Conflitos urbanos na Antiguidade Tardia | Signum – Revista da ABREM | 2018

Os séculos compreendidos entre o final do Mundo Antigo e o início da Idade Média que, há alguns anos, costumamos denominar Antiguidade Tardia (em alemão, Spatäntike), foram amiúde descritos pelos especialistas como uma época marcada por um conjunto de inovações que contraria frontalmente a antiga tese da “decadência”, “ruína” ou “declínio” do Império Romano. Nesse sentido, durante muito tempo vigorou o paradigma segundo o qual a Antiguidade Tardia deveria ser interpretada, antes e acima de tudo, como um momento de renovação estrutural das sociedades mediterrâneas, em face da expansão do cristianismo e dos influxos da cultura germânica, acrescidos, mais tarde, da contribuição islâmica, o que levava os pesquisadores a acentuar o caráter criativo e dinâmico do período. Não obstante a validade desse enfoque, é importante não perder de vista que a desagregação do Império Romano do Ocidente e a formação concomitante dos reinos “bárbaros” foram processos que comportaram, em larga medida, o emprego da violência sob as suas mais diferentes formas, como se pode constatar mediante os inúmeros conflitos que irrompem entre os séculos III e VII. Tendo em vista a necessidade de compreender a Antiguidade Tardia à luz dos seus impasses, dilemas e contradições sociais, pretendemos, por intermédio dossiê Conflitos urbanos na Antiguidade Tardia, investigar a manifestação dos conflitos sociais num contexto de ampla redefinição dos parâmetros de organização sociopolítica que vigoravam no Império Romano.

Os artigos reunidos neste dossiê têm o mérito de apresentar algumas formas de expressão dos conflitos tardo-antigos de acordo com uma ótica que privilegia os aspectos de natureza político-religiosa, uma vez que, ao contrário do que se supunha no passado, a ascensão de Constantino e o Concílio de Niceia não foram marcos de instauração dos Christiana Tempora, ou seja, não foram acontecimentos que deram ensejo ao “triunfo” do cristianismo, mas antes liberaram as diversas facções da Igreja para que cada uma delas, ao seu modo, buscasse impor às demais sua própria interpretação acerca dos ensinamentos contidos nos evangelhos, razão pela qual a Antiguidade Tardia se notabiliza como um período pródigo em disputas intra Ecclesiam, ao mesmo tempo que nos revela todo o esforço das autoridades eclesiásticas para submeter os pagãos e judeus, grupos étnico-religiosos que, do exterior, ameaçavam a hegemonia cristã que se buscava implementar. Os artigos aqui recolhidos reunidos têm, logo de início, o mérito de assinalar o quanto as relações da Igreja com os adeptos de outras crenças – em especial, os judeus – assumiram, em muitas ocasiões, um teor altamente beligerante. Além disso, os textos demonstram também, com singular clareza, que boa parte dos conflitos próprios da Antiguidade Tardia, tanto no Oriente quanto no Ocidente, teve como palco a cidade, o que nos convida a reconsiderar o papel dos centros urbanos na época tardia. De fato, hoje não é mais possível, como outrora, supor que a partir do século III o Império Romano tenha experimentado uma ruralização aguda e irreversível, agudo, como se as cidades de um momento para o outro tivessem perdido a sua importância. Antes, os artigos que compõem o dossiê sugerem que a cidade pós-clássica, mesmo no Ocidente, se mantém como um locus privilegiado de reprodução da vida social, colocando lado a lado diversos atores que buscavam, na medida do possível, afirmar-se num contexto eminentemente urbano.


Organizador

Gilvan Ventura


Referências desta apresentação

VENTURA, Gilvan. Apresentação. Signum- Revista da ABREM, v. 19, n. 2, p.3-4, 2018. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.