A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos | Bradford Burns

A obra de Bradford Burns, editada em 1966, examina a aliança não escrita entre o Brasil e os Estados Unidos no início do século XX. Ainda como fruto das comemorações do centenário da gestão do Barão do Rio Branco no Itamaraty, o trabalho traduzido pelo embaixador Sérgio Bath, em 2003, vem contribuir para um melhor entendimento das relações bilaterais entre as duas nações no primeiro decênio do século passado. Dessa forma, auxilia sobremaneira a compreensão acerca da formação do eixo estruturante das relações internacionais do Brasil, bem como o funcionamento inicial das denominadas relações especiais.

Organizada em nove capítulos, a obra de Bradford Burns utiliza-se dos mais variados assuntos para explicar as relações Brasil-Estados Unidos, percorrendo desde o perfil pessoal da formação do Barão a sua aceitação da Doutrina Monroe e do Pan-Americanismo. O autor perfaz a história desse relacionamento desde a suspeição, que emoldurou o início da amizade, às futuras recompensas que de fato ele trouxe para o Brasil.

Fortalecer a amizade entre as duas nações era um dos objetivos fundamentais da política externa do Barão do Rio Branco. Construindo os alicerces dessa relação fundamental, o chanceler conseguiu alinhar diplomaticamente os dois países, e sua gestão no Itamaraty marcou o apogeu desse relacionamento amistoso. Além disso, o Barão conseguiu, com o apoio norte-americano, executar grande parte dos seus objetivos no cenário internacional, quais sejam, a política territorial, a elevação da legação brasileira em Washington ao nível de embaixada e a adoção de um prestígio regional de grande valia para a inserção internacional do país. Some-se a isso o fato do chanceler estar cercado de homens, como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, que possuíam afinidade com a conduta norte-americana e também percebiam, por meio de uma visão realista, a ascensão de um novo eixo de poder que se moldava no continente americano, deslocando-se o pólo de poder mundial da Europa para os Estados Unidos.

Delimitar o perfil territorial de um país e o mapa em cujo interior se há de exercer a soberania é, para qualquer nação, uma espécie de precondição da possibilidade de desenvolver sua política externa. Sendo assim, a definição territorial de um país se torna uma condição sine qua non para o modo de se atuar no cenário regional e mundial. Ressalte-se, ainda, que nenhuma das questões territoriais solucionadas por Rio Branco levou o uso da força como pressuposto basilar. O relacionamento para solucionar questões lindeiras se dava preferencialmente pela via bilateral, utilizando-se do arbitramento como medida jurídica sanável. Tal política desenvolvida entre 1902 e 1912 foi uma das principais responsáveis pela delimitação do território brasileiro o qual nos encontramos atualmente, com pequenas modificações, ao passo que os demais países da América do Sul continuaram ao longo do século XX delimitando sua arena territorial

A elevação das legações em Washington e no Rio de Janeiro ao nível de embaixada também serviu para intensificar as relações entre as nações. Na virada do século, a embaixada ainda era uma raridade diplomática, característica exclusiva das capitais das grandes potências mundiais. A título ilustrativo, Washington, em 1904, só contava com sete embaixadas, quais sejam, Alemanha, Áustria-Hungria, França, Grã-Bretanha, Itália, México e Rússia. O Brasil, em 1905, seria, portanto, o primeiro país da América do Sul a possuir essa elevação diplomática, o que ocasionaria certa tensão para com seus vizinhos mais próximos, principalmente a Argentina. Além do mais, a presença dessa amizade especial serviu como meio para que o país pudesse afirmar sua liderança diplomática na América do Sul e projetar-se em um cenário diplomático mundial em constante mudança.

A política externa brasileira ao tempo de Rio Branco e Joaquim Nabuco, caracterizada pelo Pan-Americanismo e pelo Monroísmo, contribuiu para a consolidação do bloco de poder internacional liderado pelos Estado Unidos, procurando também tirar proveito da nova situação que se delineava. O comércio era, segundo Burns, o pano de fundo para a atuação diplomática do Brasil, principalmente no que se refere à exportação de café, principal produto da pauta da balança comercial brasileira.

A amizade votada aos norte-americanos, além de se assentar na tradição, em razões de natureza econômica e no prestígio que essa relação desencadeava, serviria para afastar eventuais dificuldades que poderiam surgir em Washington, capital que era o principal centro de intrigas contra o Brasil, de acordo com as palavras do próprio chanceler. Assim, segundo o próprio autor, Rio Branco decidiu dar maior ênfase ao crescimento da amizade entre os dois países a fim de utilizá-la como instrumento para alcançar mais facilmente suas metas de política externa.

Desse modo, o estudo de Bradford Burns, utilizando-se de ricos arquivos diplomáticos tanto nos Estados Unidos como no Brasil, como por exemplo, o National Archives, em Washington (NA) e o Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), bem como de jornais da época, como O Jornal do ComércioO PaizThe New York Times e The New York Herald, busca oferecer ao leitor um modo claro e transparente da maneira como o relacionamento bilateral entre os países foi de grande importância para ambos. Além dessas fontes, destacam-se os arquivos pessoais de Rio Branco, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa, personalidades diretamente ligadas à intensificação da aliança não escrita.

Assim, trazendo à tona a história da relação entre os países e sugerindo algumas reflexões de maior grau, conclui-se que a presente obra se constitui em fonte valiosa para o estudo das relações Brasil-Estados Unidos, propiciando aos leitores e estudiosos uma excelente base para a formação de uma opinião crítica acerca do modo de inserção internacional do país no início do século XX.


Resenhista

Marcos Felipe Pinheiro Limam – Mestrando em Relações Internacionais na Universidade de Brasília (UnB).


Referências desta Resenha

BURNS, Bradford. A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos. Rio de Janeiro: EMC, 2003. Resenha de: LIMAM, Marcos Felipe Pinheiro. Revista Brasileira de Política Internacional, v.47, n.2, 2004. Acessar publicação original [DR]

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