A arquitetura fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do cárcere | Marcus Vinícios F. S. Oliveira (R)

Antonio Gramsci, indubitavelmente, é considerado, por muitos, um dos teóricos mais importantes da tradição marxista do pós-Segunda Guerra Mundial. Milhares são as obras e dezenas são as teorias que procuram ver nos trabalhos gramscianos a chave interpretativa que auxilia na compreensão da dinâmica sociopolítica contemporânea. Por meio das mais diferentes linhas de pensamento, Gramsci está associado ao modo como o fazer e o pensar políticos estão relacionados a todo um arcabouço cultural, que envolve as sociedades atuais. Desse modo, seus escritos encontram-se muito mais associados aos estudos marxistas ligados à filosofia da práxis. Como exercício comparativo, podemos perceber uma clara diferença com relação às linhas de pensamento marxistas ligadas à teoria crítica. Generalizadamente, embora ambas deem uma importância significativa ao elemento cultural das sociedades modernas, os estudos gramscianos encontram na esfera da política e do universo do político, o lugar de confrontos e consensos para suas análises. No caso da Escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin, entre outros, o universo do político espraia-se em outras dimensões da contemporaneidade, como os meios de comunicação e o mundo da arte. Leia Mais

Dicionário Gramsciano (1926‐1937) | Guido Liguori e Pasquale Voza

Organizado pelos italianos Guido Liguori e Pasquale Voza, o Dicionário Gramsciano se inscreve, sem demora, entre as obras de referência para os pesquisadores, do campo marxista ou fora dele, mas também como um incentivo para os iniciantes das obras do autor, a partir das expressões de Antonio Gramsci.

Publicado na Itália em 2009 e no Brasil em 2017, no octogésimo aniversário da morte do pensador marxista, conta com mais de 600 verbetes dispostos em 831 páginas. Com a colaboração de estudiosos de Gramsci, a produção é prova do vigor dos estudos desenvolvidos e pesquisas especializadas no autor1 e revela a importância do seu pensamento para compreender o nosso tempo, o momento extremamente complicado, em termos de contexto político regional e mundial. O seu léxico produziu fascínio por décadas e os adeptos das idéias desse importante intelectual e político do século XX comemoram a vinda desse importante manual. Leia Mais

Gramsci: una nuova biografia A. D’orsi

O italiano Antonio Gramsci (1891-1937) pode ter seu pensamento caracterizado como essencialmente dialógico. Tendo sua personalidade intelectual construída em um período de crises marcado pela I Guerra e a ascensão do nacionalismo fascista, procurou dar respostas às questões de seu presente tanto no âmbito da elaboração intelectual como na política prática. Compreender seu pensamento exige conectá-lo com seu tempo histórico e assumir como premissa a dupla orientação de pensamento e ação que lhe marcou. Essa premissa pode parecer banal, mas devemos lembrar que se trata de uma produção mobilizada e disputada inicialmente pelo PCI (Partido Comunista Italiano) e depois pela leitura liberal estimulada especialmente a partir de Norberto Bobbio. Mais recentemente, conservadores radicais nos EUA e Brasil têm tratado a produção gramsciana como um tipo de manual que haveria orientado a esquerda em uma luta cultural, segundo esses conservadores vencida por seus antagonistas. Embora tais grupos e leituras não possam ter tratados como equivalentes, elas ilustram a persistente atenção a Gramsci e suas ideias, ainda que por vezes as mesmas sejam simplesmente instrumentalizadas ou intencionalmente distorcidas. Enfim, Gramsci está bastante vivo nos debates e controvérsia do tempo presente e não apenas no Brasil. Leia Mais

Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci – NOSELLA (TES)

NOSELLA, Paolo. Ensino médio: à luz do pensamento de Gramsci. Campinas, São Paulo: Editora Alínea, 2016. 180 pp. Resenha de: CAMPELLO, Ana Margarida de Mello Barreto. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.2, mai./ago. 2017

Ensino Médio: momento decisivo da formação humana

Nosella reúne nesse livro seis ensaios sobre o Ensino Médio. Apresentados primeiramente em forma de palestras e mesas redondas e posteriormente publicados em periódicos, os textos que compõem essa obra, escritos em diferentes momentos e à luz de contextos específicos, estruturam-se a partir de teses de fundo, que se repetem ao longo dos textos apresentados, a saber:

Aos adolescentes (todos) do Ensino Médio de 14 a 18 anos deve ser garantida uma formação de cultura geral, moderna e humanista, de elevada qualidade; sendo o estudo um trabalho muitas vezes mais duro e árduo que muitas outras atividades do mercado, muitos adolescentes as ‘escolhem’ por razões superficiais, imediatistas e utilitárias e não pela razão recôndita em sua consciência; se a desumana necessidade da família os empurra para a profissionalização precoce, cabe ao Estado intervir, remunerando seu trabalho/estudo, garantindo, com isso, a indefinição profissional, direito natural dessa fase etária, sem assistencialismos ou subterfúgios didáticos (p. 9).

O primeiro texto, “O Ensino de 2° Grau”, escrito para servir de base às discussões do Congresso Estadual de Educação da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, realizado em abril de 1991, questiona a falta de clareza quanto à função específica desse nível de ensino. Seria ele propedêutico ao ensino superior, profissionalizante ou pré-profissionalizante? Fase terminal ou meramente transitória do sistema educacional?

Nosella entende ter havido um certo avanço quando se afirma ser o trabalho o princípio fundamental do ensino de 2° grau, mas que ainda assim permanecem dúvidas quanto à questão de sua identidade pedagógica. Defende que a autonomia didático-metodológica do ensino de 2° grau deve ser afirmada por um ensino marcadamente histórico e renovador que se define pelo e para o jovem a quem se destina e que ‘reinventa’ e ‘recria’ os instrumentos da ciência e da cultura ao reconhecê-los como histórica e politicamente criados pelos homens (p. 21). Na continuidade do desenvolvimento desse primeiro texto identifica dois princípios fundamentais para o ensino de 2° grau: o primeiro seria o próprio trabalho moderno, sua história, seus valores, suas leis. O segundo princípio, de caráter didático-metodológico, seria o exercício racional da autonomia, da criatividade e da responsabilidade humana.

O autor reconhece que a “catástrofe social” produzida no Brasil obriga os jovens à prematura busca pela sobrevivência, no entanto reafirma já nesse primeiro texto sua tese principal de que o Ensino Médio é fundamentalmente formativo, de caráter humanista, não profissionalizante.

O segundo capítulo é constituído pela conferência “Para além da formação politécnica”, proferida, em 2006, no Primeiro Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores, promovido pelo Grupo de Pesquisa Labor da Universidade do Ceará. Segundo o autor, esse texto visa explicar por que considera inadequada a expressão ‘educação politécnica’, defendida por vários educadores marxistas, sobretudo nos anos 1990 e que para ele não traduz as necessidades de educação da sociedade atual, também insuficiente para explicitar os germes do futuro da proposta educacional marxiana (p. 50).

O autor esclarece que sua crítica à “bandeira politécnica” não é uma “mera questão de pureza semântica” e entende que os que a empunham defendem “políticas educacionais de outros tempos” como se “aqueles tempos e contextos passados conservassem hoje o mesmo significado cultural de antigamente” (p. 26). Explicita os termos utilizados e as fontes de estudo nas quais se baseia, assim como apresenta as razões que justificam suas críticas de natureza semântica, histórica e política à proposta de educação politécnica para a formação dos trabalhadores.

Apesar de considerar “muita pretensão elaborar uma proposta para a formação dos trabalhadores” (p. 44), retoma Marx e sua “fórmula pedagógico-escolar de instrução intelectual, física e tecnológica para todos (…) pública e gratuita (…) de união do ensino com a produção (…) livre de interferências políticas e ideológicas” e Gramsci e sua proposta de escola unitária para (re)afirmar a “formação omnilateral ou de escola unitária para todos e antes de tudo a superação da dicotomia entre o trabalho produtor de mercadorias e o trabalho intelectual” (p. 46)

No terceiro capítulo, Nosella republica “Ensino Médio: em busca do principio pedagógico”, um texto que, segundo ele, nem sempre é bem considerado pela academia por estar “marcado pela experiência pessoal e pela emoção” (p. 10). Apresentado pela primeira vez em 2009, nesse artigo o autor parte de uma constatação: a intensificação do debate sobre o Ensino Médio que, segundo ele, é decorrente do aumento das matrículas nesse nível de ensino, constatado em pesquisas tais como a PNAD 2008 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) , do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse crescimento de matrículas, segundo o autor, leva a que muitos pretendam “tirar proveito material dessa mão de obra juvenil e por isso pensam em profissionalizá-la rápida e precocemente” (p. 52). Ao defender o princípio pedagógico específico do Ensino Médio, entende que ele “é decorrente do momento vivido pelo jovem em busca de sua autonomia e identidade moral, intelectual e social” (p. 53).

Esse texto faz um resgate histórico bastante interessante dos debates acerca da dualidade do Ensino Médio brasileiro. Aborda as experiências de Anísio Teixeira da escola técnica secundária, ainda nos anos 1930, no então Distrito Federal, a reforma Capanema, o fracasso da profissionalização compulsória da lei n. 5.692/71, tentativa, segundo o autor, dos militares de universalização de seu sonho educacional de uma escola de técnicos submissos, de operadores práticos. A polarização dos debates educacionais quando da promulgação da Constituição de 1988 e da nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996, a promulgação do decreto n. 2.208/97 pelo governo Fernando Henrique Cardoso e sua revogação pelo governo Lula. Em poucas páginas, o autor aborda, aprofunda e resgata historicamente as disputas de projeto para o Ensino Médio brasileiro.

O capítulo quatro “Ensino Médio: unitário ou multiforme?” sistematiza o debate com interlocutores do GT9 – Trabalho e Educação da Anped (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação) e se constitui em continuação do capítulo anterior. “Conceitua a noção de escola unitária e de Ensino Médio e defende a reforma profunda dessa fase escolar (…) contra a atual política de sua fragmentação e profissionalização” (p. 69). Nesse texto, o autor aborda a função estratégica do Ensino Médio que, segundo ele, se constitui na pedra angular, “fase estratégica do sistema escolar e do processo de democratização e modernização de uma nação” (p. 71).

Sobre o conceito de escola única ou unitária, nesse capítulo, Nosella contrapõe esse conceito à questão da dualidade escolar, situando a ocorrência dos debates a esse respeito desde o final do século XIX. A existência de dois sistemas escolares, um de cultura geral desinteressada para formação de dirigentes, o outro de preparação profissional para os quadros do trabalho, leva à defesa de um sistema escolar unitário de educação básica, de modo a superar essa dualidade que seria expressão de injustiça social. Explora as diferenças semânticas entre os conceitos ‘único’ e ‘unitário’ para uma análise hermenêutica do conceito gramsciano de escola unitária, estabelecendo o autor em seu contexto histórico e cultural. Ao dialogar com Moura, Lima Filho e Silva (2015) considera que, no atual momento político brasileiro, é “importante propor com mais vigor e integralidade o projeto de escola média unitária” (p. 95), entende que os autores defendem uma visão de ensino médio multiforme e contesta a visão de “travessia” por eles apresentada.

O quinto texto, “Ensino Médio e educação profissionalizante”, constitui-se no prefácio do livro Educação profissional: análise contextualizada, organizado por Antonia de Abreu Sousa e Elenilce Gomes de Oliveira e publicado pela editora da UFC (Universidade Federal do Ceará). Nesse prefácio, Nosella destaca as críticas profundas e contundentes que os autores do livro fazem da educação profissionalizante, enfatiza a necessidade de que, ultrapassando a crítica, proponham as bases de suas propostas de politicas públicas no sentido da construção de um sistema unitário de ensino básico, fundamental e médio e, poeticamente, faz uma analogia entre o canto do rouxinol, representado pelas críticas, e a necessidade de realçar o canto da cotovia que estaria presente na explicitação da proposta de escola unitária.

O sexto e último ensaio, “A Escola de Gramsci: 22 anos depois”, constitui-se em atualização, um quase posfácio ao livro A Escola de Gramsci, publicado pela primeira vez em 1992. Organizado em tópicos, esse texto aborda quatro questões: a ideológica partidária, a linguística, a do historicismo e da dialética e a da escola unitária do trabalho. Ao abordar cada uma dessas questões, Nosella examina afirmações muitas vezes repetidas, redefinindo-as. Destaca Gramsci como um estudioso da linguística. Afirma que a única leitura possível de Gramsci é uma leitura absolutamente historicista, uma vez que é assim que esse pensador se autodefine (p. 127). Ao rever a conceituação de historicismo em Gramsci, reconhece, no livro que atualiza, passagem que “reflete posições teóricas deterministas” (p. 130) e esclarece o equívoco redigindo novas páginas. Finaliza trazendo novas fontes – os arquivos russos de Giulia Schucht, esposa de Gramsci – para o estudo da nomenclatura e da ideia de escola unitária, que representa a antítese política educacional contra a tese liberal da escola dual de ensino básico.

A atualidade e concretude deste livro de Paolo Nosella está exatamente em retomar questões historicamente em debate quando se trata de refletir sobre o Ensino Médio no Brasil. A continuidade histórica do debate desvela sucessivas reformas que, ao longo dos anos, deram quase sempre em nada e que parecem querer afirmar que o fracasso educacional é o objetivo do projeto de educação das classes dominantes no Brasil.

Nesse momento em que pela primeira vez se reforma, por meio de Medida Provisória, o Ensino Médio no Brasil reafirmo, com o autor, que estamos a anos luz da sonhada escola unitária, o que não significa que se deva abandonar a utopia.

Referências

MOURA, Dante H.; LIMA-FILHO, Domingos L.; SILVA, Mônica R. Politecnia e formação integrada: confrontos conceituais, projetos políticos e contradições históricas da educação brasileira. Revista Brasileira de Educação (Impresso), v. 20, p. 1.057–1.080, 2015. [ Links ]

Ana Margarida de Mello Barreto Campello – Professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, Fundação Oswaldo Cruz. E-mail: [email protected]>

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(P)

Sociedade Civil. Ensaios históricos – DE PAULA; MENDONÇA (HP)

DE PAULA, Dilma Andrade; MENDONÇA, Sônia Regina de (Org.). Sociedade Civil. Ensaios históricos. Jundiaí: Paco Editorial, 2013. Resenha de: CARDOSO, Heloísa Helena Pacheco. A atualidade do pensamento de Antônio Gramsci para a historiografia contemporânea. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 27, n. 51, 4 fev. 2015.

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Gramsci no seu tempo – AGGIO et. al (A)

AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira. Co-edição, Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; GOMES, Jarbas Mauricio. Texto e contexto: Gramsci e a história. Antíteses, v. 8, n. 15, p. 542 – 546, jan./jun. 2015.

Hegemonia, intelectuais, Estado ampliado, sociedade civil e sociedade política são alguns dos conceitos presentes nas obras de Antonio Gramsci (1891-1937) e que são encontrados em um número significativo de pesquisas na área das Ciências Sociais e Humanas. Os escritos de Antonio Gramsci tem se consagrado como um referencial teórico e metodológico nas pesquisas brasileiras, servindo ora de objeto de estudo, ora de fundamentação teórica. Na última década, o uso de seu pensamento como referencial de pesquisa foi retomado sob a influência da publicação da nova edição brasileira de sua obra que, ocorrida entre os anos de 1999 e 2002, teve o mérito de apresentar uma visão geral de seus escritos ao tornar acessíveis textos até então inéditos no Brasil.

O uso das ideias de Gramsci como referencial teórico passou a ser complementado com o aumento do número de pesquisas cujo objeto de estudo era o seu pensamento e a sua obra. A produção de conhecimentos sobre Gramsci nos diferentes campos das Ciências Sociais e Humanas reafirmou a tradição dos estudos gramscianos e valorizou a perspectiva de que é necessário investigar com profundidade a relação entre seus escritos e o contexto histórico a partir do qual foram elaborados para, então, mediante a compreensão historicamente contextualizada, promover a aplicação de suas análises e categorias conceituais à realidade brasileira.

O desenvolvimento das pesquisas sobre Gramsci e seu pensamento pode ser dividido em duas fases que se confundem, entrelaçam e se complementam. A primeira fase esteve voltada ao estudo filológico de seus escritos, em especial dos Cadernos do Cárcere, para reconstruir a estrutura do pensamento gramsciano e estabelecer o caminho teórico percorrido por ele na construção de seus argumentos. Na segunda fase, os estudos estão voltados para a contextualização das ideias de Gramsci pelo movimento histórico em que os escritos foram produzidos.

Gramsci no seu tempo é uma publicação da Fundação Astrojildo Pereira em parceria com a Editora Contraponto e apresenta uma contribuição significativa para os avanços dos estudos gramscianos no Brasil e, em especial, para aqueles que se propõem a utilizar Gramsci como referencial teórico de pesquisa. Organizado por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca, Gramsci no seu tempo está inscrito em uma proposta de estudos do pensamento de Gramsci que considera os limites históricos no qual foi produzido. Os 13 ensaios que compõem a obra ocupam 414 páginas e foram elaborados por estudiosos ligados ao Instituto Gramsci cujas perspectivas de leitura apontam elementos interessantes para a interpretação do pensamento de Gramsci. Um desses elementos, talvez o central deste conjunto de textos, é a valorização do conceito de revolução passiva como uma chave interpretativa do pensamento gramsciano. O deslocamento do eixo de leitura que tal proposta promove se contrapõe à leitura mais praticada, no caso do Brasil especificamente, na qual a chave de leitura mais utilizada foi, e talvez ainda seja, a concepção de hegemonia.

Gramsci no seu tempo foi organizado inicialmente por Francesco de Giasi e publicado na Itália pela Editora Carocci no ano de 2008, sob o título de Gramsci nel suo tempo. Originalmente a obra foi composta por dois volumes que apresentaram as contribuições teóricas de um Congresso de nome homônimo, realizado em Dezembro de 2007 na Itália. O congresso faz parte de uma tradição de estudos sob a coordenação da Fundação Instituto Gramsci que, em parceria com outros Institutos, Fundações e Universidades, a cada decênio da morte de Gramsci promove seminários e congressos para atualizar os estudos sobre a sua obra.

A edição brasileira de Gramsci no seu tempo foi traduzida do italiano para o português por Luiz Sérgio Henriques e não é uma reprodução integral da edição italiana. Os organizadores promoveram uma seleção dos textos originais com o intuito de apresentar aos leitores brasileiros os resultados de pesquisas avançadas no campo dos estudos gramscianos. Em função da realidade dos estudos gramscianos no Brasil, foram incluídos dois textos inéditos: Maquiavel como filósofo da práxis, de Francesca Izzo e Togliatti e Gramsci, de Giuseppe Vacca.

Guiseppe Vacca é também, o autor do prefácio da edição italiana, texto que apresenta o percurso dos seminários italianos de estudos nacionais e internacionais sobre o pensamento de Gramsci. Nele, discute a ação de aproximação e distanciamento entre o Instituto Gramsci e o Partido Comunista Italiano na organização dos seminários e no direcionamento das pesquisas sobre o pensamento de Gramsci. Fundamentado na leitura de Valentino Gerratana, Giuseppe Vacca destaca a ideia de que Gramsci é um pensador clássico do século XX que merece ser lido, relido e interpretado à luz de novos problemas, iniciativa contemplada pelo seminário de 1997, dedicado aos estudos sobre ‘Gramsci e o século XX’. As pesquisas apresentadas, decorrentes de temas levantados nos seminários anteriores, enfatizavam a utilização dos conceitos de revolução passiva e crise orgânica, relançando o método histórico como chave interpretativa do pensamento de Gramsci.

O prefácio à edição brasileira, escrito por Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques, foi intitulado de Gramsci no seu tempo – e no nosso. O texto reforça a ideia de que Gramsci é um clássico e de que o conceito de revolução passiva deve ser explorado como chave interpretativa do pensamento de Gramsci. Fundamentados no Caderno 15, os autores atualizam a leitura do pensamento de Gramsci, valorizam a dialética e a contextualização histórica como métodos interpretativos de seu pensamento, mas alertam para o fato de que não se pode sacralizá-lo, partindo do pressuposto de que não existe nada mais a ser estudado ou apreendido e advertem sobre as leituras apressadas que descolam o pensamento de Gramsci da matriz em que suas ideias foram produzidas.

A II Grande guerra, o pós-guerra, a renovação do socialismo e a filosofia da práxis são alguns dos temas que permeiam os textos que compõem a coletânea. A categoria hegemonia se entrecruza com outros conceitos do pensamento de Gramsci e constitui uma das chaves de leitura, ao lado do conceito de revolução passiva. Claudio Natoli e Andrea Panaccione utilizam o período do pós-guerra para analisar a renovação do socialismo, enquanto Francesco Auletta, Silvio Pons e Giuseppe Vacca discutem as relações de Gramsci com dirigentes do Partido Comunista Italiano, em especial com Palmiro Togliatti e Piero Sraffa.

A Filosofia da práxis é o conceito mediador que fundamenta os textos de Roberto Gualtieri, Fabio Frosini, Giuseppe Cospito, Giancarlo Schirru e Francesca Izzo. A economia e o americanismo mediam as análises de Terenzio Maccabelli e Alessio Gagliardi, que se direcionam à estrutura e ao corporativismo do regime político do fascismo na Itália. Por fim, destaca-se o texto de Anna Di Biagio, que explora a concepção de hegemonia nas propostas teóricas de Gramsci e Lênin.

O texto de Francesco Auletta, Piero Sraffa e Antonio Gramsci: l’Ordine Nuovo e as lutas operárias na Inglaterra e na América (1921), apresenta elementos significativos para a análise do cenário histórico das lutas operárias ocorridas no início da década de 1920. O texto explora a concordância de Sraffa com as teses de Gramsci, a partir das impressões que este tinha sobre os movimentos operários na Inglaterra e na América do Norte. Silvio Pons explora a divergência entre Gramsci e Togliatti no texto o Grupo dirigente do PCI e a ‘questão russa’ (1924-1926) e discute como as perspectivas ideológicas individuais influenciavam a percepção destes intelectuais sobre os desdobramentos da revolução proletária na Rússia.

Em Hegemonia leninista, hegemonia gramsciana, Anna Di Biagio discute a relação entre a concepção de hegemonia cunhada por Gramsci e aquela atribuída à Lênin. Di Biagio destaca que, na experiência revolucionária russa, há uma estranheza entre as ideias de hegemonia e de democracia. Outro aspecto evidenciado é a perspectiva de que o conceito de hegemonia não faz parte do léxico habitual dos textos de Lênin, embora sua concepção de hegemonia já apresentasse as noções de direção política e direcionamento intelectual e moral. Di Biagio mostra que na ocasião do VIII Congresso do Partido Bolchevique, em 1919, não houve menção ao conceito de hegemonia nos escritos de Lênin ou no programa de partido, mas que, no período, pode ser constatado que Lênin se mostrava mais interessado em discutir e determinar a definição de ditadura do proletariado.

Fabio Frosini discute no texto O neoidealismo italiano e a elaboração da filosofia da práxis, a influência do idealismo no pensamento de Gramsci e a sua transição teórica para o marxismo. As teorias dos liberais Benedetto Croce e Giovanni Gentille estão na gênese do pensamento do jovem Gramsci que dialogava com esses intelectuais, mas dos quais se distanciou gradualmente na medida em que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, aprofundou suas análises sobre o fenômeno da religiosidade, da filosofia e do senso comum e se encaminhou para a fundamentação da Filosofia da Práxis.

Sob a influência do neoidealismo, Gramsci elaborou uma concepção de ideologia que pouco se distingue de sua concepção de filosofia. No Caderno 10, filosofia e ideologia foram apresentadas como uma mesma categoria histórica, distintas em função de seu grau. Enquanto a filosofia é uma concepção de mundo que representa a vida intelectual e moral de um grupo social, a ideologia é a concepção de mundo particular, pertencente aos grupos internos de cada classe que se propõem a solucionar os problemas sociais mais imediatos e restritos.

O texto de Francesca Izzo é o penúltimo da coletânea e explora a leitura de Gramsci sobre os escritos de Maquiavel e destaca que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, Gramsci estava consciente de que a Europa não dominava mais o cenário mundial e que, os Estados Unidos e a URSS disputavam a primazia do controle hegemônico sobre os modelos políticos e econômicos. Izzo conclui que Gramsci entendia que no contexto histórico do século XX, o partido político assumiu o papel do príncipe e, na condição de líder coletivo, tinha a tarefa de criar uma nova organização ética e moral. Outra conclusão apontada por Izzo destaca que Gramsci defendia que os meios empregados na constituição do comunismo deveriam ser distintos daqueles empregados no nascimento do Estado Moderno, uma vez que em função da historicização da natureza humana, os fins e meios deveriam estar adequados à transformação dos homens e das relações sociais.

A contribuição de Giuseppe Vacca encerra a coletânea e termina reforçando a ideia inicial do texto: Gramsci é um autor clássico. Para apresentar tal afirmação de forma incisiva, Giuseppe Vacca discute a disputa intelectual entre Gramsci e Palmiro Togliatti, e apresenta aos leitores brasileiros o panorama histórico em que esta relação conturbada se desenvolveu. Com uma análise crítica fundamentada no panorama histórico, Giuseppe Vacca expõe a origem das divergências entre os dois teóricos do socialismo italiano. O texto é uma preciosa contribuição para a compreensão da relação entre Gramsci e Togliatti e da polêmica envolvendo a elaboração e publicação da primeira edição italiana dos cadernos de Gramsci. Giuseppe Vacca indica elementos preciosos para as investigações sobre o pensamento de Gramsci, destacando o conceito de revolução passiva como instrumento interpretativo de épocas históricas inteiras e indica que, na leitura de Togliatti, talvez intencionalmente, esse conceito não foi explorado.

Por fim, Giuseppe Vacca reconhece o mérito das ações de Togliatti que promoveram a imagem de um Gramsci ocidental e não apenas um pensador circunscrito à realidade italiana, e encerra o texto, a obra, indicando que o percurso percorrido por Togliatti, ainda que tortuoso, tinha como objetivo final reconhecer Gramsci como um clássico do século XX.

Gramsci no seu tempo é uma obra de grande interesse para pesquisadores da área das Ciências Humanas interessados no desenvolvimento do pensamento de Gramsci e nos desdobramentos do pensamento marxista no século XX. Se Gramsci teve o mérito de atualizar a leitura materialista da história e aperfeiçoar conceitos-chave para a análise dos fenômenos de ordem política, econômica e cultural, a presente obra promove uma apresentação contextualizada do pensamento de Gramsci e atualiza os leitores brasileiros a respeito do atual patamar das pesquisas sobre o pensamento gramsciano.

Com um bom projeto editorial, impresso em papel reciclado de ótima qualidade, a edição é valorizada ao apresentar as iniciativas de leitura do pensamento de Gramsci desenvolvidas na Europa. Ao empregar categorias analíticas até então pouco exploradas pelos pesquisadores brasileiros, Gramsci no seu tempo se consolida como uma referência de leitura àqueles que desejam avançar no universo da pesquisa sobre pensamento de Gramsci. A análise historicamente contextualizada apresentada nas páginas da coletânea serve de guia e fornece elementos históricos e conceituais para a leitura dos escritos de Gramsci e para a investigação sobre os principais fenômenos históricos da Itália na primeira metade do século XX.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR).

Jarbas Mauricio Gomes – Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Especialista em Pesquisa Educacional (UEM – 2009), graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2004). Professor de Filosofia para a Educação Básica.

Quaderni del Carcere: Edizione crittica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana | Antonio Gramsci

Uma obra pode ser considerada um clássico quando projeta influência para além de seu tempo e espaço. Assim pode ser definida a obra de Antônio Gramsci (1891-1937), cuja influência sobre as Ciências Sociais e Humanas pode ser medida pelo grau de apropriação que as diferentes matrizes e correntes epistemológicas fizeram de seus escritos.

A leitura de Gramsci sobre o desenvolvimento histórico da sociedade italiana e suas análises sobre os problemas culturais, sociais, políticos, econômicos e educacionais de seu tempo tornaram seu pensamento um importante referencial teórico sobre o século XX. Leia Mais