A economia portuguesa 20 anos após a adesão | Antonio Romão

O ano de 2006 foi o marco das comemorações de 20 anos da entrada oficial de Portugal na Comunidade Econômica Europeia(CEE) e, como tal, foi palco de diversas celebrações, eventos e, também, reflexões sobre o significado da adesão portuguesa ao bloco europeu.

Nesse contexto, o professor doutor Antonio Romão, catedrático do Instituto Superior de Economia e Gestão(ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa(UTL), lançou o livro de análise da economia portuguesa nos vinte anos da adesão em obra conjunta com outros 15 especialistas – a maioria, professores colegas da mesma universidade, salvo duas exceções: o professor Manuel Cardoso Leal, assessor do conselho administrativo do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pesca, do Ministério da Agricultura português, e o economista Carlos Correia da Fonseca, especialista na área de transportes.

No volume extenso de quase 600 páginas, os autores se propõem a percorrer os diversos setores da economia, as políticas econômicas adotadas pelo governo português, as normas e diretrizes vindas das autoridades da CEE e os resultados numéricos observáveis nas contas nacionais do país.

Romão inicia a obra com um apanhado geral da economia e das transformações ocorridas e oferece um anexo cheio de tabelas e dados que, apesar de interessantes e chamativos, possuem alguns senões como o fato de terem sido retirados de fontes secundárias, como no caso estudos efetuados pelo Ministério da Economia, em vez do próprio órgão responsável pela elaboração dos mesmos dados, como o Banco de Portugal, por exemplo. Em alguns casos tem-se incoerências estranhas que após alguma pesquisa, revelam o uso de fontes diferentes e, metodologias de cálculo distintas. É o caso dos dados de exportações e importações que, tomados dos relatórios do FMI e do Instituto Nacional de Estatística português (INE), se mostram dispares.

Os segundo, terceiro e quarto capítulos analisam a agricultura, pesca e indústria e esmiúçam as políticas postas em prática pelas autoridades da CEE e do governo português em relação às áreas. Refletindo o mosaico das opiniões diversas sobre os reais benefícios da adesão à comunidade, os autores divergem entre apoiar totalmente os rumos adotados no sentido de liberalizar a economia, e lamentar as perdas da autonomia relativa existente anteriormente, a desnacionalização e abertura de mercado. De certo modo, há uma busca pela isenção de tomada de posição, mas esta fica evidente, como por exemplo no caso do capítulo sobre a indústria, onde o título já questiona “desindustrialização, progresso ou declínio?” e termina com um elogio às políticas neoliberais adotadas.

Os próximos dois capítulos apresentam as mudanças ocorridas nas áreas de transportes e energia, setores em que o país apresentava uma situação bem distinta dos demais países da CEE à altura da adesão e, por isso, receberam altos investimentos no sentido de se modernizar e atingir os níveis exigidos para poder se integrar à rede de transportes da CEE e a malha energética do sul do continente, por exemplo. Assim, a busca pela modernidade que se apresentava como solução para os demais países membros, foi adotada e setores antes importantes, como o caso do transporte ferroviário de passageiros, foram abandonados mesmo em face às crises de petróleo que haviam atingido o mundo no final da década de 1970 e início dos anos 1980.

Em seguida, abordam-se as políticas sociais adotadas ao longo dos vinte anos. Um setor em que Portugal estava à frente dos demais integrantes, principalmente nas suas políticas de universalização dos serviços de saúde e educação pública. Mas, mesmo assim, o país se adaptou às normas da CEE e os autores do capítulo não escondem o orgulho sentido por seu país estar adiante em alguma área. Ainda mais que a adesão dos países do antigo bloco socialista nos anos 1990, levou a alterações profundas nessas políticas e a convergência mostrou que Portugal estava adiante de seus colegas na Comunidade pois já previa medidas para lidar com as minorias, por exemplo.

A partir desse ponto o livro passa a se dedicar às áreas financeiras, fiscais e orçamentárias.

Os mercados de ações, de câmbio, e de transações bancárias que até meados dos anos 1980 praticamente não existiam em Portugal, sofreram alterações profundas com abertura para capitais e empresas estrangeiras, passando a se estruturar segundo os ditames ultra-liberalizantes – nas palavras dos autores dos capítulos em questão – do Sistema Monetário Europeu e demais autoridades que pressionavam por uma integração de mercado interno até o ano de 1992 e a união monetária até o final do século. Portugal seguiu as normas e mudou seu sistema fiscal, criou impostos, aboliu outros e antes de 1992 já estava em pleno processo de convergência com os demais estados-membros, antes do prazo, para orgulho de alguns e pesar de outros que viram no processo, uma perda de arrecadação, de autonomia e piora nas contas do Estado, cada vez mais dependente de transferências externas.

Os próximos temas estudados referem-se ao comércio exterior e ao Investimento Direto Estrangeiro em Portugal (IDEP) e de Portugal no Estrangeiro (IDPE) e, mias uma vez, tem-se um elogio à eficiência do país em cumprir prontamente as diretrizes vindas das autoridades da CEE pois em termos de IDE, em ambos os sentidos, os números mostram a melhora sensível no quadro econômico português. Já em relação ao comércio externo, fica patente o aumento da dependência portuguesa dos produtos e serviços importados e o crescente desequilíbrio de sua Balança Comercial que passou os vinte anos em déficit permanente e crescente.

Por fim, o último capítulo trata das relações comerciais entre Portugal e Brasil no período após a adesão. Tais relações são vistas como tendo renascido e se dinamizado de forma crescente ao longo dos vinte anos analisados porém, o autor parece se esquecer que os fluxos internacionais no final do século passado haviam se dinamizado no mundo todo e, em especial, no que se refere aos países chamados de emergentes. Assim, a análise apresentada mostra-se positiva e as causas para tal ficam atribuídas exclusivamente à adesão portuguesa à CEE sem, no entanto, destacar o contexto mundial e as mudanças ocorridas no Brasil, seja em seu quadro político, seja nas mudanças de sua direção econômica de um país que aderia à abertura de mercado e fim de suas práticas de protecionismo econômico, atendendo aos ditames do FMI e demais credores internacionais.

É de se estranhar a ausência de alguns temas que mereciam capítulos como sobre o setor de serviços, ou um detalhamento mais aprofundado do que aconteceu à mão de obra portuguesa, ao sistema sindical e de cooperativas de produção e consumo que haviam se fortalecido após a revolução de abril de 1974, mas, notase que na média, o livro possui um tom de elogio e defesa do neoliberalismo. Um discurso em que se defende a participação cada vez menor do Estado nas atividades econômicas do país e, no caso de Portugal, o surgimento das autoridades transnacionais de decisão sobre os assuntos econômicos, permite ainda mais esse afastamento do Estado.

De forma sucinta, cheia de dados numéricos e análises estatísticas, leis e normatizações, A economia portuguesa 20 anos após a adesão é uma obra que permite acompanhar cronologicamente as transformações ocorridas no setor econômico do país de 1986 a 2005 e perceber de que forma Portugal fez sua opção de papel de bom aluno dentro do bloco econômico europeu.


Resenhista

Maria de Fátima S. C. Previdelli – Mestranda em História Econômica. Departamento de História, Universidade de São Paulo (USP.)


Referências desta Resenha

ROMÃO, Antonio (Org.). A economia portuguesa 20 anos após a adesão. Coimbra: Editora Almedina, 2006. Resenha de: PREVIDELLI, Maria de Fátima S. C. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 07, n. 19, p. 173-176, dezembro, 2009. Acessar publicação original [DR]

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