As relações internacionais da Ásia e da África | Paulo Fagundes Vizentini

O mundo atual apresenta mais de 190 países espalhados pelo globo cada qual, com maior ou menor intensidade, mantendo relações com outros Estados e agentes. Acostumamos-nos, todavia, seja pela origem de nossa disciplina ou por pertencermos à América, a focarmos grande parte de nossos estudos das relações internacionais ao que ocorre basicamente no lado não oriental da antiga “cortina de ferro”, passando da Europa aos EUA, até chegarmos à América do Sul.

Entretanto, esse tipo de enfoque já não satisfaz ao profissional que se preocupa em compreender a recente dinâmica internacional. A Ásia, juntamente com os países do Oriente Médio e África, estão cada vez mais presentes nos espaços jornalísticos e é preciso entender o processo pelo qual essas regiões chegaram a este lugar de destaque, para que se produzam análises mais consistentes. E esse é o vácuo na literatura que o livro Relações Internacionais da Ásia e da África vem a preencher.

Publicada pela Editora Vozes em 2007, como parte da Coleção Relações Internacionais, a obra de Paulo Fagundes Vizentini, Professor Titular de Relações Internacionais da UFRGS, pós doutor em Relações Internacionais pela London School of Economics, coordenador do Centro de Estudos Brasil-África do Sul e pesquisador do Núcleo de Estratégias e Relações Internacionais, perpassa os eventos históricos e conjunturas internacionais que influenciaram e influenciam ainda hoje as regiões da África, do Oriente Médio e da Ásia, em uma linguagem límpida e de fácil compreensão.

Para desenvolver seu objeto de estudos, o autor divide seu texto em três partes: a primeira dedicada ao mundo da Ásia Oriental e Meridional, a segunda ao Oriente Médio e à Ásia Central, concluindo com uma abordagem sobre a África.

Iniciando as reflexões do livro, constata-se que será na área que engloba desde o Japão até o Paquistão, territórios da Ásia Oriental, que se vai conhecer, nas últimas três décadas, o fenômeno do grande e contínuo crescimento econômico que se mantém quase inabalado, projetando e alterando não só as relações de poder regional, como também global.

O começo, entretanto, não foi assim, principalmente do período que se inicia no final do século XIX, com a expansão imperialista européia até os processos emancipatórios já no século XX. Neste ciclo, o Japão teve um papel diferenciado: forçado a se abrir com a Restauração Meiji no século XIX implementou uma política modernizadora e tornou-se uma potência imperialista na área. No século XX, isto gerou um projeto expansionista e agressivo que culminou na participação na Segunda Guerra Mundial. Embora derrotado e reincorporado ao sistema desde 1945, estas políticas possuem impactos que permanecem até os dias de hoje dificultando a normalização das relações intra-asiáticas com países chave como a China.

Nesta região, a partir dos anos 1940, o processo de descolonização se inicia com força, não sendo, contudo, desvinculado aos fenômenos que internacionalmente ocorriam. Se durante a 2ª Guerra os japoneses se fizeram dominantes em diversos pontos, sua capitulação proporcionou o reforço dos movimentos de libertação que se expressavam desde a Coréia, Indonésia, Malásia, passando até pelo Vietnã.

A região não ficou, como todo o resto do mundo após 1948, isenta das manobras e estratégias de avanço e contenção do mundo capitalista e socialista. Durante a Guerra Fria tanto os EUA, quanto a URSS, tomavam posições ativas para impedir os avanços que uma parte poderia obter. É nesse bojo que surge a China Comunista de Mao e a Guerra da Coréia, cuja principal conseqüência foi, por um lado, demonstrar os limites da hegemonia americana e, por outro, deixar um continente asiático dividido em compartimentos. Segundo Vizentini, isto se revelou no predomínio dos regimes comunistas na parte continental, URSS, China, Vietnã e Coréia do Norte, passando para a parte insular e península sob maior influência norte americana e, por fim, a zona meridional do Índico, que se posicionou pela neutralidade, com destaque à Índia.

Apesar da uma postura pautada pela neutralidade, a Índia que sofreu diversos problemas étnicos (e ainda sofre) em seu pós-independência acabou por se aliar, a princípio, com a URSS em uma política anti-chinesa. Esse mesmo país viria novamente a ser visto como um ponto importante para conter o dragão chinês no pós 1989. Todavia, sob os auspícios norte americano, isto não impediu aos indianos de normalizar suas relações com os chineses. Hoje a Índia defende uma postura externa de independência e interesse nacional, o que a leva ao multilateralismo e a se engajar em alianças tipo Sul-Sul, como no caso do Brasil e da África do Sul. Outros pontos importantes são a sua presença no setor econômico da informática e, geopoliticamente, possuir poderio nuclear.

Economicamente falando, essa região da Ásia começou a projetar-se a partir dos anos 60, quando ocorre o chamado “Milagre Japonês”. O Japão, país que surge devastado pós 1945, recebe um tratamento “especial” dos EUA, visando criar um capitalismo moderno por meio de auxílios como dinheiro, tecnologia, abertura do mercado americano e apoio militar e político, com o intuito básico de se contrapor à China comunista e à URSS. Essa estratégia foi aplicada a Taiwan e Coréia do Sul, os chamados “Tigres Asiáticos”. A ponta da dinâmica econômica estava no Japão, fenômeno que ficou conhecido como “Revoada dos Gansos”, como discute o autor.

Já a Republica Popular da China tem o inicio de sua inversão na economia nos anos 70, quando após romper com a URSS começa a ter relações com os EUA. Desse contato emerge um processo de abertura econômica que se expande com mais força no pós morte de Mao e a ascensão no partido comunista de Deng Xiaoping. Sob o comando de Deng a China estabelece a política das “Quatro Modernizações”, possuindo dentre os maiores resultados a implantação de Zonas Econômicas Especiais. Como nos aponta Vizentini, diferente da Coréia do Sul que partiu para a industrialização do zero, a China, já nesse momento, apresentava algumas características que a colocavam em melhor situação como infra-estrutura e mão de obra.

É inegável o papel da China como um dos grandes exportadores do mundo, além de, no plano estratégico, pertencer ao Conselho de Segurança e possuir um forte aparato bélico, inclusive de cunho nuclear, fatos que a levam cada vez mais a ser o centro de gravidade asiático. Ressalte-se, ainda, o crescente interesse chinês em manter relações com a África, visando colocar o continente como importante fornecedor de matérias primas para seus empreendimentos.

Em termos gerais a Ásia passa por uma efervescência em termos das relações de poder. Poderia uma nova agenda política no Japão tirar esse país do marasmo em que se encontra? As políticas de crescimento chinês são sustentáveis? E, também, qual seria a liberdade que o partido comunista chinês estaria disposto a permitir em decorrência da maior modernização? E a Coréia do Sul, qual seria seu papel nessa conjuntura? Somente o decorrer do tempo poderá trazer essas repostas.

Passando a falar do Oriente Médio e da Ásia Central, percebe-se que esta região se constitui dentre os locais mais conflituosos do globo a pelo menos um século. Área de povos antigos, berço das religiões monoteístas judaica, cristã e islâmica, além de constituir o ponto de encontro do continente Europeu com a África e a Ásia, a região é conturbada pelo elemento energético: a grande disponibilidade de reservas de petróleo e gás em seus territórios. Esse último aspecto foi o motivo principal da ganância européia para a região, não somente no período em que se iniciou o imperialismo, mas, também, no pós-independência destes países e, inclusive, nos dias atuais, com a presença mais direta dos EUA.

Somadas a todas essas questões, desde 1917, com a Declaração de Balfour pelos ingleses, planejava-se a criação de um Estado judeu, fato que ocorreu no pós Segunda Guerra e as rivalidades incitadas a partir de então contribuem ainda mais para o “barril de pólvora” que é essa parte do globo. Além disso, vários movimentos de independência que eclodiram durante o século XX, nessa área, decorreram de um processo de reafirmação dos povos locais no que ficou conhecido por “Nacionalismo Árabe”, cujo principal representante foi Gamal Adbel Nasser.

O momento em que se vivia, cabe ressaltar, era, também, o da Guerra Fria, fazendo com que diversos movimentos de libertação propagassem idéias socialistas em suas lutas de emancipação, cuja conseqüência foi fazer com que se avolumassem ainda mais as tensões entre Israel, os países ocidentais e os governos conservadores frente a esses Estados “novos”.

Os anos 70 chegam e o poder da região em influenciar o resto do mundo aumenta subitamente. Grande parte dos países, nesse momento, já havia nacionalizado as companhias petrolíferas em seus territórios. Em 1968 é criada a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) e entre 1971-1973, temos o primeiro “choque do petróleo”e a Guerra do Yom Kippur, fazendo os preços se elevarem e gerando divisas para os países produtores desenvolverem um política de “petrodólares”, tornando um recurso natural em um instrumento significativo de poder.

Passando pelos anos 80, com seus diversos conflitos, destacando-se o enfrentamento entre o Iraque e o Irã, chega-se ao pós Guerra Fria e com ele à Segunda Guerra do Golfo, contudo, importantes passos puderam ser dados no tocante ao conflito entre Israel e o mundo árabe. Os entendimentos firmados ficaram conhecidos por Acordos de Oslo, cujo principal entrave decorreu da morte do Primeiro Ministro israelense Yitzhak Rabin por um estudante israelense. Certamente a grande possibilidade de uma paz duradoura foi perdida.

Na região da Ásia central o autor nos apresenta, também, a nova Rússia ressurgida do pós Guerra Fria. Sem o poderio e influência da antiga URSS, esse país aos poucos tenta se reafirmar como pólo regional, retomando a influência da antiga URSS e desenvolvendo parcerias estratégicas na área econômica e militar em uma conjuntura que visa se posicionar mais firmemente frente aos EUA. De maneira geral, a Rússia tem um papel de relevância a ser vislumbrado devido, não somente, ao fato de pertencer ao Conselho de Segurança da ONU e participar do “Clube Atômico”, como também pelos seus imensos recursos naturais, principais responsáveis pela recuperação da economia russa, com destaque ao governo Putin.

A grande incógnita que ronda essa área, principalmente no contexto em que os EUA, com a presidência de Bush filho, já desencadearam suas guerras contra o terror em dois países locais (Afeganistão e Iraque) é a ascensão ao poder de governos conservadores, cujo maior e mais vociferante representante se encontra no Irã sob o comando de Ahmadinejad.

Chegando a última parte do texto, somos lançados a fixar nossos olhares na região onde se encontram os países mais pobres do mundo, na qual o colonialismo e imperialismo deixaram marcas e que só agora, pós movimentos de emancipação, começam a caminhar em direção àquilo que o autor chama de uma retomada da “evolução histórica local” (p.159): a África.

Sobre esse objeto de estudos, Vizentini nos demonstra a importância que o movimento do nacionalismo árabe, juntamente com os chamados “pan-africanismo” e “negritude” tiveram no desenrolar dos processos emancipatórios. Nesse ínterim, foi o ano de 1960 considerado o ano africano, momento no qual a maioria dos países da região conseguiu a independência. Porém, países como Moçambique e Angola, ex-colônias portuguesas, só tiveram sua libertação posteriormente.

Fato interessante é que, na grande maioria dos países africanos, as metrópoles se esforçaram em atuar na maneira pela qual suas colônias se libertavam, em um movimento que visava não perder a influência sobre elas. Esse fato, juntamente com uma estrutura econômica dependente da venda de produtos primários e de uma constituição burocrático/política manteve quase inalterado o arcabouço deixado pelas metrópoles, gerando o neocolonialismo. A contraposição deu-se com a ascensão de países influenciados pelas idéias socialistas.

Esses fatos não impediram, entretanto, que esses países buscassem uma maior participação internacional, por um lado utilizando-se das estruturas da ONU, como é o caso do grupo dos 77, ou de manifestações independentes, como a participação de alguns países na OPEP e no Movimento dos Não-Alinhados.

O grande contraponto foi a crise que se alastrou pelo mundo na década de 80. Os países viram o preço de seus principais produtos caírem, juntamente com uma conjuntura em que a recessão fazia com que vendessem menos ao exterior. O resultado foi o alto endividamento e os conseqüentes planos de ajuste do FMI, cuja implicação imediata foi, no plano social, um retrocesso em áreas como a sanitária e alimentar, gerando grandes problemas como a fome e as migrações no continente.

Já nos anos pós Guerra Fria, segundo o autor, a África acabou por perder o status de área de importância estratégica na relação EUA x URSS, uma vez que o grande inimigo deixava de existir. A grande conseqüência desse fenômeno foi a marginalização do continente africano na ordem internacional. Outro aspecto decorrente dessa nova postura frente à África é o que Vizentini chamou de tribalização dos conflitos (p. 203), que cada vez mais ocorriam (e ocorrem) dentro dos Estados ou em suas fronteiras, além do retorno ao poder de ex- ideranças ditatoriais pelo voto. O único país, na visão do autor, melhor posicionado, seja econômico, social e politicamente é a África do Sul, cada vez mais influente na região e estabelecendo parcerias mundiais. Porém, além da África do Sul, o texto aponta também o reinício do renascimento africano a partir do final da década de 1990, movimento que pode se consolidar no médio prazo.

Por todo o exposto não há como ser negada a contribuição que a obra de Vizentini traz para a compreensão dos conflitos, aproximações e dispersões, avanços e retrocessos que fazem da Ásia e da África, inclusive do Oriente Médio, serem o que são. As informações contidas e expressas de forma clara, cuja única pretensão é auxiliar no entendimento dos fenômenos atuais dessas regiões, mostram-se de especial importância aos estudiosos das relações internacionais, principalmente para os do Brasil. Citado entre os BRICS, o Brasil precisa compreender os fenômenos dessa área para mais claramente, por meio da atuação de sua diplomacia, fixar uma posição, defender os interesses nacionais e desenvolver parcerias como o IBAS.


Resenhista

Fagner dos Santos Carvalho – Bacharelando em Relações Internacionais pela Universidade Estadual de São Paulo – UNESP (Marília).


Referências desta Resenha

VIZENTINI, Paulo Fagundes. As relações internacionais da Ásia e da África. Petrópolis: Vozes, 2007. Resenha de: CARVALHO, Fagner dos Santos. Meridiano 47, v.9, n.91, p.14-17, fev. 2008. Acessar publicação original [DR]

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