Conflit et coopération dans les relations économiques internationales. Le cas de l’Uruguay Round | Alice Landau

Quando a Rodada Uruguai foi lançada em setembro de 1986, muitos não viam muito claro como algo tão ambicioso pudesse algum dia cumprir com seus objetivos. Bastava uma rápida leitura da Declaração de Punta del Este para que céticos e pessimistas se justificassem: um mandato de quatro anos, uma série de novos temas na pauta de negociação, referências às necessidades dos países em desenvolvimento, duas partes ou tracks de negociação – uma formalmente fora, outra dentro do contexto do GATT, referências a possíveis disciplinas setoriais, e assim por diante. Depois de sete anos de negociação, para surpresa e alívio de todos, a oitava e maior rodada do GATT chegava ao seu final e brindava o mundo do comércio internacional com uma nova instituição: a Organização Mundial do Comércio. Em sua obra, Alice Landau resume e retrata o que foi a Rodada Uruguai; para fazê-lo, não se limita ao pathos da negociação, porém busca no mundo real os fatores que a tornaram um dos maiores esforços conjuntos das nações desde a elaboração da Carta das Nações Unidas em 1945.

É grande a tentação de falar da Rodada Uruguai como se ela fosse fruto apenas de suas próprias prioridades ou por si só existisse. Contrariamente a outros autores, Landau não se limitou a relatar os detalhes das posições negociadoras de tal ou tal país, nem tampouco de perder a si e a seus leitores nas minúcias da diplomacie redactionelle que resultou nos diversos acordos da OMC. Em lugar disso, a autora logra fundamentar a premissa de que a Rodada se inseriu num contexto muito complexo de eventos, estratégias, mobilizações e relações de poder. Logra também, ao distanciar-se das prioridades específicas das negociações per se, fazer justiça à Rodada Uruguai e à criação da OMC como fatores à la fois assimiladores e criadores de novas realidades econômicas e estratégicas.

A primeira parte do livro é dedicada à configuração do sistema internacional atual. É aqui que a autora reconhece um número importante de realidades. Reconhece, por exemplo, que ao mesmo tempo em que o mundo desenvolvido eliminava entraves tarifários, ele se tornava cada vez mais sofisticado na criação de outras barreiras comerciais. Reconhece que ao mesmo tempo em que os países mais pobres se mobilizavam para combater en masse os interesses dos países mais ricos, suas economias se transformavam e evoluíam de forma diferenciada. Aponta, com muita pertinência, que a mudança de orientação caracterizada pelo abandono da substituição de importações em favor da promoção de exportações começou primeiro na Ásia, já ao final dos anos sessenta, e desde então os países da região obtiveram taxas de crescimento três vezes mais altas do que as dos países latino-americanos e cinco vezes mais altas do que as dos países africanos. Landau reconhece que a diferenciação de políticas econômicas e comerciais no mundo em desenvolvimento foi a causa principal do esvaecimento – ou pelo menos da transformação – da cooperação e mobilização Sul-Sul ancorada na UNCTAD e do crescente apoio ao multilateralismo do sistema GATT como melhor instrumento de defesa de seus interesses comerciais.

A transformação da paisagem em desenvolvimento e o apoio a regras multilaterais de comércio ocorreram em boa hora. Landau demonstra que além de atraídos pela previsibilidade decorrente de disciplinas iguais para todos, os países em desenvolvimento viram na ambição da Rodada Uruguai a possibilidade de estancar o recurso pelos grandes e poderosos parceiros comerciais desenvolvidos a pressões bilaterais e, sobretudo, a medidas unilaterais de retaliação. Landau elucida ao revelar que, entre 1975 e 1989, setenta e nove ações foram empreendidas sob a tutela da Lei de Comércio norte-americana 301 – cinco dessas apenas no caso do Brasil. Além de servir para forçar países a tomar medidas imediatas de liberalização, tais ações serviram também para convencer parceiros comerciais a fazer concessões nas próprias negociações do GATT.

A segunda parte do livro dedica-se então à Rodada Uruguai propriamente dita. O relato das fases de “pré-negociação” e de “negociação” é bastante completo nos aspectos a que ele se refere. Se existe algum pecado no livro, ele decorre da ênfase que Landau dá a apenas três temas da negociação. Sem dúvida os temas “novos” de serviços e propriedade intelectual, assim como o tema “tradicional” de agricultura, foram centrais na negociação e de grande valor ilustrativo das vicissitudes, modalidades e dinamismo da Rodada. Não foram os únicos, porém, e a análise perde em conteúdo ao não se dedicar um pouco mais aos importantes avanços que representaram a negociação pela primeira vez de disposições relacionadas a investimentos (TRIMS), a reincorporação do tema têxteis e vestuário às regras do GATT, a elaboração de novas ou melhoradas regras em vários temas, tais como antidumping ou salvaguardas e a reforma do regime de solução de controvérsias.

Fiel ao objetivo de manter a Rodada Uruguai em perspectiva, Landau propõe dois capítulos “contextuais”. O capítulo IV oferece uma análise muito criteriosa sobre a importância de alianças e coalizões e o que Miles Kahler chama de minilateralização das negociações: negociações conduzidas por uma série de pequenos grupos ou subgrupos de países. A particularidade da Rodada Uruguai esteve nos agrupamentos em torno de interesses comuns que extrapolavam as tradicionais divisões Norte/Sul – o exemplo mais notório: o Grupo de Cairns nas negociações agrícolas. No Capitulo V, a autora trata da importante interface que se estabelece, uma vez mais como nunca antes, entre a política interna e externa dos países participantes. Ao abordar a participação de grupos diversos no processo negociador, Landau revela grande poder de percepção; avança, por exemplo, o conceito de “comunidades epistêmicas”, ou seja, grupos de peritos sobre certos temas (e da própria negociação sobre tais temas) que durante a Rodada tiveram uma influência considerável nas negocia-ções, influência esta diretamente proporcional à circunstancial ignorância coletiva dos negociadores.

Ao concluir, Alice Landau propõe quatro cenários possíveis para o futuro do sistema internacional – essencialmente: (1) nada de novo, “business as usual”; (2) o regionalismo impera; (3) o comércio “controlado” (managed trade) impera; (4) a OMC será bem sucedida, se adaptando cada vez mais às necessidades da economia internacional. A autora assim delineia os parâmetros do possível e reconhece que nada está definido e que tudo dependerá do desejo das nações de promover um cenário em detrimento de outro. Em outras palavras, o futuro do sistema multilateral do comércio dependerá de quando a OMC logrará pôr em cheque o unilateralismo e a discriminação ao propor para grandes e pequenos protagonistas do drama do comércio internacional uma alternativa que caracterize um real equilíbrio entre direitos e obrigações de uns perante os outros.

O livro de Alice Landau é sem dúvida uma referência obrigatória tanto para curiosos quanto para estudiosos e praticantes do comércio internacional e do novo sistema GATT/OMC. Num mundo temático em que tradicionalmente predomina a academia anglo-saxã, esta obra francophone instiga o leitor a querer saber mais. Contribui assim para a divulgação de um tema que, apesar de opaco para muitos, afeta cada vez mais cada aspecto da vida de todos nós e portanto não pode permanecer distante de nossas considerações.


Resenhista

Mario Marconini


Referências desta Resenha

LANDAU, Alice. Conflit et coopération dans les relations économiques internationales. Le cas de l’Uruguay Round. Bruxelas: Bruylant. Paris: L.G.D.J, 1996. Resenha de: MARCONINI, Mario. Revista Brasileira de Política Internacional, v.40, n.1, 1997. Acessar publicação original [DR]

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