Cartografias da história da historiografia brasileira / Revista de Teoria da História / 2014

O aumento significativo no estudo da historia da historiografia no Brasil constitui uma clara evidencia da importância cada vez maior da historicização do conhecimento histórico por historiadores de diversas matizes. Com o dossiê “Cartografias da história da historiografia brasileira” buscamos ao mesmo tempo reforçar a eminência dos estudos em historia da historiografia para o “oficio do historiador”, como também divulgar a produção recente do campo, buscando criar uma mapeamento da historiografia produzida no país por meio de diversos objetos de pesquisa e perspectivas.

A construção de um panorama da história da historiografia é fundamental pois, ao delinear as linhas de forças contemporâneas visualizamos não indivíduos produzindo seu conhecimento de forma isolada, mas, uma comunidade em movimento. Este movimento do “eu / tu” para o “nós” não é só um elemento necessário para analise da história enquanto processo, mas, também para compreende-la enquanto conhecimento.

Ao mapearmos obras, autores, percepções e teorias buscamos, portanto, um maior autoconhecimento disciplinar por meio do processo de contínua objetivação do sujeito objetivante. Esta vigilância epistemológica, própria da historia da historiografia, nos incita a olhar as metodologias, conceitos e teorias sempre com muito cuidado, as historiando continuadamente. Desta forma, o crescimento de instituições, programas de pós-graduação, intelectuais e obras preocupadas com a “analítica da historicidade” deve ser visto como parte de um processo maior, da profissionalização do campo historiográfico no país.

As diversas produções do dossiê revelam por meio de suas respectivas análises, as distintas direções em que o mapa historiográfico foi e vem sendo construído. Os três primeiros artigos tratam da historiografia brasileira no século XIX.

Luciana Fernandes Boeira no artigo Dois mundos em revista: visões e influências da historiografia francesa para a escrita da história do Brasil oitocentista tem por objetivo explorar as conexões estabelecidas entre as historiografias francesa e brasileira no século XIX a partir das relações constituídas entre três periódicos literários: a Revue des Deux Mondes, surgida na França, em 1829, a Revista do IHGB, criada no Rio de Janeiro, em 1839 e, finalmente, o Journal L’Investigateur, publicação do Institut Historique de Paris (IHP).

Em relação ao segundo interprete da historiografia brasileira do século XIX, João Carlos Escosteguy Filho, em Gramsci, Rüsen e a busca por uma “historiografia integral” do Oitocentos brasileiro, busca perscrutar as formas recentes da pesquisa historiográfica em torno do oitocentos, evidenciando as influências de autores como Koselleck, Hartog e Pocock para o estudo da historiografia. Evidencia também os limites da incorporação destes na historiografia brasileira, propondo a realização de uma historiografia integral do oitocentos por meio do conceito de consciência histórica, trabalhado em Rusen e Gramsci, para assim superar esses limites; enquanto Augusto Henrique Assis Resende em As narrações relativas à conjuração mineira anteriores às décadas de 1870-80 busca mapear a historiografia do fim do século XIX sobre a conjuração mineira.

Já em uma conjuntura mais a frente, no século XX, Fernando Nicolazzi e Tatiana Mol Gonçalves em Inventando a historiografia mineira: o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais em sua primeira fase, 1907-1927, examinam a fundação do IHGMG (Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais) e seus primeiros projetos de construção de uma escrita da história mineira, permeada por tensões de caráter político e historiográfico.

Em As transformações na historiografia da escravidão entre os anos 1970 e 1980: uma reflexão teórica sobre possibilidades de abordagem do tema, de Roberto Manoel Andreoni Adolfo, há uma comparação entre a historiografia anterior e pós 80 sobre a escravidão, buscando pontos em comum e divergências, dando ênfase nos aspectos teóricos de cada momento.

Fechando o dossiê, Alan Ricardo Duarte Pereira e a Cristina de Cássia Pereira Moraes, em Teoria da História do Brasil: a produção historiográfica do brasilianista Thomas Elliot Skidmore, realizam uma análise da produção historiográfica denominada brasilianista, abordando especificamente os pressupostos que subjazem as interpretações da História do Brasil segundo Thomas Elliot Skidmore objetivando, por fim, entender como o Brasil foi representado nos Estados Unidos mediante a leitura desse autor.

Além do dossiê, publicamos também um número considerável de artigos com temas variados. Victor Hugo Baptista Neves em Positivismo e historicismo: dilemas da objetividade e subjetividade na escrita oitocentista, apresenta ao leitor uma história da ciência histórica, pautando-se principalmente nos projetos científicos positivista, historicista, marxista, e Annales, tentando demonstrar qual a influência dessas “escolas” na historiografia brasileira, tendo como eixo de discussão principal o historiador Francisco Adolfo de Varnhagen, no qual sua escrita da história pautava-se no dilema da objetividade histórica, se aproximando da metodologia de escrita positivista.

Rodrigo Bianchini Cracco, em O referencial teórico mobilizado por Christian Delacroix, François Hartog, François Dosse e Patrick Garcia para a história da historiografia, tece um balanço historiográfico recente (1999- 2010) por meio da produção de três autores franceses Christian Delacroix, François Hartog, François Dosse e Patrick Garcia.

Já no artigo de André da Silva Ramos em Robert Southey viajante: Da (im)possibilidade de se aprender com a história de Portugal, o autor André Ramos vai analisar como o letrado britânico Robert Southey narrou a experiência da história de Portugal em sua primeira obra em prosa Letters Written During a Short Residence in Spain and Portugal, publicada em 1797. Em A história da loucura e a noção de experiência em Michel Foucault, Igor Guedes Ramos, faz uma genealogia da noção de “experiência” em Michel Foucault, a partir de sua tese defendida em 1961 denominada, História da loucura na idade clássica.

Robson Rodrigues Gomes Filho, em Carisma e dominação carismática: perspectivas teórico-metodológicas do conceito weberiano de carisma e sua efetivação histórica nos estudos da religião, perscruta os limites e possibilidades do conceito de carisma para a disciplina histórica. Por fim, nos últimos dois artigos há em ambos uma análise da historiografia inglesa. No primeiro, Hober Alves Lopes em Mind Reveiw e seus desdobramentos na história John Murray Archibald Macdonald e as reflexões sobre a “Ciência da História” (1885), há uma análise do artigo The Science of History publicado na Mind Review em 1885, buscando compreendê-lo como parte de um projeto maior vincado ao idealismo inglês.

No segundo artigo, Rodrigo Oliveira Marquez em Carl Hempel e David Hume: A Fundamentação Epistemológica do “Covering Law Model” na Historiografia, o autor busca estabelecer um paralelo entre a teoria científica, dentro da Teoria da História, de Carl Hempel com a teoria do conhecimento de David Hume. Tal proposta é feita entre a explicativa de Hempel de “condicionalidade, universalidade e generalidade” e os três fundamentos mentais de Hume “experiência, o hábito e a crença”.

Na seção de entrevistas, realizamos uma conversa (via e-mail) com o professor doutor Valdei Lopes Araújo com foco sobre a questão da história da historiografia em suas diversas dimensões. Além de discutirmos sobre outros temas fundantes da obra do professor especialista em Teoria da História, Heidegger e na história da historiografia do Brasil.

Por fim, agradecemos vivamente as diversas contribuições de autores, pareceristas e colaboradores que fazem essa revista crescer cada vez mais.

Marcello Felisberto Morais de Assunção – Doutorando (UFG)

Hober Alves Lopes (UFG) – Mestrando

Integrantes do comitê executivo da Revista de Teoria da História


ASSUNÇÃO, Marcello Felisberto Morais de; LOPES, Hober Alves. Apresentação. Revista de Teoria da História, Goiânia, v.11, n.1, maio, 2014. Acessar publicação original [DR]

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