O universalismo europeu: a retórica do poder | Immanuel Wallerstein

Em O universalismo europeu (tradução do original de 2006, The european universalism) Wallerstein confronta o realismo da construção das relações internacionais contemporâneas com uma necessidade humanista de produção de alternativas aos modelos hegemônicos de sistema-mundo. A partir deste conceito – sistema-mundo -, forjado em obras anteriores suas, o autor busca sistematizar uma série de argumentos que compõem críticas à globalização e aos discursos universalistas que a acompanham, explicitando de que forma estes discursos representam visões européias particulares universalizadas junto aos processos de expansão econômica, política, cultural e militar de países da Europa ocidental e dos Estados Unidos sobre o restante do mundo. Este “universalismo europeu” é incorporado à própria historiografia ocidental como narrativa central da evolução dos povos e países em direção à formação de um sistema-mundo moderno fundado nas relações entre Estados-nação e no valor do “desenvolvimento” e do “progresso” como processos que devem levar, necessariamente, às formas de organização social identificadas como “civilizadas”, exemplificadas pelas sociedades européias em diferentes períodos históricos. Leia Mais

O universalismo europeu: a retórica do poder – WALLERSTEIN (HH)

WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retórica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007, 146p.  Resenha de: MULLER, Paulo Ricardo. Revista Brasileira de Política Internacional. v.52, n.1, Brasília Jan./June 2009.

Em O universalismo europeu (tradução do original de 2006, The european universalism) Wallerstein confronta o realismo da construção das relações internacionais contemporâneas com uma necessidade humanista de produção de alternativas aos modelos hegemônicos de sistema-mundo. A partir deste conceito – sistema-mundo -, forjado em obras anteriores suas, o autor busca sistematizar uma série de argumentos que compõem críticas à globalização e aos discursos universalistas que a acompanham, explicitando de que forma estes discursos representam visões européias particulares universalizadas junto aos processos de expansão econômica, política, cultural e militar de países da Europa ocidental e dos Estados Unidos sobre o restante do mundo. Este “universalismo europeu” é incorporado à própria historiografia ocidental como narrativa central da evolução dos povos e países em direção à formação de um sistema-mundo moderno fundado nas relações entre Estados-nação e no valor do “desenvolvimento” e do “progresso” como processos que devem levar, necessariamente, às formas de organização social identificadas como “civilizadas”, exemplificadas pelas sociedades européias em diferentes períodos históricos.

O universalismo europeu deve ser substituído por um “universalismo universal”, ou seja, um projeto de sistema-mundo que busque incorporar e representar valores largamente compartilhados tanto na escala das relações interpessoais quanto na escala das relações interestatais. As condições sociais para a construção de um universalismo total são apontadas pela análise de situações de disputa entre a visão expansionista do modelo europeu de civilização e visões alternativas que buscaram relativizar a superioridade evolutiva auto-atribuída do ocidente em relação a outros contextos geopolíticos. Ao explicitar estas disputas, Wallerstein desmistifica a posição hegemônica da Europa ocidental e dos Estados Unidos no sistema-mundo moderno mostrando processos histórica e socialmente localizados de construção e consolidação desta posição por meio de mecanismos de poder econômico, político e militar. Estes mecanismos são analisados nos três capítulos centrais dos livros, respectivamente dedicados aos discursos universalistas do colonialismo, do orientalismo e da cientificidade, mostrando como estes discursos articulam valores que se reproduzem, contemporaneamente, na globalização, nos direitos humanos e na democracia.

Ao relacionar estes discursos com diferentes períodos históricos, o autor procura desconstruir a retórica que legitima o status quo das relações de poder na arena internacional, mostrando que os processos de dominação se consolidam em meio a debates e questionamentos do cerne dos argumentos que afirmam a universalidade do modelo ocidental de desenvolvimento e civilização. É a função da análise do debate sobre o “direito de intervenção” (droit d’ingérence) agenciado pelo colonialismo espanhol para justificar a imposição de práticas cristãs aos ameríndios sob o argumento de que as práticas pagãs seriam contrárias às “leis naturais”. Também é o que fica expresso na análise sobre a constituição do orientalismo como doutrina política que justifica o colonialismo na Ásia sob o argumento de que as “civilizações orientais” – as sociedades asiáticas dotadas de códigos escritos: China, Império Otomano, Índia e Pérsia – teriam estancado seu progresso rumo à modernidade por não articularem os valores universais pregados pelo cristianismo e pelo ideário civilizatório.

Estes argumentos são reiterados contemporaneamente pelos movimentos de dominação e expansão econômica e geopolítica dos países ricos sobre o restante do mundo, desta vez em nome dos direitos humanos dos grupos mais fracos em países com conflitos civis ou em nome da implantação da democracia nestes países, ou ainda da inclusão de um número cada vez maior de pessoas na globalização de mercado. A pergunta que o livro nos traz é: quem tem o direito de intervir em nome dos direitos humanos ou da democracia, se ao fazê-lo também o direito básico à autodeterminação é desrespeitado? Em uma época que sinaliza uma crise de legitimidade das potências dominantes, a resposta sugerida é a de que os questionamentos ao “universalismo europeu” ainda hegemônico possam resultar em estruturas de relações internacionais que não tenham apenas os Estados como atores centrais, mas também redes sociais que promovam encontros entre diferentes visões de mundo, e a partir da constatação dos valores compartilhados nestes espaços, construir uma proposta de “universalismo universal”.

Paulo Ricardo Muller – Mestrando em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. E-mail: [email protected]