America between the wars: from 11/9 to 9/11 | James Goldgeiger

Após o fim da Guerra Fria, o debate acerca de qual seria a melhor estratégia para os Estados Unidos adotarem em substituição à contenção se tornou um tema muito controverso para os analistas de Relações Internacionais e, principalmente, para os formuladores de política e tomadores de decisão do país. A dificuldade para se encontrar um novo termo e um projeto de ação de longo prazo se tornou um desafio instigante. Em tal contexto, examinando a história recente da política externa norte-americana de 09/11, a queda do Muro, à 11/09, os atentados terroristas ao território continental, James Goldgeiger e Derek Chollet em America Between the Wars oferecem uma interessante análise desta fase 1989/2009.

Passando pelos governos Bush sênior (1989/1992), Bill Clinton (1993/2000) e George W. Bush (2001/2008), o texto define estas duas décadas como “os anos modernos entre guerras” (modern interwar years). A obra discorre sobre os principais acontecimentos, os diferentes conceitos cunhados no período e o debate acadêmico e político que vigorou ao longo destes anos, mostrando de forma perspicaz a dificuldade dos EUA em reencontrar um sentido norteador de sua atuação no Sistema Internacional após a eliminação do rival soviético. Mais do que diferenças, os autores apontam as semelhanças em táticas e retóricas entre as administrações (em particular o recorrente tema da democracia e do lugar especial da liderança no mundo, associada ao seu intervencionismo) que enfrentaram estes momentos do pós-Guerra Fria, identificando-os, como indica o subtítulo do livro de “os anos mal-compreendidos entre a queda do Muro de Berlim e o começo da Guerra Contra o Terror (GWT)”.

Dividido em 11 capítulos, o livro inicialmente aborda a metade final do governo de George H. W. Bush (1991/1992), marcado pela queda do Muro de Berlin e pela invasão iraquiana ao Kuwait, que resultando na vitória da primeira coalizão internacional formada no âmbito das ONU, levou o presidente ao famoso discurso da “nova ordem mundial”. No entanto, a ausência de uma nova diretriz convincente para a política externa americana e as críticas que alegavam a falta de valores democráticos nas políticas de Bush pai levaram os democratas à vitória nas eleições de 1992, resultando no início de um governo que duraria 8 anos. Além disso, permeava a nação um sentimento de declínio econômico e crise, similar ao atual.

Iniciada em 1993, a era Clinton apresentou tanto acertos como falhas estratégicas. No primeiro bloco entram a aprovação do acordo do NAFTA no Congresso, a liderança internacional obtida através da Terceira Via e também os acordos de Dayton, que além de finalizar a guerra na Bósnia colaboraram para trazer um novo sentido para a existência da OTAN no pós-Guerra Fria. Deste modo, a presidência Clinton será lembrada pelo conceito de “nação indispensável”, que prescrevia a necessidade de um engajamento externo ativo e responsável dos EUA para o bem-estar da superpotência e dos outros países. A temática da globalização, da promoção da democracia e da interdependência positiva na política e economia perpassam os dois momentos Clinton, legando-lhe uma imagem positiva fora de casa. Dentro das fronteiras norte-americanas, ao mesmo tempo, os ajustes internos permitiram uma recuperação econômica.

Todavia, os autores apontam que esta imagem não exclui perdas de oportunidade para a reforma da hegemonia e alguns erros que impediram a solidificação da nova grande estratégia proposta do Engajamento & Expansão. Neste campo, Goldgeiger e Chollet fazem uma análise detalhada das intervenções militares na Somália, Haiti, Bósnia e Kosovo, pelas quais Clinton sofreu muitas críticas ao não conseguir dotar de caráter pragmático as noções de “alargamento democrático” ou “engajamento seletivo”, que guiavam sua política externa. Para os opositores do governo, Clinton aplicava um sentido de preocupação humanitária em suas políticas, que não se adequavam aos reais interesses americanos, além de não conseguir demonstrar uma doutrina permanente de ação.

Durante o governo democrata os críticos se organizaram em dois eixos principais de origem no partido republicano. No político, o “Contrato com a América” do Partido Republicano organizou sua política ABC (anything but Clinton), enquanto na esfera acadêmica, o projeto neoconservador, formulado através do PNAC (Project for the New American Century) sob a liderança de Robert Kagan e William Kristol começou a ganhar grande força dentro do Partido Republicano, defendendo uma estratégia mais agressiva sintetizada em uma política externa centrada tanto nos valores como nos interesses do país.

No que se refere ao PNAC, Goldgeiger e Chollet apresentam interessante sistematização sobre o mesmo, ligando suas discussões referentes à promoção da democracia ao projeto de poder geoestratégico dos neoconservadores e de sustentação militar da diplomacia norte-americana. Ou seja, tanto Clinton quanto os neocons não deixavam de lado a premissa da promoção da democracia que, por vezes, era apontada como a substituta da contenção como idéia e prática externa, mas priorizavam diferentes formas de expandi-la (política X força).

Estes dois eixos eram ainda acompanhados por uma certa insatisfação democrata com relação ao então presidente, não só por suas políticas vistas como “de centro” pela ala mais liberal dos democratas (que cunharam a expressão “clintonistas”), mas como pelo acúmulo de acusações de corrupção e o auge da crise com o impeachment. Paradoxalmente, estas pressões não afetavam a percepção positiva da opinião pública sobre o governo, que deixou a Casa Branca com elevados índices de popularidade. Apesar disso, os democratas não conseguem manter seu domínio na Casa Branca na controversa, e bastante conhecida, eleição de 2000 que levou os neoconservadores ao poder.

Chegando ao governo de George W. Bush, os autores mostram que as primeiras ações do presidente republicano refletiam a estratégia do DPG (Defense Planning Guidance) de 1992, que já defendia a ação unilateral do país e a manutenção da estimada liberdade de ação americana. Contudo, o argumento mais intrigante apontado por eles são as similaridades entre os governos Clinton e Bush filho a respeito da postura intervencionista do país, indicando que as duas ações no Iraque em cada governo (Operação Raposa do Deserto – 1998 e Operação Iraque Livre – 2003) ficaram marcadas por serem iniciativas unilaterais. Uma das formas mais instigantes com as quais esta ambiguidade unilateralismo versus multilateralismo é apresentada é no título de um dos capítulos “As bombas liberais, os escudos conservadores”, indicando este padrão intervencionista pró-democracia comum a democratas e republicanos como citado. Da mesma forma, a passagem Clinton-W. Bush é percebida como o desenvolvimento de uma nova desordem internacional, acentuada posteriormente por W. Bush em seus dois mandatos, em particular no pós11/09.

Para os autores, estes atentados representaram o fim do período entreguerras moderno e levaram os EUA à guerra global contra o terrorismo, reativando no país o debate sobre a segurança nacional, que desde o colapso soviético pouco interessava à opinião pública norte-americana. Na verdade, 11/09 despertou o sentimento de vulnerabilidade nacional e indicou que o internacionalismo precisava de ajustes, assim como revelou transformações reais do ambiente global, dos EUA, de seus aliados e inimigos. Apesar destas pressões e, de certa forma, do “aviso” de 11/09, da Era Bush no geral, os autores concluem que as discussões dos anos 1990 a respeito da readequação da estratégia americana no pós-guerra fria permanecem sem uma resposta convincente.

A grande questão que se levanta, a luz do recém-empossado governo Barack Obama, de perfil democrata e próximo ao governo de Bill Clinton (com a presença singular da ex-Primeira Dama Hillary Clinton à frente do Departamento de Estado), é se uma mudança estratégica real e necessária será realizada nas relações internacionais da única superpotência hegemônica. Frente a estes desafios, este livro oferece uma sistematização interessante das últimas duas décadas que podem ajudar a compreender estes rumos da agenda norte-americana, seja em seu perfil de continuidade como de mudança. Tem-se em mãos, assim, um texto que se não traz grandes novidades sobre o tema, constitui-se em uma ferramenta assaz pertinente para a geração atual de analistas, demonstrando os desafios para a construção de uma nova concepção estratégica de um país que desde 1989 ainda busca um novo propósito no Sistema Internacional.


Resenhistas

Cristina Soreanu Pecequilo – Professora de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus Marília), e Pesquisadora Associada ao Núcleo de Estratégia e Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. E-mail:  [email protected]

Glauco Fernando Numata Batista – Graduando em Relações Internacionais Universidade Estadual Paulista – UNESP (Campus Marília) e Bolsista CNPq/PIBIC. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

GOLDGEIGER, James M; CHOLLET Derek H. America between the wars: from 11/9 to 9/11. New York: Public Affairs, 2008. Resenha de: PECEQUILO, Cristina Soreanu; BATISTA, Glauco Fernando Numata. Meridiano 47, v.10, n.102, p.28-30, jan. 2009. Acessar publicação original [DR]

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.