Dramaturgia do telejornalismo: a narrativa da informação em rede e nas emissoras de televisão de Juiz de Fora- MG | Iluska Coutinho

Uma CPI da corrupção, irregularidades no judiciário, o afundamento de uma plataforma de petróleo. Estes e outros cenários e personagens estão inseridos na “Dramaturgia do telejornalismo” título e conceito-chave da obra da pesquisadora Iluska Coutinho. No livro, a autora aponta para uma estrutura narrativa característica do drama nas notícias televisivas, favorecida por uma tendência intrínseca ao veículo, à sua forma de ordenamento das informações: a serialidade. Tendo como conceito base a concepção de “drama” proposta por Aristóteles, a autora observa, demarca e anuncia, por meio da análise dos telejornais de rede e regionais, uma distribuição de “papéis” e conseqüente categorização de personagens em vilões, mocinhos e heróis estereotipados, cuja frequência vai além das obras ficcionais.

De acordo com a pesquisa, na estruturação de notícias e reportagens ancoradas numa narrativa dramática, tanto em nível local quanto nacional, as ações se desenrolam na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais. Tais fatores permitem observar fronteiras- se não demarcadas- ao menos próximas entre telejornalismo e show, com a conversão de tecnologia e tradição em estratégias comerciais ou editoriais que tentam posicionar cada edição no campo do “jornalismo”. Para Coutinho, embora diante das definições clássicas de jornalismo possa soar como heresia, não figura como algo forçoso o paralelo entre notícia e drama caracterizando uma “dramaturgia do telejornalismo brasileiro”. A convergência não apenas é possível como pode ser considerada um modelo hegemônico nos telenoticiários nacionais veiculados em rede, tanto os de caráter público quanto naqueles veiculados em televisões de âmbito privado.

Em um primeiro momento a dramaturgia do telejornais, no modelo veiculado em rede, foi evidenciada pela existência de conflito narrativo como característica central em todas as matérias veiculadas. Seria através desses conflitos, quase sempre ressaltados no texto dos apresentadores de cada programa, na chamada cabeça de locutor, que a(s) narrativa(s) do telejornal se organizaria(m). A estruturação do noticiário televisivo em torno de problemas, ações e disputas guardaria semelhanças com o que classificamos como um drama cotidiano.

A forma de contar uma história em nossos telejornais, especialmente o padrão ou roteiro para construção de uma matéria com texto, som e imagem, seria o segundo aspecto dessa dramaturgia, constatado por meio da análise de edições do Jornal Nacional e Jornal da Cultura e, posteriormente, por edições de telejornais locais da Zona da Mata de Minas Gerais. A identificação da existência de personagens no texto noticioso, de maneira latente ou manifesta, e ainda o papel representado por cada um deles na representação dos fatos foram investigados durante a pesquisa, tomando sempre como matriz os modelos e estereótipos comumente presentes em obras dramáticas, ficcionais. Assim, os conflitos que se desenvolveriam em tela teriam como elemento comum a busca de sua resolução, através das ações dos personagens da estória, da narrativa. É a partir deste conflito ou de uma intriga que se desenrolam as ações, na medida em que nos são dados a conhecer os personagens e ainda os outros elementos daquela estória, tais como cenário, contextos, referências temporais.

Nos telejornais esse “marco inicial”, de apresentação inicial do conflito, ocorre no texto de abertura das matérias, interpretado pelos locutores-apresentadores como uma espécie de “convite” ao acompanhamento de cada VT ou matéria. Talvez por isso, no jargão profissional, esse elemento de composição do telejornal receba o nome de “chamada” ou “cabeça de apresentação”.

As ações, os personagens e ainda a oferta de uma mensagem moral são também componentes essenciais de uma narrativa dramática, Podemos delimitar, sem medo, uma espécie de cast de “personagens” que são apresentados nas notícias televisivas. Aliás, é interessante a observação de Coutinho de que, essa nomenclatura se tornou comum mesmo no jargão profissional. Nos telejornais analisados durante a pesquisa percebemos que alguns papéis concentram a “atuação” dos personagens nos VT’s estudados, ofertando tipos mais frequentes: mocinhos, vilões e vítimas. Essa predominância tem, segundo Coutinho, estreitas ligações com o fato de que as narrativas trazem em si os registros ou conexões com a já tradicional luta Bem-Mal e, na medida do possível, utilizam-se da estória narrada para reforçar valores morais e de conduta.

Para além dos personagens, a utilização exacerbada dos recursos audiovisuais como “sobe som” e “vinhetas” poderia ser considerada como a representação, ou imitação, do canto como elemento integrante desta “receita dramática”. Por sua vez, o tom emocional dos textos em geral, com destaque para aqueles lidos pelo apresentador e, sobretudo para seu encadeamento ou paginação da edição exibida, garantem o apelo do espetáculo, aqui noticioso.

A preferência e/ou opção editorial por determinados temas para garantir o encadeamento do programa ao longo do tempo de exibição, bloco após bloco, permite classificarmos o produto telejornal como uma grande narrativa. Modelo e referência teórica fundamental neste trabalho, é precisamente a partir dessa perspectiva que a autora pretende compreender a narrativa. Para Coutinho, ela é vista “como uma construção textual que valoriza a estrutura e o elemento dramáticos” (2012, p.107). Nesse sentido, recusa-se a oposição simplista entre narrativa e drama, uma vez que a imitação da ação também se constrói essencialmente por meio da representação convertida em um texto. No caso da televisão e do telejornalismo, observaremos os textos e construções narrativas presentes na imagem, nas falas de repórteres e entrevistados, nas músicas e nos encadeamentos de todos esses elementos por meio da edição.

Sem deixar de lado a preocupação com a contextualização histórica de cada conceito trabalhado, Coutinho elucida que a finalidade principal da narrativa, concebida desde o princípio como forma de ensinamento presente em fábulas, dramas e parábolas é trazer uma lição de moral, um exemplo de vida, uma avaliação. Para que a lição se efetive, a narrativa- também no telejornal- se organiza através da criação de uma expectativa, seguida pelo surgimento ou explicitação de um conflito, tentativas de solução do problema e desfecho, positivo ou negativo. Os chamados percursos narrativos seriam organizados a partir das ações de um personagem com um objetivo a cumprir, meta a alcançar. Iluska Coutinho ressalta que existem modelos narrativos utilizados no encadeamento da história no telejornal. O primeiro está relacionado com a narrativa clássica de um drama, oferecendo ao telespectador a apresentação, o conflito e seu desenvolvimento, com uma tentativa de solução do mesmo, seu desfecho. O segundo modelo está mais relacionado com o jornalismo de boas notícias, com a celebração de acontecimentos vitoriosos. Seja numa proposta de catarse, de apologia à angústia ou de celebração, em alguns momentos o telejornalismo, nesta perspectiva, estaria na fronteira entre informação e entretenimento, numa tensão constante entre o bem e o mal a cada edição.


Resenhista

Jhonatan Mata – Jornalista e mestre em Comunicação pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Integrante do grupo de pesquisa “Jornalismo, Imagem e Representação”, desenvolve investigações sobre a participação popular, também no telejornalismo público. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

COUTINHO, Iluska. Dramaturgia do telejornalismo: a narrativa da informação em rede e nas emissoras de televisão de Juiz de Fora- MG. Rio de Janeiro: Mauad X, 2012. Resenha de: MATA, Jhonatan. O telejornal entre o bem e o mal. Revista Brasileira de História da Mídia. São Paulo, v.2, n.1, p.241-242, jul./dez. 2013. Acessar publicação original [DR]

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