Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco – SANTOS (Tempo)

SANTOS Luís Cláudio Villafañe G luisclaudiovillafanegsantos wordpress com Barão do Rio Branco
Luís Cláudio Villafañe / luisclaudiovillafanegsantos.wordpress.com

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. Juca Paranhos: o Barão do Rio Branco. São Paulo: Companhia das Letras, 2018. Resenha de: SOARES, Rodrigo Govena. Tempo, v.25 n.3 Niterói set./dez. 2019.

Não são poucas as anedotas que fizeram de José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco (1845-1912), um personagem festejado de maneira praticamente unânime pela historiografia. Feito raro para um diplomata, a considerar que seus homólogos de maior prestígio – tais como Duarte da Ponte Ribeiro (1795-1878) e Paulino José Soares de Sousa (1807-1866), à época do Império; ou Oswaldo Aranha (1894-1960), San Tiago Dantas (1911-1964) e Azeredo da Silveira (1917-1990), na República – costumam figurar apenas tangencialmente na história dos grandes acontecimentos nacionais. Estudioso compulsivo da formação lindeira do Brasil, o barão do Rio Branco, pelo que conta a história, tinha nos mapas um pêndulo que ritmava sua vida política e biológica. Quando já velho e debilitado pelo consumo exagerado de tabaco e por uma alimentação tanto desequilibrada quanto irregular, era surpreendido por rotineiras visitas médicas, adormecendo nos volumes cartográficos que, pelo resto, consolidavam sua glória. “Ontem à noite, quis examinar mais de perto os pormenores de um mapa que desenrolei no chão e acabei por dormir em cima dele” (apud Lins, 1945, p. 622), teria dito o paciente, ainda despertando, a um médico cada vez mais preocupado.

No cotidiano das ruas, o barão teria gozado de igual prestígio. Não há capital brasileira que não carregue ao menos uma avenida, rua ou beco com o nome de Rio Branco. Quiçá de forma ainda mais expressiva, não houve presidente qualquer capaz de demover o povo brasileiro de sua principal celebração nacional, qual seja, o carnaval. Sequer nos difíceis anos de Arthur Bernardes (1922-1926), do Estado Novo (1937-1945) ou da ditadura escancarada (1968-1974) a proeza foi alcançada. Nisso Paranhos também teve êxito. Ou quase, porque, embora sua morte, em fevereiro de 1912, tenha levado o governo de Hermes da Fonseca (1910-1914) a postergar o reinado de Momo para meados do ano como manifestação de pesar nacional, a população não resistiu, e dois carnavais foram comemorados em um semestre apenas. De todas as formas, o quase feito terminou sendo um duplo feito.

A biografia de Paranhos escrita pelo diplomata e historiador Luís Cláudio Villafañe G. Santos apresenta um personagem diferente. Sem minimizar a importância do barão para a política externa brasileira, emerge das páginas de Villafañe um Rio Branco múltiplo, porque a um só tempo Juca, José Maria, Paranhos, Júnior e Barão. A enumeração de nomes ou apelidos não se presta apenas no sentido das fases biológicas do personagem, que o fizeram transitar de um Juca boêmio para um José Maria bacharel, a um Paranhos deputado e, em seguida, Júnior, porque agora diplomata, porém sob a silhueta de seu pai, o visconde do Rio Branco (1819-1880), para final e paradoxalmente ser um barão na República. Quando assumiu em 1902 a chancelaria, que ganhara havia pouco o nome de Itamaraty em referência ao palácio que passou a albergá-la, Rio Branco acumulava vasta experiência. Nesse sentido, a narrativa fundamentalmente cronológica de Villafañe, permeada por um ou outro flashforward cinematográfico, expressa, antes de mais nada, uma acumulação de práticas e saberes do biografado, não sem as respectivas contradições, hesitações e sombras do passado. A divisão da obra em três partes – “Juca Paranhos na sombra do pai (1845-1876)”, “A redenção do boêmio (1876-1902)” e “Um saquarema no Itamaraty (1902-1912)” – sugere esse acúmulo linear somente em aparência. Dá-se, então, um barão mais incoerente, vaidoso, obsessivo, ansioso e por vezes cabeça-dura do que aquele dos textos largamente mais hagiográficos de Álvaro Lins (1945) e de Luís Viana Filho (1959).

Afora a revisão sobre a personalidade do barão, as principais contribuições historiográficas – discutidas na terceira e última parte da obra – dizem respeito ao tempo do barão na chefia do Ministério das Relações Exteriores. Villafañe concede especial ênfase a três temas: a interdependência entre política interna e externa, o estabelecimento de uma – suposta – aliança não escrita com os Estados Unidos e a resolução pacífica das disputas lindeiras. São essas as discussões que nos interessam sobremaneira nesta resenha.

Em vez de insistir na oposição entre políticas interna e externa, Villafañe funde-as, vislumbrando a ação diplomática como política pública, cujos entrelaçamentos com os eventos domésticos a explicam, causam e condicionam. De entrada, portanto, há uma revisão pela forma e pelo conteúdo da historiografia diplomática, que, a maneira de textos clássicos, como o de Amado Cervo e Clodoaldo Bueno (2008) ou do mais antigo Delgado de Carvalho (1959), tende a isolar o Itamaraty das tensões políticas internas. Nisso, Villafañe assemelha-se à posição de Rubens Ricupero, marginalmente na rápida biografia do barão que este também escreveu e substancialmente na recente obra sobre o lugar da diplomacia na formação nacional (Ricupero, 20002017). Assim, e para citar apenas alguns exemplos, o barão de Villafañe não conduziu um Itamaraty ausente dos traumas causados pela campanha civilista de Rui Barbosa (1909-1910) ou pela Revolta da Chibata (1910), e foi ativo, em uma chave mais propositiva do que reativa, em seu relacionamento com chefes partidários de magnitude nacional, como Pinheiro Machado.

Se não há negação ontológica entre políticas externa e interna, tampouco haveria, nas ponderações de Villafañe, um Itamaraty autônomo em relação ao governo. O espírito corporativo do ministério, malgrado sua irrefutabilidade, não o tornaria responsável somente perante suas idiossincrasias. Pelo contrário, e em especial na gestão Rodrigues Alves (1902-1906), o barão esteve longe de ter independência decisória na condução da política externa, inclusive no que se refere a assuntos burocráticos do ministério. Particularmente problemática foi a condução das negociações de limites com a Bolívia, que resultou na assinatura do Tratado de Petrópolis (1903). As concessões feitas pelo barão – nomeadamente, o pagamento de 2 milhões de libras, a construção da ferrovia Madeira-Mamoré e a cessão de pequena parcela territorial -, de forma a angariar a posse de um território também disputado, pelo menos em parte, pelo Peru, teriam sido excessivas no olhar de seus principais desafetos. O tratado, ao qual o barão vinculou, mais à frente, uma áurea de completa vitória, poderia ter ido a pique caso a negociação com o Peru não tivesse sido exitosa. As tratativas com Lima tardaram pouco mais de cinco anos e quase empurraram o Rio de Janeiro para uma guerra de resultados incertos. Como se não bastasse, o sucesso alcançado com o Peru deveu-se a fatores exógenos ao Brasil, visto que dependia do laudo arbitral da rival Argentina sobre a fronteira entre o Peru e a Bolívia. Não à toa, a trama que conduziu à assinatura e à ratificação do Tratado de Petrópolis contemplou desentendimentos entre os negociadores brasileiros, como também resistências da imprensa e do governo ao barão do Rio Branco.

Do ponto de vista teórico, e ampliando a discussão sobre a autonomia do Itamaraty na sucessão de governos que marcou a gestão barão e sobre o lugar da chancelaria no tipo de Estado que caracterizou o Brasil da Primeira República, Villafañe não identifica Rio Branco a uma mera expressão dos interesses econômicos dominantes à época, malgrado as irrefutáveis interdependências. Para reabilitar uma antiga discussão metodológico-política da década de 1960, o autor coaduna-se com a interpretação de Nicos Poulantzas (1968), segundo a qual o Estado detém autonomia relativa, agregando-se às contradições de uma restrita pluralidade de classes ou frações de classe economicamente preponderantes, e não forçosamente sucumbindo a uma classe apenas, homogênea e hegemônica. A distinção entre governo e Estado não poderia ser mais importante nesse diapasão. O Itamaraty, indissociável do governo, somente agiria dentro de constrangimentos estruturais impostos pelo tipo de Estado oligárquico constituído especialmente com a presidência de Campos Sales (1898-1902). No concreto, o barão não teria sido um chanceler a serviço de oligarquias cafeeiras perfeitamente coerentes, mas tampouco teria atuado contrariamente a elas. Rio Branco, dito de outra maneira, não tinha margem para opor-se a uma política externa do “café”, ou, ainda, ao americanismo característico da Primeira República, mas soube negociar com os atores domésticos – e internacionais, naturalmente -, de forma a alcançar o que era possível nos limites daquele momento.

Não por acaso, o americanismo do barão ganha nova interpretação com Villafañe. Não foi o posterior patrono da diplomacia brasileira o primeiro a entabular a virada americanista, que veio com a Proclamação da República. Na mesma lógica dos constrangimentos estruturais, o plano internacional da análise biográfica ganha expressão, e a opção americanista é percebida em uma via de mão de dupla, porém assimétrica. Dada a dependência do setor cafeeiro em relação ao mercado americano – que, de resto, explica pelo menos em grande parte a insistência dos republicanos, já em 1889, pela aproximação com Washington -, a potência então ainda emergente do Norte vislumbrava no Brasil um espaço hemisférico singular para aprofundar sua corrida industrial. Ao chegar à chancelaria, o barão não rompeu com um americanismo alegadamente ingênuo dos primeiros tempos republicanos, mas o aprofundou e o matizou nos limites das estruturas internas e externas. Não há, dessa forma, oposição entre o que haveria sido pejorativamente ideológico e, com o barão, positivamente pragmático, mas uma reinterpretação que enxergava em Washington, a um só tempo, um incontornável espaço comercial e uma garantia para a segurança nacional.

Na leitura de Villafañe, o barão dava compreensão hierárquica às relações hemisféricas, e quanto a isso a proximidade com os Estados Unidos não poderia senão beneficiar o Brasil em suas rivalidades regionais, especialmente com a Argentina. Particularmente importantes, na tônica de aproximação, teriam sido as Conferências Pan-americanas do Rio de Janeiro (1906) e de Buenos Aires (1910). Na primeira – não à toa realizada no Palácio Monroe, que se erguia para a ocasião -, o Itamaraty encarregou-se de assinalar aos vizinhos do Brasil uma hipotética e irremediável aliança com os Estados Unidos; na segunda, o barão sugeriu, sem concretizá-lo, um endosso continental à Doutrina Monroe, também como forma de assinalar postura amigável em relação a Washington em um tempo de intensificação, embora relativa, das relações dos Estados Unidos com a Argentina. Malgrado ajustes interpretativos possíveis, conforme se discutirá mais adiante, Villafañe analisa acertadamente os episódios em um quadro de relações não lineares entre Washington e Rio de Janeiro, permeadas por tensões e, sobretudo, pautadas por uma assimetria favorável aos Estados Unidos.

A suposta aliança não escrita com os Estados Unidos cai então rapidamente por terra. A ideia original era de Bradford Burns e foi desenvolvida em contexto histórico de franco interesse brasileiro por uma aproximação irrestrita com Washington (Burns, 1966). Burns, oriundo da Universidade de Califórnia, veio ao Brasil logo após o golpe civil-militar de 1964 e contou com decidido apoio das autoridades nacionais, chegando inclusive a ser condecorado com a Ordem de Rio Branco. A proposta interpretativa, que emoldurava as relações entre o Brasil e os Estados Unidos em um quadro róseo, não se dispôs a elucidar do ponto de vista teórico o sentido de uma aliança não escrita, constituindo-se, pois, em uma seleção de eventos históricos que legitimariam os laços atávicos entre os dois países. Villafañe refuta a interpretação, incluindo na análise momentos de rispidez entre o Brasil e os Estados Unidos tanto no plano bilateral – a exemplo das tensões alfandegárias – quanto no multilateral, à luz do cisma produzido na II Conferência de Paz da Haia (1907).

Integrando a sua análise, então, os momentos difíceis com os Estados Unidos, Villafañe entende que o pensamento diplomático do barão se constituía no tabuleiro complexo das relações internacionais do Brasil. Essa complexidade expressou-se, singular mas não unicamente, nas disputas lindeiras em que Rio Branco esteve envolvido – todas, praticamente, entre 1895 e 1909. Em outras palavras, e aportando documentos novos, como o tratado secreto de aliança militar com o Equador contra o Peru no caso antes referido, Villafañe interpreta as questões de fronteira, incorporando interesses cruzados de Estados direta ou indiretamente envolvidos nas disputas. Os exemplos do Amapá e do Pirara são emblemáticos nesse sentido. No primeiro caso, o litígio entre o Brasil e a França revelou-se bilateral apenas na medida da fronteira contestada e do laudo arbitral. Considerando as tensões sistêmicas próprias à era dos impérios (1870-1914), Villafañe sugere um barão atento às possibilidades de tirar proveito das rivalidades entre a França e a Inglaterra quanto às ambições territoriais desses Estados na América do Sul. O padrão interpretativo, que, em uma adaptação temporal, poderia significar, pelo menos parcialmente, a interdependência complexa de Robert Keohane e Joseph Nye (1977), vale também para o caso da Bolívia – conforme apresentado – e para o britânico; quanto ao último, teriam por demais pesado nos insucessos brasileiros na disputa pelo Pirara as pressões de Londres para que o rei da Itália, anglófilo de pulmão cheio por questões territoriais na África, fosse indicado o árbitro contra o Rio de Janeiro.

Metodologicamente rica e coerente – porque alia a nova história política às novas maneiras de biografar -, a obra de Villafañe tem tudo para demover aquela que, até agora, tinha sido a principal biografia do barão: a de Álvaro Lins. Não obstante, e da perspectiva de uma crítica interpretativa, alguns episódios poderiam estar mais aprofundados, inclusive para que o sentido geral das principais contribuições historiográficas ganhe expressividade. Penso particularmente, neste espaço restrito próprio às resenhas, em dois momentos e em uma caracterização. No que se refere ao primeiro momento, e na mesma trama dos interesses cruzados, há poucos comentários sobre o discurso de encerramento do barão na III Conferência Pan-Americana do Rio de Janeiro. Disse ele, ao concluir sua fala: “aos países da Europa, a que sempre nos ligaram e hão de ligar tantos laços morais e tantos interesses econômicos, só desejamos continuar a oferecer as mesmas garantias que lhes tem dado até hoje o nosso constante amor à ordem e ao progresso”.1 Em uma interpretação possível e, ao mesmo tempo, ancorada nos múltiplos tabuleiros do barão, a referência à Europa em plena conferência pan-americana poderia dar-se como sinal de contrapeso a ações imperialistas que também poderiam vir dos Estados Unidos.

O segundo momento que nos interessa, a modo de crítica, diz respeito à IV Conferência Pan-Americana de Buenos Aires. Na leitura de Villafañe, o endosso do barão à Doutrina Monroe teria origem em sua visão de mundo, segundo a qual “o poder de polícia dos Estados Unidos sobre os países instáveis do continente era não somente justificado como desejável” (Santos, 2018, p. 455). Em uma interpretação alternativa, que Villafañe descarta, a posição de Rio Branco seria uma tentativa de multilateralizar a Doutrina Monroe, de forma a ponderar, no continente, sua aplicação (Fonseca Jr., 2012). Parece-me difícil encontrar nos arquivos documento que ratifique a última interpretação; no entanto, julgo-a mais coerente com o pensamento diplomático do barão. Em outros termos, e reciprocamente ao discurso de encerramento na III Conferência, o americanismo do barão expressava-se, embora não exclusivamente, como mecanismo de compensação ao imperialismo europeu. Da mesma forma, a tentativa de construir um triângulo de paz na América do Sul – constituído pela Argentina, pelo Brasil e pelo Chile – também poderia ser vislumbrada como freio político ao vizinho do Norte. Ou, para usar a teoria das relações internacionais, como um instrumento de balancing.

Por último, refiro-me à caracterização de Rio Branco como um saquarema no Itamaraty. O termo saquarema, menos usual do que o contrário nas fontes primárias, serviu a Ilmar Rohloff de Mattos para designar não apenas o partido conservador, sobretudo nas décadas de 1840 e de 1850, mas também as dimensões sociais e culturais do tipo de Estado que esse mesmo partido havia constituído (Mattos, 1987). Filho de um conservador da segunda geração, o barão talvez tenha carregado, ainda que como contradição, o espírito saquarema que marcou sua formação intelectual. A doutrina do uti possidetis e a das fronteiras naturais, embora de origem colonial, serviram aos saquaremas do Império e ao barão também nos primórdios da República. No entanto, a segunda década republicana em pouco se pareceu ao tempo da direção saquarema (1848-1853), outra expressão de Mattos. O Brasil não tinha sequer a sombra da hegemonia que gozara no Prata; o principal eixo econômico do país havia-se deslocado para São Paulo; a mão de obra não era mais cativa; o Brasil agia multilateralmente, o que o Império abominava; e Washington tomava o posto de Londres. Certo é que o hipotético espírito saquarema do barão poderia emergir fora de seu tempo, mas tampouco é o que nos conta, no fundo, Villafañe. Pelo contrário, e acertadamente, Rio Branco figura em Villafañe como um homem de seu tempo, fazendo história nos limites estruturais do que era então possível.

Saquarema ou, quiçá, republicano malgré lui, o Rio Branco que emerge de Villafañe é, antes de mais nada, um convite aberto ao estudo da história da política externa brasileira. E isso em âmbito universitário, com o qual o autor dialoga, ou para o grande público, constante preocupação no texto agradável, bem-construído, imagético e articulado de Luís Cláudio Villafañe G. Santos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURNS, Bradford. The unwritten alliance: Rio Branco and Brazilian-American relations. Nova York: Columbia University Press, 1966. [ Links ]

CARVALHO, Delgado de. História diplomática do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. [ Links ]

CERVO, Amado Luiz; BUENO, Clodoaldo. História da política exterior do Brasil. Brasília: Universidade de Brasília, 2008. [ Links ]

FONSECA-JR, Gelson. Rio Branco diante do monroísmo e do pan-americanismo: anotações. In: PEREIRA, Manoel Gomes(Org.). Barão do Rio Branco: 100 anos de memória. Brasília: Funag, 2012. [ Links ]

KEOHANE, Robert; NYE, Joseph S. Power and interdependence: world politics in transition. Boston: Little/Brown, 1977. [ Links ]

LINS, Álvaro. Rio Branco. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1945. [ Links ]

MATTOS, Ilmar Rohloff. O tempo saquarema. São Paulo: Hucitec, 1987. [ Links ]

POULANTZAS, Nicos. Pouvoir politique et classes sociales de l’État capitaliste. Paris: François Maspero, 1968. [ Links ]

RICUPERO, Rubens. Barón de Rio Branco. Buenos Aires: Nueva Mayoría, 2000. [ Links ]

RICUPERO, Rubens. A diplomacia na construção do Brasil. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017. [ Links ]

VIANA FILHO, Luís. A vida do barão do Rio Branco. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959. [ Links ]

1 Revista Kosmos, ano III, n. 8, ago. 1906.

O autor agradece à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo no 2017/12748-0.

 

Rodrigo Goyena Soares

Tempo, v.25 n.3 Niterói set./dez. 2019

O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil – SANTOS (RBH)

SANTOS, Luís Cláudio Villafañe G. O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil. São Paulo: Ed. Unesp, 2010. 278p. Resenha de: DULCI, Tereza Maria Spyer. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.31, n.62, São Paulo, dez. 2011.

O livro de Luís Cláudio Villafañe G. Santos impressiona desde o começo, pelo título, que relaciona a festa popular do carnaval à política externa, e também pela capa, uma imagem do vitral da Catedral Nacional de Washington retratando o barão do Rio Branco. Imediatamente somos levados a perceber que o livro tem como ponto de partida José Maria Paranhos da Silva Júnior, o barão do Rio Branco, responsável pela consolidação do território brasileiro, que figura naquele conjunto de vitrais, com Bolívar e San Martín, entre os heróis da América do Sul.

O autor, diplomata de carreira, mestre e doutor em História pela Universidade de Brasília, desenvolveu neste livro, O dia em que adiaram o Carnaval: política externa e a construção do Brasil, publicado pela Editora Unesp, um excelente estudo sobre as relações entre nacionalismo, identidade e política externa. Partindo de Rio Branco, Villafañe percorre o panorama histórico do país, do século XIX até os dias atuais, para investigar como foi construída a ‘consciência nacional’, a ‘ideia de raça brasileira’, a ‘consciência do atraso nacional’ e a ‘liderança natural’ do Brasil na América Latina.

O adiamento das festividades populares de 1912 em razão da morte do barão do Rio Branco, ocorrida na véspera do carnaval, demonstra o prestígio e o poder do diplomata não só diante das autoridades, mas também perante a população. Este seria, para Villafañe, um caso único na história, no qual a figura de um diplomata torna-se referência para a construção da nação ao obter importantes vitórias nas disputas de fronteiras.

Embora não sejam contemporâneos, Bolívar, San Martín e Rio Branco teriam sido, cada um a seu modo, responsáveis pela consolidação das nacionalidades na América do Sul. O que salta aos olhos é que, no caso do Brasil, uma figura da República, e não do Império, foi protagonista desse processo de construção da nação brasileira. Mas como explicar o lugar ocupado por Rio Branco na memória e no imaginário da nação brasileira, quase um século depois do processo de independência?

Villafañe afirma que a independência brasileira se fez sem a presença dos famosos ‘libertadores’ dos demais países americanos, e que o Império teria criado um sentimento de pátria comum ainda atrelado à legitimidade dinástica, nos moldes dos Estados europeus do Antigo Regime, o que explica a pequena adesão da sociedade ao sentimento de identidade nacional. Isso teria mudado com a República, momento em que se buscou desenvolver um sentimento nacional brasileiro vinculado à ‘comunidade imaginada’, conceito de Benedict Anderson, do qual o autor se vale muitas vezes ao longo do livro.

Ao argumentar que a política externa é um dos aspectos mais característicos da ação do Estado na construção do nacionalismo, Villafañe destaca que a questão do território conformou o ‘interesse nacional’ brasileiro, já que é um dos elementos essenciais daquilo que o autor denomina “santíssima trindade do nacionalismo”, composta por “Estado, Povo e Território”.

Por sua vez, a identidade de um Estado, auxiliada pela política externa, se constrói muitas vezes a partir de sua relação com os demais Estados, daí a importância do conceito de ‘alteridade’, que leva o pesquisador a investigar, não apenas quais foram os ‘outros’ externos, mas também os ‘outros’ internos. Segundo Villafañe, na tentativa de criar uma ‘comunidade imaginada’ brasileira, o “outro pode assumir várias formas: brasileiros versus portugueses, brasileiros versus africanos, América versus Europa, império versus república, civilização versus barbárie, americanismo continental versus nacionalismos particulares”.

Sendo assim, o objetivo central das primeiras gerações de intelectuais da República foi reinserir o Brasil na América e superar o ‘atraso’ gerado pela colonização e pela monarquia portuguesa. O autor identifica, nesse contexto, duas vertentes de debate sobre a identidade brasileira, as quais engendraram as ideias do ‘atraso nacional’: uma baseada nas relações entre o meio e a raça (que valorizava a mestiçagem) e outra assentada numa visão antilusitana e antiafricana (que valorizava o americanismo).

O historiador afirma que, com o advento da República, transformou-se o lugar do Brasil no continente, especialmente a partir da incorporação das premissas do pan-americanismo, caras à política externa brasileira, principalmente durante a gestão de Rio Branco como chanceler, entre 1902 e 1912.

Segundo o autor, a diplomacia de Rio Branco é paradigmática para compreender a relação entre nacionalismo e territorialidade, pois buscava definir as fronteiras, aumentar o prestígio internacional do Brasil e afirmar a liderança ‘natural’ de nosso país na América do Sul, deixando como herança um ‘evangelho’ que descrevia o Brasil como “um país pacífico, com fronteiras definidas, satisfeito territorialmente”. Um exemplo interessante, analisado pelo historiador, foi a presença do Brasil nos trabalhos da Liga das Nações, participação que tinha como meta aumentar o prestígio internacional do país, mas que contribuiu, ao mesmo tempo, para a sustentação política do governo e para fortalecer as rivalidades entre Brasil e Argentina na disputa pela preponderância política e militar no Cone Sul.

Villafañe destaca ainda o Estado Novo como forte instrumentalizador da identidade nacional, já que nesse período ocorreu o processo de consolidação dos dois símbolos culturais da identidade brasileira atual: o carnaval e o futebol. Através do Departamento de Imprensa e Propaganda – órgão responsável por auxiliar as “festas populares com intuito patriótico, educativo ou de propaganda turística” – Getúlio Vargas institucionalizou o carnaval, tornando-o oficialmente símbolo da nacionalidade brasileira, e profissionalizou o futebol, com o intuito de difundir um conjunto de valores supostamente pertencentes a um caráter nacional, “produto de uma alma brasileira”.

Também a partir da Era Vargas, o nacionalismo teria se vinculado à ideia de desenvolvimento econômico e social, o que, segundo o autor, teria “acrescentado um novo elemento ao evangelho do Barão”. O desenvolvimento patrocinado pelo Estado levaria à superação do atraso e projetaria o Brasil para o futuro, ao desenvolver uma ‘autonomia da dependência’, componente ausente da política externa, tanto do Império, quanto da República Velha.

É nesse momento que, segundo Villafañe, a retórica diplomática brasileira incorpora de fato o pertencimento à América Latina, ao se perceber membro do grupo de países menos desenvolvidos e buscar a superação do ‘atraso nacional’. Dessa fase, o historiador destaca o nacional-desenvolvimentismo, característico dos governos de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart; analisa a teoria da modernização, criada pela academia norte-americana no pós-Segunda Guerra Mundial (que contrapõe as sociedades ‘modernas’ às ‘tradicionais’) e explica por que os Estados Unidos se tornaram o ‘outro’, em contraste com a identidade latino-americana.

A partir da Política Externa Independente, do início da década de 1960, o Brasil abandonou a ‘aliança não escrita’ com os Estados Unidos, reforçou a identidade latino-americana e desenvolveu as afinidades com a África e com a Ásia, que viviam o processo da descolonização. O autor ressalta esse período, sem deixar de considerar o fato de a identidade continental americana ter sido utilizada pelos Estados Unidos como forma de controle, ao excluir Cuba do sistema interamericano em função de seu sistema político, ‘incompatível’ com os demais países da América.

Por fim, ao analisar a Ditadura Militar, o historiador realça a posição de alinhamento do Brasil com os Estados Unidos (uma volta aos velhos padrões da política externa) e enfatiza o discurso anticomunista e nacionalista dos militares (que percebem o Brasil como ‘potência regional’). Além disso, Villafañe destaca o retorno e o fortalecimento da identidade latino-americana entre o final do século XX e o princípio do século XXI, discutindo como as nações são inventadas e reatualizadas de acordo com os diferentes contextos históricos.

O autor termina o livro em tom levemente provocativo, questionando se houve ou não um rompimento com o ‘evangelho’ de Rio Branco. O grande panorama apresentado cuidadosamente por Villafañe nos permite comparar os variados períodos da nossa história, levando-nos a entender as complexas relações de poder dos diferentes projetos identitários e da ‘comunidade imaginada’ que é o Brasil. Mesmo para aqueles que discordem das premissas e das teses do autor, esta obra lúcida e instigante aponta novos caminhos de reflexão sobre a imbricada relação entre a política externa e a longa e incessante ‘construção’ do Brasil.

DULCI, Tereza Maria Spyer.- Doutoranda, Departamento de História, FFLCH/USP; bolsista Fapesp, Av. Prof. Dr. Lineu Prestes, 338 – Cidade Universitária. 05508-000 São Paulo – SP – Brasil, E-mail: [email protected].

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A aliança não escrita: o Barão do Rio Branco e as relações Brasil-Estados Unidos | Bradford Burns

A obra de Bradford Burns, editada em 1966, examina a aliança não escrita entre o Brasil e os Estados Unidos no início do século XX. Ainda como fruto das comemorações do centenário da gestão do Barão do Rio Branco no Itamaraty, o trabalho traduzido pelo embaixador Sérgio Bath, em 2003, vem contribuir para um melhor entendimento das relações bilaterais entre as duas nações no primeiro decênio do século passado. Dessa forma, auxilia sobremaneira a compreensão acerca da formação do eixo estruturante das relações internacionais do Brasil, bem como o funcionamento inicial das denominadas relações especiais.

Organizada em nove capítulos, a obra de Bradford Burns utiliza-se dos mais variados assuntos para explicar as relações Brasil-Estados Unidos, percorrendo desde o perfil pessoal da formação do Barão a sua aceitação da Doutrina Monroe e do Pan-Americanismo. O autor perfaz a história desse relacionamento desde a suspeição, que emoldurou o início da amizade, às futuras recompensas que de fato ele trouxe para o Brasil. Leia Mais

Rio Branco, a América do Sul e a modernização do Brasil | Carlos Henrique Cardin e João Almino

Para comemorar o primeiro centenário da posse do barão do Rio Branco como Ministro das Relações Exteriores, a Funag, o Instituto Rio Branco e o Ipri organizaram um seminário no IRBr nos dias 28 e 29 de agosto de 2002. O encontro analisou a atuação de Rio Branco por meio de cinco enfoques: sua visão do Brasil e do mundo, seus contemporâneos, o trabalho pela modernização do Brasil, a política para as Américas e a política brasileira para o Prata. Os textos apresentados foram reunidos por Carlos Henrique Cardim e João Almino, dando origem ao livro lançado, em 2002, pela EMC Edições, prefaciado por Fernando Henrique Cardoso.

Na abertura dos trabalhos, Celso Lafer realçou a relação entre a tradição de uma diplomacia brasileira ancorada à história e à herança paradigmática do fazer diplomático do Barão como diretriz e orientação para as decisões do país. Leia Mais

Os sucessores do Barão: relações exteriores do Brasil, 1912-1964 | Fernando P. de Mello Barreto

O livro de Fernando de Mello Barreto cumpre de maneira satisfatória o papel de informação geral sobre os eventos e processos que marcam as relações exteriores do Brasil desde a morte do Barão do Rio Branco até o advento da república dos generais. Mello Barreto adota um esquema cronológico, organizando seu racconto storico de meio século de vida diplomática republicana de acordo com as gestões dos chanceleres que, desde Lauro Muller até Araújo Castro, sucederam-se na cadeira do Barão. Os principais lances da política externa brasileira de 1912 a 1964 são seguidos ano a ano, em re-compilação exaustiva dos eventos, apresentados em cinco partes: a República velha, a era Vargas, a Guerra Fria, JK e a Operação Pan-Americana e a Política Externa Independente.

O livro confirma as qualidades da história factual e seu caráter indispensável ao pesquisador que pretenda realizar a inserção desses fatos na trama mais ampla das relações internacionais do Brasil, sobretudo em sua vertente econômica externa. Cabe, com efeito, destacar que, ao início de cada seção, Fernando de Mello Barreto apresenta informações objetivas, tabelas estatísticas, gráficos seriais ou quadros analíticos apresentando a situação econômica do país naquela conjuntura (comércio exterior, dívida, reservas, investimentos estrangeiros etc.). Leia Mais