascimento daquele tipo de pensamento e de mentalidade que chamamos filosóficos, nem se forme a idéia de um progresso continuo e pacífico de uma mentalidade “alógica”e “irracional”a uma nova mentalidade “lógica”e “racional”. (p. 21-22).

Na reconstrução das doutrinas dos Pré- Socráticos, evidencia-se os aspectos inovadores que caracteriza cada um deles em sua singularidade e, em particular, apresenta-se os elementos que permitem ver a emergência de uma indagação sobre o próprio método de pesquisa e atesta a sua crescente consciência de sua necessidade para se alcançar uma autentica compreensão do macrocosmo e dos seus microcosmos.

A título de exemplo, gostaria de assinalar alguns dos momentos de sua interpretação que incitam a pensar e a repensar os lugares comuns que entrevemos nas diversas empresas de interpretação dos Pré-Socráticos.

No quarto capítulo, intitulado “A poesia filosófica do VI e V século”, ao apresentar a cosmologia de Xenófanes, Casertano defende que encontra-se ali o que poderia ser considerado a idéia-chave para entender o cenário no qual se desenrola a investigação dos primeiros filósofos, a qual se traduz na identificação dos dois planos da realidade cósmica: aquele do que vemos, domínio dos fenômenos, que no movimento dos seus elementos fundamentais encontram-se presos no céu do compor-se e decompor-se, e aquele dos elementos constitutivos, eternos, que não conhecem nem nascimento nem destruição. Este duplo aspecto da realidade concerne o conjunto dos Pré-Socráticos.

A propósito de Parmênides, Casertano observa que o programa do saber revelado pela deusa abraça “todo o campo do saber humano, quer o que a deusa chama de verdade, quer o que chama de experiências”, e acrescenta que “o fato de que das experiências não se possa obter uma pistis alethes, isto é, uma crença, uma certeza verdadeira, não significa que elas não tenham nenhum valor, mas apenas que elas têm um valor diferente das primeiras…”(p. 86). Parmênides é apresentado como o inventor de um método de pesquisa – posição esta que já havia defendido o autor em seu  Parmenide il método la scienza l’esperienza  (Nápoles, 1989) – cujo pressuposto teorético consiste em reconhecer que “as leis que governam a realidade governam também o pensamento que reflete sobre a realidade”(p. 85), o que se pode concluir, segundo ele, da interpretação do fragmento 3: “de fato é a mesma coisa pensar e ser”(DK 22 B 3). Como conseqüência sustenta a tese que Parmênides “concebe fisicamente aquilo que é ”, isto é, o “to eòn “não seria outra coisa que “o cosmo entendido na sua totalidade”, o cosmo inteiro, uno-todo dos Pré-Socráticos, eterno, fora do tempo, que não nasce e não morre, imóvel; e “ta eònta ”, “as coisas que são”, as coisas que nascem e morrem, as coisas que se movem, que mudam, isto é a multiplicidade dos fenômenos. Casertano nega assim a existência de duas realidades distintas, afirmando não haver uma

contraposição  entre realidade e não-realidade, entre um “ser”metafisicamente pensado e um “aparecer”que é condenado, mas antes uma distinção entre o discurso que se deve fazer sobre a realidade como uno-todo e o que se deve fazer sobre a realidade como multiplicidade de fenômenos. (p. 86).

A novidade de Parmênides comporta, segundo Casertano, um duplo aspecto: 1/ se “estabelece claramente estas afirmações como conseqüência de dois  métodos diversos de ler a mesma realidade”; 2/ se “justifica logicamente as suas afirmações fazendo referencia ao ‘princípio de não contradiçao’ que depois será teorizado por Aristóteles.”

Quanto aos Pitagóricos, Casertano começa por distinguir, seguindo os passos de Aristóteles, os “primeiros Pitagóricos”e os “segundos Pitagóricos”. Esta distinção constitui uma premissa importante para a interpretação dos Pitagóricos Pré-Socráticos, sobre os quais, segundo o autor, “há pouca história e muitas lendas”. Com base nas concepções comuns aos outros Pré-Socráticos, Casertano se recusa a atribuir aos primeiros Pitagóricos a doutrina da metensomatose, considerando não encontrar ainda formulada uma nítida distinção entre alma e corpo, para o que se apóia nos testemunhos de Platão e de Aristóteles sobre os Pitagóricos nos quais não se faz nenhuma referencia a uma doutrina semelhante. A sua perspectiva aproxima ainda mais os primeiros Pitagóricos dos outros Pré- Socráticos.

No campo das reflexões comuns, Casertano aproxima Pitagóricos e Heráclito em torno da doutrina dos contrários: “O tema da discórdia e da disputa se conjuga com aquele Pitagórico da harmonia-tensão dos opostos.”Um outro ponto de contato entre Heráclito e os primeiros Pitagóricos concerne a interação alma-corpo. Ele o aproxima, ainda, de Parmênides, para fazer de sua enquete a primeira reflexão grega sobre o problema da linguagem e do conflito no “nomear”dos homens. No âmbito da reflexão sobre o problema da linguagem, e em estreita conexão com o problema da possibilidade de um conhecimento verdadeiro, muitas são as perspectivas presentes nos testemunhos, e não somente no que se refere aos sofistas.

Um outro aspecto característico da interpretação de Casertano, consiste em seu esforço em evidenciar o nexo estreito que liga cosmologia e antropologia. Seguindo a via de uma espécie de historia natural se faz derivar dos mesmos princípios cosmológicos uma explicação da vida dos organismos singulares inscritos em um processo de evolução no qual pretendem compreender ao mesmo tempo a vida humana individual e coletiva. Este filão, que começa com Anaximandro, encontra a sua formulação mais complexa em Demócrito e Protágoras. Entre outras coisas, eles se interrogam sobre a geração dos viventes, sobre os papéis respectivos do macho e da fêmea, avançando hipóteses até mesmo no terreno da embriologia.

Com o capitulo sobre os filósofos de Abdera chegamos ao fim deste longo e denso percurso, e reencontramos em seu pensamento não apenas os diversos temas e problemas já presentes nas enquetes dos seus predecessores, e com novas formulações, mas também outros ainda não considerados. De fato, nenhum outro mais que Demócrito diversificou suas vias de enquete. No terreno da física, Casertano reconhece a herança eleata, segundo ele “um modelo ao qual o pensador cientifico não podia mais renunciar”. Tornara-se imperativo encontrar hipóteses aptas a explicar a realidade, escreve o autor, “que mesmo sendo logicamente – racionalmene – corretas e coerentes, oferecessem ao mesmo tempo uma valida justificação de todos os fenômenos particulares, e principalmente do homem, da sua historia, da sua vida”(p. 185). E assim é introduzida a noção de átomo, o qual considera uma solução para o problema levantado na escola eleática: “Todos os corpos dos quais temos experiência são divisíveis, mas para explicar esta sua divisibilidade e as qualidades diversas que eles assumem e as transformações às quais estão sujeitos, é preciso admitir que todos são constituídos por elementos indivisíveis.”(p. 185). Entram em cena os átomos! Ainda uma vez, Casertano encontra ocasião para estabelecer conexões entre as diferentes doutrinas, e o seu esforço para resolver os problemas enfrentados pelos  seus  autores.  Além  de  uma  rica apresentação e discussão dos testemunhos sobre a física dos atomos, nós encontramos no capitulo em que se ocupa dos atomistas, uma exposição acerca de sua historia natural, de sua reflexão sobre o conhecimento e sobre a educação, para alcançar, como conseqüência natural do percurso feito, a um exame dos testemunhos que tratam dos diversos temas presentes em sua reflexão ética: a felicidade, o prazer, o belo, a amizade e a vida política.

Este ensaio, cuja tradução em língua portuguesa inaugura a coleção “Sabedoria Antiga”das Edições Loyola, não é somente mais uma apresentação geral dos filósofos Pré-Socráticos, embora seja também esta a sua finalidade. Se o volume pode ser considerado uma apresentação de conjunto para quem quer conhecer este capitulo da historia da filosofia, é também verdade que ele constitui uma sedutora provocação que nos convida a revisitar estes filósofos, a recolocar em discussão as interpretações  de que foram objeto desde a Antiguidade até os nossos dias.Se è verdade, como pensa Casertano, que a obra de “reconstrução do passado é obra que nunca termina”, estamos de acordo com ele quando afirma que o valor das nossas conclusões e soluções reside precisamente em sua capacidade de suscitar novos problemas e de abrir novas perspectivas para a investigação (p. 13). Encontramos ao longo destas paginas leituras polêmicas e interpretações inusitadas, mas tudo isso não faz senão tronar ainda mais interessante a leitura deste volume. Ele convida o leitor, especialista ou não, a colocar em ação o seu pensamento, a confrontar testemunhos e fragmentos e a dar a sua contribuição para este trabalho interminável de reconstrução e interpretação do legado dos filósofos Pré- Socráticos. O livro é assim coerente com o critério estabelecido pelo próprio autor para a avaliação dos resultados de um trabalho de pesquisa: a sua capacidade de “propor novos problemas e abrir novas vias de investigação”!

Miriam C. D. Peixoto – Professora da Universidade Federal de Minas Gerais. E-Mail: [email protected]

Acessar publicação original

Um Paradigma no Céu: Platão político, de Aristóteles ao século XX – VEGETTI (RA)

VEGETTI, Mario. Um Paradigma no Céu: Platão político, de Aristóteles ao século XX. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: COSTA, Thiago Rodrigo de Oliveira; CORNELLI, Gabriele. O grau zero da hermenêutica platônica. Revista Archai, Brasília, n.6, p.139-141, jan., 2011.

Com esta obra madura de um dos maiores comentadores de Platão, Mario Vegetti, o acervo da literatura sobre a interpretação platônica em língua portuguesa ganha uma pedra fundamental de comparação e um alento novo. Mario Vegetti, organizador de um  monumental comentário da República, publicado em sete volumes pela editora Bibliopolis (1996- 2007) e autor da já celebre L’etica degli antichi (Bari, Laterza, 1989), entre outras obras de referência, dedica-se na presente obra, traduzida e publicada na Coleção Archai, à história da interpretação do Platão político “de Aristóteles até os nossos dias”. Com uma calma apresentação dos argumentos e um ritmo delicadamente marcado, o “Platão político “1  de Mario Vegetti (p. 25-42) emerge em meio a uma pluralidade de paradigmas 2 que de uma maneira ou de outra estabelecem uma relação com o discurso de Platão. Esta relação se constitui no interior de um  tópos  determinado do texto platônico e a partir de uma posição particular do leitor em relação ao  tópos  daquele texto. A conjugação do  tópos  e da posição do leitor em relação ao mesmo determinará uma perspectiva, e é a partir desta perspectiva, no interior de um dado paradigma do leitor, que se produzirá uma imagem, leitura ou tradução de Platão, ou no presente caso, do  Platão político.

O problema que opera como “pano de fundo”no livro de Vegetti é aquele de como estabelecer uma relação com o texto platônico que não possa ser reduzida à imagem do texto que a própria relação produz. Em outras palavras, é possível  ler  Platão? No confronto com este problema Vegetti teve de enfrentar a pluralidade de leituras, imagens, ou traduções de Platão e, consequentemente, de paradigmas a estas subjacentes.

Para Vegetti toda esta pluralidade de leituras que, na modernidade, vão do “teórico do ‘ideal’ com Kant e, ao invés, um teórico da ‘realidade substancial’ com Hegel”(p. 275) ao “Platão liberal e socialista com Grote, Pölhmann e Natorp, bolchevique com Russell, fascista ou comunista com Crossman, nazi e racista com Hildebrandt e Günther, totalitário com Popper, democrático em certas versões americanas”(ibidem), não constituem um erro hermenêutico a ser devidamente denunciado. Todas elas de algum modo se constituíram numa relação com o próprio texto de Platão, e não poderiam ter emergido se de alguma maneira o texto de Platão não as possibilitasse. O primeiro desafio é então lidar com o horizonte virtual aberto pelo texto ele mesmo. Permanece “o fato de a fluidez das situações discursivas nas quais os traços se acham inseridos  autorizar  uma  pluralidade  de interpretações possíveis”(p. 272).

Para Vegetti é o contrário do erro, em sentido estrito, que se encontra em jogo. Toda essa pluralidade de leituras de Aristóteles aos leitores do século XX nos permite enxergar “algo”do texto primeiro, “algo”daquele texto sobre o qual o comentário se exerce. E é esse “algo”, evidenciado pelas leituras efetuadas pelos comentadores, que interessa ao hermeneuta e ao historiador; interessa não tanto pelo que ele possa vir a dizer propriamente do texto primeiro, mas sobretudo pelo que ele pode mostrar da própria relação que o comentário efetua com o texto comentado. E é esta a relação que vegetti percorrerá ao longo de seu livro. 3

A polissemia estrutural dos textos platônicos, e a relativa autonomia da tradução dos três diálogos especificamente políticos, ajudam a explicar a amplitude da gama de interpretações  legitimamente possíveis, e estes, por sua vez, contribuem para melhor compreender a forma constitutiva irredutível do “fazer filosofia”por parte de Platão (p. 274). 4

Por outro lado é porque o texto segundo, ou o comentário, estabelece uma relação com o texto primeiro, o texto comentado, que ele pode ser  utilizado  também  como  uma  chave hermenêutica. Esta chave não abre efetivamente o “pensamento”de um autor, ela acessa um universo incorpóreo de discurso aberto pelo autor e que está em relação com o sentido do discurso efetivamente grafado pelo autor.

Daí porque o erro, propriamente dito, deva ser procurado em outro lugar. E este é mais um lugar fenomenológico que hermenêutico. É uma certa disposição  que o comentário estabelece em relação ao texto comentado que constitui o erro propriamente. Consistindo esta disposição em um intuito  de esgotar toda a superfície do  tópos  do texto primeiro. Tal pretensão é aparentemente satisfeita na medida em que o comentário percorra a série de enunciados (termo a termo) que constituem o  tópos  analisado. Contudo Vegetti nos mostra, em seu livro, que esta série pode ser percorrida por diversos paradigmas e de múltiplas formas, dentre as quais a leitura operada por este ou aquele comentário é apenas uma de muitas, uma de uma pluralidade possível. 5  Este é, por exemplo, o cerne de sua crítica a Hegel (p. 82) que ao comentar a  República a desloca do seu domínio próprio (que é um lugar de alteridade, ou o lugar do Outro) para aquele concernente ao seu (próprio, de Hegel) entendimento da filosofia (pp. 73-82). O erro das leituras se encontra na pretensão que instituem de abarcar por completo uma série aberta ao infinito. Quando Hegel, dentre outros, identificam no texto primeiro  um certo  sentido, eles excluem simultaneamente todos os  outros  sentidos abertos pelo texto primeiro, e o texto segundo passa a edificar e solidificar a imagem do primeiro, o que poderia não ocorrer, mas que em geral ocorre, quando Hegel escreve que o objetivo da República é das  griechische  Staatsleben,  ou  o Staatsorganismus, que Platão é intérprete do  “Geist vivo nele como no  Volk da Grécia ”,  da “substância ética do povo”como “todo vivo orgânico [ eine lebendig organische Ganz ] ”, ele inscreve o pensamento político de Platão, mesmo independentemente das suas intenções, numa rede conceitual que condicionará por muito tempo quer a sua interpretação, quer a gama de avaliações contrapostas (p. 82).

Se cada comentário, ao recortar um certo tópos a partir de uma posição particular no interior de um paradigma, estabelece uma relação com o texto primeiro evidenciando nele um certo número de elementos e de relações, então é tudo isso que se perde quando um texto de segunda ordem específico recusa os demais em favor próprio.

Mas Vegetti nos mostrará ainda um outro aspecto deste problema que o faz cunhar o conceito de “grau zero da hermenêutica”(p. 32) e que também participará decisivamente da articulação subterrânea de seu livro.

O comentário, ou texto de segunda ordem, não apenas evidencia, ou faz emergir, como afirmamos anteriormente, um certo número de elementos e relações do texto primeiro. O comentário também é responsável por promover a visibilidade de uma articulação específica entre os elementos que destaca do texto primeiro. Esta articulação longe de ser apenas a reatualização da articulação própria do texto comentado, ainda que jogue com aquela, é responsável pela construção de uma transversal entre os paradigmas primeiro e segundo. 6  E esta transversal é uma das condições de possibilidade do comentário, e o que poderia vir a ser esta transversal senão, em certo sentido, uma tradução?

Mas o que pode ser esta tradução transversal senão um modo de interação dos dois textos que não se identifica com eles mas que efetua entre eles uma articulação? Mario Vegetti nos mostrou que esta transversal tem sido constituída, pela crítica do Platão político desde a antiguidade, pelos modos da: 1. alegoria (p. 62); 2. metáfora (pp. 62, 209, 211 e 237); 3. utopia (pp. 64, 194, 201, 205-7 e 257ss); 4. ironia (pp. 64, 194, 207, 209-11, 216 e 218); 5. comédia (p. 211-2) e 6. ficção (p. 263).

Todos estes modos de interação realizam uma operação sutil: deslocar a verdade do discurso platônico para o discurso que o comenta. Platão, nos dirá Vegetti, “parece demasiado importante para a autoconsciência da tradição intelectual e política Ocidental”(p. 275). A verdade de Platão, dado o conjunto das estratégias de assimilação, está “fora dele”(p. 276), se encontra, muito antes, “nas posições da modernidade”(ibidem). São elas que a colocam em jogo, a validam, a legitimam ou não. Em todo caso o Outro é silenciado pela tradução operada pela transversal; e se lhe ocorre permitir o pronunciamento é apenas para que esse discurso seja recolhido, e devidamente neutralizado pelo comentário. Trata- se, dirá Vegetti, de uma “estratégia de neutralização”(p. 275) do discurso platônico em sua “diferença  radical”(p. 277), na “distância “(ibidem) relativa que mantem de nós. O projeto hermenêutico de Vegetti supõe, pelo contrário, que “distanciar Platão é, talvez, o melhor modo para o tornar mais uma vez interessante”(p. 283), “‘bom para pensar’ também as questões do nosso presente”(p. 277).

Notas

  1. Expressão com a qual Vegetti reúne uma série de discursos de caráter político na obra de Platão.
  2. Vegetti ao se referir aos discursos dos comentadores de Platão, em particular daqueles que comentaram os aspectos políticos da obra de Platão, usará a expressão ‘paradigma’ para se referir ao horizonte a partir do qual os comentadores assimilam o discurso platônico de uma determinada maneira. Por exemplo, o paradigma de Kant é seu idealismo que atua na constituição da sua leitura de Platão (Ver VEGETTI, 2010, p. 67-73).
  3. Vegetti propõe, penso, um certo projeto hermenêutico no qual o pensamento filosófico, no nosso caso o de Platão, “não pode ser reduzido [grifo meu] a um sistema unívoco de significados”(p. 273).
  4. Grifo nosso.
  5. “É certo, todavia, que cada decisão demasiado drástica que reduza [grifo meu] a filosofia de Platão ao quadro de uma opção exegética exclusiva corre o risco de ser viciada por um preconceito do intérprete”(p. 272).

Thiago Rodrigo de Oliveira Costa – Mestrando pela Universidade de Brasília em História da Filosofia Antiga e Medieval, membro da Cátedra UNESCO Archai: as origens do pensamento ocidental da Universidade de Brasília, orientando do professor Gabriele Cornelli, coordenador da Cátedra UNESCO  Archai, e membro do grupo  Episteria  da Universidade de Brasília.

Gabriele Cornelli – Coordenador da Cátedra UNESCO Archai: as origens do pensamento ocidental  da Universidade de Brasília; Docente e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da mesma Universidade; Secretário da Sociedade Brasileira de Platonistas e Presidente Eleito da International Plato Society.

Acessar publicação original

Testemunhos, fragmentos, discursos – ANTIFONTE (RA)

ANTIFONTE. Testemunhos, fragmentos, discursos. Edição Bilíngue (grego-português). Prefácio e Tradução por Luís Felipe Bellintani Ribeiro. São Paulo: Edições Loyola, 2008. Resenha de: COSTA, Alexandre. Revista Archai, Brasília, n.6, p.135-138, jan., 2011.

Elogie-se de imediato a feliz iniciativa do tradutor e organizador desta edição, da qual resulta um volume como deve ser para este caso: muito bem prefaciado, ainda que sucintamente, exemplarmente traduzido e apresentado em edição bilíngue. A respeito deste último aspecto, deve- se ressaltar que se trata de uma decisão mais do que ajustada, necessária, visto que uma obra com este perfil, direcionada que é a um público especializado, não teria o menor sentido de ser publicada se não ofertasse, lado a lado com o trabalho de tradução, os textos do autor em seu idioma original, o antigo grego. Dentre os testemunhos, fragmentos e discursos que compõem a edição, há alguns poucos que foram conservados em outras línguas que não o grego, caso do latim e até mesmo do alemão, todos vertidos para o português com igual competência.

Vale também destacar, a título de reconhecimento, que embora os textos sejam de autoria de Antifonte, Luís Felipe Bellintani Ribeiro 1 pode e deve ser considerado o autor, não dos textos, claro está, mas da sua edição, ainda que sua assinatura conste apenas como prefaciador e tradutor do volume. Quem lida com a tradução de textos clássicos sabe perfeitamente bem que a tarefa de traduzi-los para o vernáculo é apenas uma das muitas que têm que ser enfrentadas e concluídas para que se leve a cabo uma empresa de tal natureza e alcance, resultando por isso num trabalho sempre muito mais autoral do que pode parecer à primeira vista. Isto posto, permito- me referir-me a Ribeiro de agora em diante como o autor deste volume dedicado ao que nos restou das obras de Antifonte.

Concluindo as considerações gerais a respeito da edição aqui em análise, deve-se louvá- la também pela preciosa contribuição que presta aos estudos na área de filosofia e literatura antiga em nossa língua, enriquecendo-nos ao oferecer a possibilidade de travar contato mais estreito e mais bem orientado com a obra e com o pensamento de um eminente porém pouco estudado filósofo, sofista e orador grego do século V a.C.

Convém observar que não estamos diante de uma edição crítica na acepção do termo. Os critérios científicos e formais para tanto passam, entre outros aspectos, pelo manuseio direto dos papiros e fontes doxográficas diversas que contêm os textos através dos quais a obra de um determinado autor nos foi legada, ainda que fragmentariamente, como é o caso da imensa maioria dos autores gregos do período em questão,  cujas  obras  originais  foram lamentavelmente perdidas. Nosso acesso a elas, além de se dar por meio de fragmentos, constitui- se por intermédio do que se convencionou nomear por esse motivo tradição doxográfica  indireta. Uma vez mais, quem lida com essa atividade e ofício conhece bem do que se trata, e reconhece, igualmente, que a conclusão de uma edição formalmente crítica redunda num trabalho substancialmente diferente se comparado a este outro gênero, igualmente crítico, em que se apresenta um trabalho de tradução que se permite ser mais audacioso e autoral justamente porque colige e decide tanto a seleção, como a ordem e as possíveis variantes dos textos de acordo com os critérios que considerar os mais acertados. A esse respeito, o autor talvez pudesse ser um pouco mais generoso na explicitação de seus critérios de seleção. Não que não estejam expostos, mas poderiam ser mais largamente considerados.

No presente caso, esse aspecto autoral revela-se especialmente acirrado, já que ninguém sabe exatamente ao certo quem foi e quantos foram Antifonte, o que obriga o autor a fazer uma série de decisões capitais, tornando o seu “corte”e a sua relação com o conjunto dos textos algo consideravelmente pessoal. Ele terá que decidir, por exemplo, quem é Antifonte ou qual dentre os possíveis Antifontes será ou não incluído na obra, sem que possa, no entanto, contar com informações efetivamente seguras a esse respeito e sem poder ter, por conseqüência, a pretensão da última palavra, por mais versado possa ser no assunto. Quanto a isso, diga-se logo, a sensibilidade de Ribeiro para este delicado problema que o autor expõe sintética porém agudamente no prefácio é novamente exemplar.

Por essa razão o prefácio é quase que integralmente dedicado à consideração desse problema, uma vez que precede à própria necessidade de apresentação da vida e da obra de Antifonte, afinal, como fazê-lo se não há qualquer consenso acerca de quem tenha sido? Diante disso, o autor argutamente participa ao leitor do incrível leque de possibilidades a respeito, tomando a igualmente arguta postura de quem sabe que, por vezes, aprofundar o problema requer precisamente não querer solucioná-lo a todo e qualquer custo, o que exige o difícil exercício de abandonar a nossa costumeira ânsia por soluções definitivas e pretensamente incontestes. Ribeiro não “fecha”um Antifonte, abre-o praticamente em todas as suas possibilidades, enriquecendo-o. Essa postura é tão fundamental quanto determinante para o desenho da obra, posto que os textos que poderiam ou não fazer parte da edição ficam definidos de acordo com essa decisão. Caso se decidisse exclusivamente por este ou aquele suposto Antifonte, a edição poderia resultar num volume de texto muito inferior àquele que apresenta. A decisão do autor favorece, portanto, a diversidade e a extensão do material que nos oferece à leitura.

Para que se tenha uma ideia da complexidade do problema, uma rápida consulta ao  The Oxford Classical Dictionary inteira-nos da existência de três distintos Antifontes, apresentando-os portanto em verbetes diferentes, mas, em todos eles, zela por indicar a possibilidade de que sejam um e o mesmo Antifonte. Daí que o prefácio presta-se sobremaneira à problematização dessa pergunta pela vida e pela obra do autor a quem o volume se dedica. Ficamos sabendo que essa pluralidade construiu-se historicamente em conformidade com os vários e desencontrados testemunhos doxográficos, muitos deles constando da primeira grande parte da edição, em que o leitor encontrará o melhor modo de tatear tamanha pluralidade.

Neste ponto, sublinhe-se a fluidez que o autor revela nesse pedregoso terreno. É que por esse motivo a atual literatura especializada divide-se em duas correntes principais: a dos separa-tistas, que distinguem pelo menos mais do que um Antifonte, e a dos unitaristas, que defendem a ideia de se tratar de um único autor desdobrado em vários afazeres e múltiplos talentos. A questão torna-se ainda mais aguda quando se atenta para o fato de que, sendo Antifonte um ou vários, é certo que uma dessas faces é a de um sofista, o que tenderia a favorecer a corrente separatista, plural, dada a noção que geralmente carregamos a propósito da sofística e de sua heterodoxia.

Em meio a esse mar de incertezas, Ribeiro não cede a nenhuma dessas duas linhas e finca os seus pés na decisão que beneficia a sua edição com o máximo de liberdade e pluralidade textual, tal como referi acima. Afastando-se da obsessão por definir quem foi ou quem foram Antifonte, o autor escolhe todos eles a um só tempo, afinal, se o problema mostra-se de fato insolúvel, o que legitimaria este ou aquele corte? Sobre Antifonte fica-nos apenas a certeza de que foi figura(s) absolutamente fascinante(s), desde orador a logógrafo; desde mestre de retórica a intérprete de sonhos; desde poeta trágico a sofista, passando ainda pela quase inaudita função de logoterapeuta, aquele que defendia poder curar as pessoas de suas mazelas e tristezas através do discurso. Digo “quase inaudita”pois parece que Empédocles, a crer em seu próprio testemunho, já fazia o mesmo 2.

Quanto ao trabalho de tradução propriamente dito, o autor revela grande intimidade com o idioma de origem dos textos, deixando exalar de suas versões para o português notória fluência na língua a que se propõe traduzir, do que resulta um trabalho de homogênea excelência ao longo de todo o extenso material apresentado, dividido em três partes: testemunhos, fragmentos e discursos. A seleção desse material revela também notório entusiasmo pelo autor a quem se dedica e considerável fôlego. Assinale-se ainda a boa qualidade do texto em português, elementos que nem sempre andam juntos em matéria de tradução, a saber, (1) a proficiência na língua a ser vertida e (2) a correção de forma e a agradabilidade de estilo na língua para qual os escritos são vertidos.

Alguns senões, contudo, devem ser referi- dos, todos muito mais formais do que de conteúdo: a) a opção de entremear os textos de Antifonte com comentários seus, seja para esclarecer algum termo ou situação, seja para aclarar o teor de uma determinada tradução ou para aludir este ou aquele problema de caráter filosófico, fazendo-os constar ali entre parêntesis, parece-me solução não-satisfatória; o uso de notas de rodapé deixaria não só os textos de Antifonte visualmente mais limpos como estilisticamente mais fluidos, assim como legaria ao leitor maior liberdade quanto a ler e quando ler os referidos comentários; b) sente-se a falta de índices que só enriqueceriam a edição, não como se fossem um desnecessário artigo de luxo, mas porque auxiliam efetivamente o estudioso que ambiciona empreender um mergulho mais incisivo nos escritos apresentados; neste sentido, um índice onomástico e um índice dos termos gregos mais relevantes seriam de grande apreço, e (C) apesar da boa qualidade do prefácioaqui justamente elogiado por conseguir brevidade e agudeza simultaneamente –, o grau de complexi- dade das questões em torno ao estabelecimento da obra de um autor tão rico quanto controverso mereceria  uma  introdução,  em  que  se ampliassem e se aprofundassem o sem-número de questões e de problemas de interesse, inclusive de conteúdo genuinamente filosófico, como a questão da oposição entre phýsis e nómos que, não contando com um maior número de páginas, viu-se obrigado a quedar-se um tanto espremido em meio às poucas páginas do prefácio. Se esta constitui uma das poucas reticências à edição, por outro lado só o é porque o autor dá claras mostras que poderia fazê-lo melhor e mais extensamente; qualidade e entusiasmo não lhe parecem faltar.

Por fim realço novamente a sábia opção por ampliar ainda mais a já ampla figura de Antifonte: a definição do autor pela indefinição acaba tornando ainda mais fascinante e plural um personagem já sempre plural e fascinante. Quem é Antifonte? Também não sei, estão aí os textos! O que, por sua vez, exige encerrar esta resenha com um misto de solicitação e incentivo que tal um segundo volume, dedicado à interpretação dos diversos escritos do(s) múltiplo(s) Antifonte(s)?

Notas

  1. Professor do departamento de filosofia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, Rio de Janeiro.
  2. EMPÉDOCLES, B112, 8-12: “venerado sou por homens e mulheres, que me seguem, aos milhares, querendo saber por onde é o caminho ao lucro, alguns carentes de oráculos, outros com doenças de todo tipo, consultam-me para ouvir minha palavra de cura, longamente traspassados de graves dores.”

Alexandre Costa – Doutor em filosofia pela Universidade de Osnabrück, Alemanha. Publicou dois livros sobre o pensamento e a obra de Heráclito de Éfeso: Heráclito: fragmentos contextualizados (Edição brasileira: Rio de Janeiro, Difel, 2002/Edição portuguesa: Lisboa, INCM, 2005) e Thánatos: da possibilidade de um conceito de morte a partir do lógos heraclítico  (Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999)..

Acessar publicação original

Platão – TRABATTONI (RA)

TRABATTONI, Franco. Platão. São Paulo: Annablume, 2010. Resenha de: SANTOS, José Trindade. Revista Archai, Brasília, n.5, p.143-146, jul.2010.

1. Que leva um professor de Filosofia Antiga a escrever um livro de introdução a Platão? Penso que, em primeiro lugar, o dirige aos seus alunos, e só depois inclui no seu projeto os alunos dos outros. Mas, creio que ninguém se decide a escrever uma obra introdutória a Platão e ao platonismo se não for movido por uma ideia. No caso de Franco Trabattoni, defendo que essa ideia foi mostrar que o Mestre da Academia é um pensador anti-dogmático.

Entre alunos e manuais, a voz corrente encara Platão como o arquétipo do filósofo dogmático. Teorias que defendem a existência de Ideias inteligíveis desvalorizando a experiência sensível, que afirmam que o conhecimento não passa de reminiscência, que uma flor só é bela porque participa da Beleza, que há “para além da essência”um bem que tudo rege, só podem ser entendidas como construções ideológicas sustentadas dogmaticamente. E, de fato, quem substitui a leitura dos diálogos pela memorização das “teorias”platônicas só pode ler Platão dogmaticamente.

Não importa aqui apurar quem são os responsáveis por essa opção didática, se alunos, professores ou manualistas; nem esse pensamento terá passado pela mente do Autor quando esboçou a presente obra. Sua intenção terá sido, sim, mostrar que Platão pode ser lido como  um pensador anti- dogmático, deixando ao leitor a decisão sobre se deve ser lido por esse viés.

1.1 Por isso, o Autor começa por apontar que, ao contrário do que ocorreu com a generalidade dos filósofos, o Mestre da Academia compôs todo o seu Corpus  na forma dialógica. Essa opção há muito constitui tópico de debate e um mistério. Mas este é adensado pela circunstância de – podendo fazê-lo! –, enquanto filósofo, Platão se excluir de participar nas disputas e investigações que, por escrito, legou à posteridade.

É como consequência desta sua decisão que o registo escritural do “seu pensamento”ficará para sempre como uma obra aberta, sujeita e recomposições periódicas. É ainda por essa razão, agravada pela variação das perspectivas pelas quais é abordada em diversas épocas e culturas, que a reinterpretação da obra platônica – entre nós imposta pela sua inclusão nos currículos escolares – tem sido constante desde a Antiguidade.

Nos últimos dois séculos, as tendências da crítica convergiram em três perspectivas concorrentes. Unitaristas, evolucionistas e analíticos propõem três visões da obra platônica, consoante se concentram na definição da unidade ideológica do Corpus,  no fio evolutivo extraído da análise cronológica da sua produção, ou simplesmente optam por abordar cada diálogo como uma peça autônoma, abstendo-se de o relacionar com o Corpus platônico.

2. Reconhecida a inutilidade do debate sobre os méritos relativos destas três tendências, a partir de meados do séc. passado outras se afirmaram, apoiando-se em critérios têcnicos, temáticos, estilísticos ou de outra natureza. É neste grupo que o Autor da obra em apreço se incluiu, ao optar por esboçar uma estrutura problemática que, de forma não evidente, se apoia numa leitura evolucionista do pensamento platônico.

2.1 Após um capítulo introdutório (15 pp.), dedicado a questões de composição e interpretação do pensamento platônico, a análise do Corpus acha- se organizada em três partes de desigual extensão (não assinaladas no texto).

Os capítulos II a IV (43 pp.) condensam a temática ética e política nas duas linhas polêmicas que atravessam os diálogos “socráticos”, orientando a crítica para os alvos fornecidos pela cultura tradicional e pela sofística. Passado um breve capítulo que abre para questões epistemológicas (13 pp.), a II parte da obra (131 pp.) concentra-se no estudo da metafísica e epistemologia dos diálogos sobre as ideias (ênon, Fédon, Fedro, Banquete, Crátilo, República). Focando a temática da alma, a análise conduz o leitor, através da consideração do amor e das propostas educativas, à teoria ética e política da República. Começa então a III parte (117 pp.), concentrada, primeiro, nos “diálogos dialéticos”(Teeteto, Sofista: cap. XI), depois no “problema do bem no homem e no cosmos”(Filebo, Timeu: cap. XII), finalmente, no “último pensamento político de Platão”(Político, Leis: cap. XIII).

A obra é rematada por um breve apêndice (não identificado como tal) que debate a substância das “doutrinas orais”(cap. XIV), ao qual se seguem bibliografias diferenciadas e um índice de citações (onde falta a paginação).

2.2 Embora praticamente toda a produção platônica seja coberta, os diálogos recebem tratamentos desiguais. Enquanto a obra “socrática”– à qual é concedida atenção passageira –, é abordada topicamente, a problemática dos diálogos “metafísicos”é estudada em profundidade e extensão. No entanto, só na III parte cada diálogo tratado é abordado separadamente, sendo concedida atenção pouco usual à última produção escrita atribuída ao filósofo: As leis.

Esta assimetria serve as intenções do Autor, que nunca deixou de visar os interesses de três públicos muito diferentes. Ao público leigo oferece uma visão global do pensamento platônico, a um tempo rigorosa e acessível. Aos estudantes proporciona a compreensão da unidade e diversidade do platonismo escrito, perpassada por muitas visões e interpretações originais dos problemas postos pela leitura dos diálogos. Finalmente, aos professores fornece um guia de leitura que, destacando o essencial do acessório, separa os programas de pesquisa da sua concretização nos textos e ilumina o sentido do estudo aplicado e profissional dos diálogos e da filosofia platônica.

Na simplicidade com que deve ser apresentado um trabalho introdutório, há muita reflexão sobre a obra do filósofo, que reflete o conhecimento da diversidade das interpretações que tem recebido da parte dos comentadores. Por isso, a opção entre expor as doutrinas e criticá-las é sempre ultrapassada com critério, de modo a não deixar de fora nada que a tradição comentarista recente considere relevante. Por fim, sem se substituir à leitura dos diálogos, a obra ajuda o leitor a trabalhá- los furtando-se a aprisioná-lo na teia dogmática das “doutrinas”, resumidas para consumo escolar, deixando-o entrever os anseios e projetos que conferem sentido à composição dos diálogos.

2.3 A I parte trata o grupo “socrático”(no qual parte do Teeteto  é oportunamente incluída) como um projeto crítico da cultura grega e do movimento sofístico. Sem se comprometer ideologicamente, o A. deixa o leitor entrever que o conflito com a abordagem autonômica corrente, substanciada pela generalidade dos interlocutores de Sócrates, é explicado pela adesão de Platão à proposta axiológica heteronômica do bem (33-34).

Após o capítulo que separa os diálogos “socráticos”dos dedicados à exposição da teoria das ideias, os três seguintes são dominados pela temática da “alma”, abordada das perspectivas complementares do indivíduo, da cidade e da teoria do “amor”. Neste ponto, é oportuno empreender um excurso.

2.3.1 Desde os registros tanto do início da atividade filosófica grega – fixados por Aristóteles –, quanto da Literatura (veja-se: Homero Ilíada I,3-5), a primeira preocupação dos Gregos é com a vida, particularmente na sua relação com a morte. Textos de diversas proveniências evidenciam a plena consciência de que “o que vive”não é o corpo, mas essa entidade chamada “alma”, que “anima”o corpo, até ao momento em que sai, deixando-o “inanimado”.

Esta problemática apresenta implicações religiosas que a nossa cultura integralmente reconhece e aceita. Mas a dificuldade de compreensão atual da posição platônica sobre a alma reside no fato de esta transbordar para terrenos de todo estranhos à nossa cultura: o político (República, Político, Leis), o cósmico (Timeu, Leis X), o cognitivo (psíquico/psicológico/formativo: Mênon, Fédon, República V-VII) e o antropológico (Banquete, Fedro, Timeu).

A diferença de contexto cultural que nos separa dos Gregos deixa o leitor desarmado perante a abrangência da noção grega de alma, reagindo com estranheza a concepções como as da criação e transmigração das almas e da reminiscência, esquecendo que com elas o filósofo dialoga com os seus conterrâneos e companheiros de pesquisa.

2.4 O A. aborda esta questão a partir do Fédon, considerando sucessivamente os argumentos da reminiscência e da participação, ao estudo dos quais associa o Crátilo e – num lance arriscado – a Carta VII.

Passa em seguida à seção epistêmica da República  (VI-VII) para construir o interface da temática da alma.

O seu objetivo é chegar ao primeiro braço da concepção platônica da educação, que complementa com a definição do vínculo unificador do psiquismo individual e coletivo na teoria do amor e na construção da cidade justa. Mas o foco da sua preocupação são as questões epistemológicas que o remetem aos “diálogos dialécticos”.

Não é possivel prestar aqui atenção ao fino recorte dos argumentos com que interpreta separadamente: o problema da opinião verdadeira, no Teeteto, e as críticas de “Parmênides”à doutrina das ideias, coroada com uma magistral, embora sintética, análise do sentido das hipóteses sobre o uno e o múltiplo, no Parmênides.

Na sequência, a análise aborda o Sofista, encarado como a obra em que Platão reformula a sua “doutrina das ideias”, mediante a análise dos “cinco gêneros máximos”e a proposta da dialética.

Quase como epílogo, o A. volta à temática da alma, no Timeu, antecedida por aquilo que entende como sinais da influência pitagórica, no Filebo, e seguida pela teoria sobre a construção do cosmos. Havendo ainda lugar para voltar a prestar atenção àquilo que o A. designa como o projeto político de Platão, no Político  e nas Leis,  a obra termina com uma sucinta, porém, inspiradora avaliação das “doutrinas orais”atribuídas a Platão.

É um trabalho que ficará como um modelo de clareza, concisão e rigor, que se espera mereça  a atenção do estudioso de Platão tanto dentro da Escola, como docente e discente, quanto fora dela, como homem de cultura. Pois está mais que provado pela crítica de todos os tempos que, se poucos são os que concordam com as soluções propostas por Platão, todos se reúnem e debatem em torno dos problemas que o filósofo legou à Humanidade.

4. Faltará apenas mostrar como o A. provou o anti-dogmatismo de Platão. Em primeiro lugar, num enfoque que equilibra as visões da filosofia e da cultura, nunca adota uma visão reducionista da leitura dos textos filosóficos, expressa quer em bem ordenados resumos, quer na enumeração das teses e teorias que a Escola registra como “doutrinas”.

Fica deste modo desfeito o nó górdio atado por quantos tentam reduzir a dogmas os argumentos que o filósofo propôs, com a intenção de apresentar a sua visão crítica da realidade, tal como ela se mostra aos homens, no espaço do seu mundo e no tempo da sua vida. O A. nunca esquece que, com a excepção da reminiscência, as “teorias platônicas”não passam de objetos didáticos expostos em manuais e exigidos pela avaliação do estudo.

Finalmente, com as interpretações parciais e global que propõe, Trabattoni assume com determinação e competência o risco de relacionar teses avançadas em diálogos distintos. Sabendo bem que este risco é corrido por quem se aventura a interpretar Platão, o A. não ignora que essa opção nunca é inviabilizada pelo próprio filósofo, que por vezes se não coíbe de sugerir relações intra- dialógicas.

José Trindade Santos – Professor da Universidade Federal da Paraíba e do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa.

Acessar publicação original

 

Plotin Traités – BRISSON; PRADEAU (RA)

BRISSON, Luc; PRADEAU, Jean-François. Plotin Traités. Paris: Éditions Flammarion, 2009. Resenha de: JÚNIOR, José Carlos Baracat. Revista Archai, Brasília, n.5, p.139-142, jul., 2010.

Este é o oitavo volume de uma nova tradução, ainda em andamento, dos escritos de Plotino, sob a direção de Luc Brisson e Jean-François Pradeau. Neste trabalho coletivo, Brisson e Pradeau recrutaram um exército notável de estudiosos para apresentar, traduzir e anotar cada um dos tratados do filósofo neoplatônico, seguindo a ordem cronológica de sua composição, tal como informada por Porfírio (Vida de Plotino, capítulos 4-6).

Os escritos que compõem este volume são os tratados 45: A eternidade e o tempo, 46: Sobre a felicidade, 47-48: Sobre a providência (os dois tratados formavam um único tratado na origem, dividido por Porfírio), 49: Sobre as três hipóstases que conhecem e sobre o que está além, e 50: Sobre o amor – respectivamente III. 7, I. 4, III 2-3, V. 3 e III. 5, no arranjo sistemático em que Porfírio publicou as obras de seu mestre e ao qual chamou Enéadas (Vida de Plotino, capítulos 24-26). Matthieu Guyot é o responsável pelo tratado 45 (III. 7); Thomas Vidart, pelo 46 (I. 4); Richard Dufour se encarrega do tratado 47-48 (III. 2-3); Francesco Fronterotta, do 49 (V. 3) e Jean-Marie Flamand, do 50 (III. 5). Os volumes anteriores foram: tratados 1-6, em 2002; 7-21, em 2003; 22-26, em 2004; 27- 29, em 2005; 30-37, em 2006; 38-41, em 2007; e 42-44, em 2008. Há ainda quatro tratados a serem publicados (51= I. 8, 52=II. 3, 53=I. 1, e 54=I. 7), que devem sair num único e último volume em 2010.

Cada tradução, acompanhada de exaustivas notas filosóficas, filológicas e bibliográficas, é precedida por um estudo introdutório que expõe os temas centrais do tratado, e por um plano detalhado de seu desenvolvimento. No final de cada volume, há uma bibliografia selecionada, relativa aos tratados que compõem o volume; um quadro cronológico que põe em paralelo a vida de Plotino, os fatos culturais e os acontecimentos militares e políticos; um índice remissivo dos principais conceitos, e outro de nomes próprios.

As notices  individuais às traduções se estruturam de modo semelhante: os autores procuram, em não mais do que quinze páginas, situar o tratado em relação à obra de Plotino, e o tema em relação às suas fontes e aos seus adversários, reconstruindo o desenvolvimento do tratado capítulo a capítulo de modo bastante claro e detalhado, e explicitando a originalidade e a profundidade do pensamento de Plotino.

Assim, Guyot apresenta o tratado 45 (III. 7) explicando o sentido da definição da eternidade como vida do intelecto (noûs) e do tempo como vida da alma, e notando que Plotino, aqui, numa exegese original do Timeu de Platão, busca uma definição da essência do tempo que seus predecessores não encontraram. Vidart enfatiza a importância do tema da eudaimonía  na Antiguidade, e mostra como reflexão acerca da felicidade, em Plotino, é indissociável da reflexão acerca da constituição de um “sujeito”; sendo o eu múltiplo, uma hierarquia de vidas, vividas segundo o intelecto, segundo a alma, ou segundo o corpo, a verdadeira felicidade pertence apenas ao verdadeiro eu, isto é, o superior; o eu verdadeiro do sábio é impassível, mas os outros “eus”, os inferiores, sofrem, e muito, no Touro de Fálaris. A introdução de Dufour aos tratados 47-48 (III. 2-3) merece atenção especial pela nitidez com que consegue explicar os temas centrais desses tratados, tão propensos a criar confusões; Dufour nos guia em uma leitura segura da reflexão importante de Plotino acerca da providência (outro tema de grande relevo na Antiguidade), mostrando que a beleza deste mundo sensível é garantida pelo intelecto, através da ação dos lógoi (princípios formativos); ele chama nossa atenção ainda para o modo como Plotino, partindo das Leis de Platão e incorporando idéias estóicas, responde com originalidade aos epicuristas, aos peripatéticos e aos gnósticos. Fronterotta, por sua vez, nos mostra como o escrito 49 (V. 3) retoma o tema dos três princípios do real (alma, intelecto e uno) de uma nova perspectiva: tratado várias vezes, em escritos anteriores, do ponto de vista genético, isto é, de seu engendramento, ele é agora examinado a partir da possibilidade e do significado do autoconhecimento por parte de cada um dos princípios; a alma é capaz de conhecer a si mesma de modo imperfeito, ao contrário do intelecto, que é a perfeita identificação entre sujeito e objeto do conhecimento; o conhecimento de si não pode ser admitido quando se trata do uno, dada sua absoluta simplicidade, mas isso de modo algum implica carência ou enfraquecimento. Flamand, por fim, adverte que o tratado 50 (III. 5) busca dizer, filosoficamente, o que é Eros, o amor, enfatizando, por um lado, a forte influência do Banquete e do Fedro  de Platão e, por outro, a interpretação alegórica da mitologia realizada por Plotino.

As notas costumam ser valiosas, não apenas por destrincharem as dificuldades dos argumentos, mas sobretudo pela grande quantidade de referências à literatura crítica; nas referências às fontes de Plotino, por exemplo, Platão e Aristóteles, os tradutores nunca se contentam com uma remissão simples aos textos, mas apresentam e discutem a passagem referida. É preciso esforço para encontrar uma passagem dos tratados que mereça uma nota e que não a tenha recebido; o tratado 45, por exemplo, têm 525 notas, que preenchem, com letras pequenas, quase 60 páginas. O trabalho de anotação dos tratados talvez seja, para os estudiosos de Plotino, o ponto alto do trabalho do grupo.

Mas é preciso reconhecer que não são poucas as notas completamente desnecessárias que nos fazem interromper a leitura da tradução e demandam esforço das nossas retinas. As traduções seguem o texto da editio minor de Paul Henry e Hans-Rudolph Schwyzer e acatam quase todas as correções propostas pelos editores; no início de cada volume, são listadas todas as discrepâncias das traduções em relação ao texto da editio minor sem as correções dos editores: ora, seria mais simples listar, então, apenas as divergências em relação às correções de Henry e Schwyzer. Não fosse o bastante, os tradutores assinalam novamente, através de nota, todas essas divergências já elencadas no início do livro. Dufour nos dá outra amostra: na introdução, ele adverte que os tratados 47 e 48 formavam, originalmente, um só escrito, que foi dividido por Porfírio em sua edição das Enéadas; todavia, a primeira nota de sua tradução é justamente para fornecer essa mesma informação.

De modo geral, as traduções deste volume, assim como as dos anteriores, são bastante confiáveis. É admirável como as batutas de Brisson e Pradeau conseguem manter a harmonia de um trabalho executado a tantas mãos. Leitores não especializados encontrarão um material satisfatório para ingressar nos difíceis escritos de Plotino; os especialistas, os mais recentes desenvolvimentos da interpretação de Plotino aplicados a uma tradução competente. Há, porém, algumas observações que eu gostaria de fazer a respeito da tradução.

Causa-me certo incômodo a tradução da palavra grega ousía  por “realité”(realidade), em vez das escolhas tradicionais, “essência”ou “substância”. Não é que a palavra não possa ser traduzida assim – pelo contrário, ela pode e essa seria uma excelente solução. No entanto, com freqüência, essa escolha torna o texto bastante confuso para os leitores que não lêem o Grego – e são eles os que mais precisam da tradução, não? –; mesmo os conhecedores do Grego, se não se têm o texto original à mão, ficam constantemente em dúvida se a palavra “realité”, sempre que aparece, está traduzindo ousía.

Neste volume, é verdade, não encontrei passagens tão problemáticas como nos anteriores. No sexto volume (tratados 38-41), por exemplo, lemos na introdução de Fronterotta ao tratado 38 (VI. 7): “l’ Un qui est le premier principe de la réalité”(o Uno que é o princípio primeiro da realidade, p. 15); e, na sua tradução do mesmo tratado: “cette partie assure la sauvegarde de cette réalité”(essa parte garante a segurança dessa realidade, p. 45, VI. 7. 3. 16). Na primeira citação, “realidade”significa a totalidade das coisas existentes, o que, no caso de Plotino, não equivale à totalidade de essências ou substâncias (pois o Uno está além da essência, e a matéria, aquém); na segunda, a palavra traduz ousía. Se a confusão não fosse suficiente, ele ainda traduz pan sýntheton por “toute réalité composé”(toda realidade composta, p. 57, VI. 7. 10. 10): parece-me até questionável supor a noção de ousía aqui, onde um simples e inofensivo “coisa”bastaria.

Neste oitavo volume, encontramos passagens como estas: “comment une réalité absolutement simple et une peut engendrer l’unité multiple du monde intelligble”(como uma realidade absolutamente simples e una pode engendrar a unidade múltipla do mundo inteligível; Fronterotta, na introdução ao tratado 49, p. 312). Ora, o Uno não é ousía, mas é chamado “realidade”. Evidentemente a palavra está aí por “coisa existente”. Vejamos mais exemplos. Na página 42, tradução de Guyot do escrito 45 (III. 7. 3. 3-5), lemos “L’éternité, en effet, se manifeste dans la realité en vertu de la réalité elle-même…elles viennent de la réalité et sont avec la réalité”(a eternidade, com efeito, se manifesta na realidade em virtude da própria realidade…

elas [as coisas que provêm do intelecto] vêm da realidade e estão com a realidade); e, na página 39 (III. 7. 2. 30): “repos de la réalité”(repouso da realidade). Se não fazemos um esforço constante para lembrar que réalité (geralmente) traduz ousía, passagens como essas soam, no mínimo, estranhas. Principalmente depois de lermos, na introdução do mesmo Guyot (p. 18), que “les réalités temporelles ne sont jamais complètes”(as realidades temporais jamais são completas) e que “une réalité temporelle n’atteint donc sa complétude qu’au seuil de son anéantissement”(uma realidade temporal alcança sua completude apenas a caminho de sua anulação).

O grande embaralhamento provém, no fundo, do descompasso entre as introduções e as traduções: naquelas, a palavra “realidade”é empregada de modo mais amplo, com mais liberdade, não apenas como tradução de ousía, ao passo que nas traduções há um uso (geralmente) fixo do vocábulo. De qualquer maneira, parece-me haver certa negligência no uso da palavra “realidade”, tão complexa em filosofia. Uma advertência prévia para esse caso, quiçá o emprego exclusivo de “realidade”para traduzir ousía, e muita confusão seria evitada.

Outra dificuldade: freqüentemente nóesis  e diánoia, e seus derivados, são traduzidas pela mesma palavra, “pensée”, “penser”(pensamento, pensar). Contudo, em Plotino esses conceitos nem sempre são sinônimos, dado que nóesis costuma aplicar-se ao noûs, e diánoia à alma. Há passagens cuja tradução acaba nos frustrando, talvez por alguma imposição do idioma francês: Fronterotta traduz (49, V. 3. 5. 28-29) “mais si l’intellection e l’intelligible sont une seule et même chose, comment alors ce qui pense se penserá-t-il ainsi lui-même ?”(mas se a intelecção e o inteligível são uma só e mesma coisa, como então aquilo que pensa pensará assim a si mesmo?). Ele preserva “intellection”e “intelligible”para nóesis e noetón, mas, enquanto Plotino emprega na seqüência nooûn (aquilo que intelige) e noései (inteligirá), Fronterotta infelizmente passa para “ce qui pense”e “pensera”. Se não temos o texto grego, temos a impressão, com isso, de que Plotino emprega palavras diferentes, e não diversas formas derivadas de noûs.

Uma última observação: tenho cá comigo que traduzir os escritos de Plotino como se eles fossem diálogos é um pouco desonesto com os leitores que não podem ler ou consultar o texto grego. Não sei exatamente quem deu início a essa prática, mas ela ocorre pelo menos desde 1982 (penso no primeiro volume da excelente tradução espanhola de Jesus Igal, publicada pela editora Gredos). Ela leva o leitor a pensar que o texto tem uma forma literária que, na verdade, não tem. E, como não há um dramatis personae, o leitor não tem certeza de quando é e de quando não é Plotino quem está falando. A intenção de separar as objeções e perguntas de interlocutores fictícios das respostas de Plotino é louvável, mas o que resulta disso não é, invariavelmente, uma clareza maior dos argumentos.

É tarefa fácil mas ignóbil apontar deslizes insignificantes em ótimas traduções cuja contribuição para os estudos de determinado autor é inquestionável. Assim, não desejo, de modo algum, que as observações acima dêem a entender que o trabalho dirigido por Brisson e Pradeau seja menos do que excelente. Mais valioso do que o resultado desse trabalho talvez seja o processo para se chegar a ele: transparecem o Brisson e o Pradeau professores, formando jovens pesquisadores, em condições ideais de trabalho, para serem referência nos estudos plotinianos.

José Carlos Baracat Júnior – Professor Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

 

A tradição clássica e o Brasil – CHEVITARESE et al (RA)

CHEVITARESE, André L. ; CORNELLI, Gabriele; SILVA, Maria Aparecida de O. (Org). A tradição clássica e o Brasil. Brasília: Editora Fortium, 2008. Resenha de: BELCHIOR Mariana Leme. Revista Archai, Brasília, n.4, p. 141-142, jan., 2010.

A notória importância dos estudos clássicos no cenário acadêmico mundial motivou os professores André L. Chevitarese, Gabriele Cornelli e  Maria  Aparecida  de  Oliveira  Silva  a apresentarem uma coletânea de textos sobre a Antiguidade de pesquisadores/professores conceituados e reconhecidos em nosso contexto nacional. As leituras são direcionadas aos pesquisadores e professores do campo, mas também aos estudantes que serão os novos pesquisadores/professores.

Sem dúvida, um dos diferenciais desta literatura  consiste  na  preocupação  dos organizadores em desenvolver uma obra de cunho metodológico e didático, que pudesse ser concisa, mas a ponto de não se tornar um pequeno manual. Reflete ainda a necessidade de aprofundamento sobre o tema no âmbito dos estudos clássicos no contexto acadêmico brasileiro. Nada mais pertinente aos nossos jovens pesquisadores e professores do que uma “nova abordagem”. Outro diferencial a ser ressaltado, encontra-se na forma como se estrutura tal obra. Com a divisão proposta em duas partes, representa uma das premissas que fundamentam tais literaturas: o caráter metodológico e didático.

A primeira parte, intitulada “A Antiguidade no ensino brasileiro”, apresenta uma nova abordagem indispensável aos estudantes de licenciatura, ao tratar temas relacionados ao ensino de história e filosofia antiga, aos livros didáticos, ao currículo escolar, às atividades extracurriculares e à pesquisa na escola brasileira.

Em contrapartida, a segunda parte da obra “Tradição clássica e sociedade”, debate os fundamentos de uma proposta de reestruturação curricular no campo dos estudos clássicos, pois, como evidenciam os textos, é possível identificar em grande parte dos manuais brasileiros apropriações literárias e de materiais do mundo antigo equivocadas. Por meio de uma análise criteriosa, envolvendo a sociedade e seus elementos ideológicos, políticos e culturais, os professores autores demonstram que é possível desmistificar parte deste equivoco histórico a partir dessa nova postura intelectual dos profissionais brasileiros.

Ao que tange os estudos clássicos e a tradição escolar no Brasil, do ponto de vista teórico e prático, fica evidente longo da leitura que os pesquisadores e professores terão um longo caminho a percorrer para que tais perspectivas possam ser incorporadas. Embora leituras como as que foram apresentadas nesta obra já indicam que grande parte de nossos obstáculos já foram identificados.

Mariana Leme Belchior – Aluna e bolsista CAPES do curso de Mestrado do Programa de Pós- Graduação do Departamento. de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB),

Acessar publicação original

Auguste Comte. La science, la societé – MARIETTI (RA)

MARIETTI, Angele Kremer (Dir). Auguste Comte. La science, la societé. Paris, França: L’Harmattan, 2009. Resenha de: BENOIT, Lelita Oliveira. Revista Archai, Brasília, n.3, p. 165-166, jul., 2009.

Auguste Comte é ainda – e talvez hoje, mais do que no século XIX  – motivo de discussões intensas e polêmicas, como esta que é apresentada no livro que estamos resenhando, ocorrida por ocasião do aniversário de cento e cinqüenta anos da morte do filósofo. Em outubro de 2007, na Salle des Actes, que se situa na Université Paris 4, a célebre Sorbonne, sob a presidência da professora  Angèle  Kremer  Marietti,  reuniu-se o Groupe d’Études et des Recherches Épistémologiques para refletir e analisar asp ectos essenciais da obra de Auguste Comte. Lembremos que este colóquio foi promovido pela Association Internationale “La Maison d’Auguste Comte”, cuja sede se encontra em Par is. Sintetizando o conteúdo deste encontro, o livro em questão apresenta artigos de diversos pesquisadores ali presentes.

Comecemos por aquela temática que, de certo modo, parece nortear a coletânea. Angèle Kremer Marietti (Université de d”Amiens, França), em seu “La lecture des textes de Comte soumise aux méthodes du télescope et du kaléidoscope”, relê Comte a partir do próprio Comte, ou mais exatamente, da perspectiva de certas “Lições”do Curso de Filosofia Positiva e do Sistema de Política Positiva. A filósofa resgata significados sedimentares, enraizados nos textos comteanos, de conceitos que constroem relações entre Ordem e Progresso, aprofundando-os. Este seria, se assim podemos dizer, o significado dessas investigações voltadas para o estudo daquele s que o próprio Comte chamou de método do telescópio (télescope) e do calidoscópio (kaléidoscope). Colocando-se nessas perspectivas, aparentemente enigmáticas, a autora mostra que a metáfora do telescópio “é perfeitamente adequada para explicitar a classificação das ciências”(p. 18), sobretudo no Curso de Filosofia Positiva. Quanto à perspectiva do calidoscópio, seria, segundo a autora, “um modelo de pensamento utilizado para descrever como múltiplos elementos, em um finito compreendido em uma tópica finita, podem se combinar em um número indefinido de vezes, seguindo um simples re-agencemento do dado”(p. 20). A autora analisa elementos do calidoscópio comteano, elementos estes que coincidem com os conceitos da estática comteana (entre estes últimos: a biologia, a ciência do homem, o meio interior, dependência e variação, vida e organização, sociocracia). O ineditismo desta análise reabre discussões essenciais sobre alguns dos desgastados e incompreendidos temas comteanos, que envolvem Ordem e Progresso.

Outro ensaio de igual interesse por seu conteúdo inovador é o de autoria da filósofa Grange (Université de Nancy, França), intitulado “Le rôle social des sciences: l’astronomie”. Também aqui estamos em presença de uma análise que, paradoxalmen te, restitui os significados esquecidos da astronomia comteana quando esta se inscreve na hierarquia das ciências. Articulam-se, neste ensaio, teses provindas da leitura comteana do idealismo do século XIX e do empirismo clássico, para prover de significa do a astronomia, que nem seria ciência positiva pura, nem idealidade desprovida de base empírica. Sobretudo, na “astronomia moderna”– parece nos dizer a autora – revela-se uma vocação maior, a de, coletivamente e definitivamente, ultrapassar “atitudes mentais herdadas das religiões”(p. 88). Duas vertentes aí se entrecruzam: esta de romper com a base teológica do passado e outra, de mostrar que existe um “determinismo exterior”para a existência da astronomia. Ciência empírica e saber filosófico, a astronomia está neste limite que sinaliza a passagem para a “modernidade positivista”, leitura esta, lembremos, de rara profundidade para os estudos contemporâneos do positivismo comteano.

O  espaço  parece  pequeno  para  listar  o  conteúdo  de  outros  ensaios,  igual mente importantes (como os de Saïde Chebili, Cláudio de Boni, Gilles Charest, entre outros),  que compõe esse livro, como já dissemos, de significativa contribuição para os estudos do positivismo comteano, na França, no Brasil e em toda parte.

Lelita Oliveira Benoit.

Acessar publicação original

 

The Nag Hammadi Scripures: The International Edition – MEYER (RA)

MEYER, Marvin.The Nag Hammadi Scripures: The International Edition. New York, Harper One, 2007. Resenha de: SOUZA, Aláya Dullius de. Revista Archai, Brasília, n.3, p. 161-163, jul., 2009.

Ao invés de fertilizante, camponês egípcio encontra jarro contendo uma das maiores descobertas do século XX, e o troca por cigarros e algumas frutas. Foi em 1945, nas encostas da região de Nag Hammadi, Alto Egito, que Muhammad Ali avistou um vaso contendo ao todo 13 códices de papiro, num total de 52 textos (mais de 1300 fólios), datando entre o ano 60 d.C. ao ano 350 d.C. aproximadamente. Esses textos, originalmente escritos em grego e traduzidos para o copta, foram salvos para a posteridade provavelmente por monges do mosteiro de São Pacômio, que os esconderam nas cavernas de Jabal al – Tarif quando em 367 d.C Athanasius de Alexandria ordenou que uma lista de textos que circulavam na época fossem destruídos. Infelizmente algumas das folhas de papiro não escaparam d a destruição quando a mãe do camponês usou uma parte da recente descoberta para acender seu fogão à lenha.

Pode-se dizer que são alguns dos mais notáveis textos inéditos que vieram à tona no último século, jogando uma nova luz ao que foi o pensamento filosófico e religioso na antiguidade. Esses códices são uma fonte de material para o estudo do Cristianismo, do Neoplatonismo, do Hermetismo, dos Sethianos e Valentinianos.

O volume editado por Marvin Meyer no ano de 2007 é o resultado de um esforço conjunto de três equipes de estudiosos que no passado já haviam publicado versões da Biblioteca de Nag Hammadi em inglês, francês e alemão. Essas três equipes se reuniram por diversas vezes no Institute for Antiquity and Christianity, em Claremont, California, e tornaram possível essa nova tradução da descoberta. É por esse motivo que é chamada de “The International Edition”.

James M. Robinson representou a equipe do Coptic Gnostic Library Project do Institute for Antiquity and Christianity da Universidade de Clarem ont. Wolf – Peter Funk foi o representante da equipe da Berliner Arbeitskreis für koptisch-gnostische Schriften da Faculdade de Teologia de Humboldt, Alemanha. E Paul Hubert Poirier representou a equipe franco-canadense do Institut d’études Anciennes da Facu ldade de Teologia e Ciências Religiosas na Universidade de Laval, no Québec.

As  traduções  já  publicadas  por  esses  três  grupos separadamente  foram consultadas para formar essa nova edição. Foi feito um estudo minucioso tornando essa edição internacional um resultado magnífico de uma nova fase nos estudos da Biblioteca de Nag Hammadi. Além disso, foram incluídos não só os textos presentes na descoberta de 1945, mas também o material do Códice de Berlim, descoberto anteriormente em 1896, contendo: Atos de Pedro, Evangelho de Maria, Apócrifo de João e Sabedoria de Jesus Cristo. Todos os quatro possuindo características que os ligam à maior descoberta. Também foram inclusos nessa nova edição o material do  Códice Tchacos, descoberto  mais recentemente  em  1978.  Nele se encontram o Evangelho de Judas, o Livro de Allogenes e duas cartas atribuídas a Pedro e Felipe.

A introdução da obra foi redigida por Marvin Meyer e pela historiadora Elaine Pagels, ambos nomes bastante conhecidos para aqueles que estudam os gnóstico s e a história do cristianismo. Uma das coisas que difere essa edição das anteriores é que a tradução foi feita de modo a apresentar um inglês mais inteligível, contemporâneo, permitindo assim uma melhor compreensão do texto. Não se trata de uma edição crítica do copta. São apresentadas traduções, e não equivalências léxicas. As equipes estavam mais preocupadas em comunicar o sentido em inglês ao invés de meramente reproduzir cada traço gramatical do texto copta. Nessa edição, diferente das anteriores, não é dada a numeração das linhas do manuscrito original, apenas suas páginas são referidas, pois, como já foi dito, não se trata de uma edição de manuscritos coptas, mas de uma publicação de textos em inglês devidamente antecedidos de ótimas introduções que o s contextualizam.

Os vários textos de Nag Hammadi e dos Códices Tchacos e Berlim não formam um conteúdo homogêneo, há diferenças substanciais em relação aos pontos de vista filosóficos e teológicos. Isto torna as introduções individuais a cada um deles bastante úteis. Além disso, no fim da obra há quatro artigos que elucidam melhor a contextualização desse material.

Marvin Meyer aborda, em seu artigo, o cristianismo de Tomé na Síria, que posteriormente vai influenciar a formação do Maniqueísmo. Dentre as obras ligadas à Escola de Tomé podemos citar o próprio Evangelho de Tomé, bem como o Livro de Tomé e Diálogos do Salvador.

Já John D. Turner explica a questão dos Sethianos. Alguns dos textos ligados a essa Escola de Pensamento, como o Apócrifo de João (Livro Secreto de João), Natureza dos Arcontes, Evangelho dos Egípcios, Três Estelas de Seth, Pensamento de Norea, Zostrianos, Allogenes e outros, apresentam uma linguagem bastante próxima da platônica e refletem um pouco da filosofia neoplatônica. Um fato curioso é que o primeiro tratado do códice VI de Nag Hammadi é um trecho da República de Platão. Outro fato digno de nota é que Porfírio atesta que versões de Zostrianos e Allogenes circulavam entre os membros da Escola de Plotino em Roma, entre 240-265 d.C. Algumas das críticas de Plotino a certas características do pensamento gnóstico se referem justamente ao Zostrianos, que é citado na Enéada II. Contudo, não se pode negar que Zostrianos se utiliza de uma teologia negativa que parece se origina r de um comentário médio-platônico sobre o Parmênides de Platão, que também pode ter influenciado as idéias presentes em Allogenes e no Apócrifo de João. Além do mais, há características do tratado Marsanes que o possa ligar ao ensinamento neoplatônico de Jâmblico e Theodoro de Asine no fim do terceiro século.

O terceiro artigo, escrito por Einar Thomassen, aborda a Escola de Valentino, fundada em torno de 140 d.C. e atacada por Irineu de Lyon em seu Contra as Heresias e também por Hipólito. Alguns dos textos que se destacam são: Evangelho da Verdade, Tratado Tripartite, Evangelho de Felipe, Tratado da Ressurreição e outros. A Escola Valentiniana pressupõe a ontologia da filosofia grega, em particular as teorias monísticas dos neopitagóricos, de que tudo deriva de um primeiro e único princípio. Assim como os neoplatônicos, os valentinianos tentam reconciliar a unidade e a pluralidade através de uma teoria de emanação e restauração. Valentino foi bastante influente em sua época, e Tertuliano, outro conhecido padre da Igreja Romana em formação, chegou a comentar que Valentino era um candidato ao posto de Bispo de Roma.

Por fim há o artigo de Jean-Pierre Mahé que trata de como há fortes elementos do Hermetismo Egípcio em alguns dos textos da Biblioteca de Nag Hammadi. Segundo ele, a Prece de Ação de Graças, o Discurso sobre a Oitava e a Nona e o Asclepius se aproximam do conteúdo do Corpus Hermeticum.

Apesar de haver uma quantidade significativa de heterogeneidade no material publicado na The Nag Hammadi Scriptures podemos destacar alguns temas freqüentes, como por exemplo a questão do Uno, da Mônada, do Pleroma, o que são os vícios, mitos sobre a origem do mundo, como a alma cai na matéria, os vários níveis de manifestação, o que ocorre com a alma após a morte, regras de conduta, os mistérios, etc. Obviamente também há bastante  material relacionado a Jesus e ao cristianismo em si.

É certo de que por mais de dois séculos esses manuscritos circularam livremente pelas regiões d o Egito, Oriente Médio, Magna Grécia e Roma (e há relatos de que algumas cópias tenham chegado até mesmo à Gália). Tendo isto em conta não podemos ignorar a relevância histórica deles na formação do pensamento na antiguidade.

Essa nova edição viabilizada por Marvin Meyer nos convida a reconsiderar nossa herança religiosa e cultural e traz mais informação sobre o que foi o pensamento nos primeiros séculos da era cristã. Apesar da publicação dessa descoberta ter sido atrasada por uma série de empecilhos, hoje, mais de dezesseis séculos depois, podemos ter acesso a esse material e tirarmos nossas próprias conclusões acerca de seus temas. Ainda que alguns desses textos estejam envoltos em roupagem religiosa, muitos deles apresentam temas bastante pertinentes ao estudo da filosofia.

Aláya Dullius de Souza.

Acessar publicação original

 

A Civilização Grega – CHAMOUX (RA)

CHAMOUX, François. A Civilização Grega. Lisboa, Portugal: Edição 70, 2003. Resenha de: SANTOS, Maria Carolina Alves dos. Revista Archai, Brasília, n.2, p. 165-167, jan., 2009.

Notável helenista nascido no início do século passado, François Chamoux é especialista em história da civilização, filologia e literatura gregas, lecionou arqueologia e história da arte em Nancy; literatura e civilização gregas na Sourbonne. Foi diretor da Revue d’Études Grecques durante dez anos, e é autor de inúmeras obras.

Nesta, indaga sobre o que nos foi legado pela vasta a complexa civilização dos antigos gregos, cujos traços arquetípicos tendem a se esmaecer em nossa memória, embaçando a visão que  possa haver sido retida das origens do pensar no Ocidente.

Chamoux apela ao homem do presente para que se disponha, enfrentando o desafio, a tentar religar-se mais intimamente ao que nossa cultura originária tem de perene. De modo abrangente e cristalino, nos nove capítulos de que a obra se compõe, tece uma rede de temas essenciais:  urde  a época  arcaica  e  clássica desde  as  realidades  materiais  (território, propriedades,  monumentos,  túmulos),  às  maneiras  de  ser  e  às  criações  da  consciência (costumes, crenças, ritos, linguagem, matemática, literatura, política, filosofia) com descrições fundamentadas nas mais variadas fontes.

Em sua dinâmica a exposição percorre desde a época micênica (e os séculos obscuros que a ela se sucederam), a época geométrica de Homero, caracterizando em pormenor a vida cotidiana, a produção intelectual, filosófica, literária, artística, a índole religiosa e política. Sob este particular aspecto da configuração do poder, a função da guerra é considerada vital, pois o grego identifica a luta com a própria vida: os confrontos, desencadeados por interesses conflitantes, são os geradores do progresso. Diz Heráclito (fr.53,80):

“A guerra (pólemos) pai e rei de todas as coisas, que a uns faz deuses e a outros homens, que a uns torna livres e a outros escravos, é universal”.

Além das virtudes do guerreiro (o heroísmo e a coragem), o grego valoriza sobretudo a firmeza de alma (exemplificados no Prometeu de Ésquilo e na Antígona de Sófocles); a criação de obras-primas da arte e da técnica; a vida moral e, mais ainda, o humanismo tal como é expresso pelo coro dos anciãos tebanos na Antígona de Sófocles, que canta o homem como a maior das maravilhas entre todas as outras existentes no mundo.

O ritmo ágil e imagético da exposição revela, assim, como todos esses aspectos sejam em forma de crença ou de mentalidade religiosa, sejam como um modo de racionalidadeembora irredutíveis entre si, interligam-se estreitamente, conferindo coesão e unidade à totalidade dessa cultura: constituem a um só tempo o fundamento e a condição de sua existência. E, ao ressaltar a força de sua expressão social e sua presença histórica, o texto de Chamoux vai dando, gradativamente, maior visibilidade à sua permanente atualidade na civilização moderna.

Toda sociedade, enquanto experiência plena e original não é, paradoxalmente, herança recebida de seu s antepassados à qual se funde, e que com forte impacto será legada a seus pósteros? Todas as grandes obras então surgidas que derivam do diálogo incessante que seus autores mantiveram com seus antecessores, resultam para nós, em última análise no plano da história desse significativo encontro entre a cultura atual e o conjunto de heranças distantes que este livro explicita e condensa em algo de monumental riqueza. Consagra-se uma convergência única, irrepetível, que nos revela o que na verdade somos: c om esse livre exercício de rememoração revivemos extraordinária aventura, recuperamos algo que, mesmo delineado há muitos séculos, permanece ainda intacto, a nossa real identidade..

Um dos capítulos de especial interesse para a fecundidade desse exercício é o que se refere à civilização micênica (instalada na bacia do Mar Egeu), desenvolvida num período ainda obscuro e misterioso da Grécia arcaica, conhecido como a Idade Média helênica. A língua então usada (em meados do século XV), simbólica (ideogramas desenhados em plaquetas de argila com um estilete), só recentemente está sendo decifrada (e nomeada Linear B). Abrem-se assim novas perspectivas de compreensão das origens de uma civilização helênica brilhantemente desenvolvida, com uma população aproximada de 50 mil habitantes, dando notícia da pujante vida cotidiana e da organização social e religiosa que floresceu três mil e quinhentos anos antes da época de Homero. Este estudo esclarece o quanto é longo e rico o trajeto iniciado pelos poetas micênicos que lhe são antecessores, e que se estende até Platão, mostrando que na corrente temporal desses 10 séculos, não cessam de fluir esforços e tentativas, explorações e batalhas, rivalidades e emulações. Mais que isso, fornece importantes elementos para uma reflexão e conseqüente reformulação dos nossos parâmetros a respeito do período em que se datou, historicamente,  como  o  das  origens  da  filosofia  e  das  condições  culturais  decisivas  que propiciaram esse nascimento. Diz Chamoux, como conclusão de sua exposição:

“Esse pequeno povo simultaneamente uno e diverso, elaborou de forma paciente, apesar das discórdias internas e das ameaças externas, uma cultura original, inovadora e completa, onde os principais aspectos da condição humana têm seu lugar: fé religiosa, confiança no homem, sentido do mistério cósmico, vontade de compreender a natureza, idéias de hierarquia e igualdade, respeito pelo grupo social,  interesse  atribuído  ao  indivíduo.  E,  todos  esses  campos  do  saber constituem exigências contraditórias que suscitam incessantes conflitos tanto entre os espíritos, como entre os Estados, gerando progresso: têm proporcionado um comentário sem fim sobre essa cultura que fundamenta os 20 séculos de cultura européia nos seus mais variados domínios”.

O autor utiliza-se ao fim de cada capítulo, didaticamente, referências bibliográficas específicas, que permitem ao leitor aprofundar-se no assunto tratado; além de um substancioso índice documental de 60 páginas, com os verbetes utilizados ao longo de sua exposição, que constituem um valioso instrumento de leitura para aqueles que estão se iniciando neste estudo.

Trata-se de um livro indispensável, um clássico no sentido usual do termo, que está ai para ser lido e relido por ser um testemunho histórico primoroso que põe em relevo aspectos essenciais da civilização que transcendeu seu tempo para permanecer historicamente em latência no nosso e falar através dele. O caráter desse dizer oferece insights a todo aquele que busca conhecer mais solidamente o fundamento e os elementos insubstituíveis do nosso patrimônio cultural. Mais que uma especulação de caráter geral, o livro é um convite a um contato direto, pessoal, íntimo com algo valioso, que propicia o regresso no tempo e o encontro de sua parte nessa herança para além dos traços eternos do homem, pelo diálogo com o que há de mais profundo em si mesmo.

Os comentários de Chamoux nos permitem renovar nossa compreensão da civilização dos gregos, naquilo que ela tem de imorredouro, pois, apesar das lacunas não se mostra petrifica da mas plena de vida, desde que enraizada em nossos instrumentos intelectuais, a linguagem, o imaginário (seus mitos misteriosos são ricos de sugestões que estimulam nossa sensibilidade), as categorias do nosso pensamento, nossos valores, princípios políticos e morais: nessa medida, podemos dizer que o antigo está para sempre em nosso porvir.

Maria Carolina Alves dos Santos – Professora de Filosofia Antiga na FSB (Faculdade de Filosofia São Bento)

Acessar publicação original