A Alma do MST? A prática da mística e a luta pela terra | Fabiano Celho
O livro dividido em cinco capítulos traz discussões pertinentes sobre identidade sem terra, origem do MST, a participação da igreja na luta pela terra, e a importância da mística na construção de memórias e identidades de trabalhadores rurais que se encontravam na condição de acampados ou assentados.
O autor utiliza como fonte para construção da narrativa publicações do Jornal Sem Terra, periódicos internos do MST (cadernos de formação, cartilhas de educação e manuais de organização) e entrevistas orais de trabalhadores rurais que estavam na luta pela terra.
Coelho inicia a discussão abordando sobre a importância da Igreja na construção dos movimentos sociais de luta pela terra que antecederam o surgimento do MST. Para o mesmo, “em meio às lutas no campo, os agentes religiosos, inspirados pela Teologia da Libertação, tiveram um papel fundamental e marcante na luta pela terra e na organização de diversos movimentos sociais”. Coelho busca mostrar por meio de fontes produzidas pela Igreja Católica que a Comissão Pastoral da Terra atuava não apenas na formação religiosa, mas também nas organizações e ocupações de terra, despertando nos trabalhadores rurais o anseio pela “terra prometida”.
Em seguida o autor chama atenção para a gênese do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), dando ênfase as trajetórias, articulações e consolidação do movimento social. Segundo Coelho (2014) “a articulação e trabalho para organizar o MST como um movimento nacional na luta pela terra se efetivara, principalmente, a partir do cenário caótico que trabalhadores e trabalhadoras do campo vinham sofrendo”. (COELHO, 2014, p. 78). Suas considerações vão de encontro com a situação vivenciada pelos trabalhadores rurais na década de 1980, quando a modernização agrícola, o avanço da monocultura e o aumento dos latifúndios expropriaram várias famílias camponesas. Para discutir sobre o tema lançada, Fabiano Coelho se apóia nas leituras e apontamentos do sociólogo José de Souza Martins e do Geógrafo Bernardo Monçano Fernandes.
Com a oficialização do MST em 1984, a CPT passou a ocupar outros lugares dentro do movimento sem terra, que por sua vez conservou alguns discursos e práticas vinculadas a Igreja Católica. Fabiano Coelho, também aponta as transformações ocorridas no interior do MST ao longo da década de 1980 a partir da análise dos próprios lemas de divulgação do movimento, como terra pra quem nela trabalha (1984), terra não se ganha, se conquista (1985), Ocupação é a única solução (1985) e Reforma Agrária: uma luta de todos (1995).
Para o autor o MST “mudou por causa das próprias necessidades, em que novos elementos e estratégias foram incorporados, no sentido de dar conta e expressar o que o grupo esperava da luta” (COELHO, 2014, p.87). Desta forma é abordado no livro os diferentes símbolos produzidos pelo movimento como bandeiras, cânticos, poemas e os impressos que colaboraram para o fortalecimento da mística e do MST.
Neste contexto, Coelho dedica um capítulo para discutir as idéias sobre a mística no tempo e os diferentes olhares produzidos a partir das publicações do MST, trabalhando de inicio com a construção do conceito de mística que para o mesmo “esta ligado ao campo da experiência”.
Na leitura de imagens e cadernos de formação produzidos pelo movimento sem terra, o autor destaca a presença da simplicidade, símbolos inerentes a organização do movimento, as ferramentas de trabalho dos camponeses, os alimentos, entre outros que representam o trabalhador rural na luta pela terra e por melhores condições de vida. Coelho acredita que o conceito de mística utilizado pelo MST seria o “segredo que alimenta a existência e a luta dos militantes e de todo o povo que luta”. Neste contexto, o mesmo busca construir uma narrativa acerca da mística no campo das representações e identidade. Fabiano analisa a mística como sendo “uma prática cultural e política”, recorrendo as leituras de Roger Chartier e Pierre Bourdieu. Para o mesmo, “as representações se encontram nas falas, nos gestos, nos símbolos, nas canções e hinos de luta, bem como em todos os elementos utilizados em seu desenvolvimento” (COELHO, 2014, p.175).
O autor chama a atenção para a construção de uma memória histórica do Movimento Sem Terra partir de diferentes olhares, levando em consideração as disputas pelo protagonismo dentro do próprio MST. Ao evidenciar as lutas e violências sofridas pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais sem-terra observa-se a necessidade em rememorar os “mártires” da luta pela terra. Na construção da sua memória histórica, o MST é inserido como um movimento social que teria uma missão: dar continuidade as lutas históricas pela terra (COELHO, 2014, p.178).
De acordo com Coelho, a memória é um elemento construtor de identidades, e as identidades também se apoiam nas memórias para legitimar os sujeitos. A identidade é construída a partir da relação existente entre o “eu” e o “outro”, marcada pela diferença. Esta diferença trazida pelo autor se aproxima das discussões de Michael Pollak ao evocar o enquadramento da memória.
Na construção do sujeito sem-terra, percebe-se que algumas etapas fazem parte da constituição desta identidade, como “ocupar a terra, viver no acampamento e continuar lutando mesmo depois de assentado”. Desta forma, “ser sem-terra é ter a ousadia de romper as cercas do latifúndio, de ultrapassar as barreiras da exclusão e conquistar um espaço a partir do não espaço do espaço negado”.
Ao tratar da mística praticada nos diferentes espaços e experiências, o autor nos mostra a mística praticada por homens e mulheres nos assentamentos oriundos do MST, buscando nas narrativas orais algumas respostas para suas inquietudes. Para Coelho a mística nos assentamentos precisa ser vivenciada na pratica cotidiana e não apenas vista como uma encenação no início e fim de eventos. Neste tocante, se viu a necessidade de pensar nos trabalhos de base do MST, por meio de ensinamentos e conscientização política dos trabalhadores e trabalhadoras, conservando elementos da tradição camponesa, enquanto homens e mulheres da terra.
Coelho afirma que a mística é a alma do MST, pois tornou-se um dos princípios mais originários na estrutura organizacional do movimento, muito mais do que apenas representações cênicas e músicas.
Resenhista
Nelson de Lima Junior – Mestre em História pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH/UFGD). E-mail: [email protected]
Referências desta Resenha
COELHO, Fabiano. A Alma do MST? A prática da mística e a luta pela terra. Dourados, MS: Editora UFGD, 2014. Resenha de: LIMA JUNIOR, Nelson de. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.18, n.32, p.375-378, jul./dez. 2016. Acessar publicação original [DR]