Da Pedra do Sal Até Coelho da Rocha – Ilé Ase Ópó Àfónjá | Ed Machado

Na metade do século XIX, mais da metade da população brasileira era negra, esses números ainda são uma realidade. Não à toa, muitos estudiosos dizem ser o Brasil, um país com instituições europeias de cultura africana. Não precisavam os estudiosos afirmarem, ao olharmos paras ruas do Brasil, vemos África em todos os cantos, na música, na culinária, na dança, na língua e principalmente, na cor da pele do nosso povo. Com a religiosidade, não seria diferente.

Através da história oral, de documentos e cartas trocadas por mãe Aninha e sua filha, mãe Agripina, Ed Machado remonta toda a trajetória da criação de um dos primeiros terreiros de candomblé do Brasil.

O livro traça a trajetória de Mãe Aninha, desde sua iniciação na Bahia, com Iá Marcelina, Oba Tossi, filha de orixá de Francisca da Silva, Iá Nasso, uma das fundadoras do primeiro terreiro de candomblé que se tem registro no Brasil, o candomblé da Barroquinha de 1830, que posteriormente muda de local e passa a se chamar Casa Branca do Engenho Velho.

Além de contar a história e a trajetória de Mãe Aninha e a fundação do primeiro Ilê Axé Opo Fonja, no Rio de Janeiro, mais precisamente na Pedra do Sal em 1886, o livro aborda a violência policial contra as religiões de matriz africana, e por consequência a migração do terreiro para evitar tal perseguição, migrando de bairro em bairro até chegar a Coelho da Rocha, bairro de São João de Meriti onde se encontra até os dias de hoje.

Outro fato interessante trazido a público pelo autor, é a relação próxima de Mãe Aninha com figuras importantes que marcaram a história brasileira para sempre. O que poucos sabem é que Mãe Aninha era guia espiritual do então presidente Getúlio Vargas. O contato com o presidente se deu por meio de seu filho de orixá, o então chefe da casa civil, Osvaldo Aranha.

A relação do Ilê Axé Opo Afonjá com autoridades políticas da época e a proximidade de Mãe Aninha com Getúlio Vargas e Osvaldo Aranha, na década de 1930, resultaram mais tarde no decreto presidencial n° 1202, que colocaria um fim definitivo a perseguição policial exercida pelo estado aos cultos afrobrasileiros em 1934.

Está também presente no livro, diálogos de Mãe Aninha que mostram sua inteligência e perspicácia ao lidar com a intolerância religiosa da época por parte da igreja católica através de seus representantes.

Questionada por um padre sobre sua autoridade religiosa, onde este afirmava que somente o papa poderia dar tal título, Mãe Aninha retrucou e perguntou se Moisés havia sido ordenado também pelo Papa, mostrando domínio e conhecimento da religião católica da qual também era praticante. Ainda no mesmo embate, afrontou a autoridade católica afirmando que Jesus na verdade seria homem de cor dada a região onde nascera. Mostrava com isso, que além de importante figura religiosa, dominava o debate político com significativo conhecimento histórico.

O livro é um verdadeiro documento de registro de todas as gerações de ialorixás que comandaram e comandam a casa de Xangô, desde o século XIX até os dias atuais. A obra não deixa de registrar também, todos os iniciados da casa desde a sua mudança para Coelho da Rocha com Mãe Agripina.

O Ilê Axé Opo Afonjá ajudou a difundir a cultura yorubá no meio intelectual e acadêmico por ter cativado figuras como Pierre Verger, Dorival Caymmi, Carybé, Jorge Amado e muitos outros.

Hoje, as casas de força sustentadas por Xangô (Ilê Axé Opo Afonjá) na Bahia e no Rio de Janeiro, são parte do patrimônio histórico e artístico nacional tombados pelo IPHAN e INEPAC. Vale a visita.


Resenhista

Álvaro de Almeida Rios Ramos – Graduando em Historia pelas Faculades Integradas Simonsen.


Referências desta Resenha

MACHADO, Ed. Da Pedra do Sal Até Coelho da Rocha – Ilé Ase Ópó Àfónjá. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Metanóia, 2017. Resenha de: RAMOS, Álvaro de Almeida Rios. Gnarus. Revista de História, n. 12, p.169-170, dez. 2021. Acessar publicação original [DR]

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