Amor y opresión en los Andes coloniales – LAVALLE (VH)

LAVALLE, Bernard. Amor y opresión en los Andes coloniales. Lima: IEP/IFEA/UPRP, 1999 (Estudios Históricos, 26). Resenha de: CAMPOLINA, Cristina. Varia História, Belo Horizonte, v.17, n.24, p. 278-281, jan., 2001.

Aqueles que têm os interesses voltados para o estudo da história dos Andes por seguro já conhecem a obra de Bernard Lavalle e a grande sensibilidade do autor em relação aos sinais do passado colonial andino. Neste livro, o autor nos apresenta doze textos elaborados durante as duas últimas décadas, tendo alguns já sido publicados em revistas especializadas.

Embora o autor não seja pioneiro no tema, a leitura desse livro nos leva ao lugar das possibilidades de liberdade e reivindicações das classes oprimidas no interior de um sistema de repressão. A criatividade na busca das fontes e a perspicácia na leitura dos documentos tornam seus textos essenciais para aqueles que procuram outras vias para a construção do passado histórico. No caso, a sociedade andina comporta uma outra história àquela marcada apenas pela exploração de uns pelos outros, pela profunda desigualdade social e marginalização de alguns grupos sociais. Através de uma postura não preconceituosa e livre dos entraves da história tradicional e parcial, Lavalle desvenda realidades ocultas enfocando micro acontecimentos para enfeixá-los como expressão do coletivo e daí entender a globalidade do sistema. Respaldado por vasta documentação, o ponto para o qual todos os textos convergem será a peculiaridade do diálogo entre dominadores e dominados. Pelo exposto, o surpreendente resultado dessa coletânea é uma fascinante revisão da complexidade social e política andina.

A obra está composta por três eixos principais: “Casal e Família Como Reveladores Sociais”; “O Longo Caminhar da Resistência Negra”; “Falhas e Fendas do Sistema Colonial”.

Na primeira parte, o autor se alimenta de uma fonte vital, o Arquivo Arcebispal de Lima (herdeiro do antigo Tribunal Eclesiástico), nas seções relativas às causas criminais de matrimônio, aos litígios matrimoniais, aos divórcios e anulações de matrimônio. Lavalle identifica o lugar ocupado pela família e suas relações mais íntimas sob o olhar controlador e regulador da Igreja, então sob a mira de uma sociedade eminentemente machista. Grande parte das fontes primárias utilizadas pelo autor são os testemunhos sobre as desavenças conjugais. O fenômeno mais comum no contexto dos divórcios e anulações de casamento foi a violência doméstica e familiar. As razões que levaram à abertura dos processos multiplicam-se desde as incompatibilidades pessoais, étnicas, financeiras, às questões sexuais. Por razões óbvias, o discurso do corpo relacionado com a líbido e desempenho no intercurso sexual se manifestam de maneira alusiva ou metafórica em consonância com a codificação social da época. A Igreja não considerava esta uma causa para o divórcio. No outro extremo, os expedientes que denunciavam trangressões sexuais às normas vigentes, como o homossexualismo e a sodomia, eram encaminhados aos Tribunais da Inquisição.

Segundo o autor, essa documentação é insuficiente para julgar as normas de conduta matrimonial limenha dadas as distorções as quais se pode conduzir o manejo unilateral de ações judiciais. No entanto, ela fornece os subsídios para investigar os comportamentos abusivos e a subsequente atitude das vítimas, em geral mulheres e índios, frente aos mesmos. Assim, ainda que as relações estáveis e duradouras não possam ser checadas, os documentos analisados revelam uma parte significativa do panorama mental e social da época e a relação de força onde amor e rendimento pareciam normais e parte da potestade marital.

Na segunda parte do livro, Lavalle utiliza os Atos do Cabildo de Trujillo na série Causas Criminales, localizado no Archivo Regional de la Libertad e no Archivo Nacional del Ecuador. Essa parte está dividida em 4 capítulos que tratam da resistência negra no contexto da violência, abuso e marginalização do escravo, o qual respondia com fugas e outros comportamentos que serão julgados pelas autoridades como mera criminalidade. Ser “cimarrón” nos Vales de Trujillo, no século XVII, foi a forma mais difundida e espontânea da contestação negra sem resultar na ruptura com o mundo dominante. O autor decreve as diferentes formas de “cimarronage”, revelando seus esconderijos, tipos de assalto e bandoleirismo, tamanho dos grupos (em geral pequenos) e o isolamento dos fugitivos, que muitas vezes os levaram ao suicídio, expediente drástico para interromper com a misérias da escravidão e as angústias de um castigo anunciado quando capturados. As manifestações de violência negra eram dirigidas contra os amos e, de uma forma geral, contra a população branca. No entanto, havia a possibilidade para o negro, autor de um delito grave, acolher-se ao sagrado, isto é, refugiar-se em uma Igreja onde a Justiça jamais o capturava. Sabia-se muito bem que o promotor fiscal do bispado defendia com zêlo e eficiência as fronteiras dos foros eclesiásticos. Ao lado disso, os proprietários de escravos civilmente responsáveis pelos seus negros tinham justos interesses na proteção oferecida pela Igreja. A eles eram cobradas multas pelas faltas de seus escravos, além de serem acusados de negligência e correção dos negros. Daí a tentação de encobrir os culpados. Conhecedores da convergência de interesses, os negros infratores, escravos ou livres, serão, em última análise, beneficiados.

No século XVII, os palenques ofereceram uma alternativa frágil, mas clara ao mundo escravista. Esses palenques evoluíram até a formação de quadrilhas de salteadores de caminhos e estradas. Nos finais do século XVIII, o bandoleirismo “cimarrón” contribuiu para questionar em outros termos a ordem e as relações de forças escravistas. Houve um aumento acentuado da demanda de escravos para o cumprimento da lei pela manumissão, paródia da liberdade pois o escravo nem sempre saía ganhando.

Todos esses dados são amostras do que estava ocorrendo no Peru como em todo o Império. O questionamento da escravidão adotou formas que, assomadas a uma série de movimentos índigenas e de mestiços contra a nova política fiscal, só faziam aumentar as angústias dos dominadores. As explosões de ressentimento e as exigências então expressadas nas mais diferentes formas sinalizavam para o desmoronamento geral da estrutura de autoridade na qual o mundo escravista descansava. Enquanto os senhores qualificavam os negros de insolentes, esses, paralelamente a uma atitude agressiva, recorriam com grande freqüência à Justiça.

A partir da última década do século XVIII, os expedientes estudados contém frases e expressões muito mais duras contra os amos e seus excessos. O notável é que, por essa época, os pleiteantes insistiam sobre o fato de que ser escravo ou escrava não invalidava o fato de continuarem a ser seres humanos. Como conclusão, diríamos que: as Luzes cunhadas no século XVIII abriram um espaço para a afirmação da igualdade fundamental; que o sistema jurídico espanhol abria um espaço para combater os excessos cometidos contra os escravos; que os negros demonstravam a pertinaz vontade de sacudir o jugo que lhes foi imposto; e que entre certos elementos das classes dominantes soavam discrepantes vozes abolicionistas. Embora não se possa inferir daí que os donos de escravos estivessem abrindo mão de seus interesses, o tempo já conspirava em sentido contrário.

A terceira e última parte do livro, “Falhas e Fendas do Sistema Colonial” , está organizada em 4 capítulos que tratam das táticas da violência indígena, das demandas dos naturais e da doutrinação dos índios. Esta última tarefa que, por definição, deveria ser norteada apenas pelo espírito religioso, foi, também, motivada pelas grandes vantagens econômicas que proporcinava aos padres. Isso não significa que a catequese não tenha sido feita por homens de fé, mas aponta para outros aspectos que esvaziam a catequese de um purismo religioso. Inteirados dos abusos dos padres, recorrentes em todo o período colonial, os administradores espanhóis tomaram sérias providências moralizantes que esbarraram com fortes reações das ordens religiosas contra a ingerência do Estado na missão da fé. As Cédulas Reais que tentaram corrigir essa deformação de parte do clero foram pouco eficazes e, em que pese a atuação de padres bem intencionados, muitos deles não se diferenciaram dos “encomenderos”, corregedores, “hacendados” ou mineiros.

As evidências mostram que o século XVII pode ser considerado um século de paz em comparação com as reações de violência indígena que pontilharam o século XVIII. A resistência podia se manifestar desde atos de extrema violência ao mais intenso silêncio, no marco de uma sutil tática de auto-exculpação bem organizada desde há muito tempo, frente a um adversário, o poder colonial, todo poderoso, mas conhecido, e perante o qual os índios sabiam como manobrar.

Em pesquisa realizada no Arquivo Departamentel de Trujillo e no de Cajamarca, na seção intitulada “Protector de Naturales”, o autor analisa o conjunto de demandas e pleitos indígenas que indicam a capacidade dos índios de recorrer ao direito que o sistema colonial espanhol havia organizado e que com o tempo transformou-se em válvula de escape para a população oprimida. Se a eficácia do “Protector” foi comprometida pela pressão do poder colonial, essa mesma eficácia toma lugar através da honra de muitos funcionários encarregados do manejo das leis e também da tomada de consciência daqueles que do fundo de sua miséria seriam beneficiados.

Sendo as mulheres, os índios e os negros parte da grande massa dos silenciados da História, a pesquisa aponta para a validade dos espaços de questionamento que as próprias forças de coesão social, no caso a Igreja e o Estado Espanhol, davam a esses indivíduos que, por outro lado, enquadravam e pressionavam. Finalmente, o livro de Lavalle pode ser sintetizado como um exemplar estudo da “história vivida dos homens”.

Cristina Campolina – Departamento de História – FAFICH-UFMG.

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