Assentamentos rurais e cidadania: a construção de novos espaços de vida | Mirian Claudia Lourenão Simonetti

Esta coletânea ressalta a importância da reflexão em torno de temas como: movimentos sociais, reforma agrária e assentamentos rurais, haja vista o grande número de publicações referente à essas temáticas nas últimas décadas. Conforme a autora, “os sem-terra, desde os anos 80, introduziram na agenda da política brasileira a temática da terra, da propriedade e suas formas de uso, esse tema continua persistindo na sociedade brasileira. Nas últimas três décadas, juntamente com a grande visibilidade da luta pela terra levada a efeito por diferentes movimentos sociais, apareceram muitos estudos na academia brasileira”(p. 07). Para isso a questão da interdisciplinaridade está presente nesta obra, pois várias ciências como Geografia, História, Sociologia, Economia e Agronomia são interrelacionadas na tentativa de abordar consistentemente os temas em questão – movimentos sociais, reforma agrária e assentamentos rurais – sob as diferentes perspectivas.

O estudo desenvolvido nessa coletânea se divide em três partes. A primeira delas, denominada “A construção de novos espaços de vidas nos assentamentos rurais”, tem como objetivo salientar o modo de vida no interior dos assentamentos rurais.

Nesse contexto, essa primeira parte é constituída por três textos. Teresinha D’ Aquino nos apresenta A casa, os sítios e as agrovilas: uma poética do tempo e do espaço no assentamento das terras de Promissão-SP. A análise que D’Aquino se propõe a fazer está calcada na visão da construção do espaço/tempo, a partir da memória da casa como lugar de reprodução familiar e morada da vida. Essa análise é alimentada pelos “devaneios de Bachelard (1991), sobre a terra, à vontade e o repouso” (p. 16). Tendo como eixo central a interpretação do espaço, conforme D’Aquino, a busca das diferenciações significativas no assentamento é realizada pelos agentes sociais na construção de um novo modo de vida, o qual envolve um complexo conjunto de relações, ou seja, desde a relação de vizinhança e com a comunidade inclusiva até as relações com o capital. Pontua a autora que todas elas marcam vias de comunicação, seja as casas, o cercado para horta e galinhas, os espaços para os pomares e barracões para maquinarias e o armazenamento de produtos, entre outros lugares. Locais de uso coletivo como o espaço das igrejas, salões de festas e rezas também são definidores de diferenciações significativas. Essas práticas transformam um espaço que até então era vazio em um novo “LUGAR”.

Na mesma perspectiva de elaborar o pensamento em torno da construção de novos espaços de vida em assentamentos rurais, Mirian Cláudia Lourenção Simonetti escreve Os sentidos do trabalho para as famílias dos assentamentos rurais. É por meio das histórias de vida dos sujeitos dos assentamentos rurais que a autora interpreta o sentido que as famílias atribuem ao trabalho e a motivação na luta pela terra. Segundo Simonetti, o trabalho na terra é uma categoria central que expressa uma condição de vida, ou seja, a liberdade e autonomia, vinculadas ao ideário camponês. Ressalta ainda que o desejo de todos os sujeitos entrevistados é poder exercer o trabalho de forma autônoma, no sentido de serem donos de seu próprio tempo em oposição à subserviência ao patronato.

Para tanto, Simonetti, fundamentada em Marx (1978), evidencia que “[…] um ser só se considera autônomo quando é senhor de si, quando deve a si mesmo seu modo de existência. Um homem que vive graças ao outro considera a si mesmo um ser dependente.” (p. 57).

Outra estudiosa, Maria Tereza Papa Nabão, discorre a respeito das Lembranças que tecem diferentes fios de uma mesma história. Trata-se de um trabalho histórico-antropológico referente ao estudo do cotidiano dos homens e mulheres, moradores do assentamento Reunidas, no município de Promissão-SP. Nabão, nesse trabalho, procura trazer a história de homens e mulheres que percorreram o país em busca do sonho em comum: a terra para viver, morar e trabalhar. Nesse estudo, a autora enfatiza as várias versões em torno da Reforma Agrária. Destaca-se, então, a versão das mulheres que relatam as ocupações quando ainda eram jovens, por meio de memórias que são construídas de maneiras diferentes. Diferenças que podem ser percebidas, por exemplo, na memória dos homens que recordam nas ocupações dos fatos relacionados ao trabalho e a violência de certas atitudes que foram obrigados a tomar ou enfrentar na luta pela terra.

A segunda parte da coletânea intitula-se: “A dimensão econômica e organização nos assentamentos rurais”. José Geraldo A. Poker desenvolve o trabalho em torno do MST: as modalidades e o método de implementação da cooperação nos assentamentos. Para efetivar esse estudo, o autor recorre a fontes escritas, como os cadernos de formação do MST, mais precisamente ao caderno de nº 20, que retrata a cooperação agrícola nos assentamentos, editado em 1993. Também o caderno nº 5 que trata da questão da cooperação agrícola, quando o SCA (Sistema Cooperativista dos Assentados) ainda estava por ser implantado, sendo que este caderno foi produzido pela Confederação dos Cooperativistas da Reforma Agrária do Brasil (CONCRAB).

Segundo Poker, para reverter a realidade da falta de apoio aos sujeitos que já haviam adentrado a terra, os assentados, e dar continuidade à luta para nela permanecer, o movimento muda de postura. Para o autor é evidente tal mudança de postura, quando o movimento lança nessa época a palavra de ordem ocupar, resistir e produzir. Afirma que para essa nova ordem ser estabelecida formularam-se várias formas de cooperativismo.

Luiz Antônio Norder, nessa mesma coletânea, trabalha com a discussão referente à Produção agropecuária e arrendamentos em terras de reforma agrária. Nesse estudo, realizado entre 2002 e 2003, o autor tem como objetivo ressaltar a importância da produção agropecuária e as formas de uso da terra, bem com as dinâmicas demográficas entre as famílias do Assentamento Fazenda Reunidas em Promissão-SP.

Tomando como referência Bergamasco (2002), Norder pontua que a produção agrícola e agropecuária, em vários assentamentos do Estado de São Paulo, representava cerca de 80,1% da renda dos assentados. Enquanto a renda dos moradores do assentamento na produção artesanal, extrativismo e outras atividades tem a soma de 4,8% de sua renda. Essa situação retrata um contexto macropolítico, o qual evidencia uma relação “sistemática entre governo federal e organizações representativas dos trabalhadores rurais, as limitações e contradições de políticas públicas de desenvolvimento rural que levaram a criação de precárias relações institucionais nos assentamentos rurais”. (p.127)

A respeito da qualidade de vida no Assentamento, Fabiana Xavier Vieira, em seu texto A construção da qualidade de vida no assentamento Reunidas, visa demonstrar como as pessoas vivem no interior do assentamento, destacando que se trata de um processo. Para Xavier, essa qualidade não está dada, mas sim construída. Para desenvolver este trabalho a autora se pauta nos referenciais teóricos das Representações Sociais. Pois, segundo Vieira, tais teorias fornecem a condição da apreensão da qualidade de vida, tal como na vida cotidiana.

Na terceira parte, esse trabalho nos traz a “Dimensão dos assentamentos e novas territorialidades”. Harry E. Vanden em seu texto apresenta aspectos políticos dos sujeitos do campo, ao discutir Os sem-terra brasileiros marcam posição política. O trabalho de Vanden tem como foco observar as várias formas de manifestações populares na América Latina, bem como as manifestações realizadas pelos agentes sociais que almejam seu pedaço de terra na história do Brasil. Um trabalho desenvolvido por meio de análises de várias fontes, como pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

O texto Ocupar, resistir e produzir: a crise e luta e a crise do MST pela reforma agrária no governo Collor e o desenvolvimento da cooperação agrícola nos assentamentos, de Fábio Junior Lopes, nos traz a interpretação de que a vitória de Fernando Collor de Melo, em 1989, foi uma derrota para o MST. Essa derrota, segundo Lopes, se dá pela perseguição daquele governo ao Movimento dos Sem-Terra. Contudo, ao longo de seu artigo, o autor nos indica que a crise do movimento e a organização da produção nos assentamentos ao se deparar com o desenvolvimento da cooperação agrícola estão ligadas a outros fatores importantes, que estão para além do inimigo deflagrado, nesse caso, o governo de Collor.

Por fim Bernardo Mançano Fernandes ao analisar a questão de Assentamentos como territórios nos fala que os assentamentos não só representam, mas caracterizam o espaço social e territorial, os quais, imbricados, geram o socioterritorialismo. Para isso, Fernandes navega nos estudos de Lefebvre (1991), que define o espaço como uma compreensão de uma dimensão da realidade.

Os textos que compõem esta Coletânea contribuem para a reflexão em torno da má distribuição da terra em nosso país, bem como a forma em que a terra é utilizada. Também nos revela que por meio de uma Reforma Agrária justa, na qual os movimentos sociais sejam ativos, em grande parte os problemas econômicos, sociais e políticos poderão ser sanados. Para além das questões econômicas, sociais e políticas, esta coletânea nos apresenta a terra como morada da vida, onde os sujeitos se reorganizam e constroem novos laços e novas práticas.

Charles Assi – Acadêmico do 8º. Semestre do curso de História do Campus de Três Lagoas, Bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq, sob orientação de Maria Celma Borges. UFMS. E-mail: [email protected]


SIMONETTI, Mirian Claudia Lourenção (Org.). Assentamentos rurais e cidadania: a construção de novos espaços de vida. São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária, 2011. Resenha de: ASSI, Charles. Revista Trilhas da História. Três Lagoas, v.2, n.4, p. 225-229, jan./jun. 2013. Acessar publicação original [DR]

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