Adam Smith em Pequim | Giovanni Arrighi

Giovanni Arrighi é velho conhecido nos meios intelectuais das Ciências Sociais brasileiras, principalmente devido a sua obra mais conhecida O longo século XX, publicada pela Editora Contraponto, do Rio de Janeiro. No ano passado (2007), Arrighi lançou nova obra, onde continua sua interpretação sobre os canais de acumulação de capital em escala mundial, especialmente aquela calcada especificamente no crescimento da China contemporânea. A obra, que foi editada no Brasil neste ano de 2008, chama-se Adam Smith em Pequim, e foi editada pela Editora Boitempo. Na edição nacional, há um interessante prefácio de Theotonio dos Santos.

A temática discutida baseia-se na seguinte indagação de Adam Smith: haverá um momento onde chegaria ao fim a supremacia econômica de um determinado continente, ou “raça”, sobre a maior parte das outras – com o crescimento do poder político e econômico de todos os povos atingindo um patamar mais ou menos similar? Haverá um tempo onde as diferentes culturas regionais do mundo poderão encontrar-se numa arena onde as forças econômicas nas quais se apóiam terão um grau mais ou menos parecido de força, extinguindo-se a dominação internacional de uns povos sobre outros? Traduzindo em termos mais concretos: poderá o crescimento do poder chinês pôr em xeque o papel que os Estados Unidos ainda têm (ou tinham, na própria análise de Arrighi) hoje no mundo?

A obra estrutura-se em quatro partes principais: “Adam Smith e a nova época asiática”, “Rastreamento da turbulência global”, “A hegemonia desvendada” e “Linhagens da nova era asiática”. Na primeira parte Arrighi faz longa discussão entre Marx, Adam Smith, Schumpeter e outros autores importantes para a compreensão do desenvolvimento econômico e da sociologia histórica. Sua discussão, eclética – pois recolhe contribuições de todos os autores, criticando-os e adotando-os aqui e acolá –, é longa e amiúde hermética, e gira em torno do porquê de a China não ter passado pela Revolução Industrial, mas sim o mundo europeu (processo que chama de “A Grande Divergência” que separou os níveis de vida entre Europa e Ásia no século XVIII-XIX). Ali Arrighi discute quais os caminhos “natural” (crescimento endógeno) e “não-natural” (comércio exterior) do crescimento econômico, o que leva à queda da taxa de lucro no longo prazo, quais as relações entre industrialismo e militarismo, e outras questões referentes ao desenvolvimento comparativo no longo prazo.

Este trecho pode resumir a tese fundamental apresentada no livro, à página 106:

“Argumentarei que os próprios caminhos da Revolução Industrial e da Revolução Industriosa [na Ásia] tiveram origem nos ambientes geopolíticos contrastantes surgidos na Europa e na Ásia Oriental no decorrer do que Braudel chama de ‘longo’ século XVI com relação à história européia (1350-1650) e que corresponde quase exatamente à Era Ming da história da Ásia oriental (1368-1643). Mostrarei que essa diferença de ambiente geopolítico constitui explicação simples, mas convincente, do surgimento de dois caminhos distintos de desenvolvimento na Europa e na Ásia oriental que, no devido tempo, levaram à Grande Divergência. Mas também argumentarei que a superioridade do caminho europeu em relação ao caminho asiático-oriental dependeu fundamentalmente da sinergia entre as capacidades financeira e militar, coisa difícil de manter numa economia global cada vez mais integrada e competitiva.”

Na segunda parte o autor então se põe a “rastrear” a crise norte-americana, travando combate com os autores clássicos da discussão, como Robert Brenner, Anwar Shaikh, François Chesnais, dentre outros. Segue-se uma análise da política e economia norte-americana até a invasão do Iraque, invasão que, segundo Arrighi, somente demonstra a incapacidade dos Estados Unidos de continuar exercendo uma política imperialista. Isto seja pela falta de apoio de outras potências, seja pela incapacidade de traduzir tanto poderio militar em ações efetivas de controle das localidades dominadas. De fato, para Arrighi, já não existe dominação intelectual e política dos Estados Unidos sobre o mundo, pois estas esfaceleram-se nos anos setenta, com a Guerra do Vietnã e as crises do petróleo. O problema central para o autor é como a ascensão chinesa vai ocupar este espaço aberto.

A última parte traça uma incursão na história moderna chinesa, vasculhando os motivos pelos quais se deu sua progressiva “ascensão pacífica”, até o momento em que, morto Mao, as lideranças chinesas decidem-se por um caminho alternativo à receita de crescimento socialista “ortodoxa”. Nesta etapa, Arrighi passa a tentar enquadrar a história contemporânea, e o novo cenário político-econômico atual, a partir da perspectiva da ascensão da China como a principal potência a substituir, ou pelo menos balancear, a atuação dos Estados Unidos. Há uma particularidade epistemológica interessante nesta etapa da obra: a história ocidental passa a ser re-pensada a partir da presença de um ator que, há trinta anos atrás, não despertava tanta atenção.

Mas o livro é longo, e o espaço aqui curto! De modo que somente podemos remeter o leitor diretamente a esta obra essencial. Como resumo do trabalho, devemos enfatizar que Arrighi conhece a bibliografia a fundo, tem os dados frescos na cabeça, e não é dogmático, nem europeísta. Como branco, não teme a ascensão chinesa, aceitando-a, pelo contrário, como uma possibilidade de que o cenário internacional possa dar lugar a algo um pouco mais democrático e homogêneo do que é hoje. No epílogo, discute as implicações inclusive ecológicas de um crescimento chinês desmensurado, rumo a patamares de consumo e produção similares aos norte-americanos.

Arrighi não estabelece como necessária a situação imaginária que Smith colocou em fins do século XVIII, de equalização das condições político-econômicas dos povos do “Sul” e do “Norte”. A questão é deixada em aberto; a China pode tomar vários caminhos, como, por exemplo, uma conversão “à direita” de suas políticas externas rumo a práticas imperialistas, à medida em que seus recursos locais se tornem escassos. A pergunta final do livro é: as políticas da China – e posteriormente pela Índia? – vão abrir um “caminho capaz de emancipar não só seus países como o mundo todo da devastação social e ecológica provocada pelo desenvolvimento capitalista ocidental” (p.389)? Vai evoluir a China rumo a um tipo de economia cada vez mais capitalista, ou a trajetória chinesa esconde particularidades que darão um retrato diferente do “De te fabula narratur” já apontado por pelos Estados Unidos depois da Inglaterra? A leitura do livro é interessante para pensar estes problemas.


Resenhista

Vitor Eduardo Schincariol – Departamento de Economia Universidade Federal de Alagoas. Doutorando/USP.


Referências desta Resenha

ARRIGHI, Giovanni. Adam Smith em Pequim. São Paulo: Boitempo, 2008. Resenha de: SCHINCARIOL, Vitor Eduardo. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 05, n. 13, p. 193-195, julho, 2008. Acessar publicação original [DR]

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