Dicionário Gramsciano (1926‐1937) | Guido Liguori e Pasquale Voza

Organizado pelos italianos Guido Liguori e Pasquale Voza, o Dicionário Gramsciano se inscreve, sem demora, entre as obras de referência para os pesquisadores, do campo marxista ou fora dele, mas também como um incentivo para os iniciantes das obras do autor, a partir das expressões de Antonio Gramsci.

Publicado na Itália em 2009 e no Brasil em 2017, no octogésimo aniversário da morte do pensador marxista, conta com mais de 600 verbetes dispostos em 831 páginas. Com a colaboração de estudiosos de Gramsci, a produção é prova do vigor dos estudos desenvolvidos e pesquisas especializadas no autor1 e revela a importância do seu pensamento para compreender o nosso tempo, o momento extremamente complicado, em termos de contexto político regional e mundial. O seu léxico produziu fascínio por décadas e os adeptos das idéias desse importante intelectual e político do século XX comemoram a vinda desse importante manual.

Os termos, expressões e conceitos do pensador sardo foram trabalhados em suas especificidades, em texto acessível, mas rigoroso e sistemático, como toda pesquisa deve ser, mas, por outro lado, flexível como um dicionário comum, que trabalha no auxílio para a compreensão de suas fundamentais noções. Guia para o enriquecimento do arsenal teórico e possibilidades práticas do trabalho do intelectual e pesquisador, de variados campos da Educação, da Cultura e das Ciências Sociais.

As compreensões de Gramsci sobre classe, dialética, filosofia da práxis, hegemonia, ideologia, intelectuais, nacional‐popular, sociedade civil e sociedade política, entre tantos outros, são esmiuçados, não somente para possibilitar suas compreensões estritas, mas também que em que momento a mesma apareceu nos textos de Gramsci, nos Cadernos e Cartas do Cárcere, escritos em períodos de prisão do regime fascista de Mussolini (1926 até sua morte, em 1937). Mas, como todo dicionário, limita a compreensão da teia do pensamento do autor, uma vez que não produz uma lógica para pensar o itinerário de seu pensamento, o contexto de sua obra ou a estrutura de seu pensamento.

A perspectiva revolucionária do pensamento de Gramsci centra‐se em dois aspectos, o primeiro é a qualificada crítica, nas trilhas de Marx, à filosofia clássica e a segunda é a articulação, como práxis, de seus conceitos formando uma compreensão da crítica e da atuação política. O dicionário, em seu formato, sugere uma dificuldade de percepção do conteúdo revolucionário de sua reflexão filosófica, quando não propõe uma articulação de seus conceitos como um todo, produzindo uma melhor intelegibilidade.

O formato da publicação, “dicionário”, ironicamente, não o inclui Gramsci entre os pensadores clássicos, mas, em contrapartida, valoriza sua contribuição para o debate do conteúdo do socialismo e, fundamentalmente, ressalta sua importância para os embates e as decisões do nosso tempo.

Com a renovação dos temas de estudos no campo da História, combinada com a inovação das pesquisas em cultura política, a história intelectual e a nova história política serviram de um lugar cativo para as pesquisas, em um primeiro momento sobre a base do pensamento de Gramsci e, em seguida, para os problemas teóricos vinculados ao materialismo histórico, além de problemáticas advindas da relação entre cultura e política.

A edição brasileira do Dicionário Gramsciano, publicada pela editora paulista Boitempo Editorial, foi traduzida do italiano por Ana Maria Chiarini, Diego Silveira Coelho Ferreira, Leandro de Oliveira Galastri e Silvia de Bernardis e a revisão técnica a cargo de Marco Aurélio Nogueira. A edição considerou os esforços de pesquisas feitas no Brasil, com verbetes assinados por especialistas, enriquecendo o intercâmbio sobre um dos principais pensadores ocidentais do século XX.

O Prefácio à edição brasileira foi escrito por Alvaro Bianchi e ressalta o impacto das novas abordagens, o lugar das idéias de Gramsci em uma história intelectual e as ferramentas construídas que possibilitaram o relançamento dos estudos gramscianos. O prefácio original, assinado pelos organizadores, ressalta a estratégia do pensamento e da escrita de Gramsci e com o caráter intrinsecamente dinâmico, aberto e antidogmático que ela comporta e reforça as formas mediadas e complexas do caráter atual e ao mesmo tempo clássico do filósofo italiano.

A Nota à edição brasileira, seguida da Nota Editorial, considerou as citações de Gramsci às edições organizadas por Carlos Nelson Coutinho, publicadas pela Civilização Brasileira no final do século passado, sendo os seis volumes do Cadernos do Cárcere, os dois volumes de Cartas do Cárcere e dos dois volumes do Escritos Políticos e utilizou como base a edição italiana organizada por Valentino Gerratana, seguindo indicações explícitas do próprio Gramsci.

Projeto ambicioso, com formato ousado, o Dicionário é um esforço editorial e um investimento importante para oferecer, nas palavras do próprio revisor, ao público brasileiro um texto final assimilável e sistemático, preenchendo uma lacuna para aqueles que precisam adentrar ao universo gramsciano, estruturar seu arcabouço teórico e empreender pesquisas em diversos campos.

Nota

1 O pensamento de Antonio Gramsci chegou ao Brasil através do PCB no final do anos de 1930, mas até os anos de 1960, de acordo com seu maior especialista, Carlos Nelson Coutinho, era muito pouco conhecido no país, ficando restrito aos círculos intelectuais comunistas, devido à sua participação na fundação e teses do PCI e prisão no auge do Fascismo. Apesar da ditadura, a popularização nos meios acadêmicos se deu nos anos de 1990 e pode‐se dizer que os seus principais conceitos marcam a cultura política no Brasil.


Resenhista

Marcio Luiz Carreri – Professor‐Adjunto da Universidade Estadual do Norte do Paraná (UENP ‐ Campus Jacarezinho). Graduado em História, Especialista em História e Ensino de História pela UEL, Mestre em História pela UNESP‐Assis e Doutor em História Social pela PUC‐SP. Atualmente realiza pesquisa de pós‐doutorado em História Social na Universidade de São Paulo, sob supervisão do Prof. Dr. Francisco Alambert Jr. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

LIGUORI, Guido; VOZA, Pasquale. (Orgs.) Dicionário Gramsciano (1926‐1937). Trad. Ana Maria Chiarini, Diego Silveira Coelho Ferreira, Leandro de Oliveira Galastri e Silvia De Bernardinis. Revisão técnica Marco Aurélio Nogueira. São Paulo: Boitempo, 2017. Resenha de: CARRERI, Marcio Luiz. Gramsci de a A Z: resenha do “Dicionário Gramsciano”. História Revista. Goiânia, v. 24, n. 3, p. 151–153, set./dez. 2019. Acessar publicação original [DR]

 

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