Estados Unidos. Uma História | Vitor Izecksohn

Vitor Izecksohn é professor do Instituto de História da UFRJ e pesquisador do CNPq e tem tido, nos últimos anos, uma trajetória dupla. De um lado, é autor de vários estudos relacionados à história militar brasileira, especialmente no diálogo com a história social. Destacam-se, nessa produção, seus trabalhos relacionados ao exército imperial: a formação do corpo de oficiais, o recrutamento, a organização das milícias, etc. De outro, ele é um especialista na história dos Estados Unidos, especialmente a história militar, entre a independência e o final da Guerra Civil, ou seja, entre 1776 e 1865. Leia Mais

Escritos de Liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista | Ana Flávia Magalhães Pinto

A narrativa sobre a circulação e experiências de homens negros livres, letrados, pensadores ativos na vida social no Rio de Janeiro e em São Paulo nas últimas décadas de vigência da escravidão é o tema predominante nessa obra, que teve sua origem no trabalho de pesquisa para o doutorado da autora, defendido na Universidade de Campinas em 2014. Agora vertida em livro e compondo o 46º volume da coleção Várias Histórias.

Marcada por um trabalho procedimental baseado na micro-história, a pesquisa é fartamente ancorada em um trabalho diligente e preciso sobre a documentação escolhida, explorada sob a autoridade de quem oportuniza ao leitor superar a visão, dominante em certa historiografia, de que se tratava de homens únicos e/ou isolados em sua geração e sociedade. Oferece-nos a autora desse livro a oportunidade de acessar, em sua proposta narrativa, uma prosopografia de negros brasileiros em atividade política e conexões urbanas, nas últimas décadas do século XIX, marcada pela “politização da raça a partir de escritos de liberdade (p.24). Leia Mais

Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil | Yuko Miki

MIKI Yuko 2 Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil
Yuko Miki | Foto: Fordham News |

MIKI Y Frontiers of citizenship Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial BrazilA especialização no campo das pesquisas históricas trouxe inegáveis avanços para o nosso conhecimento a respeito das indagações que fazemos sobre o passado. Ao lado desses avanços há armadilhas, quase que inevitáveis, especialmente para os historiadores em formação. É na definição dos recortes – seja ele espacial, cronológico, bibliográfico ou de grupos sociais – que se antevê o tamanho do cabresto que cerceia a visão do autor e retroalimenta interpretações de escolas clássicas. São recortes que não nascem livremente de perguntas – o único meio de dar unidade coerente à pesquisa, como ensinava Marc Bloch – e, sim, estão naturalizados pelos campos ou pelas instituições. No Brasil, uma das especializações mais curiosas é a que separa de forma extremamente rígida a história dos povos indígenas e dos escravizados afro-brasileiros. De modo geral, persiste a crença de que o avanço territorial da escravização afro-brasileira tinha como sua consequência o desaparecimento ou perda de importância dos povos indígenas. Os estudos sobre o século XIX vem sistematicamente negando essa perspectiva, mas muitas vezes também criando uma história dos povos indígenas no Império do Brasil quase autônoma à da escravização dos afro-brasileiros. [3]

Frontiers of Citizenship, de Yuko Miki, já mereceria ser saudado por explorar essa primeira “fronteira”: a que separa a história de afro-brasileiros e de indígenas no Império do Brasil. Mais uma vez, o olhar estrangeiro nos ajuda a questionar os cânones da história nacional. Miki nascida em Tóquio, mas há muitos anos radicada nos Estados Unidos, onde é professora da Fordham University (NY), conta ao longo do livro o seu estranhamento em ver a história desses dois grupos tão apartada. Por outro lado, o livro – e especialmente seus comentários de contracapa – lhe atribuem muitas vezes uma originalidade que não é verdadeira. Muitos pontos – sobretudo em relação à história dos povos indígenas – podem ser pouco conhecidos do público estrangeiro, mas são absolutamente sabidos entre os historiadores brasileiros. A despeito disso, o esforço em buscar uma única interpretação, ou mesmo pontos de encontros, para a história de indígenas e afro-brasileiros escravizados é um ganho real.

Desde o início o livro chama a atenção por essa fusão que não está apenas na capa – uma bela arte de sobreposição de imagens de indígenas e afro-brasileiros – mas por se tratar de um volume da “Afro-Latin America” da Cambridge que tem como recorte espacial o vasto território conhecido na historiografia por ser aquele que foi alvo de D. João, em 1808, para se fazer guerra aos indígenas botocudos. Poucos territórios têm tão marcadamente um tema e uma cronologia: a guerra justa contra os botocudos e o período de 1808 a 1831, quando esta prática é extinta pelo Parlamento. Quase que exclusivamente tratado pela historiografia sobre os povos indígenas, é centro de discussão para as políticas indigenistas e as modalidades de trabalho imposta a estes povos. [4]

Miki implode esses parâmetros. Em primeiro lugar, avança a análise até o final do Império, permitindo revelar um quadro de mudanças muito mais complexo do que aquilo que se vê apenas até 1831, passando inclusive pelo Regulamento das Missões (1845) [5], o movimento abolicionista e a própria abolição. Ainda mais importante, Miki tenta enxergar essa região – que ela chama de “Fronteira Atlântica”, algo que problematizaremos adiante – como uma espécie de síntese, de um laboratório do Império. Afinal, foi ali que se abriu no começo do século XIX uma política generalizada de extermínio indígena. É verdade que isto jamais foi suprimido no Império português, mas especialmente depois de Pombal as políticas que tentavam transformar os indígenas em portugueses tornaram-se centro da estratégia do Império na disputa por territórios com Madri.

Ao mesmo tempo, o espaço colonial é o símbolo de uma mudança política com a vinda da Corte, Corte que não valorizava mais “zonas tampão” – papel que o território e os botocudos tinham ocupado até 1808 para impedir o desvio de pedras preciosas. Ao invés disso, o que se precisava era expandir-se “para dentro”, feliz expressão de Ilmar Mattos que fará ainda mais sentido já no Império do Brasil. [6] A expansão agrícola na “Fronteira Atlântica” é acompanhada de tentativas de implementação de novas alternativas de propriedade e trabalho. A mais famosa dessas iniciativas é a Colônia Leopoldina, incentivada pela própria Coroa através da vinda imigrantes e a distribuição de pequenas propriedades. A rápida transformação dessa experiência em apenas mais uma grande monocultura tocada com braços de escravizados afro-brasileiros, somada ao fato de ter se tornado um dos símbolos da resistência escravista, é extremamente destacado pela autora. Em alguma medida, o tom pessimista de toda a obra é sintetizado no “fracasso” da Colônia Leopoldina em manter-se com o trabalho livre.

Ainda que não dito explicitamente, Miki parece descrever um processo de mudança que nunca ocorre totalmente, como se o peso do passado fosse intransponível. A polissemia da palavra fronteira é habilmente explorada pela autora. A “Fronteira Atlântica” é a região que estuda. Os indígenas e afro-brasileiros estão fisicamente nesta fronteira, mas a sua cidadania também está em uma fronteira mais intangível, em uma área difícil de saber com clareza quem está dentro e quem está fora. Ainda que se valendo de análises já bastante conhecidas – sobretudo, de Sposito e Slemian [7] – Miki faz uma problematização dessa questão, lembrando que a constituição brasileira não era racializada. Ou seja, não era a cor da pele que determinava os direitos políticos. Por outro lado, condições jurídicas intrinsicamente ligadas à condição de homens e mulheres não brancos – como ser escravo ou considerado “selvagem” no caso dos indígenas – excluíam essas pessoas do “pacto político”. É apenas no final do livro – já discutindo o abolicionismo e o final do Império – que Miki deixa explícito que a negativa de direitos políticos para indígenas e negros era um projeto e não uma deficiência do sistema. Nesse ponto, há uma perfeita sintonia entre os projetos que analisa para indígenas e para os escravos após a abolição: em todos esses casos jamais se pensa em entregar terras e autonomia a esses povos. Ao contrário, a condição de subordinados, tutelados por fazendeiros ou religiosos é vendida como a única forma para impedir que ex-escravizados ou indígenas se entregassem ao ócio. Um discurso que se sustentou por décadas – e no caso dos indígenas, por séculos – e que ela registrou ecoar até mesmo entre os mais radicais abolicionistas da “Fronteira Atlântica”.

Se ao discutir a extensão da condição de cidadãos para indígenas e afro-brasileiros, Miki consegue uma análise mais integrada, o mesmo não acontece a respeito de outros aspectos. O exemplo mais evidente nesse sentido é o uso desses homens como mão de obra. Há, evidentemente, a demonstração de que em todo esse território havia o emprego significativo de indígenas e afro-brasileiros. No entanto, este são universos que estavam no mesmo território, mas que a narrativa organiza em sistemas produtivos bastante distintos. Ou seja, o enfoque para os indígenas está, de modo geral, nas missões e os escravizados afro-brasileiros nas fazendas. A pureza dessas separações tão estanques é difícil de acreditar em um território como esse. Bezerra Neto já mostrou que as fazendas monocultoras do Pará, por exemplo, sempre foram tidas como tocadas por mão de obra exclusivamente escravizada afro-brasileira, mas na verdade dividia os campos com indígenas. [8]

Antes que se diga que se trata das “excentricidades” do Cabo Norte, Marco Morel, em belíssimo e recente trabalho sobre os botocudos, justamente mostra como a sua mão de obra era frequentemente requisitada para os mais diferentes tipos de trabalho, ocupando frentes inclusive no entorno da Corte. Além do trabalho em obras públicas, Morel dá vários exemplos de como eram recorrentes as denúncias do emprego de indígenas em fazendas em toda essa região, muitas vezes desviados de instituições públicas sob a alegação de que era um método de civilização mais barato. [9] Para além disso, Miki passa ao largo da discussão mais interessante da historiografia recente: aquela que implode a visão dicotômica que separava todo o trabalho no Brasil do século XIX nas categorias de trabalho livre ou trabalho escravo. Em vez disso, há uma gigantesca zona cinzenta – não só no Brasil, mas em todo o mundo – em que homens livres são obrigados a trabalhar sob as mais diferentes formas de coerção, inclusive físicas. [10] Indígenas e afro-brasileiros eram especialmente alvo dessas ações que Miki totalmente ignora no livro.

Por fim, há ainda uma última consideração geral: a ideia de classificar esta região de ataque aos botocudos como “Fronteira Atlântica”. Miki insiste muito na ideia da fronteira, certamente influenciada pela tradição americana e critica o pouco uso desse termo na historiografia brasileira. No entanto, esta designação parece ter muitas fragilidades: no Império do Brasil, no processo de “expansão para dentro”, a fronteira é o recorrente e não a exceção. Nesse sentido, a região estudada por Miki parece estar longe de ser algo particularmente singular.

Mais especificamente sobre a distribuição dos capítulos é importante salientar que as suas divisões são temáticas, ainda que de modo geral a evolução dos capítulos também siga em alguma medida um avanço cronológico. Assim, o primeiro capítulo explora as “fronteiras da cidadania”, enquanto o segundo busca dar uma interpretação ao que ela chama de “política popular” (em tradução livre). Nos capítulos seguintes, outros temas giram em torno de tópicos como a mestiçagem, a violência, os “campos negros” e o abolicionismo. Os capítulos podem ser lidos separadamente, quase sem prejuízo do seu entendimento, o que por sua vez revela um problema de coesão da obra no seu conjunto. Também é peculiar a mistura de abordagens mais “estruturais” – como as discussões da cidadania a partir de documentos do centro político do Império – com narrativas totalmente focadas na “agência”. Especialmente nesse último ponto a obra encontra mais dificuldades. Há alguns insights maravilhosos, mas custa enxergar que alguns eventos possam ser usados para generalizações reiteradamente feitas.

Apesar das críticas, Frontiers of Citizenship é um livro que provoca muitas reflexões e incomoda ao buscar análises de ângulos inusuais. Isso por si só já basta para merecer a sua leitura.

Notas

3. Entre outras novas evidências, percebe-se o uso da mão de obra indígena mesmo em regiões irrigadas com escravizados afro-brasileiros, como São Paulo ou mesmo a região do Vale do Paraíba, pelo menos até um determinado período. Entre outros, veja LEMOS, Marcelo Sant’ana. O índio virou pó de Café? Resistência indígena frente à expansão cafeeira no Vale do Paraíba. Jundiaí: Paco Editorial, 2016; DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsório e escravidão indígena no Brasil imperial: reflexões a partir da província paulista. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 38, nº 79, 2018.

4. Para uma síntese, SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime português. Análise da política indigenista de D. João VI. Revista de História (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.

5. Trata-se da primeira lei para os povos indígenas como validade em todo o território do Império.

6. MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construção da unidade política. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.

7. SPOSITO, Fernanda. Nem cidadãos, nem brasileiros. Indígenas na formação do Estado nacional brasileiro e conflitos na província de São Paulo (1822-45). São Paulo: Alameda, 2012; SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadãos? Os impasses na construção da cidadania nos primórdios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSÓ, István (org.). Independência: História e historiografia. São Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.

8. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Grão Pará (séculos XVIII-XIX). Belém: Paka-tatu, 2012.

9. MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistência indígena. São Paulo: Hucitec, 2018.

10. Entre outros, MACHADO, André Roberto de A. O trabalho indígena no Brasil durante a primeira metade do século XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Ré, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). História e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.São Paulo: Publicações BBM / Alameda, 2020; Mamigonian, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017; LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma história global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013; STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991.

Referências

BEZERRA NETO, Jose Maia. Escravidao Negra no Grao Para (seculos XVIII-XIX). Belem: Paka-tatu, 2012.

DORNELLES, Soraia Sales. Trabalho compulsorio e escravidao indigena no Brasil imperial: reflexoes a partir da provincia paulista. Revista Brasileira de Historia. Sao Paulo, v. 38, nº 79, 2018.

LEMOS, Marcelo Sant’ana. O indio virou po de Cafe? Resistencia indigena frente a expansao cafeeira no Vale do Paraiba. Jundiai: Paco Editorial, 2016.

LINDEN, Marcel van der. Trabalhadores do Mundo: ensaios para uma historia global do trabalho. Campinas: UNICAMP, 2013.

MACHADO, Andre Roberto de A. O trabalho indigena no Brasil durante a primeira metade do seculo XIX: um labirinto para os historiadores. In: Henrique Antonio Re, Laurent Azevedo Marques de Saes e Gustavo Velloso. (Org.). Historia e Historiografia do Trabalho Escravo no Brasil: novas perspectivas. 1ed.Sao Paulo: Publicacoes BBM / Alameda, 2020.

MAMIGONIAN, Beatriz G. Africanos livres: a abolição do tráfico de escravos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. Construtores e herdeiros: a trama dos interesses na construcao da unidade politica. Almanack Braziliense, n. 01, maio de 2005.

MOREL, Marco. A Saga dos Botocudos: guerra, imagens e resistencia indigena. Sao Paulo: Hucitec, 2018.

Resenha de MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018.

SLEMIAN, Andrea. “Seriam todos cidadaos? Os impasses na construcao da cidadania nos primordios do constitucionalismo no Brasil (1823 – 1824)”. In: JANCSO, Istvan (org.). Independencia: Historia e historiografia. Sao Paulo: Editora HUCITEC; FAPESP, 2005.

SPOSITO, Fernanda. As guerras justas na crise do Antigo Regime portugues. Analise da politica indigenista de D. Joao VI. Revista de Historia (USP), v. 161, p. 85-112, 2010.

SPOSITO, Fernanda. Nem cidadaos, nem brasileiros. Indigenas na formacao do Estado nacional brasileiro e conflitos na provincia de Sao Paulo (1822-45). Sao Paulo: Alameda, 2012.

STEINFELD, Robert J. The invention of free labor: the employment relation in English & American Law and Culture, 1350-1870. EUA, The University of North Carolina Press, 1991

André Roberto de A. Machado – Universidade Federal de São Paulo, Departamento de História. Guarulhos – São Paulo – Brasil. Professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. É graduado e doutor em História pela Universidade de São Paulo e realizou pós-doutorados no CEBRAP e nas universidades de Brown e Harvard. E-mail: andre. [email protected]


MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship: A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. New York: Cambridge University Press, 2018. Resenha de: MACHADO, André Roberto de A. Construindo fronteiras dentro das fronteiras do Império do Brasil. Almanack, Guarulhos, n.27, 2021.

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Investigación y buenas prácticas en educación patrimonial entre la escuela y el museo. Territorio, emociones y ciudadanía | José María Cuenca López, Jesús Estepa Giménez, Myriam J. Martín Cáceres

Como resultado de las investigaciones llevadas a cabo durante cinco años (2016- 2020) en el Proyecto I+D+i Epitec (Educación patrimonial para la inteligencia territorial y emocional de la ciudadanía. Análisis de buenas prácticas, diseño e intervención en la enseñanza obligatoria), financiado por el Ministerio de Ciencia e Innovación y los Fondos FEDER, nace este libro de 28 capítulos cuya pretensión es analizar las interrelaciones que confluyen entre los ámbitos de educación formal (escuela) y no formal (museo) en el marco de la educación patrimonial; y contribuir a un mayor entendimiento de las conexiones reales entre ambos contextos cuando el patrimonio se inserta en el proceso de enseñanza y aprendizaje, cobrando especial relevancia aspectos como la inteligencia territorial, las competencias emocionales y la educación ciudadana en las propuestas didácticas desarrolladas. El libro se encuentra organizado en cuatro bloques diferenciados y perfectamente estructurados, con la aportación en forma de capítulos de 45 autores de prestigio que han participado activamente en el desarrollo del proyecto. Esta ordenación por bloques nos ofrece una visión más clara y certera para comprender los entresijos que lleva consigo la planificación, propuesta y consecución de un proyecto ambicioso, de enorme relevancia para la educación y de tal magnitud, no obstante estamos hablando de una iniciativa coordinada entre numerosos participantes y colaboradores nacionales e internacionales (España, Portugal, Italia, Chile y Estados Unidos). Leia Mais

Handbook of Research on Citizenship and Heritage Education | Emilio José Delgado-Algarra, José María Cuenca-López

Es interesante iniciar este comentario recuperando algunas de las afirmaciones que realizan Ainoa Escribano-Miralles, Pedro Miralles Martínez y Francisca-José Serrano-Pastor al promediar la primera sección de esta obra (ver nota 1). Según los autores la educación patrimonial ha adquirido en España, en las últimas décadas, el estatus de disciplina científica por derecho propio, y ello sucede porque se ha demostrado que contribuye al desarrollo de la ciudadanía activa y crítica. La presente compilación, que se inscribe en la tradición angloamericana del handbook (manual) como especie de estado del arte de un ámbito de investigación, claramente da cuenta del vigor de los estudios sobre la temática en España (catorce artículos) y las redes académicas establecidas con colegas de Alemania, Canadá, Chile, China, Singapur (uno por cada país), Italia (dos), más colaboraciones entre investigadores de instituciones de Reino Unido/ EEUU y Singapur/ China (uno y uno respectivamente). Leia Mais

Frontiers of Citizenship. A black and Indigenous history of Postcolonial Brazil – MIKI (FH)

MIKI, Yuko. Frontiers of Citizenship. A black and Indigenous history of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018. 314p. Resenha de: SANTOS, Murilo Souza dos. “Fugir para a escravidão”: Geografia insurgente e cidadania na fronteira do Brasil pós-colonial. Faces da História, Assis, v.7, n.1, p.493-497, jan./jun., 2020.

Há um esforço recente, e cada vez mais imperioso entre os pesquisadores, de questionar a maneira pela qual história e antropologia estudaram as populações indígenas e afrodescendentes na América Latina. Fruto de uma política colonial que tratava índios e negros separadamente, outrossim perpetuada nos regimes de governos subsequentes, a tradicional análise dessas populações restou seccionada e, frequentemente, dicotômica (WADE, 2018). Por objetivar explorar as temáticas de raça, nação e, sobretudo, cidadania por meio das interconexões entre as histórias de negros e indígenas, Frontiers of Citizenship: a black and Indigenous history of Postcolonial Brazil, de Yuko Miki, é um livro que se insere nesse esforço novo e promissor. Entre os diversos prêmios e honrarias que recebeu até o momento, estão o Wesley-Logan Prize em História da Diáspora Africana, concedida pela American Historical Association, e o Warren Dean Memorial Prize como o melhor livro sobre História do Brasil publicado em inglês, dado pela Conference on Latin American History (CLAH), que lhe concedeu, ainda, menção honrosa no Howard F. Cline Prize, dedicado à Etno-História da América Latina.

A pesquisa que resultou nesse livro é também motivada por um segundo incômodo da autora: a compreensão de que a historiografia brasileira não teria dado a devida atenção às fronteiras, espaço no qual, segundo ela, a relação entre raça, nação e cidadania havia sido de fato testada e definida diariamente (MIKI, 2018, p. 8). Com isso em mente, Yuko Miki elege como espaço de observação o que ela escolheu chamar de fronteira atlântica: uma região que, embora jamais tenha aparecido nas fontes sob tal denominação, corresponderia ao contorno da Mata Atlântica original do sul da Bahia e Espírito Santo. Outrora proibida pela Coroa portuguesa, essa região se tornou objeto de uma colonização agressiva com o avançar do século XIX.

Os seis capítulos que compõem Frontiers of Citizenship estão estruturados em torno de um embate de visões. De um lado, as elites brancas, que pretendiam homogeneizar o povo brasileiro a fim de que fosse encaixado em uma definição pré-definida de cidadania; do outro, negros e índios, que disputavam a definição de cidadania, para que o povo, na sua heterogeneidade, nela pudesse ser incluída. Dessa maneira, enquanto o primeiro capítulo analisa os debates parlamentares acerca da definição notavelmente inclusiva de cidadania inscrita na Constituição de 1824 para contrastar com a exclusão implícita que ela pressupunha, o segundo foca nos índios e negros da fronteira atlântica para examinar como eles reagiam diante das exclusões geradas na prática. Essa intercalação está presente em todo o livro.

O segundo capítulo faz, ainda, uma análise estimulante acerca da percepção que muitos negros e indígenas tinham da monarquia como fonte de justiça e proteção, ao ponto de inúmeras revoltas terem sido desencadeadas pela forte ressonância dos boatos de emancipação. Todavia, a menos que se considere o crescendo de violência que caracteriza a expansão do Estado no período como consequência das formas de resistência adotadas por negros e índios, Yuko Miki fica longe de cumprir com o principal objetivo assumido para esse capítulo, qual seja o de “demonstrar como a expansão do Estado foi moldada pelas mesmas pessoas que procurou excluir” (MIKI, 2018, p. 25, tradução nossa).

Os capítulos terceiro e quarto se complementam no objetivo de mostrar que a adoção da mestiçagem como meio de criar um povo brasileiro homogêneo implicava tanto na crescente inclusão desigual dos negros escravizados quanto na efetiva extinção dos índios. Assim, o terceiro capítulo argumenta que as elites urbanas combinaram o indigenismo romântico e a nova ciência antropológica com a expressão das leis para criar uma situação legal, na qual “para se tornar cidadãos, os índios precisavam ser civilizados e, uma vez civilizados, não eram mais índios” (MIKI, 2018, p. 133, tradução nossa). O quarto, por sua vez, demonstra as consequências práticas desse projeto de mestiçagem por meio da comparação de dois casos de violência oriundos da fronteira atlântica: de um lado, a erosão do poder dos proprietários de escravos sobre eles; do outro, a transformação dos índios no Brasil pós-colonial em corpos matáveis.

O ponto principal do livro está nos capítulos quinto e sexto, cujo sentido é mostrar que a perspectiva de liberdade negra e autonomia indígena se tornaram inseparáveis da luta pela terra. No quinto capítulo, Yuko Miki observa que, nos anos finais da escravidão, muitos quilombolas criaram assentamentos tão próximos da região na qual estavam legalmente escravizados que se podia ouvir seus batuques à noite. A partir dessa constatação, e inspirando-se na ideia de geografia rival, elaborada por Edward Said e usada pelos geógrafos para descrever a resistência à ocupação colonial, Miki formula o conceito de geografia insurgente para designar a prática política que ela entende como “fugir para a escravidão” (fleeing into slavery, no original). Seria por meio da geografia insurgente, do fugir para a escravidão e não para longe dela, que as pessoas escravizadas deixaram de resistir à sociedade escravista para, finalmente, desafiá-la por dentro; vivendo como pessoas livres em seu meio e, desse modo, expressando “os termos pelos quais queriam viver na sociedade brasileira” (MIKI, 2018, p. 214, tradução nossa).

Por seu turno, no sexto capítulo, a autora observa que, apesar das divergências de opiniões quanto ao futuro dos indígenas e libertos, tanto missionários quanto abolicionistas e escravocratas compartilhavam a visão de que eles deveriam ser disciplinados para uma cidadania limitada e fundamentalmente servil. A iminência da abolição revigorou o interesse das elites pela possibilidade de transformação dos indígenas em “cidadãos úteis” por meio da disciplina do trabalho conjuntamente à negação do acesso à terra (os mesmos termos que posteriormente seriam reproduzidos nas discussões sobre os libertos). Tal confluência de pontos de vista teria ajudado a conjugar, do outro lado, as perspectivas de negros e indígenas. Para a autora, a forma como eles interpretaram liberdade e cidadania não apenas repreendeu radicalmente essas ideias racializadas, naquele contexto, como teve repercussões duradouras no período republicano.

Como se pode ver, o conceito de geografia insurgente é central para a tese defendida em Frontiers of Citizenship. Sua pressuposição é a de que a convivência na comunidade do quilombo teria transformado a consciência de liberdade numa prática política coletiva pela qual as pessoas escravizadas reimaginaram suas vidas como pessoas livres dentro da própria geografia em que estavam destinados a permanecer escravizado (MIKI, 2018, p. 174). Interessa mostrar, finalmente, que os escravizados não apenas lutavam para proteger o que lhes eram pessoalmente importantes, mas, muito além, eles afirmavam uma visão específica da política de cidadania e anti-escravidão (MIKI, 2018, p. 26). De que maneira? Yuko Miki sabe que a multiplicidade de motivos que levavam os escravizados a fugir em pouco se confunde com semelhante ideologia. A engenhosidade do conceito de geografia insurgente está justamente na capacidade de transformar uma motivação factível, “a luta pela geografia”, em um significante para a cidadania (MIKI, 2018, p. 251), ainda que para tal inferência não haja indícios capazes de sustentá-la. Já no epílogo, a autora nos lembra que, com a Constituição de 1988, o direito à terra se tornou, legalmente, um meio para reivindicar uma cidadania plena. O problema que se coloca, em suma, é que se, por um lado, tal conquista é verdadeira, por outro, soa forçoso dizer que tal associação foi forjada conscientemente pelos afro-brasileiros no período de escravidão e pré-emancipação (MIKI, 2018, p. 257). Dessa maneira, o que seria a mais importante contribuição do livro fica reduzida a uma ilação ou, mais apropriadamente, à amostra de um equívoco metodológico denominado por Frederick Cooper como ultrapassar legados, isto é, “afirmar que algo no tempo A causou algo no tempo C sem considerar o tempo B, que fica no meio” (COOPER, 2005, p. 17).

Frontiers of Citizenship é um trabalho vigoroso, que consegue demonstrar com sucesso a impossibilidade de compreender temas como raça, nação e cidadania sem envolver tanto as histórias da diáspora africana quanto a das Américas indígenas. Por outro lado, e essa é a principal crítica, não analisa alguns conceitos que são cruciais para a sua própria fundamentação mas, pelo contrário, aplica-os nas fontes sem historicizá-los. Cooper, já mencionado, mostrou, em Citizenship, Inequality and Difference (2018), que apenas recentemente o conceito de cidadania foi constituído como inerentemente igualitário, mas por Yuko Miki aplicar esse conceito sem a devida contextualização, a existência de uma cidadania desigual, tal como defendida pelas elites na conjuntura analisada, soa como mera injustiça. Similarmente, raça e nação lhe parecem ser concepções tão unívocas que sequer precisam ser definidas e, dessa forma, a impressão resultante é de que os sujeitos analisados agem em relação às mesmas identidades coletivas que pressupomos hoje.

Em The Problem of Slavery as History: a Global Approach, Joseph C. Miller impôs o desafio intelectual de pensar a escravidão para além da politização contemporânea. Para ele, estamos tão preocupados em condenar a escravidão, que inibimos o entendimento acadêmico dessa prática como sujeito de investigação intelectual (MILLER, 2012, p. 2). Pelo demonstrado, a abordagem dos conceitos em Frontiers of Citizenship o situa como exemplar dessa conduta que precisa ser evitada. Ainda assim, esse é um trabalho que merece atenção, não apenas pela importância do tema, mas sobretudo pela forma original com a qual Yuko Miki, frequentemente, associa os discursos sobre cidadania, escravidão e extinção com a política deles resultante.

Referências

COOPER, Frederick. Citizenship, Inequality and Difference. Princeton/Oxford: Princeton University Press, 2018.

COOPER, Frederick. Colonialism in Question. Theory, Knowledge, History. Berkeley: University of California Press, 2005.

MILLER, Joseph C. The Problem of Slavery as History: a global approach. New Haven and London: Yale University Press, 2012.

WADE, Peter. Interações, relações e comparações afro-indígenas. In: ANDREWS, George Reid; FUENTE, Alejandro de la (orgs.). Estudos afro-latino-americanos: uma introdução. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: CLACSO, 2018.

Murilo Souza Santos – Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Campinas (PPGH-UNICAMP), na linha de História Social da Cultura. Bolsista de mestrado CAPES. E-mail: [email protected].

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Escritos de liberdade: literatos negros/racismo e cidadania no Brasil oitocentista | Ana Flávia Magalhães Pinto

Anualmente, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulga dados a respeito das desigualdades por cor no país. Em tempos de “pós-verdade”, de ataque às instituições de pesquisa, de fake news divulgadas por fontes duvidosas, de convicções rápidas e não fundamentadas, mas que recebem status de verdades absolutas, é sempre bom lembrar que a desinformação oculta a forma como as desigualdades de hoje se vinculam às de ontem. De acordo com os dados disponibilizados pelo IBGE em 2019, os negros (soma de pretos e pardos) tornaram-se 55,8% da população brasileira. Entretanto, as pessoas brancas permanecem recebendo os salários mais elevados, continuam sendo majoritárias entre o ocupantes dos cargos gerenciais e seguem tendo as taxas mais elevadas de frequência escolar em todas as idades.1 Leia Mais

Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship – CASTILHO (RBH)

CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship.  Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press, 2016. 264p. Resenha de: SOUZA, Felipe Azevedo. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.37, n.75, mai./ago. 2017.

Eis um livro notável para os interessados nas mais recentes produções da História Política, área que vem sendo revisitada com publicações que trazem novas possibilidades de interpretação ao que, até recentemente, resumia-se às tramas partidárias e de gabinete. No caso do estudo de Celso Castilho, há a intenção de evidenciar como as jornadas abolicionistas foram, pouco a pouco, moldando o campo político institucional em um movimento de fora para dentro. Das ruas e dos teatros para os parlamentos, em dinâmicas que envolviam parcelas da sociedade tradicionalmente alijadas do sistema político formal, mediante um enredo no qual se destacam as vozes e os atos de mulheres, escravizados e libertos em meio ao coro difuso que grassou progressivamente durante as duas décadas de ativismo que antecederam o 13 de maio de 1888. Como o autor enfatiza na conclusão, “o abolicionismo fomentou a ‘política de massas’ em nível nacional”, e o objetivo da obra é justamente orientar a trajetória desse movimento em meio ao que chamou de “longa história da democracia no Brasil” (p.192).

Com a atenção voltada para a apresentação detalhada das táticas e estratégias que remodelaram as formas de manifestação e a pauta contenciosa do debate público mediante uma abordagem processualista, desfilam em suas páginas as diversas fases do movimento em um quadro a quadro que parte dos primeiros debates em torno da Lei do Ventre Livre e se estende até a disputa de memória no pós-1888. O exame desse panorama histórico repleto de manifestações e associações que envolviam milhares de pessoas é o que fundamenta a tese de que o sucesso do movimento só foi possível dado o amplo engajamento popular, granjeado com um variado repertório de mobilização política.

Esses aspectos evidenciam um fluxo de ideias alinhadas ao pensamento democrático que dava lastro conceitual ao movimento, o que de certa maneira rompe com a ideia reducionista de que o sistema político brasileiro da época era operado unicamente por um padrão de práticas que se distendiam em um círculo vicioso, limitado a reproduzir clientelismo e corrupção. Nesse aspecto o livro acabou por adicionar complexidade ao tema, mostrando que iniciativas democráticas podiam florescer mesmo em contextos políticos tradicionalmente compreendidos em torno de práticas autoritárias e arcaicas.

O livro explora o processo de mudança histórica entre o fim da década de 1860, quando os debates sobre abolição ainda encontravam resistência em meio ao establishment imperial, e meados da década de 1880, fase em que o tema se tornou a pauta mais importante dos debates nacionais. A narrativa acompanha a paulatina difusão do movimento abolicionista a partir dos debates na imprensa, da formação de clubes e sociedades, bem como as reações gestadas por essa expansão em meio a setores de proprietários de escravos, que, de maneira análoga, também passaram a se organizar, promovendo eventos e utilizando metodicamente a opinião pública por intermédio de folhas políticas.

Ainda que boa parte da pesquisa gire em torno de eventos ocorridos entre Pernambuco e Ceará, a obra faz uma análise circunstanciada das pautas e debates nacionais, tomando para isso eventuais consultas a fontes primárias do governo e mantendo estreito diálogo com ampla produção historiográfica sobre o tema. O caráter interativo das sociedades abolicionistas e o intercâmbio constante de seus membros expandem ainda mais o recorte espacial. O movimento tinha um grau de articulação complexo e não passa despercebida à análise a capacidade dos abolicionistas em repercutir fatos e estratégias ocorridos nas mais diversas províncias. A seção na qual Castilho discute o 25 de março cearense, trazendo novas perspectivas que colocam em questão a justificativa clássica de que a abolição naquela província derivou meramente de aspectos econômicos decorrentes da seca de 1877-1878, é representativa de como a preocupação do autor está mais voltada à questão da cidadania política do que a particularismos da história local.

No entanto, a escolha por escrever essa história principalmente a partir de Pernambuco não aconteceu em vão. Foi provavelmente naquela província que a luta dos abolicionistas mais fomentou debates em torno da ampliação da cidadania política e da participação popular, questão que se expressava com grande intensidade durante as eleições. Durante a década de 1880, abolicionistas vinculados ao partido liberal fizeram de suas candidaturas plataformas para que o abolicionismo tomasse a política e para que esta ganhasse as ruas, até mesmo em manifestações dirigidas aos operários, artistas, trabalhadores do comércio, caixeiros e trabalhadores do mercado, entre outros. Joaquim Nabuco e José Mariano tornaram-se os porta-vozes da causa e o fizeram com base em estratégias de divulgação que iam desde sarais em clubes, passando por eventos no Teatro Santa Isabel, até os famosos meetings, em eventos que reuniam milhares de espectadores de “todas as camadas da sociedade” (como registraram os jornais da época).

As eleições gerais da década de 1880 são analisadas uma a uma pelo autor, que explorou as disputas para mensurar a intensidade com que a pauta abolicionista se espraiava pelo terreno da política. E de fato, aqueles pleitos não eram percebidos pelos contemporâneos como uma contenda entre liberais e conservadores, mas entre abolicionistas e escravocratas. Eram projetos em disputa e, sendo assim, acabavam por preencher uma lacuna persistente nas eleições oitocentistas: davam sentido social e programático às eleições.

O projeto de política popular dos abolicionistas motivou forte reação por parte dos republicanos, que em conluio com os conservadores passaram a adotar expedientes de criminalização e de racialização como forma de deslegitimar a participação da população pobre e de cor, em um esboço do que viria a se concretizar como o projeto de cidadania política excludente que se tornou uma das dimensões mais marcantes do período pós-abolição.

Em oposição aos discursos que marginalizavam a atuação da população negra e que compreendiam escravizados e libertos em uma esfera de classificação pré-política e reativa, a perspectiva de Celso Castilho os situa como parte fundamental do movimento. Ao longo do livro encadeiam-se casos em que escravizados tomaram a frente do processo para conquistar suas alforrias ou articular suas próprias fugas do cativeiro, ações que eram facilitadas, ou até mesmo instrumentalizadas com fins de propaganda, pelo movimento abolicionista. Essas interações substanciam o argumento do livro ao demonstrar que mesmo em engenhos distantes dos centros urbanos as lutas dos abolicionistas ecoavam e fomentavam os desejos por liberdade, dando a ver o amplo alcance de circulação dos ideais políticos e de cidadania propalados pelo grupo.

Uma das novidades trazidas pelas novas maneiras de organização e manifestação engendradas pelos abolicionistas foi a inclusão das mulheres no mundo predominantemente masculino da política e da opinião pública. O acompanhamento dessa inserção é um dos pontos altos do livro. O envolvimento que começou em fins da década de 1870, com a presença constante de mulheres em atividades públicas do movimento como bazares, passeatas e peças de teatro, ganhou vigor em meados da década seguinte com a criação de sociedades formadas exclusivamente por mulheres. Associadas à premissa de que eram naturalmente caridosas, elas representavam a face filantrópica da causa e portavam-se como senhoras respeitáveis, mães, esposas e “guardiãs do lar”. Ainda que sob uma identidade de gênero tradicional, essas mulheres conseguiram romper as barreiras do mundo político e tiveram atuação bastante enérgica no movimento – estiveram à frente, por exemplo, dos comitês de liberação de bairros em Recife e lograram grande sucesso na popularização do abolicionismo.

A mais famosa dessas associações, a Ave Libertas, foi, por alguns anos, a sociedade que mais conseguiu promover alforrias na cidade. Aliás, o levantamento das muitas sociedades e suas composições é bem explorado no livro, quesito que explicita especialmente a pesquisa pormenorizada desenvolvida por Celso Castilho, que computou estimativas sobre a quantidade de liberdades conquistadas por essas sociedades em comparação com os fundos de emancipação provinciais em uma série de tabelas. Os números levantados pelo autor são certamente uma ótima contribuição para o acompanhamento progressivo da ação do movimento civil em libertar escravos, montante muito superior ao atingido pelos fundos de emancipação organizados pelos governos provinciais.

Ainda assim, com a chegada da abolição, como a última parte do livro ressalta, os líderes (homens) dessas associações acabaram sendo os mais homenageados. Mesmo que nos dias imediatamente posteriores ao 13 de maio alguns jornais tenham comemorado a abolição como uma conquista coletiva e popular, a memória que se perpetuou sobre o abolicionismo foi pouco a pouco resumindo-se a um panegírico de estadistas e figuras proeminentes. Essa memória que se começou a criar já no dia 14 de maio de 1888 ia batizando passeios públicos com nomes de figurões da política e celebrava a vitória abolicionista, ao passo que olvidava cada vez mais o papel que os escravizados e libertos desempenharam no movimento e, mais que isso, acabaram por negligenciar os debates sobre a inserção dos negros na nova ordem social.

Ao seu fim, o livro demarca a distância entre a forma com que o abolicionismo era percebido em sua vigência e a maneira como foi lembrado por muito tempo. Essa perspectiva é alcançada com sucesso ao combinar análises sobre a cultura política com os debates sobre abolicionismo, em uma simbiose onde um tema acabou por iluminar aspectos de outro, revelando nuances de um pensamento democrático em estado embrionário (e que foi vigorosamente combatido) por muito tempo ignorado pela historiografia. Nesse aspecto, o variado elenco de temas presentes em Slave Emancipation and Transformations in Brazilian Political Citizenship é tanto uma injeção de ânimo para a revisão de temáticas em torno da cidadania política no Império, quanto uma inspiração para que historiadores e historiadoras olhem com mais cuidado para a atuação e o engajamento de setores tradicionalmente alijados dos direitos políticos.

Felipe Azevedo Souza – Doutorando em História na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Bolsista Fapesp. Campinas, SP, Brasil. E-mail: [email protected].

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Cidadania, política e história do trabalho | Mundos do Trabalho | 2017

A revista Mundos do Trabalho é fruto do empenho de pesquisadoras e pesquisadores do GT Mundos do Trabalho, da Associação Nacional de História (ANPUH), em construir um espaço de divulgação e diálogo em torno desse campo de estudos. O projeto editorial colocado em prática desde o segundo número, lançado em 2009, previa a publicação semestral de dossiês, artigos livres e resenhas, afora entrevistas e comentários críticos sobre fontes e acervos documentais. Assim, o desaio assumido pelas equipes que conduziram os trabalhos editoriais ao longo de quase uma década foi o de contemplar a diversidade de problemas de investigação que atualmente pautam a produção acadêmica nessa área. A revista conseguiu reunir contribuições de autores nacionais e estrangeiros sobre relações de gênero; mundo urbano; experiências indígenas; mutualismo operário; embates entre trabalhadores e o poder municipal; processos e condições de trabalho; medicina e a saúde dos trabalhadores na América Latina; conlitos em torno do trabalho e da terra; trabalhadores em mineração; trabalhadores e a ditadura militar; biograia; perspectivas em torno da obra de E. P. Thompson; história social do trabalho na Amazônia; e trabalhadores livres no Atlântico oitocentista. Leia Mais

Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship | Celso Thomas Castilho

O livro de Celso Castilho apresenta uma abordagem pouco convencional e inovadora da abolição brasileira. Centrada na província de Pernambuco, com particular ênfase no Recife, uma das cidades onde o abolicionismo mais floresceu, a análise percorre do final da década de 1860 até os anos subsequentes à abolição, fornecendo um quadro de reflexões históricas e historiográficas de grande importância para todo o Brasil.

Castilho analisa a abolição à luz das disputas políticas geradas no seio do movimento da emancipação escrava e de sua inter-relação com práticas de cidadania efetivadas no devir histórico. Assim, o estudioso concebe a crise da escravidão como um ponto de entrada para a compreensão do problema da cidadania política brasileira, algo que extravasa a marcação temporal do século 19. Para atingir esse objetivo, o historiador escrutinou dois jornais de grande circulação no Recife, ações de liberdade, peças teatrais, correspondências privadas e coleções inéditas de documentos remanescentes de associações abolicionistas.

Munido dessas fontes, Castilho mapeia a “fermentação política” entre o final da década de 1860 e a aprovação da Lei do Ventre Livre, marcada pela intensa participação popular em manifestações a favor da abolição, que se expressaram na criação de associações, na celebração de cerimônias de manumissão, na ocupação do espaço público e em encenações de peças teatrais. Segundo Celso Castilho, nada disso tolhia a autoridade dominial e, por esta razão, essas ações foram toleradas pelos proprietários de escravos. A tolerância, todavia, mudou com a aprovação da Lei de 1871, que concedeu aos escravos novas prerrogativas legais para a obtenção de liberdade. Desse momento até a abolição, em 1888, senhores e abolicionistas mantiveram-se em severa oposição e tentaram determinar os termos do fim do cativeiro, algo que ecoou no período pós-emancipação.

Dois grupos antagônicos em oposição por conta do encaminhamento da questão servil? Até aqui, nada de novo. A inovação do trabalho de Castilho consiste no espaço dado ao embate entre os abolicionistas pernambucanos e os senhores de escravos daquela região, que, contrariamente ao que já se pensou, resistiram, como muito bem mostra o autor, até os últimos momentos na defesa da manutenção da ordem escravista. No desenvolvimento do livro, salta aos olhos do leitor a dinâmica de lutas políticas em torno da emancipação, ocorrida no Recife, que colocou em embate grupos sociais pró-emancipação e pró-escravidão. Uma das consequências desse tipo de análise para a compreensão histórica é o reconhecimento de que o fim da escravidão brasileira não foi um processo pacífico, mas sim fortemente marcado por um duríssimo conflito ideológico e social. De fato, essa noção atravessa todo o livro e faz com que seu autor lance luz não apenas sobre a mobilização dos abolicionistas, mas igualmente sobre a ação dos proprietários de escravos, algo ainda pouco desvelado pela historiografia brasileira.

É na relação conflituosa entre defesa e condenação do escravismo que Castilho consegue retirar elementos capazes de demonstrar que, nos últimos vinte anos do Império, houve transformações de fundo na cidadania política brasileira. As estratégias de manifestação dos abolicionistas, ao tomarem as ruas ou levarem o problema da escravidão para palcos de teatro, atraíam os diversos estratos da sociedade (inclusive libertos e mulheres), e não apenas uma restrita parcela dela. Desse modo torna-se possível constatar que o movimento abolicionista teve um forte caráter popular e, ao permitir o engajamento político do povo, mudou o exercício da cidadania política no Brasil. Desde jovens estudantes (alguns inclusive começaram sua carreira política na defesa da abolição) até antigos escravos, todos passaram a ter uma chance de participar nos rumos políticos e sociais do país. Tal prática política extrapolava muito as condições necessárias para o exercício do voto e as limitadas perspectivas de ascensão social e aquisição de direitos civis garantidas aos africanos libertos e aos seus filhos pela Constituição de 1824.

A agência escrava ocupa igualmente um lugar de relevo no livro. Ao perquirir os arquivos remanescentes do Clube Abolicionista e da Nova Emancipadora, associações abolicionistas do Recife, o historiador constatou que os escravos tiveram intensa participação no processo de emancipação. Por meio do pecúlio, oficializado desde 1871, os cativos contribuíam sobremaneira com o valor corresponde à compra de sua liberdade. Com efeito, os escravos tipicamente manumitidos pela primeira associação, as mulheres, chegavam a custear quase 70% do valor de suas alforrias. Além disso, os escravos, também na sua maioria as mulheres, peticionavam ao governo pela sua liberdade ou pediam empréstimos para comprá-la.

A açucarocracia escravista também se organizou, mas sem a participação dos setores populares da sociedade. De modo a defender seus interesses, em 1872, criou a Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco, “a primeira vez que os fazendeiros se mobilizaram politicamente como ‘fazendeiros’”. Contudo, vale mencionar que, possivelmente, essa não foi a primeira mobilização dos fazendeiros pernambucos enquanto grupo político. Em 1871, seguindo de perto seus pares do Vale do Paraíba, que enviaram representações ao parlamento imperial contra o ventre livre, os senhores de Pernambuco também endereçaram ao legislativo, pela via peticionária, sua oposição à emancipação escrava. Os proprietários pernambucanos chegaram a organizar dois Congressos Agrícolas, em 1878 e 1884, para discutirem os rumos econômicos da região. No primeiro, inclusive, a grande preocupação foi em como utilizar o trabalho dos ingênuos.

Ligando a análise regional à macropolítica imperial, Celso Castilho ainda demonstra como a abolição da província do Ceará, em 1884, impactou tanto o movimento abolicionista quanto os senhores de Pernambuco. No primeiro caso, houve um adensamento da participação popular e, no segundo, uma maior organização e um repensar da ação dos proprietários de escravos. De fato, foi nesse contexto que surgiu a primeira associação exclusivamente feminina, a Ave Libertas, e que as fileiras do partido republicano engrossaram. Mas não apenas: o auxílio a fugas de escravos para o Ceará, que já tinha áreas libertas desde 1883, tornou-se uma realidade premente. Tudo isso teve grande repercussão nas eleições, também em 1884, dos deputados ao Parlamento. Realmente, os candidatos manejaram do inicio ao fim da campanha os temas emancipacionistas.

Na esteira dos acontecimentos na província vizinha, os proprietários de escravos passaram a se organizar em clubes agrícolas e estruturam o segundo Congresso Agrícola do Recife. Nele, a grande preocupação dos senhores foi evitar que o radicalismo cearense se enraizasse em Pernambuco. Assim, eles se dedicaram a diminuir publicamente a importância do movimento cearense de tal forma a subvalorizar a participação popular. Na lógica dos senhores de engenho de Pernambuco, o abolicionismo havia se tornado um delírio.

Num salto qualitativo de análise, que nos permite a compreensão geral do livro, Celso Castilho demonstra que a abolição, cada vez mais intensa e com maior participação popular no decorrer da década de 1880, também animou as preocupações políticas dos fazendeiros quanto à manutenção da ordem social. Em Pernambuco isso se deu, sobretudo, por conta da ação do Clube Cupim, que até 1888 auxiliou na fuga de escravos em direção ao Ceará . A aceleração da abolição, que ocorria na frente de seus olhos, implicava a erosão da secular influência política dos senhores de engenho pernambucanos. Reavaliando as suas estratégias, os fazendeiros da região passaram a anunciar, no final de 1887, manumissões condicionais aos seus escravos, isto é, os cativos teriam a liberdade garantida mediante a prestação de serviços aos senhores durante certo intervalo de tempo.

A tentativa, por parte açucarocracia, de manutenção da ordem era apenas um prelúdio da ação que eles tomariam no pós-emancipação. A antiga elite escravista, junto aos setores republicanos, ao encetarem o golpe que culminou com a proclamação da República, construiu uma narrativa própria da abolição em que evocaram o caráter parlamentar do fim da escravidão e evitaram a memória do engajamento político popular. Não permitir que uma ampla participação do povo, agora adensado pelos escravos libertos em 1888, interferisse novamente nos destinos do país passou a ser o mote desse grupo. Assim, a construção da memória da abolição teve um intenso caráter ideológico e pautou a reformulação da estrutura política brasileira no advento da República. Nas palavras de um contemporâneo, dirigidas na última eleição do Império a um adversário que se opunha à participação popular na política: “Ele sempre tolerou a escravidão e agora ele quer uma ditadura sobre o branco proletário e sobre o descendente do escravizado, porque isso de governo não é para todos, mas só para quem é fidalgo, rico, e ainda hoje tem saudades dos bons e bucólicos tempos das senzalas e dos eitos para os quais quer fazer a pátria voltar” (p.189).

Por fim, vale salientar a falta de um exame mais detido acerca da economia e da demografia açucareira da província pernambucana na segunda metade dos oitocentos. Castilho não menciona que, a despeito da concorrência cubana, as exportações pernambucanas de açúcar mais do que dobraram entre 1860 e 1880. Assim, apesar de não representar o primeiro produto da pauta exportadora do Império, a importância da produção açucareira e, portanto, de seus produtores não era desprezível naquele momento. No que diz respeito à mão de obra empregada na produção de açúcar em Pernambuco, que mesclava livres e escravos, o historiador, a despeito de citar alguns dados demográficos, não fornece ao leitor qual a proporção do braço escravo em relação ao livre. Algumas estimativas sugerem que, em 1872, havia cinco trabalhadores livres para cada escravizado nas plantations açucareiras da região. Dado o avanço abolicionista na década de 1880, essa proporção favorável aos livres certamente aumentou. Já se argumentou, inclusive, que, em virtude do avanço do trabalho livre, a abolição praticamente não afetou a produção daquela província. Esses dados, sugerindo que a Pernambuco do final do século XIX tinha uma pujante economia com o concurso cada vez menor do trabalho escravo, reforçariam a conclusão de Castilho de que a elite agrária da região, mais do que lutar contra o fim da escravidão, tinha um projeto de manutenção da ordem que o movimento abolicionista colocava em perigo.

Bruno da Fonseca Miranda – Departamento de História da Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected]


CASTILHO, Celso Thomas. Slave Emancipation and Transformations in Brazilian political citizenship. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2016. Resenha de: MIRANDA, Bruno da Fonseca. Novas perspectivas para o estudo da abolição brasileira: cidadania e ação senhorial. Almanack, Guarulhos, n.15, p. 360-365, jan./abr., 2017.

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La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos (1750-1918) | Joseph M. Fradera

La gestación de La nación imperial, obra singular y monumental que consta de 1376 páginas repartidas en dos volúmenes, es fruto de un proceso de maduración que viene a ampliar el campo de acción de varios estudios que el historiador catalán Josep María Fradera ha realizado sobre el colonialismo español decimonónico, entre los que destacan Gobernar colonias (1999) y Colonias para después de un imperio (2005). En su nuevo libro, el autor ha decidido salir del ámbito estrictamente peninsular al comprobar la similitud entre las leyes especiales ideadas por Napoleón para las posesiones ultramarinas francesas a finales del siglo XVIII y el nuevo rumbo de los imperialismos europeos y norteamericano a lo largo del siglo XIX. Las fórmulas de especialidad que Fradera localiza en los principales imperios contemporáneos se verificarían hasta las descolonizaciones iniciadas en 1947 y – algo que queda fuera de los límites cronológicos del libro sin ceñir sus intenciones intelectuales – tendrían repercusiones hasta la actualidad.

Para llevar a cabo su investigación, Fradera cuestiona las categorías de los estudios coloniales y nacionales. En un cambio de escala analítica, el historiador desvela modalidades de concesión y restricción de derechos comunes a distintos imperios, más allá del enfoque clásico y circunscrito del Estado-nación [1]. Con todo, Fradera insiste en el hecho de que su trabajo no se debe comprender como un estudio de historia comparada en la acepción usual de la disciplina, ya que su propósito, como afirma, está menos “pensado para oscurecer las diferencias” que para “razonar las similitudes de casos muy diversos” (p. 1295). En este sentido, siempre vela por matizar las categorías generales de los imperios con las especificidades propias de los espacios considerados. Esta articulación entre lo macro y lo micro le permite centrar su análisis en las experiencias respectivas de los actores de la época [2].

En palabras de Josep M. Fradera, el giro historiográfico global actual “es en algún sentido una venganza contra la estrechez que impusieron las historias nacionales, el férreo brazo intelectual de la nación-estado” [3]. No es baladí indicar que Fradera, joven militante antifranquista, dio sus primeros pasos en la Universidad Autónoma de Barcelona a inicios de los años setenta, en el contexto de la revisión historiográfica alentada por las descolonizaciones posteriores a la Segunda Guerra Mundial [4]. Impregnado por este cambio epistemológico y por las aportaciones más recientes de la historia global, el nuevo estudio de Fradera propone un marco interpretativo que contempla los imperios en sus interrelaciones y supera la anticuada dicotomía entre metrópolis y colonias. Siguiendo a especialistas como C. A. Bayly, Jane Burbank, Frederick Cooper y Jürgen Osterhammel, el historiador catalán quiere demostrar que los imperios desempeñaron un papel activo en la fabricación y la evolución de la ciudadanía y de los derechos, siempre con la idea de denunciar los nacionalismos contemporáneos, así como los atajos teleológicos y esencialistas que pudieron generar en el plano historiográfico.

Más allá de sus orientaciones metodológicas – e intelectuales -, La nación imperial constituye una aportación de primera importancia al ser, que sepamos, el primer estudio redactado en castellano que brinda un abanico espacio-temporal de semejante trascendencia. Al cotejar los grandes imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos entre 1750 y 1918 (con algunos apartados dedicados a Portugal y Brasil), el libro proporciona un análisis pormenorizado del proceso sinuoso que empieza con el advenimiento de la idea de libertad a raíz de las revoluciones atlánticas de finales del siglo XVIII y principios del XIX, hasta la consagración de la desigualdad a nivel mundial a lo largo de las centurias siguientes.

Uno de los designios centrales del libro es evidenciar el modo en que las tensiones que sacudieron los grandes imperios occidentales a raíz de la era revolucionaria desembocaron en la adopción de fórmulas de especialidad o de “constituciones duales”, esto es, constituciones que establecían marcos legislativos distintos para las metrópolis y las posesiones coloniales. Es más, Fradera considera la práctica de la especialidad “como la columna vertebral del desarrollo político de los imperios liberales” (p. XV). Según explica, el proceso revolucionario que arrancó con el carácter radical y universalista de la idea de libertad presente en la Declaración de Independencia de Estados Unidos de 1776 y en la Declaración de los Derechos del Hombre y del Ciudadano francesa de 1789 conoció una involución notable en el siglo siguiente. La reconstrucción de los imperios tras las revoluciones supuso una delimitación cada vez más marcada en términos de representación entre metropolitanos – es decir, ciudadanos masculinos de pleno derecho – y ultramarinos, cuyos horizontes igualitarios se fueron desvaneciendo a medida que avanzó el ochocientos.

Fradera sostiene que el arduo equilibrio entre integración y diferenciación descansó sobre interrelaciones constantes entre metropolitanos y coloniales. Al comparar múltiples arenas imperiales, el autor muestra también que los paralelismos de ciertas políticas de especialidad respondieron a un fenómeno de emulación en las prácticas de gobierno colonial entre distintas potencias. Por otra parte, una perspectiva de longue durée le permite comprobar que los regímenes de excepción sobrevivieron al ocaso del mundo esclavista atlántico y se reinventaron con los códigos coloniales de la segunda mitad del siglo XIX para extenderse a territorios de África, Asia y Oceanía. El título del libro, al asociar dos conceptos que no se solían pensar como un todo, sugiere, en última instancia, que las transformaciones de los imperios fueron determinantes en la forja de las naciones modernas.

El libro está estructurado en cuatro partes organizadas cronológicamente. La parte liminar resalta el carácter recíproco de la construcción de la idea de libertad entre los mundos metropolitanos y ultramarinos en los imperios monárquicos francés, británico y español durante los siglos XVII y XVIII. Los derechos y la capacidad de representación no se idearon primero en los centros europeos para ser exportados luego a las periferias, sino que se fraguaron de forma simultánea. Este enfoque policéntrico servirá de base analítica para explicitar la estrecha relación entre colonialismo y liberalismo que se impondrá tras la crisis de los imperios monárquicos en el Atlántico.

“Promesas imposibles de cumplir (1780-1830)” es el título de la segunda parte del libro. Se centra en la quiebra de los imperios monárquicos y muestra cómo la adopción de nuevas pautas constitucionales para las colonias y el advenimiento de situaciones de especialidad en el marco republicano contrastaron con los valores radicales sustentados por las revoluciones liberales de la época.

La independencia de las Trece Colonias, pese a la igualdad de principio que conllevaba, no supuso una ruptura con los patrones socioculturales instaurados por los británicos en el continente americano. La joven república norteamericana circunscribió la ciudadanía a sus habitantes blancos y libres (valga la redundancia) y estableció una divisoria basada en el origen sociorracial y el género. Indios, esclavos, trabajadores contratados y mujeres no tenían cabida en la “República de propietarios”, aunque permanecían en el “Imperio de la Libertad”.

Para Gran Bretaña, la separación de las Trece Colonias marcó un cambio de era e implicó una serie de transformaciones que llevaron la potencia a extenderse más allá del mundo atlántico – donde le quedaban, sin embargo, posesiones importantes – para iniciar su swing to the East, esto es, el desplazamiento de su dominio colonial hacia el continente asiático y el Pacífico. La administración de situaciones diversas del Segundo Imperio, que ya no se resumía a la ecuación binaria del hiato entre connacionales y esclavos, implicó tomar medidas políticas para gobernar a poblaciones heterogéneas que vivían en territorios lejanos. Entre los ejes principales del gobierno imperial, cabe destacar el papel central otorgado a la figura del gobernador y la no representación de los coloniales en el parlamento de Westminster, si bien se toleraban formas de representación a nivel local.

En Francia, las enormes esperanzas igualitarias suscitadas en 1789 fueron canalizadas dos años después con la adopción de una Constitución que sancionaba la marginalidad de los coloniales y establecía raseros distintos para medir la cualidad de ciudadano. Establecer un régimen de excepción en los enclaves del Caribe francés permitía posponer la cuestión ardiente de la esclavitud – abolida y restablecida de forma inaudita – y mantener a raya a los descendientes de africanos, ya fuesen esclavos o libres. Se postergaría igualmente la idea de una representación de los coloniales en la metrópolis.

La fórmula de “constitución dual” inventada en Francia encontraría ecos en España y Portugal. Los dos países ibéricos promulgaron sus “constituciones imperiales” respectivas en 1812 y 1822, en un contexto explosivo marcado por el republicanismo igualitario y el ejemplo de la revolución haitiana. Mientras que la Constitución española de 1812 limitaba los derechos de las llamadas “castas pardas”, los constitucionalistas portugueses hicieron caso omiso de los orígenes africanos, pero, en cambio, excluyeron a los indios de la ciudadanía. Pese a sus diferencias, los casos españoles y portugueses guardan similitudes que tienen que ver con el fracaso de sus políticas liberales de corte inclusivo en los años 1820, y con el retroceso significativo en términos legislativos que desembocarían en el recurso a regímenes de excepción a partir de la década siguiente.

La tercera parte de La nación imperial, intitulada “Imperativos de igualdad, prácticas de desigualdad (1840-1880)”, versa sobre la expansión de los imperios liberales en las décadas centrales del siglo XIX, época marcada por la estabilización de las fórmulas de especialidad y de los regímenes duales.

El imperio victoriano tuvo que encarar situaciones conflictivas muy diversas en sus posesiones ultramarinas heterogéneas. La resolución del Gran Motín indio de 1857-1858 constituyó una crisis imperial de primer orden que permitió a Gran Bretaña demostrar su capacidad de gobierno en el marco de una sociedad compleja y de un territorio enorme que no se podía considerar como una mera colonia. La India británica era, en palabras de Fradera, “un imperio en el imperio” (p. 504) que carecía de la facultad para autogobernarse y que, por lo tanto, tenía que ser administrada y representada de manera transitoria por la East India Company. El caso de las West Indies era distinto en la medida en que aquellas se podían definir como colonias. La revuelta sociorracial de habitantes del pueblo jamaicano de Morant Bay en 1865 y la sangrienta represión a que dio lugar tuvieron un impacto considerable en la opinión pública británica, ocasionando nuevos cuestionamientos sobre los efectos reales de la abolición de la esclavitud y el rumbo de la política caribeña. Como consecuencia, el Colonial Office decidió suprimir la asamblea jamaicana y conferir a la isla el estatuto de Crown Colony, lo que constituía una regresión constitucional en toda regla. La conversión de la British North America en dominion de Canadá en 1867 se resolvió de manera más pacífica, aunque la población francófona y católica sufrió un proceso de aminoración frente a los anglófonos protestantes, mientras que los pueblos indios de los Grandes Lagos perdieron sus tierras ancestrales.

Los sucesos revolucionarios de 1848 en Francia volvieron a abrir pleitos que el golpe napoleónico de 1804 había postergado. Se decretó finalmente la abolición definitiva de la esclavitud, sin resolver satisfactoriamente la situación subordinada de los antiguos esclavos. La Segunda República también heredó un mundo colonial complejo. Fue a raíz de la toma de Argel en 1830 cuando la política colonial francesa comenzó a diferenciar las “viejas” de las “nuevas” colonias. Mientras que en las primeras las personas libres gozaban de derechos políticos y de representación relativos, las segundas – a imagen de Argelia, que estaría regida por ordenanzas reales – se apartaban del espectro legislativo. En el marco de este replanteamiento imperial, se procedió a una redefinición múltiple de la ciudadanía, que se medía, entre otras cosas, según la procedencia geográfica de cada uno: metropolitanos, habitantes de las “viejas” colonias y, al pie de la escala simbólica de los derechos, habitantes de las “nuevas” colonias.

En Estados Unidos, los términos de la ecuación se presentaban de forma algo distinta. En efecto, a diferencia de los imperios europeos, las fórmulas de especialidad se manifestaron en el interior de un espacio que se entiende comúnmente como “nacional”. Con todo, dinámicas internas fraccionaron profundamente el espacio y la sociedad de este “imperio sin imperialismo” (p. 659). La expansión de los Estados esclavistas en el seno del “imperio de la libertad” constituyó una paradoja que solo se resolvería – aunque no totalmente – con la guerra de Secesión. De hecho, la “institución peculiar”, como se la llamaba, ponía al descubierto la diversidad social, étnica y cultural de una población norteamericana escindida en grupos con o sin derechos variables. La expansión de la frontera esclavista no solo concernía a los esclavos, sino que afectaba a poblaciones indias desposeídas de sus tierras y recolocadas en beneficio de oleadas sucesivas de colonos norteamericanos procedentes del Este y de europeos.

El carácter del Segundo Imperio español se aclaró con la proclamación de una nueva Constitución en 1837, que precisaba en uno de sus artículos adicionales que “las provincias de ultramar serán gobernadas por leyes especiales”. A pesar de que dichas leyes nunca fueron plasmadas por escrito, quedan explícitas en la práctica del gobierno colonial. A años luz de las promesas igualitarias de las primeras Cortes de Cádiz, las nuevas orientaciones políticas para Cuba, Puerto Rico y Filipinas pueden resumirse en una serie de coordenadas fundamentales: la autoridad reforzada del capitán general, el silenciamiento de la sociedad civil, la expulsión de los diputados americanos y la política del “equilibrio de razas” (es decir, la manipulación de las divisiones sociorraciales y la defensa de los intereses esclavistas).

La cuarta y última parte del libro, que lleva por título “La desigualdad consagrada (1880-1918)”, coincide con la época conocida como el high imperialism. Sus páginas prestan especial atención al desarrollo y consolidación de enfoques de corte racialista. El hecho de que las ciencias sociales se hicieran eco de las clasificaciones raciales propias del desarrollo de los imperios a partir de la segunda mitad del ochocientos demostraba que el Derecho Natural del siglo anterior ya no estaba al orden del día.

El mayor imperio liberal de la época, Gran Bretaña, refleja muy bien la exacerbación de la divisoria racialista con respecto al Segundo Imperio. Los discursos que defendían la idea de razas jerarquizadas se nutrieron de los debates en torno a la representación de los coloniales e impregnaron los debates relativos al imperio. Tal fue el caso, por ejemplo, de Australia, donde se excluyó de los derechos a una población tasmana diezmada por la violencia directa e indirecta del proceso de colonización. Sin embargo, conviene no olvidar que los discursos racialistas actuaron como coartada de la demarcación entre sujetos y ciudadanos.

Argelia fue una pieza esencial del ajedrez político de la Tercera República, en particular, porque se convirtió en laboratorio para las legislaciones especiales del Imperio francés. El Régime de l’indigénat representó la quintaesencia del ordenamiento colonial galo. Este régimen de excepción dirigido inicialmente contra la población musulmana de Argelia fue el broche de oro jurídico de las fórmulas de especialidad republicana hasta tal punto que fue exportado al África francesa y a la mayoría de las posesiones del sudeste asiático y del Pacífico. Esta política de marginalización y de represión propia de la lógica imperial se tiñó de acusados acentos etnocentristas para justificar la “misión civilizadora” de Francia.

La Revolución Gloriosa de 1868 llevó el Gobierno español a mover ficha en sus tres colonias. Si la Constitución del año siguiente anunciaba reformas políticas para Cuba y Puerto Rico, las islas Filipinas quedaban sometidas a la continuidad de las famosas – e inéditas – “leyes especiales”. El ocaso del sistema esclavista explicaba en buena medida el cambio de rumbo colonialista en los dos enclaves antillanos, así como sus dinámicas propias. El archipiélago filipino pasó por un proceso de transformación económica, acompañado de reformas locales de alcance limitado y por una racialización política cada vez más intensa. Los fracasos ultramarinos de la España finisecular tendrían repercusiones en el espacio peninsular con la exacerbación de no pocos afanes de autogobierno a nivel regional.

Estados Unidos conoció serias alteraciones en su espacio interno tras la Guerra Civil. La reserva india, que emergió en el último tercio del siglo XIX, era un zona de aislamiento cuyos miembros no gozaban de derechos cívicos y a los se pretendía incluir en la comunidad de ciudadanos mediante políticas de asimilación. En este sentido, las reservas eran espacios de la especialidad republicana. La victoria de los unionistas distó mucho de significar la superación del problema esclavista y, sobre todo, de sus secuelas. El hecho de que el voto afroamericano se convirtiera en realidad en el mundo posterior a 1865 – conquista cuya trascendencia conviene no subestimar – no impidió que las elites políticas blancas siguieran llevando las riendas del poder, tanto en el Norte como en el Sur. En los antiguos Estados de la Confederación, ya no se trataba de mantener la esclavitud, sino de preservar la supremacía blanca. La segregación racial, que se puede asemejar a una práctica de colonialismo interno, contribuyó a instaurar situaciones de especialidad en las que los afroamericanos serían considerados como súbditos inferiores. En el ámbito externo, el fin de siglo sentó algunas de las bases futuras de este “imperio tardío” (p. 1276). Estados Unidos expandiría sus fronteras imperiales al ejercer su dominio sobre las antiguas colonias españolas y al formalizar el colonialismo que practicaba de hecho en Hawái y Panamá.

Resulta difícil restituir de forma tan sintética los mil y un matices delineados con una precisión a veces quirúrgica en los dos gruesos volúmenes que componen La nación imperial. La elegancia del estilo, la erudición del propósito y los objetivos colosales del libro – que se apoya en una extensa bibliografía plurilingüe – acarrean no pocas repeticiones. Pese a una edición cuidada, se echa en falta la presencia de un índice temático (además del onomástico) y de una bibliografía al final de la obra. Estos escollos, que incomodarán sin duda al lector en busca de informaciones y análisis sobre temas específicos, no cuestionan de modo alguno el hecho de que La nación imperial sea un trabajo muy importante y sin parangón.

Creemos que Josep María Fradera ha alcanzado su objetivo principal al mostrar, como indica en sus “reflexiones finales”, que “la crisis de las ‘monarquías compuestas’ (…) no condujo al Estado-nación sin más, sino a formas de Estado imperial que eran la suma de la comunidad nacional y las reglas de especialidad para aquellos que habitaban en los espacios coloniales” (p. 1291). Otra de las grandes lecciones del libro es que el etnocentrismo europeo no basta para explicitar el modo en que se articularon definiciones y jerarquizaciones cada vez más perceptibles de las poblaciones variopintas de imperios cuyas fronteras políticas, sociales y culturales fueron mucho más borrosas de lo que se suele pensar. El racismo biológico a secas nunca estuvo en el centro de las políticas imperiales, aunque pudo manifestarse puntualmente para justificar algunas de sus orientaciones. Lejos de responder a esquemas estrictamente dicotómicos, las lógicas imperiales, además de relaciones de poder evidentes, estuvieron condicionadas por una tensión permanente en cuyo marco la capacidad de representación – por limitada y asimétrica que fuese -, la sociedad civil y la opinión pública fueron decisivas. En última instancia, el largo recorrido por las historias imperiales invita a adoptar una mirada más crítica acerca de problemáticas tan actuales como el lugar ocupado por ciudadanos de segunda categoría en el interior de antiguos mundos coloniales que no han resuelto las cuestiones planteadas por el despertar de los nacionalismos, la inmigración de nuevo cuño y la construcción de apátridas modernos.

Notas

1. Al respecto, véase Jane Burbank y Frederick Cooper, “Empire, droits et citoyenneté, de 212 à 1946”, Annales. Histoire, Sciences Sociales, 3/2008, pp. 495-531.

2. Sobre el valor heurístico del vaivén entre varias escalas de análisis puede consultarse el estudio de Romain Bertrand, “Historia global, historias conectadas: ¿un giro historiográfico?”, Prohistoria, 24/2015, pp. 3-20.

3. Josep M. Fradera, “Historia global: razones de un viaje sin retorno”, El Mundo, 04/6/2014 [http://www.elmundo.es/la-aventura-de-la-historia/2014/06/04/538ed57f268e3eb85a8b456e.html].

4. Jordi Amat, “Josep María Fradera y los estados imperiales”, La Vanguardia, 23/5/2015.

Karim Ghorbal – Institut Supérieur des Sciences Humaines de Tunis, Universitéde Tunis El Manar (Tunísia). E-mail: [email protected]


FRADERA, Joseph M. La nación imperial. Derechos, representación y ciudadanía en los imperios de Gran Bretaña, Francia, España y Estados Unidos (1750-1918). Barcelona: Edhasa, 2015. 2 vols. Resenha de: GHORBAL, Karim. Los imperios de la especialidad o los márgenes de la libertad y de la igualdad. Almanack, Guarulhos, n.14, p. 287-295, set./dez., 2016.

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El miedo a los subordinados. Una teoría de la autoridade – ARAUJO (RHYG)

ARAUJO, Kathya. El miedo a los subordinados. Una teoría de la autoridade. Santiago de Chile: LOM ediciones, 2016. 237p. Resenha de: LORCA CÁRCAMO, Álvaro. Revista de Historia y Geografía, Santiago, n.34, p.189-193, 2016.

Como ciudadanos somos testigos de la creciente desconfianza colectiva que se alimenta, tanto a nivel consciente como inconsciente, con respecto a las figuras de poder o autoridad. Lo anterior viene acompañado de una serie de implicancias que abarcan el amplio espectro social dando lugar a fenómenos tales como frustración laboral, altas tasas de fracaso, pauperis­mo, deserción escolar y, de forma más visible, la marcada abstención en los procesos institucionales de participación ciudadana.

En este contexto, el rol del cientista social debe superar al del testigo pasivo, abocándose no solo a contemplar y caracterizar un fenómeno o situa­ción dada, sino también a reflexionar sobre los elementos constituyentes del mismo, llevarlo al plano de la teoría y de esta forma contribuir a un debate informado que permita subsanar la situación en cuestión. La obra que nos convoca cumple con esta altísima labor. Leia Mais

Cidadania/ historiografia e Res publica: contextos do pensamento político | John Greville Agard Pocock

O renomado historiador das ideias John G. A. Pocock afirma que, além de buscar as linguagens existentes em contextos históricos muito bem determinados, estabelecendo uma análise sincrônica dos discursos políticos, a sua própria inteligência histórica “tende para o diacrônico, o estudo de o que acontece quando as linguagens mudam ou os textos migram de uma situação histórica para outra.” (POCOCK, 2013, p. 276) E é dessa maneira que ele propõe os seus questionamentos e afirmações no interior do grupo já há muito conhecido como Linguistic Contextualism da “Escola do Pensamento Histórico e Político” de Cambridge. Ao se posicionar como um pesquisador mais interessado em performances discursivas, nas interações entre langue e parole (entendidas como texto e ação, respectivamente), Pocock, por meio de sua perspectiva teórica antiparadigmática (é equivocado pensar que ele seja um tributário da perspectiva de paradigma formulada por Thomas Kuhn, como o faz grande parte de seus críticos) e multidimensional, acabou por relegar ao anacronismo bibliotecas inteiras. Leia Mais

Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania – REGO; PINZANI (C-FA)

REGO, Walquiria Leão; PINZANI, Alessandro. Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania, São Paulo: Editora Unesp, 2013. Resenha de MELO, Rúrion. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, v.19, n.1 Jan./Jun., 2014.

Todos aqueles preocupados com o crescimento econômico, melhora nas condições de vida e diminuição das desigualdades no Brasil deveriam reconhecer os impactos decisivos de certos programas redistributivos sobre a sociedade brasileira, em particular os programas de transferência direta de renda iniciados como estratégia de combate à desigualdade nos anos do governo FHC, mas sensivelmente intensificados durante o governo Lula.1 O Programa Bolsa Família (BF), caracterizado como um programa de transferência direta de renda que procura beneficiar famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo país, certamente se destaca neste rol de políticas compensatórias.2 Porém, muita dúvida tem sido lançada quanto à eficácia e à justificação normativa deste programa. De que maneira podemos compreender o sentido de tal programa no âmbito de um projeto moderno de sociedade? E como medir suas consequências econômicas e sociais na vida de seus concernidos? Gostaria de refletir um pouco sobre tais questões tomando por base a interessante pesquisa publicada por Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani em seu recente livro Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania.

Assumo de início junto com os respectivos autores a ideia de que o BF precisa ser compreendido de um ponto de vista crítico amplo que diz respeito às pretensões próprias de desenvolvimento, modernização e democratização do país. O programa tem um alvo principal que é o combate à pobreza, mas seus efeitos e condicionalidades são imensos, revelando assim um potencial importante para uma série de transformações sem as quais a promessa de um país moderno e democrático não poderia ser cumprida nas condições atuais: seus impactos atingem não apenas a camada pobre e menos favorecida da população em geral, mas mais precisamente as relações de gênero e suas consequências, tais como a estrutura familiar, o escasso horizonte educacional dos filhos, os déficits nutricionais das crianças e a inclusão cívico-política dos beneficiários. Efeitos consideráveis, sem dúvida, em um país dito desenvolvido, moderno e democrático, mas que convive com extrema desigualdade econômica e social, exclusão política, preconceito regional, racial e de gênero, e violação sistemática de direitos humanos, ou seja, a realidade de milhões de brasileiros que ainda estão “completamente fora das heranças mais básicas da civilização” (p. 15).

Nesse sentido, Vozes do Bolsa Família parte de uma cobrança inerente à nossa própria história política. Não deveríamos avaliar os efeitos dos programas redistributivos com a ótica da experiência europeia e americana, por exemplo. Sabe-se que desde pelos menos 1970 foram levados a cabo diversos diagnósticos sobre as crises dos modelos keynesianos e de bem-estar social.3 No caso brasileiro, mais precisamente a partir de 1988 (isto é, após o período do “nacional-desenvolvimentismo”), vislumbramos, pelo contrário, a possibilidade de concretizar a esperança de um Estado social democrático, um projeto de desenvolvimento econômico que não fosse desprovido de um “projeto democrático substantivo” (p. 159).4 Na qualidade de marco determinante de nossa história política recente, a Constituição de 1988 “enuncia um projeto de país e de sociedade” (p. 162), sublinhando a gênese democrática representada pelas demandas das lutas sociais incorporadas à Constituição, sobretudo no que concerne ao tema da “justiça distributiva” assumida então como um “elemento vinculante de todo o sistema normativo” (p. 165).

Mas não é só isso. Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani dão um passo além na medida em que escolhem explicitar um ponto de referência normativo interno aos próprios processos que pretendem investigar e avaliar. Nosso desenvolvimento político permite ser questionado, ademais, do ponto de vista do “projeto da modernidade” por excelência. Tal projeto consiste na “promessa de autonomia (individual e coletiva)” (p. 55-56), uma promessa que a própria modernidade faz e não cumpre por razões que lhes são imanentes. Esse é um déficit específico, portanto, da sociedade capitalista contemporânea, a saber, “prometer autonomia para todos e não lhes oferecer as condições reais (e não meramente formais) para desenvolvê-la” (p. 56).

Um dos aspectos peculiares da abordagem teórica proposta no livro está voltado, assim, à investigação dos efeitos morais e políticos sobre os beneficiários do programa tendo em vista mais precisamente uma concepção de autonomia individual baseada, segundo os autores, no capability approach desenvolvido por Amartya Sen e Martha Nussbaum.5 Trata-se de entender antes de tudo de que maneira uma reflexão normativa sobre a autonomia individual dependeria crucialmente das oportunidades reais que a pessoas possuem para usufruir com liberdade de suas próprias vidas. E o BF, ao atender às dificuldades das pessoas em pior situação de pobreza, toca justamente nas capacidades e oportunidades reais de seus beneficiários.

Sendo assim, o BF poderia ajudar na realização do projeto moderno brasileiro concernente à promessa de autonomia? A resposta dos autores é sim, se entendermos o conceito de autonomia de determinada maneira: “Atribuímos autonomia a um sujeito quando ele é capaz de agir conforme um projeto pessoal de vida boa […] e de considerar a si e a outros sujeitos como capazes de estabelecer relações de direitos e deveres” (p. 57). Em outros termos, o BF pode “oferecer condições reais (e não meramente formais)” para que a modernidade cumpra sua promessa. “Somos da opinião”, afirmam os autores, “de que um programa como o BF se insere justamente nesse contexto e que seu efeito primário, além de garantir a subsistência imediata, é o de fornecer uma base material necessária para que os indivíduos possam desenvolver-se em direção a uma maior autonomia” (p. 69).

O interessante é que, ao falarmos da “autonomia” como categoria normativa, não estamos assumindo a centralidade desta categoria de fora dos contextos éticos, sociais e políticos correspondentes. Os efeitos colaterais provocados pela pobreza no Brasil não são avaliados apenas em termos objetivos e, principalmente, institucionais. Ao assumir um ponto de vista ético a partir do qual é possível ancorar uma teoria crítica da sociedade (p. 24-27), salta à vista o sofrimento, humilhação e desrespeito frequentes experimentados pelas pessoas em situação de injustiça.6 As condições objetivas da pobreza criam patologias diagnosticadas no quadro dos sentimentos pessoais, resultantes, entre outras coisas, da falta de acesso à renda regular, das dificuldades para a manutenção de uma vida minimamente saudável e da exclusão da cidadania. Assim, quando ouvimos as vozes dos excluídos e dos “invisíveis” (propósito da pesquisa, aliás), salta à vista a injustiça moral vivida pelas pessoas que carecem de um grau mínimo de autonomia.

Deste modo, identificada essa forma de patologia individual causada pela realidade objetiva do mundo econômico e social, é possível então avaliar as consequências positivas e/ou negativas do programa do BF sobre a constituição de elementos básicos da autonomia moral individual, ou seja, investigar até que ponto políticas redistributivas desse tipo são capazes de fornecer as bases materiais para a formação de um projeto independente de vida boa e de relações morais concernentes a direitos e deveres, com o propósito de possibilitar a dignidade e o autorrespeito dos membros da sociedade que se encontram vivendo sob condições de pobreza e miséria.

Para tanto, é preciso ainda mostrar que o BF pressupõe uma correlação fundamental entre “renda em dinheiro” e “autonomia individual”. Aliás, eu arriscaria dizer que essa é a tese central do livro, segundo a qual “a presença de uma renda monetária regular”, ainda que reconhecidamente insuficiente, “permite o desencadeamento de processos de autonomização individual em múltiplos níveis” (p. 38).

“Múltiplos níveis”, já que o recebimento da renda em dinheiro produz importantes efeitos na autorrealização e autodeterminação de seus beneficiários, criando as condições sociais reais básicas para os dois aspectos normativos da autonomia trabalhados pelos autores: a autonomia moral individual e a autonomia cidadã (o desenvolvimento de uma percepção de si como membro de uma comunidade política mais ampla). Em outros termos, a pesquisa mostra que o recebimento da renda monetária regular traz consigo transformações éticas, sociais e políticas imprescindíveis. Muito mais do que garantia mínima à manutenção da vida, o dinheiro, dessa perspectiva, tem antes um efeito desreificante, que, entre outras coisas, desnaturaliza as relações patriarcais dominantes e dá início a processos de libertação das mulheres diante do controle masculino familiar. “O recebimento da renda monetária”, afirmam os autores, “trouxe para muitas mulheres um elemento decisivo: a dignificação das suas pessoas como sentimento pessoal” (p. 200). O desencadeamento de processos múltiplos observado em termos de autonomia implica, na verdade, desde a capacidade individual do sujeito de fazer escolhas, passando pelo sentimento moral de governar sua própria vida, se responsabilizar pelas próprias ações e ser capaz de cuidar de si e da família, até a autopercepção de ser considerado pelo próprio Estado como membro de uma comunidade política, seu reconhecimento como cidadão.

Sem dúvida, não é uma tarefa fácil fundamentar tal tese, isto é, mostrar os múltiplos níveis da relação entre dinheiro e autonomia. Por essa razão, é digno de atenção o esforço empreendido por Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani para mobilizar tantos elementos, construindo de maneira criativa, por assim dizer, os referenciais metodológicos e normativos da pesquisa: o propósito interdisciplinar de realizar uma pesquisa social com pontos de vista crítico-normativos (fazendo dialogar filosofia e sociologia), mesclar dados empíricos com entrevistas (dando primazia às análises qualitativas), realizar um balanço bibliográfico extenso e atual. Embora reconheçam que a pesquisa não foi exaustiva, pode-se ver nela os indícios empíricos do papel libertador da renda em dinheiro, ancorados na interpretação complexa, delicada e, antes de tudo, experimental dos efeitos do programa sobre as subjetividades das mulheres.

O programa BF apresenta assim muitos ganhos. Não podemos menosprezar seu impacto real na vida das famílias. Mas de modo algum podemos negligenciar seus efeitos colaterais, pois é também certo que existem dificuldades. Algumas críticas internas ressaltam, com mais ou menos razão, a ambivalência presente ao longo de sua implementação. Para alguns, enquanto programa de transferência direta de renda, o BF poderia ser radicalizado.7 Deveríamos também atentar para o impacto local muito diferenciado.8 Pesquisas sobre evasão escolar, por exemplo, mesmo apontando sucesso, explicitam ainda uma grande desigualdade regional.9 Além disso, certas críticas mais contundentes ao programa são feitas por parte do próprio discurso feminista: embora o BF possua um recorte explícito de gênero, o programa estaria paradoxalmente cristalizando o papel da mulher no sistema reprodutivo e produziria efeitos adversos relacionados à participação no mercado de trabalho (já que o programa estimularia a mulher a continuar em casa cuidando dos filhos)10

Podemos aliar a tais aspectos internos o problema segundo o qual, em termos de diagnóstico mais geral, o reformismo, absolutamente necessário no Brasil, é ambíguo. Avançamos lentamente. Pois nosso “reformismo fraco”, para usar um termo empregado por André Singer, caracteriza-se basicamente pelo fato de que a redução das desigualdades no Brasil (impulsionada, vale dizer, não somente pela política redistributiva, mas pelo aumento do emprego e da renda durante o governo Lula), ocorre em doses homeopáticas.11 O horizonte verdadeiramente democrático de expectativas, potencialmente presente no BF, deveria antes ser ampliado: o “reformismo fraco” tem de ser empurrado até o ponto em que permita vincular de fato autonomia individual e política, pois o que queremos é ver realizada a ideia normativa de um enraizamento do Estado de direito na vontade dos cidadãos. Mas sem ampla redistribuição, sem medidas extremas de combate à pobreza, à desigualdade e à injustiça, só aumentamos os obstáculos que se impõem no caminho de consolidação de uma sociedade digna de ser considerada democrática.

Os autores de Vozes do Bolsa Família estão conscientes que a tese do “relativo empoderamento” das mulheres realizado pelo dispositivo de transferência direta de renda guarda dimensões ambíguas e paradoxais. Ainda assim, afastando nosso olhar de aspectos predominantemente econômicos (para não falar de preconceitos e estereótipos comuns assumidos por boa parte da opinião pública quando se trata de falar do BF ou de políticas redistributivas em geral), os autores nos deixam ver um entrelaçamento que não pode passar despercebido entre a pobreza e o sentimento pessoal ligado ao autorrespeito, às capabilitties e à autonomização. Daí a importância de uma pesquisa que nos debruce no cotidiano, subjetividades, hábitos e expectativas das mães de famílias beneficiadas, de modo a darmos ouvido às suas vozes.

A humilhação, o sofrimento e o desrespeito são vulnerabilidades objetivamente produzidas que precisam ser politicamente sanadas. Por isso, a promoção da justiça social exige a expansão das capacidades humanas, isto é, garantias reais urgentes para o exercício da liberdade e da autonomia.

Notas

1 Cf. MEDEIROS, M.; BRITTO, T.; SOARES, F. Transferência de renda no Brasil. Novos Estudos — CEBRAP, n. 79, 2007, pp. 5-21; MEDEIROS, M.; SOARES, F. V.; SOARES, S.; OSÓRIO, R. G. Programas de transferência de renda no Brasil: Impactos sobre a desigualdade. Brasília: IPEA, 2006.

2 Para uma visão abrangente em relação ao Programa Bolsa Família, cf. SILVA, M. O. S.; LIMA, V. F. S. A. (Orgs.).Avaliando o Bolsa Família: unificação, focalização e impactos. São Paulo: Cortez, 2011; CASTRO, J. A.; MODESTO, L.(Orgs.).Bolsa Família 2003-2010: Avanços e desafios.Brasília: IPEA, 2010.

3 Cf. O’CONNOR, J. The Fiscal Crisis of the State. New Brunswick/London: Transaction Publishers, 2002; HABERMAS, J.Legitimationskrise im Spätkapitalismus.Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1973; CASTEL, R. As metamorfoses da questão social: Uma crônica do salário. Trad. de Iraci Poleti. Petrópolis: Vozes, 2009.

4 Marcos Nobre sugeriu recentemente o termo “social-desenvolvimentismo” para sublinhar um novo modelo de sociedade consolidado (mas não plenamente realizado) a partir do período de redemocratização do Brasil. “Segundo o novo modelo, só é desenvolvimento autêntico aquele que é politicamente disputado segundo o padrão e o metro do social, quer dizer, aquele em que a questão distributiva, em que as desigualdades — de renda, de poder, de recursos ambientais, de reconhecimento social — passam para o centro da arena política como o ponto de disputa fundamental” (NOBRE, M. Imobilismo em movimento: Da abertura democrática ao governo Dilma. São Paulo: Companhia das Letras, 2013, p. 24).

5 Cf. NUSSBAUM, M. Women and Human Development: The Capabilities Approach.Cambridge, ma: Cambridge University Press, 2000; NUSSBAUM, M, Creating Capabilities. The Human Development Approach. Cambridge, ma: Belknap, 2011; SEN,A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000; SEN, A A ideia de justiça. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

6 Cf. a abordagem sobre as bases sociais e morais da experiência de “injustiça” em MOORE Jr., B. Injustiça: As bases sociais da obediência e da revolta. Trad. de João Roberto M. Filho. São Paulo: Brasiliense, 1987. De maneira semelhante, ver MILLER, D. Principles of Social Justice. Cambridge, ma: Harvard University Press, 2001. Cf. também HONNETH, A. Philosophie als Sozialforschung.Zur Gerechtigkeitstheorie von David Miller. In: ______.Das Ich im Wir. Berlin: Suhrkamp, 2010, e ANDERSON, J.; HONNETH, A., A. Autonomia, Vulnerabilidade, Reconhecimento e Justiça. Tradução de Nathalie Bressiani.Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo: Crítica e Modernidade, n. 17, 2011, pp. 81-112.

7 Cf. SUPLICY, E. M. O direito de participar da riqueza da nação: do Programa Bolsa Família à Renda Básica de Cidadania. Ciência & Saúde Coletiva, v. 12, n. 6, 2007, p. 1623-1628. Cf. ainda a nova edição de SUPLICY, E. M., Renda de cidadania : A saída é pela porta. São Paulo: Cortez, 2013.

8 Cf. ROCHA, S. O Programa Bolsa Família. Evolução e efeitos sobre a pobreza. Economia e sociedade, v. 20, n. 1, 2011, pp. 113-139.

9 Cf. AMARAL, E. F. L.; MONTEIRO, V. P. Avaliação de impacto das condicionalidades de educação do Programa Bolsa Família (2005-2009).Dados, v. 56, n. 3, 2013, pp. 531-570; CACCIAMALI, M. C.; TATEI, F.; BATISTA, N. F. Impactos do Programa Bolsa Família federal sobre o trabalho infantil e a frequência escolar. Revista de economia contemporânea, v. 14, n. 2, 2010, pp.269-301.

10 Cf. MARIANO, S. A.; CARLOTO, C. M. Gênero e Combate à Pobreza: Programa Bolsa Família. Revista Estudos Feministas, v. 17, n. 3, 2009, p. 901-8; GOMES, S. S. R. Notas preliminares de uma crítica feminista aos programas de transferência direta de renda: o caso do Bolsa Família no Brasil. Contextos. Porto Alegre, v. 10, n. 1, 2011, p. 69-81; TAVARES, P. A. Efeito do Programa Bolsa Família sobre a oferta de trabalho das mães. Economia e sociedade, v. 19, n. 3, 2010, p. 613-35.

11 “O que estamos vendo, portanto, é um ciclo reformista de redução da pobreza e da desigualdade, porém um ciclo lento, levando-se em consideração que a pobreza e a desigualdade eram e continuam sendo imensas no Brasil” (SINGER, A.Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 195).

Referências

AMARAL, E. F. L.; MONTEIRO, V. P. Avaliação de Impacto das condicionalidades de educação do Programa Bolsa Família (2005 e 2009). Dados, v. 56, n. 3, 2013, pp. 531-70.

ANDERSON,  J.;  HONNETH,  A.  Autonomia,  Vulnerabilidade, Reconhecimento e Justiça. Tradução de Nathalie Bressiani. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo: Crítica e Modernidade, n. 17, 2011, pp. 81-112.

CACCIAMALI, M. C.; TATEI, F.; BATISTA, N. F. Impactos do Programa Bolsa Família federal sobre o trabalho infantil e a frequência escolar. Revista de Economia Contemporânea, v. 14, n. 2, 2010, pp. 269-301.

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Rúrion Melo – Universidade de São Paulo. E-mail: [email protected]

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A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro – FISCHER (RBH)

FISCHER, Brodwyn. A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro. Stanford, California: Stanford University Press, 2008. 488p. Resenha de: OLIVEIRA, Samuel Silva Rodrigues de. Revista Brasileira de História. São Paulo, v.33, n.66, jul./dez. 2013.

O livro A Poverty of Rights: Citizenship and Inequality in Twentieth-Century Rio de Janeiro é o resultado da tese defendida por Brodwyn Fischer, em 1999, na Universidade Harvard. A autora analisa o processo de formação dos direitos na organização do Estado e da sociedade brasileira e os conflitos de classe, raça e gênero que permearam a constituição do espaço urbano carioca.

Por eleger como cerne de sua análise os embates estruturados no cotidiano dos pobres do Rio de Janeiro, A Poverty of Rights é uma contribuição original à história social da pobreza urbana. O trabalho relaciona-se à renovação da historiografia em tempos recentes, dando destaque ao tema das favelas. Como observou Brum,

se a história urbana e, em especial, a história da cidade do Rio de Janeiro se consolidaram como campo de pesquisa institucionalizado de historiadores a partir da década de 1980, será apenas na primeira do século XXI que começou a tomar corpo uma produção dos programas de pós-graduação em história em que a favela é tomada como objeto de estudos históricos. (Brum, 2012, p.121)

Junto aos livros Um século de Favela (2001), organizado por Alba Zaluar e Marcos Alvito, Favelas Cariocas (2005), de Maria Lais Pereira da Silva, A invenção da favela (2005), de Lícia do Prado Valladares, e Favelas cariocas: ontem e hoje (2012), organizado por Marco Antônio da Silva Mello, Luiz Antônio Machado da Silva, Letícia de Luna Freire e Soraya Silveira Simões, a obra de Fischer inscreve-se na renovação dos estudos históricos sobre a cidade do Rio de Janeiro, tendo como eixo a problematização das práticas e representações da pobreza e do espaço urbano.

O diferencial da pesquisa de Fischer é o recorte temporal, o escopo de fontes que utiliza e a maneira como enfoca o tema da cidadania. Ao enfrentar uma questão de ampla tradição na História e nas Ciências Sociais que tratam do Brasil e da América Latina – a relação entre desigualdade, direito e espaço urbano –, Fischer desenvolve um argumento centrado em processos que transcorreram entre a década de 1920 e o início da década de 1960. Esse foi o período de rápida urbanização, industrialização e expansão dos subúrbios, favelas e outras formas urbanas. O corte temporal também se justifica em vista da estrutura de poder que presidiu o campo político carioca. Desde a primeira Constituição republicana (1891) até 1960, o Rio de Janeiro tinha um prefeito indicado pelo presidente e aprovado pelo Senado, elegia vereadores para o legislativo municipal e deputados e senadores para o legislativo federal. Sendo a capital da República, as reformas no sistema político encontravam ampla repercussão e expressão na vida política e cultural da cidade. Além disso, o governo de Lacerda (1961-1965) foi um marco para os estudos sobre a pobreza urbana no Rio de Janeiro: ao iniciar uma política de remoção que culminaria no despejo parcial ou completo de cinquenta a sessenta favelas (atingindo cerca de 100 mil pessoas), alterou profundamente a rotina e a conformação do espaço urbano carioca.

Além do recorte temporal, a autora usa diversos tipos de documentos para desenvolver o seu argumento. Uma vez que as classes subalternas não deixam arquivos organizados que informem sobre suas práticas, justifica-se o uso de sambas, jornais, fotografias, discursos políticos, relatórios de agências do poder público, projetos de lei, legislação, cartas e processos de justiça, entre outros documentos, para compreender as estratégias dos pobres na conquista da cidadania. O material acumulado pela autora é eclético, encontra-se disperso numa miríade de lugares e instituições, e estabelece vários filtros culturais para representar a pobreza urbana. Somente com a leitura de um caleidoscópio de registros, somada à análise da bibliografia específica sobre a relação entre direito e cidadania, consegue-se colocar em pauta problemas relevantes na análise da sociabilidade e das práticas dos grupos subalternos.

Para analisar o corpus documental heterogêneo que acumulou, a autora organizou a análise em quatro partes que possuem certa autonomia, cada uma das quais é constituída por dois capítulos. Na primeira parte, intitulada “Direitos na Cidade Maravilhosa”, analisa o processo de formação do espaço urbano do Rio de Janeiro e a classificação das formas de habitar da população pobre. Interessa à autora salientar como a construção do status de ilegalidade para as formas de habitar e viver na cidade, a restrição do espaço político dominado pela interferência do governo federal e as legislações restritivas ao crescimento das favelas contribuíram para a reprodução de uma incorporação clientelista dos pobres na política urbana. Na segunda parte, intitulada “Trabalho, Direito e Justiça Social no Rio de Vargas”, Fischer tem como principal material de análise as cartas enviadas para o presidente Getúlio Vargas. A promulgação da legislação trabalhista, o discurso varguista incorporando o trabalhador na comunidade política nacional, e as estratégias dos grupos populares para conquistar direitos sociais são o eixo de sua análise. Na terceira parte, intitulada “Direito dos pobres na Justiça Criminal”, a autora analisa a forma como o crime era definido por critérios do sistema jurídico e de uma moralidade popular, e como esse jogo de força foi alterado pela reforma do Código Penal na década de 1940, com o surgimento da noção de ‘vida pregressa’. Na última parte, intitulada “Donos da Cidade Ilegal”, Fischer analisa os conflitos pela terra e pelo direito à moradia travados na zona rural e nas favelas do Rio de Janeiro.

A “Era Vargas” (1930-1945) foi um período de grandes transformações no que toca o direito da classe trabalhadora. Esse fato político e social já foi analisado por diferentes autores, constituindo-se em uma questão clássica para a historiografia brasileira. Fischer consegue trazer uma novidade para o tema, pois não restringe a análise ao direito social e político, mas aborda como as reformas penal e urbanística do Rio de Janeiro também afetaram a cidadania dos grupos populares. Destarte, a política de massa e o Código Eleitoral de 1932, o direito à cidade e o Código de Obras de 1937 do Rio de Janeiro, o direito civil e o Código Penal de 1940, e o direito social e a Consolidação das Leis Trabalhistas (1943) são os eixos de sua análise, como fica evidenciado na divisão das partes do livro.

A autora mostra que a conquista de direitos para os ‘pobres’, para os trabalhadores informais e parcela significativa da população brasileira sem registro civil delineou-se em situações de grande ambiguidade. Longe de desenvolver uma narrativa linear da evolução do Estado e da sociedade na sedimentação dos direitos, como na análise clássica de T. H. Marshall em Cidadania, classe social e status, ou de incorporar o discurso das ideologias políticas que transformaram Vargas em um mito, a autora apresenta a contingência das situações vivenciadas pelos ‘pobres’. Preocupa-se com a forma pela qual as pessoas com baixa educação formal e com pouco poder econômico e político construíram várias estratégias para lutar por direitos, sempre marcadas pela contingência de suas vidas e experiências sociais.

Ao sublinhar o processo de formação dos direitos e da cidadania, Fischer enfatiza que os pobres “formam a maioria numérica em várias cidades brasileiras, e eles compartilham experiências de poucas conquistas, exclusão política, discriminação social e segregação residencial”, conformando “uma identidade e em alguns momentos uma agenda comum” (Fischer, 2008, p.4). Ela compreende que esse grupo não tem sido pesquisado de forma verticalizada, visto que a história social do período posterior à década de 1930 tem privilegiado a análise da consciência da classe trabalhadora, dos afrodescendentes, dos imigrantes estrangeiros e das mulheres. Segundo a autora,

a verdade é que no Rio – como em outros lugares, da Cidade do México a Caracas, a Lima ou Salvador – nem raça, nem gênero, nem classe trabalhadora foram identidades generalizadas e poderosas o suficiente para definir a relação entre a população urbana pobre e sua sociedade circundante, durante a maior parte do século XX. Muito poucas pessoas realmente pertenciam à classe trabalhadora organizada; muitas identidades raciais e regionais competiram umas com as outras em muitos planos; muitos laços culturais, econômicos e pessoais vinculavam os mais pobres aos clientes, empregadores e protetores de outras categorias sociais; também muitos migrantes foram para a cidade para alimentar suas esperanças. O povo pobre no Rio compreendeu a si mesmo, em parte, como mulheres e homens, em parte como brancos e negros, nativos ou estrangeiros, classe trabalhadora ou não. Mas eles também se entenderam como um segmento específico, simplesmente como pessoas pobres tentando sobreviver na cidade. (Fischer, 2008, p.3, tradução nossa)

Nesse sentido, Fischer também enfatiza que a experiência da pobreza urbana não pode ser reduzida à definição de classe trabalhadora no sentido clássico do marxismo. Ao reduzir a experiência da pobreza urbana a uma situação de classe, corre-se o risco de perder as dimensões étnicas, raciais e de gênero que moldam as identidades e as relações tecidas com as variadas instâncias sociopolíticas. A desigualdade social foi tomada no livro como uma condição que atravessa diversos tipos de situações e que perpassa transversalmente as relações tecidas na sociedade e no Estado brasileiros.

Por tudo isso, A Poverty of Rights constitui um importante trabalho para a renovação dos estudos sobre a cidadania no período posterior à década de 1930 e da história social da pobreza urbana no Rio de Janeiro.

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Samuel Silva Rodrigues de Oliveira – Doutorando, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais, Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC-FGV). Bolsista Faperj. E-mail: [email protected].

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Prontos a contribuir: guardas nacionais, hierarquias sociais e cidadania (Rio Grande do Sul – século XIX) | Miquéias Henrique Mugge

A obra enfoca o tema da Guarda Nacional de São Leopoldo articulando muito bem as contribuições teóricas do método das redes sociais sob perspectiva histórica à extensiva pesquisa empírica realizada nas fontes acerca da milícia. Ao anunciar sua abordagem e as possibilidades da história política do cotidiano, Miquéias Henrique Mugge afirma seu propósito de pesquisa: recuperar vivências, comportamentos e estratégias diárias de seus personagens em foco, os guardas nacionais de São Leopoldo. Para tanto, além dos já conhecidos fundos documentais usualmente utilizados pelos historiadores como, por exemplo, as correspondências entre os oficiais e autoridades do Estado Imperial como Presidentes de Província e ministros de Estado, Mugge tem o mérito de acrescentar à análise inventários, processos-crime, entre outras fontes, contribuindo inestimavelmente para o que se propôs, ou seja, recuperar as vivências cotidianas, como sujeitos políticos, dos guardas nacionais de São Leopoldo, tanto do oficialato, mas também daqueles que compunham a hierarquia baixa da milícia, os simples guardas. Cumprindo muito bem tal objetivo, Mugge também revisa a discussão historiográfica sobre o papel dos imigrantes alemães na construção do Estado nacional brasileiro do XIX, resgata muito bem os eixos explicativos da historiografia acerca da imigração alemã, destacando que tais imigrantes não foram “apolíticos”, pelo contrário, viveram e atuaram politicamente na defesa de seus direitos, resistindo ou aderindo a “milícia cidadã” conforme seus interesses. Diga-se que esta questão é apresentada a partir de um pertinente diálogo com a historiografia recente da imigração alemã no Rio Grande do Sul. Leia Mais

Assentamentos rurais e cidadania: a construção de novos espaços de vida | Mirian Claudia Lourenão Simonetti

Esta coletânea ressalta a importância da reflexão em torno de temas como: movimentos sociais, reforma agrária e assentamentos rurais, haja vista o grande número de publicações referente à essas temáticas nas últimas décadas. Conforme a autora, “os sem-terra, desde os anos 80, introduziram na agenda da política brasileira a temática da terra, da propriedade e suas formas de uso, esse tema continua persistindo na sociedade brasileira. Nas últimas três décadas, juntamente com a grande visibilidade da luta pela terra levada a efeito por diferentes movimentos sociais, apareceram muitos estudos na academia brasileira”(p. 07). Para isso a questão da interdisciplinaridade está presente nesta obra, pois várias ciências como Geografia, História, Sociologia, Economia e Agronomia são interrelacionadas na tentativa de abordar consistentemente os temas em questão – movimentos sociais, reforma agrária e assentamentos rurais – sob as diferentes perspectivas.

O estudo desenvolvido nessa coletânea se divide em três partes. A primeira delas, denominada “A construção de novos espaços de vidas nos assentamentos rurais”, tem como objetivo salientar o modo de vida no interior dos assentamentos rurais. Leia Mais

Las alcabalas mexicanas (1821-1857). Los dilemas en la construcción de la Hacienda nacional | Ernest Sánchez Santiró; La arquitectura del Estado mexicano: formas de gobierno, representación política y ciudadanía, 1821-1857 | Israel Arroyo García

Em quê estudos sobre o México pós-independência poderiam interessar aos historiadores brasileiros? Em muitos aspectos, como espera-se aqui mostrar. Em primeiro lugar, explicar processos tão prolongados e complexos como a quebra e fragmentação dos impérios espanhol e português e o surgimento das novas nações latino-americanas é sem dúvida um grande desafio. Isto porque não se trata apenas de explorar as rupturas mais evidentes, mas também, e em boa medida fundamentalmente, a profunda relação de continuidade entre o regime colonial e os estados independentes. Nesse sentido, ambos os livros constituem duas maneiras diferentes de contar a história de uma mesma época: a mudança política decorrente da independência do México.

O livro de Israel Arroyo, correponde à versão refundida de sua tese doutoral apresentada ao Centro de Estudios Históricos de El Colegio de México em 2004, e tem como fontes três acervos: os tratados constitucionais e políticos (livros, folhetos, planos políticos, editoriais de jornais), as atas e minutas constitucionais e as leis secundárias (convocatórias constituintes e leis eleitorais). O primeiro atende ao estudo da parte doutrinária sobre as formas de governo, a representação política e a cidadania. Diferentemente do historiador das ideias, o texto vincula a doutrina com o pensamento constitucional dos atores individuais e coletivos: as ideias dos tratadistas ou políticos não giram sobre si mesmas, adquirem seu peso a partir de que impactem ou não a dimensão constitucional. Já as atas constitucionais permitem ver o processo de criação das normas e as instituições políticas. Cem páginas de anexos estatísticos em que o primeiro discute os critérios metodológicos adicionam maior consistência ao estudo.

O autor não se limitou a extrair o argumento das maiorias, mas analisa o ponto de vista das minorias ou dos grupos ou indivíduos que souberam combinar ambas as possibilidades. A obra está dividida em duas partes. Na primeira, em três capítulos, o autor examina o momento fundacional das formas de governo. Aqui destaque-se que o uso do plural não é casual. Isto porque no México não houve uma única forma de governo, mas diferentes projetos que se alternavam. O primeiro capítulo aborda a disputa original entre os dois tipos de monarquias constitucionais: a borbonista e a iturbidista (1821-1822). As diferenças entre um projeto e outro se situaram em dois itens: no poder executivo – monarca mexicano ou estrangeiro – e na origem e peso diferente que deram aos poderes públicos. A segunda fase da disputa se deu entre os propugnadores de uma república confederal e os de uma república federalista (1823-1824). O objetivo aqui foi rastrear as principais características da república no México, assim como a inclusão das diferentes visões de tipo confederalista que existiram na época. Arroyo García propõe nesse primeiro capítulo que inicialmente se constituiu uma “república parlamentar”. Se o argumento for convincente, perderia valor a apreciação de que os tratadistas mexicanos foram imitadores dos Estados Unidos. No capítulo seguinte, sua atenção volta-se para o pensamento constitucional dos anos 1840. A premissa central é que surgiu a projeção de uma república federal e liberal que buscou acomodar-se entre as repúblicas confederalista e unitária de seu imediato passado, ou, inclusive, frente ao ressurgimento do monarquismo constitucional de 1845 e 1846. E no terceiro capítulo, examina não só o pensamento constitucional dos tratadistas mexicanos sobre os termos “federalismo”, “república”, mas também as continuidades e rupturas do liberalismo jusnaturalista a respeito dos constituintes dos anos 1840. A tese principal é que não se pode compreender as novidades sugidas em 1857 sem examinar as conexões em indivíduos e conteúdos constitucionais dos congressos de 1842 e 1847.

A segunda parte da obra dedica-se à análise do processo de constituição da representação política e da cidadania no período. No primeiro capítulo dessa segunda parte é examinada a passagem da representação política no México independente, em torno de quatro eixos de discussão: as instruções frente aos “poderes amplísimos”, a construção de uma divisão eleitoral própria, a definição dos requisitos para exercer um cargo de representação e o voto por “diputaciones”. No México, em termos gerais, experimentou-se uma tríade de modelos de representação: pelo “modo honesto de viver”, por renda anual e de acordo com paradigmas fiscal. Isso significa que os constituintes mexicanos não compartilharam – salvo em situações restritas e como requisitos de exceção – as exigências censitárias. Em matérias de direitos políticos, os hispano-americanos teriam se adiantado aos ideais igualitários dos liberalismos democráticos contemporâneos, feito que contrasta com experiências como a francesa (modelo fiscal) ou a inglesa (modelo censitário). A frequência com que foi utilizado o voto por “diputaciones” como instrumento eleitoral e de representação política levou os constituintos de 1856 a propô-lo como mecanismo alternativo ao Senado da república. No capítulo seguinte o autor passa em revista outro aspecto da representação política: a cidadania ativa (o direito de votar e ser eleitor). Parte da pressima de que devem diferenciar-se os direitos políticos dos procedimentos de eleição. O argumento central é que o direito ao sufrágio no México foi amplo e os métodos de eleição restritivos. Contudo, persistiu um modelo dual de cidadania (o dos preceitos gerais e o dos estados), o que explica que se desse uma gama diferenciada de “cidadanias” pelo país. Ainda assim, a herança gaditana – o método de eleição de quatro graus – foi transcendida precocemente, e em geral se anulou o grau dos compromissários desde 1823. Ao final do trajeto estudado, 1857, se passou a um sistema de um grau uniforme para todos os poderes públicos gerais. Em todo o período referido o comum foi o afastamento – nisto similar ao ocorrido na representação política – dos modelos censitários de cidadania, com um predomínio dos paradigmas do modo honesto de viver e de renda anual. E conclui: “no México, houve cidadãos terrenos, não de ficção ou de papel”.

Já quanto ao livro de Ernest Sánchez, conta-nos uma outra parte da mesma história por meio de um imposto, o mais importante de todos no México das primeiras quatro décadas após a independência – as “alcabalas”. As alcabalas corresponderiam a um tributo inexistente no Brasil colonial: as sisas. O que efetivamente havia no Brasil eram impostos sobre importação e exportação, mas não propriamente sobre a circulação.

A independência do México implicou a quebra das ideias e das instituições políticas do Antigo Regime colonial da Nova Espanha após uma década de agudos conflitos militares, sociais e políticos. Esta ruptura com a monarquia espanhola gerou um espaço de incerteza no qual a irrupção do liberalismo, no marco da conformação do novo Estado-nação, concedeu à política uma preeminência inusitada, já que os novos valores e práticas a seguir seriam dirimidos naquela arena. Ernest Sánchez parte da premissa, a meu ver absolutamente correta, de que neste contexto os dilemas da política alcançaram medularmente a esfera das finanças públicas. De fato, a fiscalidade veio a constituir-se como um dos temas mais decisivos da construção do Estado nacional, ao constituir-se não apenas numa manifestação de sua capacidade de controle sobre o território e os habitantes do México, mas também na base financeira chamada a sutentar a nova maquinária política.

Certamente que uma exposição conduzida unicamente em termos de facções políticas enfrentadas, com seu corolário de projetos fiscais, que prescindisse totalmente do marco socio- econômico seria uma análise excessivamente voluntarista do processo histórico. Não é que a estrutura sócio- econômica marcasse irremediavelmente a fiscalidade, mas ao menos estabelecia possibilidades ao projetismo liberal em matéria fiscal.

O autor pergunta-se: por quê o advento do Estado-nação mexicano, radicalmente diferente da monarquia católica em sua natureza polítca, não implicou a instauração de um regime fiscal acorde com os princípios básicos do primeiro liberalismo, isto é, as “contribuições diretas” (as que gravam uma manifestação duradoura da capacidade de pagamento dos contribuintes, seja a partir das fontes dos rendimentos econômicos (contribuições de produto), seja a partir da renda que percebe as pessoas (contribuições pessoais)? Por quê, apesar da condenação quase unânime de políticos, publicistas e economistas políticos, as “contribuições indiretas” (gravames que recaem sobre manifestações transitórias da capacidade de pagamento, que se percebem por ocasião de atos contratuais – no caso das alcabalas, os atos de compra e venda ou troca de bens móveis e imóveis) sobre o comércio interno, herdadas do antigo regime colonial da Nova Espanha, constituíram-se num dos suportes fundamentais da fiscalidade da nova nação? Quando podemos detectar na ordem política, o abandono de tal primazia e que elementos tornaram-no possível? Estas são as questões que vertebram o livro. A solução proposta pelo autor articula-se em torno de três elementos básicos: 1. a práxis fiscal das diversas soberanias políticas, com uma atenção preferencial ao problema da arrecadação; 2. as diferentes posições da economia política ilustrada e liberal com relação às contribuições indiretas sobre o comércio interno; e 3. os projetos de reforma fiscal que, em alguns casos, pretenderam sua abolição, embora em outros significaram um claro reconhecimento.

Apesar de tratado de modo tangencial, dado o escopo do livro, avança-se na discussão sobre como implantar, por exemplo, um amplo sistema fiscal liberal de contribuições diretas, que pressupunha coisas tão básicas mas fundamentais como a existência de cidadãos e de propriedade privada, em um país onde os primeiros estavam se formando em termos políticos e culturais e onde a propriedade corporativa civil e eclesiástica era ubíqua e numerosa. Ou seja, em que medida o desenvolvimento dos intercâmbios mercantis internos e externos do México fazia rentável a manutenção das alcabalas herdadas do período colonial? Na década de 1850, por sua vez, as coisas ficaram um pouco mais complicadas, pois implicava responder à questão de como combinar o desenvolvimento das ferrovias e a manutenção das alfândegas internas e as alcabalas.

É exatamente por conta destes argumentos que as alcabalas foram tomadas como observatório privilegiado da mudança política e da modernização fiscal do México no século XIX: era a rubrica líquida mais importante em termos quantitativos para os erários estatais e departamentais. Apesar de a data inicial do estudo situar-se em 1821, Ernest Sánchez estuda as alcabalas desde o final do período colonial.

O lugar das alcabalas e dos impostos em geral e, sobretudo, o “contingente” não deixam dúvida sobre a relação de coletivos entre os poderes locais e os poderes confederais: os estados reservaram para si o controle completo sobre os recursos públicos, decidiam que tipo de contribuições aplicar e como gastá-las, negaram-se sistematicamente a terminar com as alcabalas e os impostos de capitação ou então o que foi mais decisivo, se opuseram a criar uma verdadeira Fazenda liberal e federal. “Contingente” era o nome dado a um montante de recursos que cada unidade da federação mexicana aportava anualmente aos cofres da Fazenda nacional. Era a materialização, no plano fiscal, do federalismo mexicano: como o governo nacional e cada estado tinham seus próprios orçamentos, este mecanismo foi desenhado no sentido de harmonizar o pacto federal com os poderes regionais. Ernest Sánchez questiona a ideia de que o debate sobre o tema do “contingente” em relação à definição das formas de governo não pode ponderar-se a partir da eficiência arrecadatória, mesmo no caso de que fosse de 100%: o fundamental seria o tipo de vinculação qualitativa que entabulavam as partes. O contingente mede sim a eficiência e os vínculos em uma república confederal. O autor retorna a esta questão mais adiante, no âmbito da constituinte de 1842, em que assinala que este modelo não conseguiu saldar a ausência de uma burocracia federal própria e o domínio quase absoluto dos recursos, diretos e indiretos, gerados pelos departamentos.

Retornemos à questão inicial: em quê estudos sobre o México pós-independência poderiam interessar aos historiadores brasileiros? Creio que a rápida apresentação de ambas as obras permite mostrar que a comparação do quadro brasileiro com o mexicano reserva ainda muitos resultados interessantes. Ter comungado um passado colonial seria um argumento. Mas fiquemos com outro: centralização e descentralização, unitarismo e federalismo (e mais ainda, confederalismo), pacto federativo, para ficar apenas nas palavras e expressões mais visíveis, remetem a questões que sem dúvida interessam a todos quantos estudam a política oitocentista brasileira. Inevitável, por exemplo, deixar de mencionar as implicações desta discussão em trabalhos recentes da historiografia brasileira, inaugurados pela professora Mirian Dolhnikoff (DOLHNIKOFF, Mirian. Construindo o Brasil: unidade nacional e pacto federativo nos projetos das elites (1820-1842). Doutorado em História. São Paulo: FFLCH/USP, 2000). Ambos os textos têm certamente muito a contribuir.

Angelo Alves Carrara – Professor no Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-Juiz de Fora/Brasil). E-mail: [email protected]


SÁNCHEZ SANTIRÓ, Ernest. Las alcabalas mexicanas (1821-1857). Los dilemas en la construcción de la Hacienda nacional. México: Instituto de Investigaciones Dr. Jose María Luis Mora, 2009. ARROYO GARCÍA, Israel. La arquitectura del Estado mexicano: formas de gobierno, representación política y ciudadanía, 1821-1857. México: Instituto de Investigaciones Dr. José María Luis Mora/Universidad Autónoma de Puebla, 2011. Resenha de: CARRARA, Angelo Alves. Da colônia à nação: impostos e política no México, 1821-1857. Almanack, Guarulhos, n.4, p. 164-167, jul./dez., 2012.

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Artífices de sua própria história: a Guarda Negra da Redemptora como espaço de construção de identidades e exercício da cidadania / Augusto O. Mattos

É visível, nos últimos anos, um novo direcionamento na historiografia dedicada à escravidão e à abolição. Recusando análises que identifiquem homens e mulheres escravizados apenas como vítimas passivas do sistema escravista, muitos historiadores/as, influenciados, principalmente, mas não exclusivamente, pelos trabalhos de Edward Palmer Thompson e pela “história vista de baixo”, tem priorizado em suas pesquisas novos temas e problemas. Nessas análises, é de fundamental importância conceitos como o de “resistência” e de “autonomia escrava”, que permitem compreender os grupos escravos como agentes transformadores do sistema escravista.1 Nesse sentido, são trabalhos que ressaltam as estratégias, as lutas, as escolhas, enfim, a participação direta desses escravos/as na busca de sua liberdade e na construção de sua própria história.

É por tal caminho que trilha o trabalho do historiador Augusto Oliveira Mattos, Guarda Negra: a Redemptora e o ocaso do Império, publicado pela Hinterlândia Editorial. Resultado de sua dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília, a pesquisa está centrada na atuação e na composição da Guarda Negra, criada em 1888 por ex-escravos e intelectuais negros que juraram lealdade e prometeram zelar pela vida da Redemptora, a Princesa Isabel.

Mais do que proteger a Princesa e provar a gratidão daqueles que foram libertos pela Lei Áurea de 1888, Mattos percebe a Guarda Negra enquanto uma via de acesso e exercício de cidadania para esses indivíduos, muitas vezes excluídos pela sociedade do século XIX. Tratava-se, portanto, para o autor, de uma forma de resistência e inserção em tal sociedade, mesmo que de maneira limitada, que possibilitava a criação de laços de solidariedade e amizade entre aqueles que se consideravam iguais. Enfim, um espaço fundamental para a construção de identidades.

Nesse esforço em desvelar a organização e o arranjo de tal grupo, o autor inicia sua análise pela própria Princesa Isabel, foco da proteção da Guarda Negra. Intitulado “Das camélias do Leblon à Rosa de Ouro: as representações de Isabel no contexto do abolicionismo”, o capítulo procura salientar as imagens construídas, no final do século XIX, principalmente pela imprensa, sobre a Regente e sua atuação política, inclusive em prol do abolicionismo. Embora tenha sido considerada por muitos como incapaz de assumir o trono e de lidar com a coisa pública, Mattos evidencia que entre alguns grupos era corrente a ideia de que a Princesa teria sido a principal responsável pelo fim da escravidão – e por isso o título de Redemptora. Nessa associação entre Isabel e a abolição, o autor percebe o projeto de criar um ambiente favorável e uma base de apoio para sua ascensão ao trono, ou seja, a possibilidade de estabelecer um Terceiro Reinado. Uma tentativa de aproximação entre os libertos e a monarquia, como pode ser percebido na própria Guarda Negra.

Em “A sociedade negregada: racismo à flor da pele e sectarismo social no fenecer do Império”, Augusto Mattos privilegia os protagonistas dessa história: os/as negros/as e suas formas de organização, suas manifestações culturais, suas maneiras de resistência em uma sociedade que os menosprezava, lhes era hostil e os considerava uma “classe perigosa”. Aqui tem destaque as irmandades e maltas de capoeiras, grupos que possibilitavam a esses indivíduos, segundo o autor, a manutenção de determinadas tradições culturais. Todavia, Mattos evidencia que, mesmo com a abolição da escravidão, os/as negros/as não tiveram acesso a uma série de oportunidades, o que criou a possibilidade de “articular uma série de mecanismos para a defesa de seus interesses”. Para ele, o mais importante foi a Guarda Negra.

Por fim, “Da espontaneidade à ação política: a Guarda Negra da Redemptora e a defesa do Terceiro Reinado”, Mattos faz a leitura da Guarda Negra enquanto uma “organização pronta para defender o continuísmo monárquico”, composta por alforriados, intelectuais negros, como José do Patrocínio, e também com apoio de alguns membros da elite branca. Questionando interpretações historiográficas que vêem a Guarda Negra enquanto um grupo de ex-escravos manipulados por monarquistas que pretendiam conter o avanço do republicanismo, o autor problematiza tal passividade e sugere entender a formação do grupo como resposta as necessidades de uma camada negra marginalizada. Um grupo politizado, um espaço de legitimação das aspirações negras, com ações diversificadas.

Utilizando-se de jornais de época, Anais do Senado e da Câmara, correspondências pessoais, coletânea de artigos de abolicionistas, coleção de leis do Império e uma vasta bibliografia sobre o tema, Augusto Oliveira Mattos consegue evidenciar que, mais do que dotada de sentimento de gratidão à Princesa Isabel e o compromisso em defender o Terceiro Reinado, a Guarda Negra foi um espaço que permitiu a um grupo de indivíduos serem sujeitos de sua própria história.

Notas

1 Para mais informações sobre o debate acerca destes conceitos e dos novos direcionamentos da historiografia da escravidão, ver o artigo: MACHADO, Maria Helena P.T. Em torno da autonomia escrava: uma nova direção para a história social da escravidão. Revista Brasileira de História. São Paulo: Marco Zero, v.08, n.16, p.143-160, mar./ago. 1988.

Fabiana Francisca Macena – Doutoranda em História Social do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Brasília (PPGHIS/UnB). E-mail: [email protected].

MATTOS, Augusto Oliveira. Guarda Negra: a Redemptora e o ocaso do Império. Brasília: Hinterlândia Editorial, 2009. 123p. Resenha de:


MACENA, Fabiana Francisca. Artífices de sua própria história: a Guarda Negra da Redemptora como espaço de construção de identidades e exercício da cidadania. Em Tempo de Histórias, Brasília, n.18, p.155-157, jan./jul., 2011. Acessar publicação original. [IF].

Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada – SILVA et al (BMPEG-CH)

SILVA, Crishian Teófilo da Silva; LIMA, Antônio Carlos de Souza; BAINES, Stephen Grant (Orgs.). Problemáticas sociais para sociedades plurais: políticas indigenistas, sociais e de desenvolvimento em perspectiva comparada. São Paulo: Annablume; Distrito Federal: FAP-DF, 2009, 244p.  Resenha de: SILVA, Nathália Thaís Cosmo da; DOULA, Sheila María. Desenvolvimento, políticas sociais e acesso à Justiça para os povos indígenas americanos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, Belém, v.5, n.3, nov./dez. 2010.

O livro “Problemáticas sociais para sociedades plurais” aborda grandes temas relacionados às sociedades indígenas americanas, tais como identidade étnica, cidadania, direitos coletivos e diferenciados e problemas sociais. Dividida em três partes, a obra foi organizada por Cristhian Teófilo da Silva e Stephen Grant Baines, ambos professores da Universidade de Brasília, e por Antonio Carlos de Souza Lima, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A primeira parte do livro discute indigenismo e desenvolvimento, com ênfase na questão da convivência interétnica nas Américas; a segunda analisa as políticas sociais para povos indígenas em perspectiva comparada; e a terceira parte aborda os direitos diferenciados de acesso à Justiça.

Os fios condutores da primeira parte do livro são a construção da identidade e da autonomia indígena em face da identidade, da soberania e dos modelos de desenvolvimento nacionais, e as limitações da nova semântica multiculturalista. Os artigos são: “Desenvolvimento, etnodesenvolvimento e integração latino-americana”, de Ricardo Verdum; “Conflitos e reivindicações territoriais nas fronteiras: povos indígenas na fronteira Brasil-Guiana”, de Sthephen Grant Baines; “Políticas indigenistas e cidadania no México e EUA: John Collier, Moisés Sáenz e os índios das Américas”, de Thaddeus Gregory Blanchette; “Indigenismo, antropologia y pueblos índios en México”, de Mariano Baez Landa.

Sob a ótica da relação entre identidade indígena e soberania nacional, o texto de Verdum discute o conceito de ‘etnodesenvolvimento’ como alternativa que leva em consideração a autonomia dos grupos étnicos dos Estados Nacionais, destacando o papel protagonista do Banco Mundial (BIRD) na disseminação deste ideário. O autor assinala a existência de um campo de interesses e disputas presentes nas representações e nos discursos acerca do lugar dos povos indígenas no desenvolvimento da América Latina, enfatizando que as manifestações de diversidade cultural são limitadas por concepções sociais e econômicas de ‘pobreza’ e ‘marginalidade’. Segundo ele, a concepção do Banco Mundial sobre o ‘empoderamento’ é impregnada pela ideologia progressista com o intuito de capacitar os indígenas para participarem de todo o “ciclo de desenvolvimento”.

Seguindo o fio argumentativo sobre as fronteiras e a soberania nacional, o texto de Baines analisa o conflito social em torno da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mostrando que a regularização desta área pelo governo brasileiro garante a Soberania Nacional e também o manejo sustentável pelos povos indígenas, ao passo que a exploração da terra pelos grileiros rizicultores tinha como objetivo a privatização das terras da União e, como consequência, danos ambientais irreversíveis pelo uso intensivo de agrotóxicos. Baines aponta, no contexto de fronteira entre Brasil e Guiana, o conflito de interesses entre os povos indígenas e o Exército, salientado o desrespeito histórico que marcou a construção de rodovias, de usinas hidrelétricas e a abertura de minas nos territórios indígenas Makuxi e Wapichana. Assim, a fronteira, como sugere o autor, deixa de ser uma questão militar – tendo em vista que ambos os povos expressam patriotismo em relação às suas nações – e passa a ser uma questão econômica.

Blanchette, por sua vez, contextualiza os períodos da construção da identidade indígena na história norte-americana e mexicana. No âmbito do indigenismo norte-americano, assinala a passagem do período de assimilação forçada no final do século XIX, quando os índios tinham a condição de cidadãos de segunda classe, para as primeiras décadas do século XX, quando eles foram representados como um símbolo nacional, assumindo o papel de protetores da fronteira. Esta transformação possibilitou o surgimento do pluralismo e do relativismo cultural dentro do campo político, abrindo caminhos para que, mais tarde, em meados do século XX, o grande personagem do indigenismo americano, John Collier, reformulasse a política assimilativa, priorizando a integração dos grupos numa estrutura pluralista. Collier, com o apoio do presidente Franklin Roosevelt e dos indigenistas mexicanos Moisés Sáenz Garza e Manuel Gamio, foi responsável por mudanças legislativas relevantes em relação às políticas indigenistas nas Américas.

Já na história mexicana, os índios eram considerados um ‘problema’ da nação, de modo que a lógica do progresso induzia o seu desaparecimento. O indigenismo mexicano somou esforços a fim de incorporar os índios como cidadãos, mas essa reorientação acabou se limitando à aparência, uma vez que os índios continuaram a ser vistos como imperfeitamente civilizados.

No que se refere à representação do indígena na trajetória mexicana, Landa expõe que, com uma história marcada por levantes e rebeliões, a figura do índio era a de um bravo combatente pela independência frente à Espanha. No entanto, após esse período, ele passou a significar um entrave à integração e ao desenvolvimento da nação. De acordo com o autor, a identidade nacional construída no México nega as diferenças, tanto pela via da exclusão, que separa e isola as diferentes etnias, quanto pela via da inclusão, que apaga as identidades. Landa sustenta que o indigenismo moderno se impôs igualando pequenos produtores, índios, latinos e mestiços para serem atendidos pelos programas de combate à pobreza e de compensação social, o que culminou na renúncia da condição étnica para obtenção de recursos governamentais.

A segunda parte do livro trata das políticas sociais envolvendo os povos indígenas em temas como a educação superior, as relações de gênero, saúde, contaminação com o vírus HIV e previdência social. Os artigos são: “Cooperação Internacional e Educação Superior para indígenas no Brasil: reflexões a partir de um caso específico”, de Antonio Carlos de Souza Lima; “Políticas sociais, diversidade cultural e igualdade de gênero”, de Lia Zanotta Machado; “Políticas de saúde indígena no Brasil em perspectiva”, de Carla Costa Teixeira; “Un acercamiento a la problemática del HIV/SIDA al interior de los pueblos índios”, de Patrícia Ponce Jimenez; “‘No soy mandado, soy jubilado’: previsión social y pueblos indígenas en el Amazonas brasileño”, de Gabriel O. Alvarez.

No que se refere à educação superior, é a partir da reflexão sobre o projeto “Trilhas do Conhecimento” que Lima discute a utilização dos recursos advindos da cooperação internacional e das políticas públicas. Argumenta que, embora a inovação promovida no cenário das políticas para os povos indígenas tenha se ancorado em subsídios da cooperação técnica internacional, com destaque para a Fundação Ford e para a Fundação Rockfeller, não se pode esquecer que os recursos de natureza privada servem a ações demonstrativas de curta duração e que, portanto, são incompatíveis com tarefas de longo prazo próprias das políticas públicas.

As relações de gênero são problematizadas por Machado, que alerta para o fato de que agressões morais e físicas podem não ser consideradas como violência em determinados contextos culturais e que o significado de violência e discriminação contra as mulheres é construído sem o reconhecimento da cultura local. A autora defende, pois, a diversidade cultural e a igualdade de gênero como questões que dizem respeito fundamentalmente à dignidade humana e, portanto, se antepõe a uma sociedade tradicional que tem arraigadas as práticas da discriminação.

Em outra perspectiva, por meio da análise do processo histórico e político institucional, Teixeira argumenta que a política pública brasileira de saúde para os povos indígenas é dotada de uma profunda força antidemocrática, uma vez que as intervenções sanitárias buscam a incorporação de novas práticas e valores higiênicos pelos indígenas. Aponta no Manual de Orientações Técnicas destinado aos agentes de saúde o predomínio da função simbólica nas ilustrações do texto, que enfatizam a proximidade de comportamentos entre índios, animais e fezes, evidenciando que o foco não é a ausência de infraestrutura sanitária, mas sim o inadequado comportamento higiênico dos indígenas, o que reforça a missão de “sanear pessoas” para o agente indígena.

Quanto à epidemia do vírus HIV, Ponce destaca os perigos de se desconsiderar sua proliferação entre os povos indígenas, entendendo que as políticas públicas nesse setor partem de alguns pressupostos equivocados: os índios são concebidos como exóticos que moram em lugares inacessíveis, inclusive para a AIDS, e a crença de que todos os índios são heterossexuais, sendo também comum a associação da epidemia com a homossexualidade. Novamente, portanto, a crítica recai na incapacidade verificada na formulação de políticas públicas que considerem a diversidade e as especificidades culturais. Essa situação remete a uma “vulnerabilidade multidimensional” que exige novas posturas de líderes e de comunidades indígenas, e também da academia no sentido de assumir o imperativo de falar de sexualidade e diversidade sexual.

O texto de Alvarez discute o impacto das políticas previdenciárias nas comunidades indígenas por meio de três experiências na Amazônia. Em primeiro lugar, nota-se uma valorização social dos aposentados, na medida em que, em alguns casos, os beneficiários conseguem abandonar a condição de trabalhadores e tornam-se patrões; em outros casos, verifica-se um fenômeno mais complexo, no qual o dinheiro passa a ter impacto sobre a vida cultural do grupo, pois os idosos assumem as despesas com rituais e ocupam um lugar proeminente no grupo; finalmente, a aposentadoria tem servido para reverter a situação de marginalidade econômica, subordinação social e estigmatização histórica sofrida, por exemplo, pelos Ticuna, representados como inaptos para o mundo do trabalho, alcoólatras e selvagens. O autor relata, ainda, o recente “drama dos documentos” em decorrência da atuação autoritária da Fundação Nacional do Índio, que, diante da apuração de denúncias de fraudes pontuais com a população indígena Ticuna no município de Tabatinga (AM), mandou suspender a emissão de declarações que dão início aos trâmites para obtenção de recursos previdenciários. Este episódio, por um lado, evoca a atualização dos estigmas ligados aos Ticuna; por outro, traz a reflexão de que, ao contrário do passado, quando muitos deles renunciaram sua identidade indígena, no presente, com a implementação de políticas diferenciadas, seus descendentes assumem suas identidades para ter acesso aos benefícios.

A terceira parte do livro se destina a discutir os direitos diferenciados de acesso à Justiça. Os artigos são: “A Convenção 169 da OIT e o Direito de Consulta Prévia”, de Simone Rodrigues Pinto; “Criminalização indígena e abandono legal: aspectos da situação penal dos índios no Brasil”, de Cristhian Teófilo da Silva.

As proposições de Pinto se referem ao direito de consulta prévia, que foi instituído na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e seu papel fundamental de intermediar e negociar as reivindicações dos povos indígenas e dos Estados. No caso brasileiro, esse direito ainda carece de regulamentação e a falta de definição clara do papel dos povos indígenas acarreta no risco de a consulta se tornar mera formalidade. Faz-se necessário, neste processo, a informação qualificada, que implica tradução não só dos aspectos linguísticos, mas dos “modos de pensar”. Tomando como exemplo os impactos causados por 200 obras propostas pelo Programa de Aceleração do Crescimento, a autora analisa as possíveis manipulações por parte das empresas responsáveis e chama a atenção para os empreendimentos que afetam diretamente as comunidades indígenas, mesmo que não estejam situados em suas terras.

Finalmente, no âmbito da criminalização indígena, o artigo de Silva denuncia o abandono legal dos índios nas prisões e a necessidade de um aprofundamento empírico e teórico sobre essa realidade no Brasil. O autor alerta para o não reconhecimento do status jurídico dos índios pela justiça criminal, apontando para uma distorção no uso das categorias ‘índios’ e ‘pardos’, e a consequente descaracterização étnica. Evidencia também o racismo institucional e a manipulação da indianidade pelos agentes que relegam aos índios, sob o discurso da aculturação, o tratamento diferenciado. Resta aos estudiosos somar esforços para tentar compreender o que a realidade desses processos de criminalização dos índios que estão nas prisões brasileiras nos diz sobre a pretensa democracia étnica e plural do país.

Nathália Thaís Cosmo da Silva – Mestranda em Extensão Rural na Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

Sheila Maria Doula – Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo. Professora Associada da Universidade Federal de Viçosa. E-mail: [email protected]

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Intimate Citizenship: Private Decisions and Public Dialogues – PLUMMER (CSS)

PLUMMER, Ken. Intimate Citizenship: Private Decisions and Public Dialogues. Montreal & Kingston: McGill-Queens University Press, 2003. 187p. Resenha de: HORTON, Todd. Canadian Social Studies, v.41, n.1, p., 2008.

Ken Plummer, a distinguished scholar of social interaction and human sexuality, has written a fine synoptical book (p. xi) that examines the realm of intimacy and the conflicts the intimate problems to which these changes constantly give rise (p. back cover). Citing turn of the millennium issues such as solo parenting, invitro ferlization, surrogate mothers, gay and lesbian families, cloning and the prospect of designer babies, Viagra and the morning-after pill, HIV/AIDS, the global porn industry, on-line dating services and virtual sex, Plummer argues that dramatic changes in our intimate lives have increasingly bound private decisions to public dialogues in law, medicine and the media. He further asserts this requires a notion of intimate citizenship (p. 50), a sensitizing, open and suggestive concept to be used in the provisional quest of exploring the nature of social change and intimacies (p. 15).

This book is a valuable addition to the growing list of books engaged in unpacking somewhat stodgy concepts like citizenship and identity and repackaging them in new, exciting and dynamic ways. While admittedly brief, Intimate Citizenship does offer a good quality synopsis of current perspectives and expertly crafts a paradigm for analysis that is sure to stimulate conversation about where to go next. Almost certainly written for students in post-secondary education and scholars in the fields of sociology, political theory and cultural studies, the book is readerly enough to be used in secondary school, albeit in excerpt form, to initiate discussion and extend perspectives.

The book is divided into nine chapters, written as an interconnected whole that builds an argument. This is followed by reference notes and an extensive bibliography. It should be stated that at the beginning of each chapter several quotes, often as many as five or six, from authors to activists, are used to foreshadow the discussion(s) to follow. While some may find the quotes distracting and perhaps a bit bombastic, they provide an indication of the perspectives that permeate the discourses within and across the vibrant field of citizenship.

Chapter One, Intimate Troubles, is an appropriate title as Plummer lays out a series of issues and choices facing people at the dawn of the 21st century. He frames the discussion around the question how do we live and how should we live our lives in an emerging late modern world? (p. 7) and offers a conceptualization of the Intimate Citizenship Project (p. 13) that uses zones of intimacies such as self, gender, identity and spirituality to explore: the decisions people have to make over the control (or not) over ones body, feelings, relationships; access (or not) to representations, relationships, public spaces, etc.; and social grounded choices (or not) about identities, gender experiences, erotic experiences (p. 14).

Chapter Two, titled Postmodern Intimacies: New Lives in a Late Modern World, expertly examines intimate troubles in more detail while chapter three, Culture Wars and Contested Intimacies delves into the ways that change brings with it dissent. It is in chapter four that Plummer outlines the core organizing concept of the book.

Entitled The New Theories of Citizenship, Chapter Four is designed to help us navigate our way through the tangled web of conflicts that now surround our personal lives (p. 49) and to a large degree it is successful, though it must be added that brevity does occasionally work against clear sailing toward his new conceptualization. Plummer begins by offering an overview of two concepts: citizenship and identity, which he believes are really about difference and unity. Moving on to new citizenships (p. 51), he focuses on the works of T. H. Marshall, the British sociologist who outlined three clusters of citizenship rights civil, political and social to which all members of a community are entitled. While Plummer does outline many of the criticisms that have been lodged against Marshalls post-WWII work, he rushes through these to get to the main point of the section that the post-structuralist approach is the most fruitful starting point in which to develop newer ideas of citizenship, including intimate citizenship. Indeed, the reader may be left with the feeling that dwelling a little longer with the myriad of authors working in the post-Marshallian field might have made arriving at the destination a little more compelling.

Chapter Four continues by outlining the issue of boundaries and exclusions (p. 53), suggesting that in any framework of citizenship runs the risk of being critiqued as to who is inside and who is outside, who is included and who is excluded, both within and across social worlds (p. 55). A proposed solution is to further develop Ruth Listers idea of a differentiated universalism (p. 55) whereby boundaries are present but shift and sway in addition to becoming more porous. After a brief but worthwhile examination of natural rights, the state, society and inequality, as well as obligations relative to rights, and identity, Plummer pauses to pay homage to the work of authors who have extended citizenship to include feminist and sexual citizenships before adeptly using all of the discussions that have come before to outline a workable, if tentative, account of the issues critical to a new intimate citizenship (pp. 65-66). Among the issues addressed is a key theme that Plummer returns to again and again that citizenship must always be sensitive to the whole panoply of inequalities – of the problem of just citizenship in an unjust society (p. 66).

Four themes provide the details of intimate citizenship in the next four chapters. Chapter Five examines Public Intimacies, Private Citizens and the ways the public sphere is being radically redrawn in the 21st century, while Chapter Six, Dialogic Citizenship, embraces the crucial role of pluralism and conflict along with the need for dialogue across opposing positions. Chapter Seven, Stories and the Grounded Moralities of Everyday Life, is particularly rich, peppered as it is with excerpts of arguments from writers such as Alasdair MacIntyre, Martha Nussbaum, Carol Gilligan, Richard Rorty and Maria Pia Lara who support, in one form or another, Plummers belief in the importance of listening to the voices of citizens as we struggle to resolve ethical dilemmas in our daily lives. Chapter Eight, entitled Globalizing Intimate Citizenship, explores the ways many of these issues now figure on the global stage and within global fora.

The book concludes with Chapter Nines The Intimate Citizenship Project, an attempt to develop a paradigm for analysis. Having spent much of the book cataloguing issues around intimacies, Plummer does an admirable job of pulling the threads of many arguments together to present an eight-point series of concerns for an intimate citizenship (pp. 140-142) as it moves forward. These concerns are focused around questions that 21st century theorists in the area of citizenship must grapple if the field is to grow in a legally, politically and socially just manner.

The author also demonstrates the proper amount of humility when he states that his work tends to raise more questions than it answers (p. 142) and acknowledges that it can be criticized from a number of different directions including the creeping return of the meta-narrative, the need for further detail, a western bias in the conception of rights and a certain nave optimism or utopianism. Still, his closing section situates the intimate citizenship project within the ongoing effort to eliminate inequalities in the world suggesting a reasonableness and sense of proportion for the task at hand and the challenges ahead. As Plummer states: intimacies are lodged in worldwide inequalities of class, gender, age, race and the like. These inequalities structure on a daily basis the debasement and degradation, the patterns of exclusion and marginalization, the sense of powerlessness that, in one way or another, many people experience as the inevitable backdrop of ordinary intimacies. Cutting across my entire book is a persistent need to return to these issues (p. 145).

This positioning is elevated by the final section in the book, Moving On: Learning to Listen, where he entreats the reader to consider familiar words citizenship, identity, community, public sphere, morality and ethics not as tight words, defined, fixed, with established boundaries but as open, polyvocal, flexible, porous and interwoven (p. 145). This means accepting that there are no simple solutions to how to live life and embracing the permanently unsettled state (p. 145) which is our future. For those who can only envision anarchistic chaos, relativist vacuums or tribal wars emanating from his paradigmatic positioning, Plummer concludes on a note of hope, suggesting that we must listen to one anothers stories of how to make our way through the moral tangles of today (p. 145) because it is there that virtue is re/constructed, morality is debated, ethical dilemmas are re/solved and the common values that hold humanity together (p. 146) are re/discovered.

Todd Horton – Nipissing University. North Bay, Ontario.

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Além da Escravidão: investigações sobre raça/trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação | Frederick Cooper, Thomas C. Holt e Rebecca J. Scott

Vivemos um momento singular na história brasileira. Depois de anos de luta dos afro-descendentes, nunca a questão da desigualdade racial esteve tão visível: políticas públicas com o objetivo de reparar anos de exclusão têm sido implementadas; a pesquisa histórica é sensível a essa nova condição; nos cursos de pós-graduação, trabalhos são produzidos sobre o período pós-abolição, no intuito de analisar a historicidade da exclusão racial e dos embates da população negra pelo alargamento das fronteiras sociais. Entretanto, esses estudos, alguns distantes do mercado editorial, ainda não progrediram para análises comparativas com outras sociedades que conviveram com a escravidão e que também tiveram que enfrentar as dificuldades do período pós-emancipação.

Em se tratando de uma instituição atlântica, que teve repercussões na América, na África e na Europa, a escravidão e os contextos pós-emancipação devem ser analisados da maneira mais abrangente possível. Afinal, a situação de desigualdade racial está presente em todos os lugares nos quais existiu o trabalho cativo negro. Por isso, o livro Além da Escravidão: investigações sobre raça, trabalho e cidadania em sociedades pós-emancipação, escrito por três renomados pesquisadores norte-americanos, Frederick Cooper, Thomas C. Holt e Rebecca Scott, é imprescindível. Ele é fruto de estudos subordinados ao projeto Postemancipation Societies que, desde o ano de 1982, vem coletando e selecionando fontes do Caribe, da África e do Brasil. O livro contém três ensaios comparativos, que analisam as sociedades pós-emancipação em diferentes partes do mundo – como o Caribe britânico (especialmente a Jamaica), Cuba, a Louisiana (nos Estados Unidos) e a África colonial – e abrangem o período de 1833, ano da abolição da escravatura na Jamaica, até 1946, quando o trabalho forçado extinguiu-se na África de colonização francesa. Leia Mais

Citizenship Through Secondary Geography – LAMBERT; MACHON (CSS)

LAMBERT, David; MACHON, Paul. Eds. Citizenship Through Secondary Geography. London & New York: RoutledgeFalmer, 2001. 209p. Resenha de: MEYER, John. Canadian Social Studies, v.38, n.2, p., 2004.

Two previous books on citizenship through (history, English) have been published in the Citizenship Education in Secondary Schools Series edited by John Moss. In this third book, one must read both the Preface and the concluding chapter (13th) written exclusively by British educators in order to understand the intent (pp. xvii-xix), the difficulties in writing the chapters (pp. 199-202), and the general contents (pp. 203-208). Chapters 2-5 contextualize citizenship in geography education historically, internationally and through processes of values education that have long been advocated for use in geography classrooms (p. 203). Chapters 6-10 explored the capacity of geography as a school subject to help pupils’ encounters with environmental debates, with questions of identity and community, with ‘otherness’ and exclusion (p. 203). Chapters 11 -12 take the discussion right back into school, reviewing appropriate classroom pedagogies for citizenship education and discussing issues arising from the tensions that inevitably arise when change is advocated or imposed (p. 203). The U.K. government mandated that values education will be taught both as a fundamental subject starting in 2002 as well as a topic integrated with various subject areas in all schools at certain age levels through the revised geography National Curriculum and the 1999 Order for Citizenship statutory policy. Hence, this book and this series attempt to provide a predominantly theoretical underpinning with some specific suggestions for classroom teaching and learning. The authors have wrestled with the complexities of values education from definitional problems through curricular implementation issues. Leia Mais

Contesting Canadian Citizenship: Historical Readings – ADAMOSKI et al (CSS)

ADAMOSKI, Robert; CHUNN, Dorothy E.; MENZIES, Robert (eds). Contesting Canadian Citizenship: Historical Readings. Peterborough, ON: Broadview Press, 2002. 429p. Resenha de: MITCHELL, Tom. Canadian Social Studies, v.39, n.1, p., 2004.

Citizenship lies at the heart of the liberal state and forms of political modernity. Defined variously as a relational practice, a set of personal rights and obligations, or as a cultural idiom unique to particular societies, citizenship is to a greater or lesser degree always fluid, plastic, and internally contested (Brubaker, 1992, p. 13; on citizenship see also T. H. Marshall T. Bottomore, (1992). Its analysis offers an opening to modern approaches to power and social control, to forms of modern nations and nationalities; conceptually, idioms of citizenship are deeply implicated in most debates of public policy in the liberal state. And, as Contesting Canadian Citizenship discloses, such has been the case since the beginning of modern Canadian history.

The various and diverse chapters contained in Contesting Canadian Citizenship tell us about how modernist discourses of class, gender, race and discursive idioms of human pathology have shaped how Canadians have imagined each other. Such discourse furnished the theory upon which forms of unequal citizenship have been cast, institutional life has been ordered, and relations of power and vulnerability have been forged. For some citizenship promised power and opportunity, full citizenship within the liberal state; for others liberal discourse on citizenship led to non-citizenship, shame, subordination, incarceration, even sterilization.

The readings open with a nicely tailored introduction to the contemporary debate and varied usages of citizenship as a practical – and almost always contested – political and social idiom. Here the Canadian debate is effectively placed within the context of a broader international literature. Janine Brodie’s contribution to the introduction Three Stories of Canadian Citizenship focuses on three approaches to the development of citizenship in Canada: the legal, rights based and governance approaches. Under these headings Brodie moves from an account of the juridical nature of Canadian citizenship, to a discussion of the evolution of Canadian citizenship within a critical appraised account of T.H. Marshall’s seminal theorization of citizenship, to a historical survey of citizenship under the general rubric of governance.

Beyond the introduction, Contesting Canadian Citizenship has five sections. Constituting the Canadian Citizen contains essays by Veronica Strong-Boag on the debate around citizenship central to the Canadian Franchise Act of 1885. Gender, race, and class are illuminated as central features of the construction of citizenship within the Canadian liberal state. Ronald Rubin tackles citizenship in the evolving cultural politics of Quebec sovereignty, while Claude Denis provides a thoughtful and provocative account of the Hobson’s choice at the heart of the history of indigenous citizenship in Canada.

Under the heading Domesticity, Industry and Nationhood Sean Purdy relates a fascinating story of the implication of idioms of citizenship within debates over housing policy, while Jennifer Stephen considers industrial citizenship within the context of an account of employment, industrial relations and the creation of an efficient labour force during the era of crisis and reconstruction from 1916-1921. Deyse Baillargeon employs data from interviews with Francophone women in Montreal to provide a contextually specific glimpse into how women in Quebec, who possessed only a partial juridical citizenship, nevertheless made an important contribution to the maintenance of social stability during the Great Depression. Finally, Shirley Tillotson takes up the question of citizenship and leisure rights in mid-twentieth century Canada. In a nicely theorized account of the development of leisure rights sensitive to the implications of class, gender, race and rurality, Tillotson makes the argument that the imperatives of a moral economy of democratic citizenship in which the right to the prerequisites of health and culture led the liberal state to provide all Canadians not just the elite with access to leisure in the form of statutory and paid holidays and recreational programs.

Education has always been central to the Canadian debate on citizenship. This theme is treated at length under the heading Pedagogies of Belonging and Exclusion. Lorna R. McLean links the literature of class and masculinity with emerging forms of Canadian citizenship through an account of the adult education program of Frontier College. Katherine Arnup provides an illuminating account of the links between modernist discourses implicating motherhood with the manufacture of citizens. Here experts in child development typically, members of the medical profession cast a shaft of enlightenment on the benighted mothers especially those of non-Anglo-Canadian stock of future citizens of the country. Mary Louise Adams relates how the construction of citizenship was and remains implicated in the definition and policing of sexual identity and an orthodox sexuality. Bernice Moreau provides an account of the junction of race and citizenship in Nova Scotia. Here the shameful story of how Black Nova Scotians struggled to gain educational rights and civic equality against a state and civil society that denied them full citizenship is related.

Finally, four chapters address the theme of Boundaries of Citizenship. Here, Robert Adamoski relates the passage of children as wards of the state to productive citizenship. Adamoski argues that the philanthropic and child rescue movements that emerged in the late nineteenth century dealt with their charges within the class, gender and racial expectations of the time. Working class girls and boys would become solid working class citizens; only through assimilation could Aboriginal children enter the ranks of citizenship. Joan Sangster discusses the rescue of delinquents for the liberal state. In a chapter that considers developments from 1920-1965, Sangster provides illustrations and analysis of the changing and unchanging strategies used by the state and social experts to re-create model citizens. Dorothy E. Chunn deals with race, sex and citizenship through an examination how the criminal law in British Columbia was employed normatively to disseminate and sustain dominant conceptions of appropriate and inappropriate sexual and social relations. Her account illustrates how law worked to reinforce hierarchical social relations within the new settler society of British Columbia. Robert Menzies relates the story of mental hygiene and citizenship in British Columbia during the formative 1920s, an era in which the long shadow of eugenics discourse threatened dire consequences for those who for any number of reasons were deemed unworthy of citizenship. He develops a useful historical context for his account: relating how developments elsewhere from Ontario to Britain, Alberta to California shaped the course of the debate in British Columbia, and contributed to the shaping of social policy for some of Canada’s most vulnerable citizens.

This is a very useful publication. It brings together a diverse body of literature that speaks to the complex and evolving ideological core of the Canadian liberal state: citizenship and prose rendered with a minimum of jargon. Of course, each reader of this book will find some chapters more literate, interesting and useful than others. Such is to be expected in a volume containing seventeen chapters and almost as many authors.

References

Brubaker, R. (1992). Citizenship and Nationhood in France and Germany, London: Harvard University Press.

Marshall, T.H. Bottomore, T. (1992). Citizenship and Social Class. London: Pluto Press.

Tom Mitchell – Brandon University. Brandon, Manitoba.

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Éducation et formation à la citoyenneté. Guide de références – APEIQ (CC)

ASSOCIATION pour l’Éducation Interculturelle du Québec (Dir.). Éducation et formation à la citoyenneté. Guide de références. Montréal: APEIQ, 2002. 193p. Resenha de: HEIMBERG, Charles. Le cartable de Clio – Revue romande et tessinoise sur les didactiques de l’histoire, Lausanne, n.3, p.328, 2003.

Ce guide de l’éducation à la citoyenneté, destiné à tous les professionnels de la formation et de l’éducation, a été conçu dans la perspective d’une dimension interculturelle, sans doute particulièrement sensible dans le contexte du Québec. Il comprend quatre volets suivis de la présentation succincte d’ouvrages ou de références consacrés à l’éducation à la citoyenneté, puis d’une série de propositions didactiques. Robert Martineau présente le chapitre le plus convaincant, celui qui interroge la relation entre l’histoire et la dimension civique. Son exposé théorique synthétise très efficacement sa conception de la pensée historique et la nature de l’histoire scolaire qu’il appelle de ses vœux. « La conscience historique, nous dit-il, autorise à penser la réalité en terme de projet, de possibilité de la changer, d’influencer la réalité sociale, d’en contrôler le destin politique ». Sans perspective ni recul, en effet, il n’y a pas de possibilité de rencontrer l’Autre, il n’y a pas de vie sociale envisageable. C’est dans cet esprit que l’histoire et la citoyenneté ne peuvent qu’être associées ; ce qui implique alors qu’il s’agisse bien d’une histoire ouverte à la pluralité des possibles et aux mises en relation à travers le temps. De son côté, l’éducation aux droits de la personne, évoquée par Nicole Pothier, poursuit à la fois des objectifs cognitifs, sur la nature et l’histoire de ces droits, et comportementaux – elle vise par exemple à promouvoir des attitudes de tolérance. Il en va de même avec la reconnaissance des identités, introduite par André Jacob, pour qui l’éducation à la citoyenneté et à la tolérance « constitue les deux faces d’une même pierre d’assise de l’éducation aux droits humains ». Reste pourtant à se demander quel doit être le poids effectif des visées portant sur des attitudes et dans quelle mesure une telle posture est compatible avec l’idée d’une citoyenneté consciente, construite dans um cadre qui ne soit ni prescriptif, ni moralisateur. La participation, enfin, joue un rôle essentiel pour la citoyenneté, pour autant bien sûr qu’elle soit librement consentie et pratiquée. « Guide de références », le sous-titre de cet ouvrage n’est pas abusif. Certes, les activités didactiques qu’il propose, un peu rapidement, ne parviennent pas toujours à concrétiser de manière suffisamment convaincante les réflexions théoriques qui les ont précédées. Mais c’est un instrument très utile pour introduire la question de l’éducation à la citoyenneté et se poser des questions sur sa nature et sa place dans le projet éducatif d’une société démocratique.

Charles Heimberg –  Institut de Formation des Maîtres (IFMES), Genève.

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