Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica | Ha-Joon Chang

Nesta sua segunda obra, Ha-Joon Chang, atual Diretor Assistente do Departamento de Estudo do Desenvolvimento na Faculdade de Economia da Universidade de Cambridge na Inglaterra, utiliza-se da análise histórica aplicada à Economia para responder à questão se as políticas e instituições atualmente recomendadas aos países em desenvolvimento, foram adotadas pelas nações hoje desenvolvidas durante seus processos desenvolvimentistas.

Chang propõe-se desfazer o mito tão difundido atualmente, da importância do livre-comércio nos processos de desenvolvimento. Para tanto, analisa dados das principais nações desenvolvidas, como Grã-Bretanha, EUA, Alemanha, França, Bélgica, Japão, Coréia, entre outras, apresentando as políticas protecionistas e intervencionistas tomadas e montando um quadro bem diferente do que essas mesmas nações recomendam aos países hoje em desenvolvimento, sendo essa a base para a expressão utilizada no título do livro: “Chutando a escada”, que remete à idéia de que após galgarem os degraus do desenvolvimento, as nações esconderiam o caminho tomado como forma de se manterem protegidas no topo.

Também apresenta um estudo das principais instituições apregoadas pelo Banco Mundial como sendo essenciais para o processo de desenvolvimento. Ao examinar a Democracia, o poder Judiciário, a burocracia, as instituições financeiras, a previdência e a governança corporativa, sob uma perspectiva histórica, apesar de dificuldades metodológicas para uma mensuração eficiente, tenta mostrar que os fatos observados historicamente comprovam a disparidade entre o que ocorreu e o que se defende como sendo recomendado.

Na última parte do livro, o autor elabora uma síntese de suas conclusões sobre as políticas industriais, comerciais e tecnológicas, e sobre as instituições que hoje são consideradas como essenciais para o desenvolvimento, defendendo que essas mesmas políticas e instituições foram o resultado e não a causa do desenvolvimento e, portanto, não são “o mapa” para chegar a tal resultado.

No entanto, ao se defender das possíveis críticas a seus argumentos, o autor alega que a atual apologia ao laissez-faire ocorre em função dos interesses dos países centrais e dos investidores internacionais mas, num tom conciliatório e, até um pouco ingênuo, imputa tais atitudes à falta de informação, que somente seria corrigida através de uma ampla divulgação dos fatos históricos, de modo a permitir a elaboração de políticas de desenvolvimento mais coerentes pelo FMI e o Banco Mundial, e permitindo que cada país crie seu próprio caminho em direção ao desenvolvimento de forma coerente com suas peculiaridades e especificidades.

Ao recorrer à análise histórica, Chang, porm esquece que o caminho percorrido pelas nações atualmente desenvolvidas não pode ser tomado como sendo o mais correto, tendo sido o resultado de tentativas, erros e acertos que foram sendo construídos ao longo do processo, e que ainda está em andamento, na medida em que como processo não possui uma delimitação entre seus diversos estágios, ou mesmo um ponto final.

O “mapa para o desenvolvimento”, indicado pelo FMI e Banco Mundial, pode ser interpretado pelos críticos, como sendo a síntese das tentativas que obtiveram sucesso, e portanto, a hipótese apresentada pelo autor de que os países desenvolvidos estivessem “chutando a escada”, poderia ser refutada.

Não podemos, porém, ignorar o grande número de evidências apresentadas, da detalhada comparação entre as diversas nações ricas que nos levam a concordar com Chang sobre o atual processo de liberalização imposto pelos países desenvolvidos aos demais, tratar-se, na verdade, de mais uma etapa em seu caminho rumo a uma posição ainda mais benéfica.

Ao constatar, por exemplo, a ampla intervenção do Estado no processo de desenvolvimento das nações ricas, e de que forma essa intervenção foi essencial para que houvesse a consolidação de liderança desses países, mostra claramente que a atual defesa às políticas não-intervencionistas e de privatizações constitui-se num paradoxo que só pode ser explicado pelos interesses dessas mesmas nações em manter-se na liderança às custas das nações periféricas.

Na medida em que os países centrais defendem e tentam impor sua doutrina, estão apenas perpetuando a prática perversa de garantir mercados para seus produtos, enquanto mantêm os países periféricos como fornecedores de produtos primários, mão-de-obra barata, e, mesmo para aqueles países em desenvolvimento que atingiram estágios de industrialização, as dificuldades e o pesado ônus criado por tantas instituições, leva a desvantagens que os impedem de competir de igual para igual no mercado globalizado.

Apesar da abundância de dados e o extenso detalhamento feito, o livro não apresenta o mesmo nível de profundidade nas soluções apresentadas gerando um anticlímax ao tentar conciliar interesses tão conflitantes como os do bloco de países centrais e dos periféricos. Ainda assim, ao reiterar a importância da adoção de políticas de proteção ao desenvolvimento industrial e questionar as diretivas dadas pelo FMI e Banco Mundial aos países em desenvolvimento, levanta o debate sobre um tema que tem sido tratado por muitos como questão fechada.

“Chutando a escada”, apesar de não ser uma obra muito longa, repleta de dados e fatos históricos interessantes que nos fazem pensar as diretrizes para o desenvolvimento sob uma perspectiva diversa da convencional, levando-nos a examinar pressupostos que são hoje aceitos como verdadeiros dogmas, e a questionar os reais interesses por trás das doutrinas defendidas pelas nações desenvolvidas.


Resenhista

Maria de Fátima Previdelli – 3º ano de Economia. Faculdades Integradas Campos Salles.


Referências desta Resenha

CHANG, H.J. Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: Editora UNESP, 2004. Resenha de: PREVIDELLI, Maria de Fátima. Revista de Economia política e História Econômica. São Paulo, ano 03, n. 06, p.145-147, dezembro, 2006. Acessar publicação original [DR]

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