Batalhas medievais: as 20 mais importantes batalhas da Europa e do Oriente, 1000 d.C.-1500 d.C. | Kelly Robert Devries

A coletânea de textos históricos militares, organizada pelo historiador medievalista Kelly DeVries, é uma tradução para o português do título em inglês Battles of the Medieval World 1000 – 1500 From Hastings to Constantinople publicado originalmente em Londres em 2006 pela editora Amber Books.

O organizador da obra é Ph.D. em estudos medievais pelo Centre for Medieval Studies da University of Toronto. Suas áreas de atuação são: história militar, história da tecnologia, diplomática e de paleografia. Atualmente é professor de História na Loyola University Maryland e Consultor histórico honorário da Royal Armouries (Reino Unido). DeVries organiza as discussões numa perspectiva linear crescente, tendo como referência as datas de realização dos conflitos. Desse modo, o percurso da coletânea é iniciado no ano de 1066 com a batalha de Hastings, indo até o ano de 1471, momento em que ocorre a batalha de Brunkeberg.

A obra conta com a participação dos seguintes autores: Iain Dichie, que foi membro do comitê da Society of Ancients e editor das revistas Army e Navy Model-world, Military Hobbies e, agora, da Miniature Wargames; Martin Dougherty, escritor e editor especializado em temas militares e de defesa; Phyllis G. Jestice, professora assistente de história medieval da University of Southerm Mississippi, em Hattiesburg, Mississipi; e Christer Jorgensen, doutor pela University College de Londres e perito em história militar sueca.

A composição do livro em capítulos é feita em proporcionalidade as respectivas vinte batalhas selecionadas. Kelly DeVries analisa as batalhas de Hastings (1066), Legnano (1176), Bouvines (1214) e Nicópolis (1396). Iain Dickie narra às batalhas de Hattin (1187), Leignitz (1241), Peipus (1242), Nájera (1367), e Vítkov (1420). O escritor Martin Dougherty discorre sobre as batalhas de Arsuf (1191), Château Gaillard (1203-1204), Bannockburn (1314), Crécy (1346) e Azincourt (1415). Phyllis G. Jestice é responsável por analisar as batalhas de Constantinopla (1203-1204), Malta (1283), Sluys (1340). Já Christer Jorgensem reflete sobre as batalhas de Tannenberg (1410), Constantinopla (1453) e Brunkeberg (1471).

A coletânea traz uma abordagem inicial sobre o contexto medieval das batalhas, por meio da apresentação de temas como: francos, Feudalismo, vikings, normandos, Cruzadas, Guerra dos Cem anos e outros embates, delimitando o início do período em análise, a Idade Média no começo do século XI. Assim, o texto introdutório corresponde à expectativa de ferramenta informacional, uma vez que discute previamente os contextos das batalhas, antes de analisá-las nomeadamente.

Cada capítulo inclui uma introdução, uma descrição sucinta do conflito e uma conclusão que elenca as consequências geradas pelas disputas. A obra é repleta de elementos iconográficos, inteligentemente utilizados como instrumentos explicativos que representam: armas (balistas1, manganela2, lanças, canhões, espadas, trabucos3 e arcos), armaduras medievais, ferramentas de sítio (bastidas4 e escadas), números das batalhas, personagens, particularidades dos exércitos e momentos emblemáticos no contexto das disputas. Um dos principais recursos empregados é a apresentação de mapas ilustrativos atuais, especialmente anexados para demonstrar as disposições dos exércitos no campo de batalha.

Embora o livro traga gravuras, pinturas e iluminuras contextualizadas, acaba recorrendo ao uso de fontes fora da época retratada. Isso fica evidente no capítulo Peipus, quando Iain Dickie faz uso de imagens do filme Alexander Nevsky (1938), de Sergei Eisentein, para retratar a batalha realizada em 1242. Também são utilizadas ilustrações, xilogravuras, retratos e fotografias contemporâneas.

Selecionamos três batalhas para análise: Hastings (1066), Bouvines (1214) e Azincourt (1415):

No capítulo Hastings Kelly DeVries reconstrói o contexto de instabilidade política vivida na Inglaterra a partir de sua conquista pelo rei dinamarquês Svein Forkbeard, dando ênfase às disputas sucessórias geradas após a morte do monarca. Guilherme, o Bastardo, com o objetivo de impor pretensões ao trono, enviou o exército normando para invadir a Inglaterra. Assim, entrou em combate contra as tropas anglo-saxônicas do rei Haroldo II Godwinson, vencendo-as em outubro de 1066. Depois de sua conquista em Hastings enfrentou a oposição dos condes Edwin e Morkere, que foram facilmente vencidos, alcançando Guilherme à alcunha de Conquistador e efetivando a ascensão da dinastia anglo-normanda ao trono inglês.

No que diz respeito às fontes, fica evidente que o autor utiliza a Tapeçaria de Bayeux (1070-1080) como a principal forma de acesso as representações do exército normando e da campanha empreendida por Guilherme para obtenção do trono. Também faz referência ao manual de registros militares De re militari (Séc. IV-V), de Vegécio, que dá informações acerca da principal tática de batalha exercida pelo duque, a falsa retirada.

O capítulo Bouvines relata a disputa travada pelo rei francês Felipe II contra príncipes franceses que, com base em seus interesses pessoais, haviam se rebelado e somado forças ao rei da Inglaterra João Sem-Terra (1167-1216), o qual buscava restituir terras à coroa inglesa, e também ao imperador Otto IV do sacro Império Romano Germânico, que buscava recuperar sua credibilidade como governante da Alemanha, após ser excomungado pelo papa Inocêncio III por ter reivindicado e atacado o Reino da Sicília. A batalha envolveu a maioria dos grandes principados da Europa Ocidental, mas tanto João Sem-Terra quanto Otto IV saíram derrotados do conflito. No que se refere às consequências, o rei inglês só conseguiu preservar temporariamente a Gasconha, preparando o palco para a Guerra dos Cem Anos. Já Otto IV perdeu sua credibilidade como imperador, possibilitando assim a ascensão de Frederico II ao trono do império.

Nota-se que o principal viés escolhido por DeVries foi à análise da Relatio Marchianensis de pugna Bouvinis, a mais antiga descrição do conflito, e também de relatos pessoais como os de Guillaume Le Breton, biografo de Felipe II da França, e os do cronista Menestrel de Reims, que além do conflito registra o momento anterior à batalha em que Felipe II dirige-se aos seus soldados e barões: “meus lordes, sois todos os meus homens e eu sou o vosso senhor. (…) Eu muito vos amei e vos trouxe grande honra, e dei-vos liberalmente do que era meu. Nunca vos injuriei nem vos faltei, mas sempre vos liderei com retidão” (p. 104)

Merece destaque a obra de Georges Duby O domingo de Bouvines – 27 de Julho de 1214, que se trata de um exemplo de micro-história da batalha. Duby realiza uma análise das praticas militares na Batalha de Bouvines, com base no retorno à narrativa histórica política, contrariando o modelo de resistência a uma história puramente política, estabelecido pela Escola dos Annales. Desse modo, sua proposta em refletir sobre as narrativas de memória acerca da batalha, abre espaço para a construção de produções historiográficas fundamentadas na narrativa dos fatos.

No texto Azincourt, Martin Dougherty narra o momento em que o exército inglês do rei Henrique V (1388-1422), composto por mil homens cansados e doentes, luta contra o exército de 25 mil franceses de Charles d’Albret (1369-1415), determinado a sustar a sequência de vitórias inglesas durante a Guerra dos Cem Anos. O conflito foi realizado em outubro de 1415, resultando na vitória de Henrique V e a consequente tomada do porto de Calais. A batalha custou à França metade de sua nobreza, incluindo três duques, 90 outros nobres e 1.560 armígeros. Já o lado inglês perdeu cerca de 400 homens.

Ao analisar o sistema militar inglês Dougherty traça um paralelo entre a combinação de arqueiros armados com arcos longos e o poder sustentador de guerreiros desmontados, comparando-os com a composição militar francesa, baseada em armígeros revestidos em armaduras de aço. Entendemos que o interesse do autor centra-se no fato de que o resultado da batalha (a conquista dos arqueiros ingleses sobre os combatentes franceses de armadura pesada) foi determinante para a vitória de Henrique V em Azincourt, por isso dedica maior atenção a este aspecto do conflito.

Não há na coletânea uma expressiva manutenção do diálogo com outras fontes historiográficas. Em alguns momentos os autores citam o uso de fontes originais, não deixando claro qual ou quais são, porém, o acesso a crônicas trata-se do principal subsídio utilizado. A preocupação dos autores está focada na apresentação dos pormenores das batalhas, ou seja, seus locais de realizavam, as características dos exércitos, números, táticas efetuadas e os personagens centrais. Fica evidente a proposta de realização da análise das batalhas no tocante a história militar, direcionada ao estabelecimento de uma produção historiográfica objetiva, preocupada em destacar às causas, as disposições em campo e as consequências políticas e militares resultantes das batalhas.

Já a coletânea Por São Jorge! Por São Tiago! Batalhas e narrativas ibéricas medievais organizada por Marcella Lopes Guimarães, do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná, desenvolve reflexões acerca de batalhas realizadas entre os séculos VIII e XV, nas regiões que compõem o território da Península Ibérica e da África excluídas da obra em exame. Outras batalhas são analisadas: Batalha do Guadalete (711), Batalha de Las Navas de Tolosa (1212), Batalha do Salado (1340), Batalha de Aljubarrota (1385) e Tomada de Ceuta (1415). Por sua vez, traz uma perspectiva diferente da obra de DeVries, pois dá plena liberdade metodológica aos autores de modo que possam expandir seu campo de discussão, desenvolvendo leituras políticas, ideológicas e sociais das batalhas, não se restringindo apenas as causas e consequências dos conflitos. Dessa forma complementa o cenário das batalhas medievais.

Embora traga uma abordagem panorâmica, a obra é formulada com uma estrutura textual elucidativa capaz de envolver o leitor, possibilitando ter a sensação de estar vivenciando os conflitos representados. Por intermédio do estudo da obra podemos perceber o processo de profissionalização dos exércitos e o aprimoramento das técnicas de batalha. Sendo assim, podemos considerar a obra em análise uma importante ferramenta de debate a ser explorada por pesquisadores, estudantes e interessados no tema, devido a sua considerável contribuição aos estudos sobre história militar medieval no Brasil.

Notas

1 Antiga arma para atirar setas. Um sarilho era utilizado para enrolar a corda, repuxando a seta através do sulco que posteriormente seria liberada por intermédio de um gatilho.

2 Engenho de lançamento de rochas ou outro tipo de projétil funcionado através da torção de cordas trançadas.

3 Arma de sítio em que um longo e afilado braço de madeira era amarrado embaixo e mantido firme. À extremidade delgada se afixava uma funda na qual normalmente uma grande pedra era posicionada. Na extremidade grossa pendurava-se um grande peso. Quando liberado, o peso vinha a baixo, o braço era lançado para cima, a funda se projetava violentamente e a pedra era lançada.

4 Torre móvel para atacar muralhas robustas. Continha vários pavimentos para abrigar os soldados e era recoberta por peles de animais para proteção contra projéteis de fogo.

Referências

DUBY, Georges. O Domingo de Bouvines. 27 de julho de 1214. Tradução Maria Cristina Frias. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.

GUIMARÃES, Marcella Lopes (org.). Por São Jorge! Por São Tiago! Batalhas e narrativas ibéricas medievais. Curitiba: Ed. UFPR, 2013.


Resenhista

Samuel Tolentino da Silva – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Goiás – Campus Samambaia. Bolsista pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES-UFG. Graduado no Curso de Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Goiás – Campus Cora Coralina. Tem experiência na área de História Medieval. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

DEVRIES, Kelly Robert (Org.). Batalhas medievais: as 20 mais importantes batalhas da Europa e do Oriente, 1000 d.C.-1500 d.C. Trad. Roger Maioli dos Santos, Kelly Devries, Martin Dougherty, Iain Dickie, Phyllis G. Jestice e Christer Jorgensen. São Paulo: M. Books do Brasil, 2017. Resenha de: SILVA, Samuel Tolentino da. Revista Mosaico. Goiânia, v. 12, p. 390-393, 2019. DOI 10.18224/mos.v12i0.7296. Acessar publicação original [DR]

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