Corpos femininos livres, escravizados ou submissos de diversos tempos e espaços/ Revista Brasileira de História & Ciências Sociais/2022

Ao longo da história, o corpo da mulher vem sendo alvo de inúmeros discursos e tratamentos dados pelas instituições religiosas, sanitárias e jurídico-políticas e pelas sociedades nas quais ela se insere, sendo que sobre ele incidiu/incide o olhar masculino e, também, o feminino. Livre ou escravizado, o corpo feminino sofreu/sofre políticas de alinhamento ao modelo civilizacional e à moral religiosa hegemônicos direcionados à contenção das sensações, dos desejos e das maneiras tradicionais de colocar-se no mundo físico e espiritual. Por outro lado, muitas mulheres têm seus corpos marcados por processos étnicos de construção de seus corpos a partir de práticas culturais específicas, que, na maioria das vezes, implicam em submissão revestida de violência e invisibilidade. A resposta feminina a esses processos sociais tem sido múltipla e multifacetada, indo da acomodação à resistência, expressas nas mais variadas formas. O presente dossiê reúne estudos que, contemplando diversas espacialidades e temporalidades, versam sobre a construção social do corpo/corporeidade das mulheres, não descuidando da resposta dada por elas a esse fenômeno.

Se, no início da década de 1970, Michele Perrot, tida como a grande mestra da História das Mulheres, questionou-se sobre se as mulheres tinham uma história, no final da década seguinte, ela reiteraria que as mulheres não eram passivas e nem submissas, e que tinham, sim, uma outra história e um caminho que era preciso reencontrar. Também no final da década de oitenta, a historiadora francesa, acenando para uma incursão na História da Vida Privada e do Cotidiano, organizou o volume 4 da Histoire de la vie privée, uma coletânea dirigida por Philippe Ariès e Georges Duby e que foi publicada na França, pela editora Seuil. E, entre 1991 e 1992, organizou, juntamente com Georges Duby, os cinco volumes de L´Histoire des femmes en Occident de l´Antiquité à nos jours, que, no Brasil, em uma coedição da Editora Ebradil, de São Paulo, e as Edições Afrontamento, da cidade de Porto (Portugal), foram publicados sob o título abreviado de História das Mulheres no Ocidente, entre os anos de 1993 e 1995.

Neste mesmo período, em 1991, Peter Burke publicava, na Inglaterra, New Perspectives on Historical Writing, que, um ano depois, seria divulgado no Brasil, pela editora da UNESP. Nesta obra, encontramos um capítulo escrito pela historiadora Joan Scott, no qual ela nos fala sobre a História das Mulheres, destacando que “a história deste campo, não requer somente uma narrativa linear, mas um relato mais complexo, que leve em conta, ao mesmo tempo, a posição variável das mulheres na história, o movimento feminista e a disciplina da história” (1992, p. 65). Scott questionava, sobretudo, “a prioridade relativa dada à „história do homem‟, em oposição à „história da mulher‟, expondo a hierarquia implícita em muitos relatos históricos” e os processos que tornaram as ações dos homens “uma ação representativa da história humana em geral”, enquanto que as “ações das mulheres foram subestimadas, subordinadas ou consignadas a uma arena particularizada, menos importante” (1992, p. 78).

Alguns anos depois, em 1995, Natalie Zemon Davis lançou, pela Harvard University Press, o livro Women on the margins, que, em 1997, seria publicado no Brasil pela Companhia das Letras, com o título Nas margens: três mulheres do século XVII. Nesta obra, as mulheres, cujas vidas Davis reconstitui não são vistas como vítimas passivas de uma sociedade dominada por valores masculinos, e as cartas e livros que escreveram contribuem para o desvendamento de um cotidiano marcado por conflitos e negociações e também por evidências de protagonismo.

Assim como as três mulheres que foram alvo do estudo de Natalie Davis na década final do século XX, muitas outras, situadas nas mais diferentes margens tão bem exploradas pela historiadora, e que viveram também intensamente um cotidiano compartilhado e baseado em redes de solidariedade e de sociabilidade comunitária, têm tido suas histórias de vida contadas a partir de seus escritos e da discussão das narrativas e imagens construídas sobre elas por homens, quer tenham sido eles seus maridos, seus padres confessores ou, então, políticos, médicos, jornalistas ou literatos.

Em 2010, o livro Pode o subalterno falar?, originalmente publicado em 1985 pela feminista indiana Gayatri Chakravorty Spivak foi publicado no Brasil. Nele, Spivak procura responder a pergunta que dá título à obra, refletindo tanto sobre as condições que historicamente (im)possibilitavam as mulheres de levantar socialmente suas vozes contra o patriarcado, quanto sobre o caráter representacional dos estudos de gênero. A autora alertava para o fato de que alguns/algumas intelectuais que se dedicavam a tais estudos tendiam a “falar pelas mulheres” e, ao fazê-lo, estavam representando muito mais a si mesmos/as do que a realidade sobre a qual se debruçavam.

O livro de Spivak traz importantes aportes para a reflexão em torno das condições necessárias para que as mulheres pudessem ser contempladas em sua multiplicidade e historicidade, sobre o que seria necessário para que pudessem se representar, sem que houvesse a necessidade de serem representadas e para que se reconheçam nos discursos elaborados sobre elas. Na mesma medida, a autora provoca o debate acerca da consciência que se espera que as mulheres tenham sobre sua condição material de vida, sobre os processos de subjugação/silenciamento impingidos pelo patriarcado e sobre as alternativas para libertarem-se de tal situação. Leva-nos, igualmente, a pensar sobre o agenciamento que elas exercem, tanto nas pequenas ações/reações individuais que se dão nas brechas do sistema hegemônico, quanto na apropriação e ação coletiva da práxis libertadora preconizada pelos diversos feminismos existentes, de forma que “os oprimidos, se tiverem a oportunidade […] e por meio da solidariedade através de uma política de alianças […], podem falar e conhecer suas condições” (SPIVAK, 2010, p. 54). Ao final da década de oitenta do século XX, a autora já ressaltava que havia ainda um longo caminho a ser percorrido para que as mulheres pudessem efetivamente levantar suas vozes, e alertava para constatação de que “Não há valor algum atribuído à „mulher‟ como um item respeitoso nas listas de prioridades globais” (SPIVAK, 2010, p. 126). Para a feminista indiana, era preciso amplificar as vozes das mulheres (2010, p. 61) por meio de vários instrumentos, proposição que efetivamente se materializou numa série de livros, capítulos, artigos, teses e dissertações publicados desde o final do século XX, que as resgataram de seu silenciamento.

Vale lembrar que foi ao longo dos anos 80 do século XX que o campo dos estudos de gênero se constituiu, sendo que autoras como Angela Davis (1981, 1989), Lélia Gonzales (1982, 1984) e Sueli Carneiro (1985), que produziram trabalhos seminais nesta década, alertaram para o fato de que não bastava politizar as desigualdades entre os sexos apenas pelas questões de gênero, sem que fosse dirigido um olhar para cada grupo de mulheres em particular. No início da década seguinte, Joan Scott já havia advertido que não se tratava de negar as diferenças sexuais e corporais, mas de compreendê-las não como naturais e determinadas, mas como relações sociais e de poder, que produziam hierarquias e dominação. Lembrou, ainda, que era essencial compreender a relação que se construía entre as próprias mulheres, levando em conta as diferenças sociais que se estabeleciam, principalmente, por questões étnicas. Em trabalhos mais recentes, Conceição Evaristo (2016) e Patrícia Hill Collins (2016) retomaram o debate em torno dos meios de controle e repressão das mulheres em uma sociedade hierarquizada, na qual o poder se encontra nas mãos da figura masculina, e enfatizaram a necessidade de refletir sobre a relação entre gênero, identidade e violência.

Os estudos de gênero possuem, como se pode constatar, um caráter flagrantemente político. Ao se direcionarem às mulheres e aos seus corpos, tais estudos fazem parte de um processo mais amplo que visa a desessencialização daquilo que a estrutura patriarcal de longa duração definiu como “ser mulher”. E é considerando este processo que nos parece importante evocar a formulação analítica da realidade sócio-histórica proposta por Fernand Braudel (2007) que identifica, na história da humanidade, fenômenos de curta, média e longa duração.

As origens das representações hegemônicas vigentes sobre a mulher no Ocidente podem ser encontradas em uma temporalidade mais recuada, fundada na ética judaico-cristã, algo que já foi fartamente explorado por historiadores como Delumeau (2002), Duby e Perrot (1989; 1990) e Lerner (1990). Tal ética apresenta nuances bastante peculiares se levarmos em consideração as mudanças políticas, sociais, econômicas e civilizacionais que tanto a Europa quanto a África e as Américas vivenciaram ao longo dos séculos. Nesse sentido, o contato, visando à colonização estabelecido pelos europeus a partir do século XV, com sociedades e culturas de outros continentes criou dois fenômenos. O primeiro deles foi a construção social de gênero dos povos conquistados, que promoveu a reafirmação da ética hegemônica, e o segundo, a conformação de outras perspectivas de gênero que passaram a questionar, através de práticas moralmente heterodoxas, as verdades tidas até então como absolutas sobre as mulheres.

Levando-se em consideração os fenômenos de média duração, é preciso destacar as lutas empreendidas pelas mulheres, inseridas nas distintas fases do feminismo, que resultaram no que se convencionou chamar de “ondas”. A metáfora de ondas foi utilizada pela primeira vez pela feminista Martha Weinman Lear, em 1968, para se referir à luta das mulheres no final do século XIX e início do século XX. Embora não haja consenso a respeito de quantas ondas feministas existiram a nível global (se três ou quatro), pode-se dizer que a primeira delas aconteceu entre a segunda metade do século XIX até o início da I Guerra Mundial. Dela fizeram parte as mulheres obrigadas a lidar com a devastação e com os problemas causados pelos contextos da guerra e cuja pauta principal era a busca de isonomia e do sufrágio. Uma segunda onda teria acontecido em meados da década de 1960, alcançando as décadas seguintes. Os ventos de renovação política ensejados pelo que ficou conhecido como a Primavera dos Povos (1968) alcançaram também as mulheres que passaram, nos mais diferentes espaços, a contestar e a enfrentar as desigualdades entre os sexos em todos os campos da vida humana (educação, política, economia, religião, sexualidade…). A partir da década de 1980, surgem, nos Estados Unidos, pautas ligadas ao combate ao sexismo, sendo que, para as feministas norte-americanas, esta seria a terceira onda. Há, entretanto, outros autores que afirmar que a segunda onda se estende de 1940 até o início do século XXI, quando as lutas das mulheres tomam as redes sociais em busca da efetivação dos direitos garantidos por lei e do reforço a pautas históricas, como a luta contra a exploração, a violência física e psicológica, o feminicídio, os privilégios masculinos, a discriminação no mercado de trabalho e no âmbito doméstico. (ZIRBEL, 2021).

Se, inicialmente, foi importante desinvisibilizar a mulher enquanto um sujeito universal, os estudos mais recentes buscam a desinvisibilização de mulheres específicas – negra, indígena, pobre, da classe média, camponesa, urbana, etc. -, pois nem todas se reconhecem nas representações femininas universalizantes, quer no sentido de adequação a uma estrutura de longa duração, quer no sentido de contestação a ela. Essa especificação, contudo, não encontra unanimidade e consenso, sendo que pensadoras como Elsa Dorlin tem se preocupado com o enfraquecimento da luta política das mulheres ao serem fracionadas a partir de suas pertenças:

Minha tese consiste em mostrar como os discursos da dominação colocam à disposição dos grupos oprimidos modelos a-históricos que reificam incessantemente esses grupos, mesmo quando estes modelos são empregados para se afirmar positivamente. Nessas condições, ao querer desessencializar o sujeito do feminismo “as mulheres”, o risco é de renaturalizar uma miríade de sub-categorias (mulheres negras, mulheres que portam o véu, mulheres migrantes…) que se tornam anteriores às lutas (DORLIN, 2016, p. 254).

Independentemente das divergências entre as representantes da última onda feminista, merece ser destacada a relevância das investigações que tem abordado gênero a partir da perspectiva da interseccionalidade e da micro-histórica, na medida em que transitam de um feminismo internacional para um feminismo contextual, sem o comprometimento da relação entre a escala global e a local.

Dos seis artigos que compõem o presente dossiê, quatro deles estabelecem, a partir de eventos históricos de curtíssima duração, a interseccionalidade de gênero com os outros dois marcadores sociais, tratando de mulheres concretas e, sobretudo, de suas lutas, dramas e tramas sociais.

O primeiro artigo intitula-se Esclavizadas y “cosificadas”. Las mujeres angolas en Xalapa, Veracruz, México, siglo XVII, e, nele, Silvia María Maín e Luis J. Abejez, a partir da documentação notarial (contratos de compra e venda, doações, testamentos, obrigações) abordam a situação das mulheres negras – também conhecidas como angolas – que eram comercializadas ou prestavam trabalhos em Xalapa, México, nos séculos XVI e XVII. De acordo com os autores, a cidade de Xalapa foi, ao longo destes dois séculos, um centro de redistribuição escravista regional de pessoas cativas que, oriundas da África, desembarcavam no porto de Veracruz, na Nova Espanha. Maín e Abejez ressaltam que, para corrigir “una anomalía historiográfica tan notable como inaceptable”, é fundamental desvencilharse, de uma vez por todas, da androgenia (que, usualmente, utiliza expressões genéricas, tais como escravos, “cimarrones” e donos de escravos) e considerar que as mulheres cativas receberam tratamentos que foram definidos em função de seu sexo e não de sua origem ou status social. A partir de uma abordagem micro-histórica, os autores se debruçam sobre a história de Magdalena, uma mulher escravizada que viveu em Xalapa, no século XVII. Sua história é o pretexto para Maín e Abejez refletirem sobre a „coisificação‟ das mulheres escravas, que, para além dos trabalhos rotineiros que desempenhavam nas propriedades agrícolas, assumiam também a função de procriadoras de novas “peças de escravos” a serem comercializadas.

Os discursos religiosos e jurídicos que sustentavam o patriarcado dos tempos coloniais asseguravam que os maridos podiam aplicar castigos físicos e fazer reprimendas verbais, com fins corretivos, pedagógicos e disciplinares, em suas esposas, desde que estes não fossem considerados excessivos. E, quando haviam denúncias de maus-tratos infligidos às mulheres, cabia aos tribunais judiciais coloniais decidir se tais castigos eram justos ou excessivos. No artigo intitulado Denuncias de “malos tratos” en perspectiva comparada. Registros judiciales, emocionales y moralidades de género (Buenos Aires y San Juan colonial), a historiadora argentina Lia Quarleri analisa dois casos de denúncias de maus tratos vinculados a duas jurisdições do Vice-Reinado do Rio da Prata, Buenos Aires e San Juan de la Frontera, no final do século XVIII e início do século XIX, com o propósito de identificar e de discutir as estratégias e os tratamentos jurídicos empregados em ambos os casos. O primeiro caso envolve uma mulher de baixa condição econômica, dependente economicamente de seu marido, e o segundo uma mulher que possuía melhores condições econômicas. Em sua análise, Quarleri destaca o acionamento tanto de argumentos emocionais e jurídicos, quanto dos códigos de honra vigentes à época, como também a importância que a heterogeneidade sociocultural, as mudanças demográficas e as medidas de controle emanadas da metrópole exerceram sobre as experiências femininas.

No artigo Imagens de controle, “Maria”, “Eva” e “Salomé”: opressões intersectadas de raça, gênero, sexualidade e classe no discurso sobre as (in)desejáveis de Gustavo Barroso (1916-1920), Elynaldo Dantas, a partir da aplicação do conceito de interseccionalidade e de autores referenciais, analisa a construção da identidade nacional de gênero na obra do intelectual, periodista e político conservador cearense Gustavo Adolfo Luíz Guilherme Dodt da Cunha Barroso. Trabalhando com o conceito de imagens de controle, o autor se dedica a estudar os roteiros sociais manejados por Barroso e que visavam à construção de uma justificativa de controle social sobre as mulheres brasileiras e de seus corpos. As imagens de Maria, Eva e Salomé teriam sido utilizadas por Barroso para referir-se às mulheres imigrantes, às mulheres brancas de classe média e às mulheres negras. As mulheres negras, por sua suposta sensualidade e agressividade, estariam mais próximas da imagem de Salomé, embora pudessem e devessem almejar a imagem de Maria. Para Dantas, Barroso recorreu ao discurso cristão para sua análise da realidade brasileira e, por meio deste recurso, procurou descrever – e justificar – como deveria se dar a participação feminina na sociedade. Sua intenção, com evidente viés eugenista, era a de construir uma nação depurada de vícios e fraquezas, cujas bases se assentariam em uma mulher virtuosa. Para que este propósito fosse alcançado, era necessário que mulheres, como, por exemplo, as que defendiam o voto feminino, fossem controladas.

Em Cartografias de mulheres na prostituição, Luciana Codognoto apresenta os resultados de uma investigação realizada junto a dez mulheres adultas que se prostituem em um município interiorano e de pequena densidade populacional, localizado na região sudeste do Estado de Mato Grosso do Sul. A autora, valendo-se dos referenciais teórico-metodológicos da Psicologia Social, considerou os marcadores sociais de gênero, raça/cor e de classe social presentes nas histórias de vida dessas mulheres e identificou os tratamentos desiguais e hierarquizados que estas mulheres receberam desde a infância. Se as histórias de vida destas mulheres são marcadas pela violência estrutural e de gênero, seus corpos são palco para jogos de poderes e disputas políticas, aspectos que são aprofundados pela autora ao longo do texto. De acordo com Codognoto, as mulheres alvo da pesquisa encontraram na prostituição uma rede de acolhimento às afrontas físicas, morais, psicológicas e sexuais que viviam no seio de suas famílias, infligidas por seus pais e companheiros.

No artigo Feminicídio e humilhação de gênero: violações, degradação e extermínio de corpos femininos, Márcio Ferreira de Souza e Silvana Aparecida Mariano abordam casos de feminicídio que tiveram grande repercussão midiática no Brasil, entre a segunda metade do século XX e a atualidade, e três casos de tentativas de feminicídio ocorridos na comarca de Londrina (Paraná), entre 2015 e 2022. De acordo com os autores, nos casos em questão, que foram acessados no Memorial de Feminicídios de Londrina, prevalecem dispositivos assimétricos de poder, de hierarquização dos corpos e, sobretudo, processos de exclusão social. Prova disso é que, não raras vezes, a morte de mulheres vem acompanhada de atos de violência extrema sobre seus corpos, tais como violação, ferimentos, dilaceração, deformação, amputação, esquartejamento e toda a sorte de crueldade. A estas formas de violência, se soma a humilhação social, isto é a revitimização que se dá através da desmoralização e culpabilização das vítimas promovidas pela sociedade, pela mídia ou pelos tribunais de júri.

O último artigo do dossiê intitula-se A Educação Popular como método feminista de denúncia e (re)construção da realidade de mulheres no campo: um estudo de caso. Nele, Rosângela Angelin e Celso Gabatz apresentam os resultados de uma pesquisa realizada junto a mulheres camponesas das regiões Fronteira Noroeste e Missões do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), que participaram de uma ação desenvolvida pela ONG AREDE, entre os anos de 2014 e 2015. Coube aos membros desta ONG o acompanhamento destas mulheres, qualificando-as e incentivando-as à fabricação e comercialização de produtos farináceos e também de produtos in natura, com manuseio agroecológico, em feiras municipais. Segundo os autores, apesar de as oitenta mulheres participantes do projeto terem aderido ao manuseio agroecológico, houve dificuldades em convencê-las a comercializarem os produtos em virtude da cultura patriarcal ainda muito presente no campo. Enquanto algumas delas continuaram se dedicando, exclusivamente, à produção voltada para suas famílias, outras concordaram com a comercialização de seus produtos, que seria, no entanto, realizada por seus maridos, revelando a manutenção da divisão entre o espaço público, destinado aos homens, e o espaço privado, reservado às mulheres.

Desejam a todas(os), uma boa leitura! E esperamos que os artigos divulgados no presente dossiê contribuam para a necessária reflexão sobre o multifacetado processo de construção dos corpos femininos ao longo dos séculos e sobre a complexidade das relações de gênero na atualidade.

São Leopoldo/Doutorados, janeiro de 2023


Referências

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SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Pode o subalterno falar? Tradução Sandra Regina Goulart Almeida; Marcos Pereira Feitosa; André Pereira Feitosa. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.

ZIRBEL, Ilze. Ondas do Feminismo. Blogs de Ciência da Universidade Estadual de Campinas: Mulheres na Filosofia, v. 7, n. 2, 2021, p. 10-31. In.: https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/ondas-do-feminismo/ . Acesso em 03/01/2023).


Organizadores

Eliane Cristina Deckmann Fleck – Graduada e mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. É pesquisadora do CNPq e integra os Grupos de Pesquisa-CNPq Jesuítas nas Américas, Imagens da Morte: a morte e o morrer no mundo ibero-americano e Tempo, Memória e Pertencimento (IEA-USP). É membro da Rede de Investigadores da Sociedade Internacional de Estudos Jesuíticos e da Rede Brasileira de Estudos em História Moderna. Suas pesquisas enfocam a História Moderna e a História da América colonial, privilegiando temas relacionados à História da Saúde e das Doenças, à História das Ciências e à História das Religiões e Religiosidades. E-mail: [email protected]

Antonio Dari Ramos – Graduado em Filosofia e em História, mestre e doutor em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). É pesquisador do Grupo de estudos e pesquisas sobre camponeses e indígenas na educação do campo (GEPCIEC) e da Cátedra Unesco Gênero, Diversidade Cultural e Fronteiras, da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), MS. É Professor da Faculdade Intercultural Indígena (FAIND/UFGD) e do Programa de Pós-Graduação em Educação e Territorialidade (PPGET). Suas pesquisas enfocam temas relacionados à História e à Etnologia Indígena, História da Escravidão e Educação Escolar Indígena e do Campo. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

FLECK, Eliane Cristina Deckmann; RAMOS, Antonio Dari. Apresentação. Revista Brasileira de História & Ciências Sociais. Rio Grande, v. 14, n. 29, p.5-15, jul./dez. 2022. Acessar publicação original [DR/JF]

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