A Missão Paranhos ao Prata (1864-1865): diplomacia e política na eclosão da Guerra do Paraguai | César de Oliveira Lima Barrio

Após os festejos dos 20 anos do Mercosul, autoridades, intelectuais e a opinião pública debatem o futuro da região. No entanto, poucos são os estudos, em especial na área das relações internacionais, sobre a história do Cone Sul. A comunidade acadêmica parece ignorar importantes acontecimentos e períodos da política externa brasileira, como o período regencial ou a República velha.

Felizmente, César de Oliveira Lima Barrio, diplomata e doutorando em história pela Universidade de Brasília, é uma exceção. Em seu livro A Missão Paranhos ao Prata (1864-1865): diplomacia e política na eclosão da Guerra do Paraguai, Barrio descreve detalhadamente a atuação política de Paranhos nos países da Bacia do Rio da Prata (1864-1865). Para tanto, o autor apresenta as principais diretrizes e as ações da diplomacia brasileira nos momentos que antecederam a deflagração do maior conflito interestatal na América do Sul: a Guerra do Paraguai (1864 – 1870).

Barrio, como bom discípulo de Francisco Doratioto, realizou um cuidadoso trabalho de pesquisa em diversos arquivos, como o Arquivo Histórico do Itamaraty e o Arquivo Nacional, entre outros. O uso extensivo das fontes primárias valoriza ainda mais a obra, ao revelar detalhes desconhecidos pelo grande público, como, por exemplo, o “choque” de egos entre o Almirante Tamandaré e o Visconde de Rio Branco acerca da condução política na guerra civil do Uruguai (BARRIO, 2010, p.83). Além da pesquisa de alta qualidade, o livro oferece um texto claro e bem escrito, tornando a leitura agradável e enriquecedora.

A obra está dividida em quatro capítulos, além da introdução e das considerações finais. O primeiro capítulo apresenta uma exposição dos condicionantes da diplomacia imperial por meio da análise de três eixos: a atuação das “forças profundas”, tal como descritas por Durosselle e Renovin (1967), na região platina; as características estruturais do subsistema do Prata; e os paradigmas da política externa brasileira do período para a região.

O segundo capítulo relata as etapas da intervenção brasileira no Uruguai, explica a principal causa do envio da Missão Paranhos e trata da eclosão da Guerra do Paraguai. O autor expõe as forças políticas, internas e externas, responsáveis pelo engajamento brasileiro no Uruguai, e descreve a Missão Saraiva, que teve consequências negativas para as relações entre Rio de Janeiro e Montevidéu, já que conduziu brasileiros e uruguaios à guerra.

A Missão Paranhos no Prata é analisada no capítulo terceiro, desde as primeiras tratativas de Paranhos com o governo argentino até as negociações para a pacificação do Uruguai. O autor detalha os múltiplos aspectos da intervenção militar brasileira no Uruguai, em especial a busca do apoio argentino à causa brasileira.

Paranhos iniciou, nesse contexto, suas negociações com Mitre e Elizalde. O Governo argentino demonstrou-se favorável à intervenção brasileira, mas resguardou sua posição de neutralidade […] O Governo argentino estava, portanto, disposto a oferecer ao Brasil sua cooperação moral e diplomática, mas não contribuiria com seu concurso material exceto em caso de alguma “intervenção estranha aos Estados do Prata” […] (BARRIO, 2010, p. 80).

Como demonstra Barrio, a situação tornou-se muito mais complexa quando o Paraguai fechou os rios da região para navegação e capturou o navio “Marquês de Olinda”, iniciando o maior conflito interestatal da América do Sul: a Guerra do Paraguai (1864-1870).

A posição do Governo Imperial foi clara: o Brasil considerava os atos do Paraguai “verdadeira declaração de guerra” e de “apanhar a luva que nos foi grosseiramente atirada” […]

A ruptura paraguaia gerava novas complicações para a diplomacia brasileira. Ao mesmo tempo em que a guerra contra o Paraguai tornava necessária a resolução rápida da questão oriental […] (BARRIO, 2010, p. 81).

O autor descreve também um fato pouco conhecido: as divergências entre Paranhos e o Almirante Tamandaré sobre a condução política da guerra, situação que causou uma série de estorvos.

Tornava-se cada vez mais patente uma dificuldade pessoal inesperada: Tamandaré não reconhecia a posição de Paranhos. Isso dificultou a relação entre os dois líderes e prejudicou a atuação diplomática do plenipotenciário, que se via desprovido de informações importantes e desautorizado na direção política das ações do Império do Prata […] (BARRIO, 2010, p. 83).

No quarto capítulo, Barrio descreve os resultados e as repercussões da Missão Paranhos, dando especial atenção ao desfecho da guerra civil no Uruguai. O autor passa a analisar a polêmica exoneração de Paranhos – cuja principal causa foi a desavença política interna no Gabinete Imperial – e seus reflexos na política interna e externa do Brasil. Em suas considerações finais, Barrio advoga com muito ardor e propriedade em prol da ação de Paranhos no Uruguai. Defende, por fim, a necessidade de uma “salutar” distância entre a política interna e externa no Brasil.

A Missão Paranhos foi a ação de maior consistência em toda intervenção no Uruguai. Diferentemente do que ocorreu na Missão Saraiva, Paranhos não agiu à revelia das instruções do Governo Imperial, mas procurou ele mesmo moldá-las para unir meios e fins dentro do paradigma intervencionista. O encerramento da Missão, foi, entretanto, o momento mais contraditório em toda a política imperial: tendo concretizado todos os fins da intervenção, o plenipotenciário brasileiro foi exonerado […] Essa incongruência tem uma única explicação: a sobreposição da segunda imagem à terceira, o sacrifício da política externa em benefício do tabuleiro da política interna (BARRIO, 2010, p. 142).

Em tempos em que se discute o “engajamento”, a “assertividade” e a “ideologização” da política externa brasileira nos dois últimos governos, a leitura e o debate desse livro são altamente recomendados, pois o seu conteúdo não apenas contempla os interessados na história diplomática brasileira, mas serve também como um alerta válido aos dias atuais:

É natural que a política interna influencie a política externa, mas não a ponto de distorcê-la. Quando isso ocorre, a política externa desvincula-se do Estado para transformar-se em mero instrumento de Governo e perde toda a sua congruência (BARRIO, 2010, p. 143).

Referências

BARRIO, César de Oliveira Lima. A Missão Paranhos ao Prata (1864-1865): diplomacia e política na eclosão da Guerra do Paraguai. Brasília: FUNAG, 2010.

RENOUVIN, Pierre; DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à história das relações internacionais. São Paulo: Difusão Européia, 1967.


Resenhista

Tomaz Espósito Neto – Professor Assistente do Curso de Relações Internacionais da Faculdade de Direito e Relações Internacionais da Universidade Federal da Grande Dourados – FADIR/UFGD. Doutorando em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

BARRIO, César de Oliveira Lima. A Missão Paranhos ao Prata (1864-1865): diplomacia e política na eclosão da Guerra do Paraguai. Brasília: FUNAG, 2010. Resenha de: ESPÓSITO NETO, Tomaz. Meridiano 47, v.13, n.130, p.50-52, mar./abr. 2012. Acessar publicação original [DR]

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