A Primavera Árabe: entre a democracia e a geopolítica do petróleo | Paulo Fagundes Visentini

A Primavera Árabe tornou-se, a partir de 2010, tema recorrente nos grandes debates das Relações Internacionais. O movimento tem início cronológico marcado pelo ato desesperado de um jovem de 26 anos que, enquanto vendia legumes na rua, foi humilhado e impedido de realizar sua atividade, ateou fogo ao próprio corpo no dia 17 de dezembro de 2010, falecendo em 4 de janeiro de 2011. Tal fato desencadeou uma onda de protestos e manifestações contrárias aos regimes autoritários existentes na região do Oriente Médio.

O que move Paulo Visentini é apresentar ao leitor desapercebido que a Primavera Árabe não consiste em uma reação a um ato isolado, mas sim, consequência de um processo histórico longo que envolve relações de poder, uma geopolítica norteada por estratégias de manutenção de áreas de influencia e o poder econômico gerado pela disponibilidade (ou não) de petróleo na cena internacional.

Com o intuito de desfazer mal-entendidos oriundos de uma primeira impressão sobre os acontecimentos na região e, muitas vezes, decorrentes do desconhecimento da história conturbada relacionada aos países do Oriente Médio, Visentini realiza um recordatório que passa pelos principais períodos do século XX que dão contorno ao cenário de crise observado na segunda década do século XXI.

O livro tem o mérito de apresentar aos leitores a divisão geográfica do Oriente Médio, atrelando o conhecimento da região e seu entorno à sua evolução histórica. Separando-os em áreas específicas, tais como o Machreck, o Magreb e a Ásia Central Visentini, lançando mão de dados recentes associados ao processo de descolonização desses países e o jogo de poder entre as nações colonizadoras começa-se a desenhar a formação recente da região. A influencia europeia nos impérios constituídos na região e, posteriormente, no desmantelamento dos mesmos, quando associada ao processo de expansão da área de influencia norte-americana dão contorno aos desmembramentos e estabelecimento das nações no Oriente Médio. Não é subtraído da descrição histórica o poder econômico originado do petróleo e a cobiça externa pela posse do óleo.

O desenrolar da história contada por Visentini passa pelos períodos consequentes à Primeira Guerra Mundial, relembra o fracasso da intervenção da ONU de 1947, mas concentra-se nos períodos pós-II Guerra Mundial e pelo prolongamento das disputas territoriais e pelo poder político-econômico ao longo da Guerra Fria. Segundo Visentini, é no período compreendido entre as décadas de 1969 e 1970 que os conflitos no Oriente Médio agravam-se e ganham nova dimensão. Estão entre os fatos relevantes do período as disputas políticas internas, as guerras civis, a disputa pelas novas áreas de influencia, a histórica busca pela terra para alguns povos, a estratégia militar das grandes potencias na região e, como não poderia deixar de constar em um histórico dos conflitos na região, a posse (ou influencia) de áreas detentoras de petróleo.

Visentini, bastante atento aos fatos históricos, não se esquece dos grandes conflitos da década de 1980, tais como a invasão do Líbano por Israel e da guerra Iraque-Irã. Apoiando-se em antigos litígios fronteiriços, mas efetivamente incentivados por apoio econômico e militar ocidental – na busca de maior influencia política e econômica na região – Israel e Iraque aproveitam-se das fragilidades de Líbano e Irã, respectivamente, iniciam conflitos que tem como resultado piorar a situação dos países atacados e acentuar a ação de terroristas desagradados e desgastados com a situação de seus povos e de suas nações. Os desmembramentos políticos e a ocorrência dos diversos conflitos na região não desviam a atenção do autor na busca de uma descrição multifacetada do cenário do Oriente Médio. A emergência de uma política mais ativa junto ao ocidente é destacada por Paulo Visentini, principalmente, no que concerne ao poder econômico decorrente da politica do petróleo. A fundação da OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo – em 1960 permitiu que esses países emergissem a uma nova configuração política e conômica, notadamente mais complexa, mas dotada de maiores recursos disponíveis na negociação de suas políticas externas.

É também na década de 80 que o fundamentalismo islâmico ganha notoriedade. Segundo Visentini, o fundamentalismo passa a ter maior peso no jogo político internacional, contudo, muito desse destaque deve ser atribuído à mídia – ávida de sensacionalismo. Os movimentos eram reais, alimentados pelos descontentamentos, pela dança das alianças politicas e pela busca de posicionamento econômico mais confortável, mas o discurso ocidental reforçava um poder local, transformando-o em ameaça global.

Já na década de 1990, com o encerramento da Guerra Fria e a modificação das postura de EUA e da URSS – que agora passam a negociar o desarmamento e a resolução dos conflitos regionais – observa-se novas mudanças políticas, econômicas e estratégicas no Oriente Médio. Foram reduzidos os fluxos de apoio financeiro, foram alteradas as diplomacias beligerantes de EUA e URSS e os países europeus já não mais apresentavam grande interesse politico na região. Contudo a conduta política dos países do Oriente Médio na busca de seus objetivos econômicos, políticos e estratégicos não acompanhou a ação dos centros militares mundiais. É nesse cenário que ganham relevância a ação de grupos terroristas e de estados beligerantes em busca de melhoria das suas condições, essencialmente econômicas. Foi o que moveu o Iraque, mergulhado em crise, no dia 02 de agosto de 1990, abandonado pelas petromonarquias a invadir o Kuwait. O tabuleiro internacional não era mais o mesmo. Os EUA acompanhados por aliados europeus estruturam suas ações estratégicas de resposta, no primeiro momento recebendo o aval da ONU. De acordo com Visentini, na esteira dos acontecimentos das últimas décadas do século XX, vieram os movimentos de revolta que originaram as ações terroristas do início do século XXI. Figura nesse cenário a unilateralidade praticada pelos EUA que despertam a fúria dos esquecidos – começa a fase do terrorismo e da guerra ao terror. O texto segue narrando os casos mais intensos, a saber: o Iraque e o Afeganistão.

A Primavera Árabe, de acordo com Visentini em seu livro, consiste em um movimento de protesto que para além dos anseios populares, assolados duramente pelo desemprego e pela falta de esperança no futuro, são insuflados também por “importante participação externa, pois os revoltosos foram previamente preparados e a forma e o momento em que a revolta ganhou densidade, foram monitorados e influenciados” sinalizam evidências de participação de países interessados nas revoltas e no redesenho da política na região. Fazendo uma descrição cuidadosa dos fatos o dos acontecimentos na região do Oriente Médio, o livro de Paulo Visentini apresenta-se como uma excelente fonte de consulta para o interessado em conhecer a história por trás da Primavera Árabe. Cabe ressaltar que essa história guarda ainda uma pluralidade de novos capítulos que serão futuramente narrados. O futuro e os anos vindouros nos proporcionará o desenrolar desse processo histórico e novas edições do livro poderão ser escritas. Nessa oportunidade caberá à editora, certamente, despender maiores cuidados na revisão ortográfica da obra que evitem erros presentes na primeira edição.


Resenhista

Alexandre Cesar Cunha Leite – Professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba – UEPB e doutor em Ciências Sociais/Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

VISENTINI, Paulo Fagundes. A Primavera Árabe: entre a democracia e a geopolítica do petróleo. Porto Alegre: Editora Leitura XXI, 2012. Resenha de: LEITE, Alexandre Cesar Cunha. Meridiano 47, v.13, n.134, p.48-49, nov./dez. 2012. Acessar publicação original [DR]

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