Bandidos | Eric Hobsbawm

Eric Hobsbawm Bandidos
Eric Hobsbawm | Foto: La Vanguardia

HOBSBAWM Bandidos3 BandidosA campanha soviética na Segunda Guerra Mundial e seu domínio político cultural sobre o leste europeu modificaram as relações entre os países desenvolvidos e polarizou a economia ocidental entre a URSS e os EUA. Além disto, as transformações provenientes da reconstrução da Europa nos anos 1950 levaram ao crescimento na renda da classe média local e à inserção de uma nova geração na sociedade de consumo. Nasce assim uma nova intelectualidade, atenta ao fortalecimento da URSS como potência mundial, ao aumento de sua influência sobre os países subdesenvolvidos e às consequências do capitalismo industrial sobre os corpos das sociedades periféricas.

É neste contexto político-cultural que Eric John Ernest Hobsbawm desenvolveu seus trabalhos. Nascido em 1917 em Alexandria, Egito, mudou-se para Berlim em 1931 e, com a ascensão de Hitler ao poder, imigrou para Londres em 1933 onde recebeu uma bolsa de estudos na Universidade de Cambridge. Durante a Segunda Guerra (1938-1945) lutou ao lado dos aliados como cavador de trincheiras, preparador de bunkers e em trabalhos de inteligência devido à sua proficiência em quatro línguas. Nos anos 1960, ingressou no grupo de marxistas britânicos que buscavam entender a história da organização das classes populares, suas lutas e ideologias, através da chamada História Social.

Deste grupo faziam parte Christopher Hill, Rodney Hilton e Edward Thompson, historiadores insatisfeitos com o stalinismo e que criticavam as interpretações economicistas da História, a relação de hiper dependência da base sobre a estrutura, a explicação da superestrutura simplesmente pelo interesse de classe, a noção de inevitabilidade histórica e a concentração dos temas de investigação histórica apenas nos interesses de Marx e dos movimentos sociais ligados a ele. Para estes pesquisadores os modos de produção não se referem apenas às esferas produtivas da economia, do trabalho e das relações sociais durante a fabricação de produtos e mercadorias. Não há então uma suposta base econômica que determina a cultura de forma hierárquica, mas sim sujeitos que, em suas relações sociais com os outros e com o ambiente, produzem cultura.

É a partir dessas críticas que Hobsbawm desenvolve trabalhos globalizantes sobre a história do trabalho e dos movimentos revolucionários na contemporaneidade. Entre suas obras estão Rebeldes Primitivos (1957), Era das Revoluções (1962), A Era do Capital (1975), A Era dos Impérios (1987) e uma série de investigações com interesse pela História Total e por um entendimento do mundo a partir de diálogos com os campos da política, economia e da cultura.

Em Bandidos [1] o autor discorre acerca do Banditismo Social em sociedades camponesas desde o fim da Idade Média. Segundo o autor, a modernização fez surgir grupos armados autônomos que utilizaram da Violência para combater a opressão e o fim das tradições camponesas.

Sua análise é feita nos campos do estudo político e social. No campo do poder, o autor nos permite observar os tensionamentos e negociações entre as forças que oprimem e aquelas que se recusam a obedecer. Do ponto de vista social, é feito um diálogo com teorias marxistas onde o conflito de classes tem papel definidor. Dessa forma, a partir da tensão entre a sociedade tradicional e o processo de modernização, Hobsbawm separa a história do Banditismo Social em 3 períodos: seu nascimento – quando as sociedades tradicionais passam a fazer parte da sociedade de classes; sua transformação – a partir da ascensão do capitalismo local e mundial; e sua longa trajetória sob Estados e regimes sociais intermediários.

Em seguida, entendendo o Banditismo como um fenômeno universal e presente em todas as sociedades camponesas, o autor divide os Bandidos em três categorias: o ladrão nobre, inspirado em Robin Hood e idealizado como um ladrão humilde e bondoso, paladino que corrige os erros e luta pela equidade social; os Vingadores, que possuem características heroicas, mas que utilizam da violência em demasia, que geralmente não são tratados como defensores da justiça e que, portanto, a partir disto, constroem para si um universo ético próprio e os Haiduks, indivíduos que não tinham um compromisso imediato com a rebelião contra as autoridades, mas que constantemente combatiam a serviço de senhores rurais em troca do reconhecimento local e ajudando o Estado contra invasões estrangeiras.

Sua análise desenvolve-se no livro de modo a apresentar o fenômeno do Banditismo Social, sua tipologia, formação e desaparecimento. Além de debater sobre as revoltas camponesas nas sociedades pré-capitalistas, identificando os diversos bandidos na História Moderna e sua relevância nos movimentos de revolta camponesa, sua tese entende que o meio rural se tornou um espaço propício para a existência de grupos armados que, devido à falta de um mercado de trabalho que abarque a mão de obra local em sua totalidade, se associaram à criminalidade como forma de sobrevivência e de combate à opressão.

Dessa forma, o espaço rural se torna o local propício para a existência do Banditismo, na medida em que os Bandidos, fruto da sociedade camponesa, defendiam seus valores e serviam como símbolo de justiça e revolta. Este fenômeno se avoluma então durante os períodos de crise, se alicerça ao meio rural e, unido ao milenarismo e ao messianismo, não rompe por completo a ordem tradicional de opressão, mas busca muitas vezes se aliar a ela. Os bandidos se tornam, portanto, produto da vida camponesa e mantenedores de suas tradições, colhendo apoio de grupos antagônicos e sustentando um determinado tipo de sociedade. Eles se inserem na trama política justamente por unirem a influência social e o poderio bélico para negociar com os diferentes grupos de poder. Isto só não ocorre quando a rebeldia destes grupos interfere nas negociações e levam ao embate contra as aristocracias locais:

Por conseguinte, nas condições que produz o Banditismo a estrutura da política rural exerce dois efeitos. Por um lado, gera, protege e multiplica os bandidos; por outro, integra-os no sistema político. […] Um imperador, um rei ou um barão que disponha de força faz sua própria lei em suas terras, e enforca bandidos armados, em vez de protegê-los, quer ameacem a ordem social, quer apenas prejudiquem o comércio e se intrometam na propriedade privada. […] Com o desenvolvimento econômico, os ricos e poderosos tendem cada vez mais a encarar os bandidos como ameaças à propriedade que devem ser extirpadas, e não como mais um fator, entre muitos, que entram no jogo do poder. (HOBSBAWM, 2017, p. 124)

É justamente quando as forças aristocráticas se inserem no mundo moderno que o Banditismo decai. Com a mudança do jogo político e a pulverização dos mecanismos de controle as classes dominantes não veem mais o bandido como intermediário ou oponente político. Encerra-se assim o mito do bandido herói, fenômeno que Hobsbawm (2017, p. 125) irá chamar de “antimitologia” do bandido. Nesse momento temos criminosos, marginais, “uma fera em forma humana”, “pronto a profanar tudo quanto é sagrado, a matar, pilhar, incendiar, violar a vontade de Deus e as leis do Estado”. O ladrão passa agora a pertencer a classe dos pobres e oprimidos, servindo de contrapartida ao mundo “correto”, “respeitável” e moderno.

Dessa forma, ler Bandidos é se debruçar sobre um Hobsbawm que desenvolve uma história da revolta camponesa a partir do embate entre tradicional e moderno. Onde a modernização e a inserção de comunidades tradicionais na sociedade capitalista levam necessariamente ao choque cultural e à defesa – por parte das comunidades camponesas – de seus valores e tradições. Durante o livro temos acesso a lendário paladinos que são inseridos de modo sistemático no quadro político, nas relações entre senhores e Estados, nas estruturas de poder e principalmente nas estratégias de dominação regional. Somos apresentados não a Bandidos revolucionários ou transformadores da sociedade, mas, sim, Reformadores que buscam a manutenção de princípios tradicionais. Seus atos de justiça não impedem a exploração dos ricos contra os pobres nem se materializaram em reformas agrárias, mas, a representação de suas gestas, os transformam em forças históricas com potencial de mudanças imprevisíveis.

Nota

1. Livro publicado originalmente em 1969 pela editora Delacorte Press. Utilizaremos nesta resenha a 5ª edição brasileira, publicada em 2017 pela editora Paz e Terra.


Resenhista

Vitor Nunes –  Graduando em História pela Universidade Federal de Sergipe Bolsista IC-CNPq Integrante do Dominium: Estudos sobre Sociedades Senhoriais (CNPq-UFS). E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

HOBSBAWM, E. J. Bandidos. 5ª ed. Trad. Donaldson M. Garschagen. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2017. Resenha de: NUNES, Vitor. Bandidos como força histórica – Hobsbawm e as transformações silenciosas. Ponta de Lança – Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. São Cristóvão, v.15, n.28, p. 243 -247, jan./jun. 2021. Acessar publicação original [DR]

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