Capitalismo Global: história econômica e política do século XX | Jeffry A. Frieden

Empolgante e concisa, contudo polêmica. A obra do professor Frieden é empolgante e concisa quanto ao capitalismo e seu dinamizador, o comércio internacional, mas é polêmica quando relata um difícil período vivido pela população do Congo sob tutela do rei Leopoldo II e também quando se refere a Lord Keynes em uma comparação com Schacht, economista alemão. Realmente teria sido mister fazê-la em ambos os casos? Suprimindo, momentaneamente, uma resposta para essa questão, faz-se, sim, necessário dar os devidos créditos ao autor de Capitalismo Global.

Professor titular da Harvard University, Jeffry A. Frieden, além de poliglota (fluente em francês, espanhol, italiano, português e marginally competent em russo, como destacado em seu curriculum vitae), é especialista em economia política internacional. Frieden traz em sua obra um ponto de vista diferenciado da história econômica e política do século XX. O autor busca a gênese do capitalismo global através da explicação e detalhamento dos desdobramentos históricos do comércio internacional. Comércio global que praticamente se iniciou no século XVIII, com o declínio do mercantilismo e a erupção da Revolução Industrial e das novas tecnologias (transporte, comunicação) dela decorrente, e estende-se até este início de século XXI.

Em Capitalismo Global, no início, o autor coloca a seguinte passagem: “A velha ordem defendida com armas em Waterloo terminou e fora substituída por um novo capitalismo global. A força dominante passou a ser o mercado, não [mais] o monarca.” (p. 21) Destaca ainda: “A previsibilidade do padrão ouro [adotado pelas principais nações durante a reestruturação do capitalismo na década de 1870 – resultante da Grande Depressão (1873-1896)] facilitou o comércio, os empréstimos, os investimentos, a migração e os pagamentos internacionais.” (p. 23) E arrebata dizendo que “No fim do século XIX, os acontecimentos pareciam ameaçar a essência do capitalismo global.” (p. 26)

Assim, tendo esse fio – o comércio internacional – como condutor, que tem seu primeiro grande “surto” durante a Era do Ouro, mas que se contraiu durante as grandes guerras e também entre elas, ele diz:

As vitórias econômicas do fim do século XIX e início do XX foram impressionantes, mas essa etapa do desenvolvimento do capitalismo global não terminou bem. A ordem econômica internacional se dissolveu na carnificina da Primeira Guerra Mundial e não pôde ser reconstituída. O padrão ouro se despedaçou de forma a nunca mais se restabelecer completamente. O consenso global quanto ao movimento de bens, capitais e pessoas fora rejeitado ou seriamente questionado à medida que os países fechavam suas fronteiras ao comércio, à imigração e aos investimentos. (p. 140)

A depressão econômica destruiu a ordem estabelecida. O sistema pré-1930 tinha base na ortodoxia internacionalista do padrão ouro, no papel limitado do governo na economia e na predominância política dos empresários. A calamidade da década de 1930 baniu o comprometimento da ordem clássica com a economia internacional e com o mercado. A Alemanha, a Itália e seus companheiros fascistas rejeitaram a integração global e o mercado em favor da autarquia, da intervenção estatal e da repressão aos trabalhadores. No Ocidente industrial, uma coalização entre trabalhistas, produtores agrícolas e capitalistas progressistas substituiu o laissez-faire pela nova socialdemocracia, que intervinha na macroeconomia e oferecia uma variedade de serviços e seguros sociais. (p. 270)

O comércio global retorna mais vigoroso e intenso, atingindo seu apogeu no pós-guerra, estabelecido e organizado pelo acordo (unilateral) de Bretton Woods, favorendo o hegemon – os Estados Unidos da América –, e com este financiando, através do Plano Marshall, a reconstrução das principais economias afetadas pela guerra. Além disso, os diversos processos de industrialização são analisados, tais como Industrialização por Substituição de Importações (ISI), nos países em desenvolvimento/pobres da América Latina, África e Ásia, e a industrialização orientada para exportações, nos tigres asiáticos.

Segundo o autor:

A ordem do pós-guerra havia atingido o objetivo de seus arquitetos. Os países capitalistas avançados alcançaram a integração econômica combinada com Estado de bem-estar sociais e intervenção macroeconômica. Os países em desenvolvimento conseguiram a intensificação da industrialização combinada com proteção contra a influência econômica do exterior. Os países socialistas alcançaram um rápido desenvolvimento industrial e crescimento econômico, combinados com distribuição de renda eqüitativa. No entanto, em todos os três grupos de países, a obtenção simultânea de todos esses objetivos tornava-se mais difícil com o passar do tempo. A integração econômica impôs desafios à intervenção macroeconômica; a ISI gerou crises periódicas e mais desigualdade; e a planificação econômica socialista desacelerou o crescimento. (p. 383)

Contudo, as crises da década de 1970, principalmente a crise do petróleo, energia barata que sustentou o crescimento das nações no após Segunda Guerra Mundial, fizeram com que o ritmo de crescimento diminuísse consideravelmente, em alguns casos houve retração do Produto Interno Bruto, o que se estendeu até o fim da década de oitenta.

Nesse interím:

Nacionalistas e internacionalistas, defensores do livre mercado e intervencionistas, esquerda e direita se confrontavam sobre o curso das políticas econômicas nacionais e internacionais. As posições políticas se polarizaram: os empresários se opunham de maneira veemente aos sindicatos trabalhistas e ao Estado de bemestar social; e o operariado adotava posições firmes contra os empresários. O consenso centrista das décadas de 1950 e 1960 havia se desintegrado. Ditaduras se democratizaram, democracias foram arruinadas, socialistas tomaram o poder em países tradicionalmente conservadores e, em outros, foram substituídos pelos conservadores. O equilíbrio de forças se deslocou do comprometimento com a economia global para as limitações à integração econômica internacional, ou mesmo para o seu retrocesso. Infelizmente, o período entre 1970 e o início da década de 1980 foi semelhante aos anos 1930, algo como uma sala de espera para a autarquia e até hostilidades militares, diante da deterioração das relações entre os Estados Unidos e a União Soviética. (pp. 387-8)

Por conseguinte, a recuperação do sistema capitalista cosmopolita ressurge nos anos noventa, mas:

(…) os desafios à globalização persistiam. Alguns eram instrínsecos à operação dos mercados internacionais, tais como a volatilidade do sistema financeiro, que ameaçava o ritmo e a natureza da integração econômica. Outros eram externos, provenientes de grupos onde a globalização não era consenso, ativistas lutando pelos direitos humanos, pelos direitos dos trabalhadores e pelo meio ambiente. A história mostrou que o apoio à integração econômica internacional era dependente da prosperidade. Se o capitalismo global deixasse de promover o crescimento econômico, seu futuro seria incerto. (p. 498)

Desse modo, o autor enfaticamente conclui: “O desafio do capitalismo global no século XXI é combinar integração internacional com governos politicamente reativos e socialmente responsáveis.” (p. 502)

Além do que foi mencionado até aqui, o professor Frieden faz uso de histórias um tanto insólitas, normalmente não abordadas por outros autores. Por exemplo, quando narra os terríveis métodos de extração da borracha in natura impostos pelo rei Leopoldo II da Bélgica à população do Congo, durante a era do imperialismo europeu no final do século XIX e início do XX. Afirmando sobre isso: “(…) um escândalo global que expôs um dos mais sangrentos regimes coloniais dos tempos modernos.” (p. 97) E, ainda para acentuar a polêmica em sua obra, Jeffry A. Frieden referencia-se a J. M. Keynes como sendo “(…) o inglês, um homossexual heterodoxo (…)” (p. 271) na comparação com o economista alemão Hjalmar H. G. Schacht.

Em ambos recortes – sobre o Congo e Keynes –, esse julgamento de valor é demasiado delicado, pois pode esconder certo preconceito. Portanto, como sugestão, o autor de Capitalismo Global poderia ter suprimido tais colocações e exposto melhor a história de países que hoje estão se destacando, como China, e/ou em dificuldades, como Japão, bem como outros temas pertinentes.

Episódios mais pontuais não são explorados na obra, como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial e a Revolução Russa, tendo sido aprofundado tão somente no que tange ao comércio exterior. Entretanto, deu-se razoável importância para “O sociólogo marxista” latino-americano, Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente do Brasil, analisando de perto sua trajetória política-social-econômica.

Em tempo, outras duas percepções são quanto a não especificação de qual rei da Bélgica, Leopoldo I ou II, esteve envolvido na tragédia do Congo, e ao período compreendido entre 1896-1914, no qual o padrão ouro, além dos transportes, mais baratos e rápidos, e das comunicações, praticamente instantâneas, possibilitaram a expansão do comércio mundial. Na primeira percepção, o correto seria ter especificado o rei Leopoldo II, como adotado ao longo deste trabalho. Na segunda, o período – 1896- 1914 – foi intitulado pelo autor como “Era de Ouro” (ou, no original, em inglês, Golden Age). Período que poderia ter sido chamado de “Era do Ouro” (Age of Gold), visto que aquele título leva a uma interpretação do período como o melhor do capitalismo global. Quando, na verdade, o apogeu do capitalismo global ocorreu no após Segunda Guerra Mundial.

Como simples comparação, o historiador Eric Hobsbawm, em “Era dos Extremos”, intintula perfeitamente o período do pós-guerra como “Os anos dourados” (The Golden Years). Termo, aliás, bem diferente do usado em Capitalismo Global, “Juntos novamente, 1939-1973”.

Afinal, em um livro onde o Brasil figura como a estrela-d’alva da América Latina, indentifica-se um verdadeiro mosaico de bonanças, principalmente países da região Norte, e dificuldades (de tantos outros), mais especificamente, países da região Sul.

Todavia, a obra está muito bem divida em quatro partes, com periodização bem delimitada, e com capítulos bem elaborados. Ela, diferente dos trabalhos de Eric Hobsbawm ou de Paul Johnson (Tempos Modernos), tem uma leitura não maçante, é muito bem fundamentada, com estatísticas de boa qualidade, além de “fugir” da história convencional, tratando de países que são totalmente marginalizados por outros autores.

Destarte, é sabido a grande e complexa tarefa de (re)construir um longo período como o do século XX e tão intrínseco como é o ponto de vista do autor. Ademais, o professor Jeffry A. Frieden o faz num estilo único, além de muito bem estruturado, com leitura leve e simpática e honesto intelectualmente. Outrossim, a obra poderia ser recomendada para leitores de outras áreas, que não sejam necessariamente os de Economia ou de Relações Internacionais.

Nota

1. Orientado pelo docente de História Econômica Contemporânea da FCL/Unesp/Araraquara (1o. sem. 2010), Henrique Pavan Beiro de Souza.


Resenhista

Marcelo Fernando Mazzero – Bacharelando em Ciências Econômicas – FCL/Unesp/Araraquara. Especialista em Gestão e Negócios – FGN/UNIMEP/Piracicaba. Tecnólogo em Processamento de Dados – FATEC/Americana.


Referências desta Resenha

FRIEDEN, Jeffry A. Capitalismo Global: história econômica e política do século XX. Trad. Vivian Mannheimer. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008.1. Resenha de: MAZZERO, Marcelo Fernando. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 08, n. 25, p. 169-174, junho, 2011. Acessar publicação original [DR]

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