Education and the Body in Europe (1900-1950) | Simonetta Polenghi, András Németh e Tomás Kasper

O livro intitulado “Education and the Body in Europe (1900-1950): Movements, public health, pedagogical and rules and cultural ideas”, escrito em inglês, publicado em 2021 pela editora Peter Lang, é uma obra de importante reflexão realizada pelos editores: professora Doutora Simonetta Polenghi, professor Doutor András Németh, e professor Doutor Tomáš Kasper. A publicação compila 14 capítulos sobre a história do corpo em diferentes países da Europa, a saber: Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Hungria, República Checa, França, Suíça, Itália e Espanha.

A primeira parte é composta por 5 capítulos, no qual são: o capítulo “Bodies of the Future – life reform and education as instruments of human evolution” escrito por Ehrenhard Skiera. Os autores Janka Balogh e András Németh produziram o capítulo “Life reform and new body concept of the art of movement”. O capítulo “Body education in the youth movement” foi elaborado pela autora Agnes Trattner. Os autores Dorina Szente e András Németh foram responsáveis pelo capítulo “Changes in women’s body perception and education in the first decade of the twentieth century in the light of Hungarian women’s journals. E a autora Ilaria Mattioni teve o capítulo entitulado “Women’s body, dresses and fashion in Italy.

Na segunda parte, assim como a anterior, temos 5 capítulos. O autor Grégory Quin foi responsável pelo capítulo “British bodies between extraversion and conservatism: representations and movements during a broad first half of the twentieth century”. O capítulo “Control, analyse and straighten: the fundamental principles of physical education methods in France (1900-1950)” tem como autores Michaël Attali e Yohann Fortune. O capítulo “From the education of soldiers to a promotion of motor skills: changes in the conception of physical education in Switzerland throughout the twentieth century” foi escrito por Grégory Quin e Christelle Hayoz. O capítulo “Children’s bodies and physical education in Italian elementary schools during the first half of the twentieth century”, teve como autor Paolo Alfieri. E o capítulo “Our race!: An account of physical education and school sports in Spain (1901- 1950) foi escrito por Xavier Torrebadella – Flix.

Na terceira e última parte desse livro, a autora Simonetta Polenghi escreveu o capítulo “Hygiene, school and children’s body in the Kingdom of Italy”. O autor Tomáš Kasper desenvolveu o capítulo “Education through life and work’: pedagogical programme of care for physically disabled children and youth in the Czech lands in the first half of the twentieth century. A autora Michèle Hofmann escreveu sobre “(Ab)normal and ideal children’s bodies: body conceptions and education in Switzerland at the turn of the twentieth century”. O capítulo “Tough love? Self-government, voluntary obedience and emotional management of the body in Belgian residential youth care: 1910s– 1930s” teve como autores Sarah Van Ruyskensvelde e Pieter Verstraete.

Os autores convidam o leitor a ter uma visão ampla da história do corpo, aprofundando os conhecimentos acerca dos movimentos educacionais, a mulher e o corpo, as crianças, a higiene, as emoções, o esporte e ginástica, a educação da pessoa com deficiência e dos delinquentes juvenis, como fenômenos sociais e históricos que marcaram o início e o fim da primeira parte do século XX.

O livro instiga a problematizar sobre o poder incomensurável do ‘corpo’ e as estratégias explícitas e tácitas para a sua vigilância e controle, desafia-nos a revisitar antigas concepções e vivências diversas e contraditórias. Diante das prerrogativas levantadas, somos impelidos a questionar qual a intrínseca relação do corpo e a educação na modernidade? Será que corpo é um reflexo de num amplo contexto social, religioso e cultural? Que práticas e matérias explícitas e implícitas foram implementadas para o controle do corpo nos diferentes países?

Em relação a metodologia utilizada, os autores se baseiam na pesquisa histórica, na qual utilizam a análise de documentos que permitiram ir além das reflexões do contexto histórico, mas que produziram um referencial epistemológico e empírico das diversas pesquisas e suas dimensões práticas.

Ao mobilizar diferentes pesquisadores da área, os autores oferecem uma viagem à história do corpo e sua intrínseca relação com a educação e os processos pedagógicos, produzindo textos que permitiram ir além do estudo das narrativas nacionais, mas que oferecem um material comparativo do entendimento dos contextos políticos e sociais da época de maneira holística.

A obra se destaca pela sua relevância na área da história da educação e destina-se a todos os interessados nesse campo de conhecimento, sobretudo professores e estudantes comprometidos com o ensino e a pesquisa.

O livro apresenta como recorte temporal as últimas décadas do século XIX e início do século XX, sendo que algumas das pesquisas foram focadas no pós-guerra – Segunda Guerra Mundial, na Europa, numa fase em que o corpo teve maior importância dentro da efervescência produtiva e industrial da modernidade, bem como nos vários movimentos sociais emergiram neste período.

Nesse instigante objetivo de desafiar o leitor a refletir sobre a temática ‘educação e o corpo’, os autores dividiram o livro em três partes que se interrelacionam, estabelecendo conexões entre a educação do corpo, a reforma da vida e a liberação do corpo, os movimentos juvenis, o corpo da mulher, a educação física e o esporte; e o último sobre o corpo das crianças: emoções, higiene e (a)normalidade nas ideias pedagógicas.

Na introdução, os autores destacam a pesquisa sobre o corpo e a educação como multifacetada e complexa, resgatam algumas das principais concepções filosóficas publicadas acerca da educação e as situam no âmbito da história. Os autores referenciam Norbert Elias (1994) – o estudo da civilização, dos costumes; Michel Foucault (1982) – o poder disciplinar sobre o corpo; e George Vigarello (2006) – o corpo e a aparência, a limpeza, a beleza e a história pedagógica do poder, para explicar as implicações que o meio social acaba por produzir no corpo e nas práticas educativas.

É apresentado como o discurso do corpo altera conforme os diferentes contextos nacionais e políticos, e principalmente como o corpo está imbricado de cultura e diferentes conceitos sociais, bem como de sua importância como objeto de estudo para a história da educação.

Os autores admitiram que este livro é o ponto de partida para instigar e aprofundar pesquisas sobre o tópico em específico e sobre os tópicos que não puderam ser abordados.

No primeiro capítulo, a reforma da vida e sua relação com a Educação Nova são enfatizadas, bem como os precursores da reforma na educação, nomeadamente a proposta educativa de Montessori, Blonsky e Steiner. Nesta perspetiva, é discutida a transcendência do corpo no contexto da reforma da vida, e principalmente como a educação influencia o físico e a mente.

A discussão transpassa ao entendimento do corpo do futuro e sua associação com as dimensões sociais, históricas, políticas e educacionais. Um dos exemplos práticos citados foi a reforma da vida na Hungria no início do século XX, que permitiu o desenvolvimento da educação da dança moderna, em oposição ao Ballet tradicional. Também foi realizada uma pesquisa acerca de como era a percepção do corpo da mulher nas revistas húngaras, bem como sobre os vestidos e o mundo fashion na Itália. Outro exemplo, foi o movimento cultural dos jovens chamado de ‘Wandervögel’ na Alemanha e sua associação com a educação e o entendimento do corpo e suas paradoxalidades e contradições.

Esse processo histórico do corpo e os aparatos utilizados para controlar e vigiar foram introduzidos na prática cotidiana. Todo o poder tem um corpo que está em movimento, criando formas de poder através das relações, como consequência colaborando para a constituição dos sujeitos. Vemos, no segundo capítulo, como a introdução da educação física e o esporte influenciaram para a construção de representações do corpo nacional, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial na Europa. Neste sentido, observa-se as continuidades e descontinuidades no sistema educativo, promovidas pelo pós-guerra.

No caso britânico, os Jogos Olímpicos sediados em Londres em 1948, foram reportados, inclusive a ginástica, atingindo as escolas e suas práticas. Outro ângulo foi apresentado sobre a educação física na França e como práticas de controle dos movimentos e comportamentos foram implementados no período analisado. Tal como na Suíça, uma nação democrática durante o século XIX, França implementou no sistema educacional a ginástica como uma disciplina obrigatória para o desenvolvimento das habilidades motoras. Na Itália e na Espanha, as escolas implementaram nos seus currículos e nas suas práticas a educação física, mas acima de tudo refletiu na construção de uma identidade nacional.

No último capítulo nos deparamos com o estudo sobre o corpo das crianças: emoções, higiene e (a)normalidade nas ideias pedagógicas. Nesta análise, os autores vão percorrendo os caminhos históricos do lugar que o corpo ocupou ao longo da modernidade.

O movimento higienista na Itália estava conectado com a ideologia positivista, na qual a higiene pessoal foi introduzida nas escolas primárias impondo disciplina e controle sobre o corpo das crianças. Esta reforma educacional estava relacionada com o contexto político fascista que tinha como proposta a difusão da saúde pessoal, fitness e a virilidade do homem ao serviço do poder militar.

Na primeira metade do século XX, a República Checa, ou Checoslováquia na época, implementou um programa pedagógico para o cuidado físico das crianças com deficiência. A partir da modernidade há a tendência de as instituições oferecerem este tipo de serviço às pessoas com deficiência, ainda que imbuídos do discurso do tratamento e da cura do corpo. Entretanto, escolas focaram suas atividades na educação e treinamento de crianças com necessidades especiais e tinham como foco o desenvolvimento da habilidade das crianças para contribuir para uma formação social baseada nos ideais democráticos em uma vida ativa e para o trabalho.

Este mesmo cenário foi descrito na Suíça, como a questão da (a)normalidade do corpo foi colocada em xeque, ao mesmo tempo que a reforma da vida e movimentos progressistas de educação emergem neste contexto. Os autores ilustram diferentes discursos sobre o corpo, no qual a industrialização e a urbanização, o crescimento exponencial de suas principais cidades, o aumento do consumo e a elaboração de planos de ação para manter a saúde e combater as doenças foram realizados, a chamada Reforma Sanitária. A segunda perspetiva no contexto suíço foi o movimento progressista de educação e a implementação de novas ideias relacionadas à educação associada ao discurso de corpo são na escola e vida dentro do padrão ‘normal’.

Outra questão fundamental que nos apresentam neste capítulo é a temática das emoções em uma residência juvenil na Bélgica, exercendo um papel importante durante as duas guerras mundiais. A educação neste período e suas estratégias rigorosas de poder e controle foi suplantada por um ‘regime pedagógico positivo’ na quase invisível observação da criança e nos cuidados e proteção, difundindo a autorregulação das emoções e impulsos por parte dos estudantes, trazendo à tona que através de relações de poder de forma sútil este poder é exercido por meio desta invisibilidade. Algo importante a levar em consideração é que este poder invisível se torna muito mais eficaz e se caracteriza especificamente na sociedade moderna.

A leitura deste livro possibilita-nos ir além, a (re)pensar o corpo na modernidade e seus estereótipos associados como a virilidade do homem, numa direta relação com as ideologias políticas da época, a saber a ditadura em muitos dos países analisados, o que possibilita encontrar similaridades e diferenças nos discursos e nas suas práticas.

Para concluir, os autores desafiam o leitor a problematizar o corpo e sua intrínseca conexão com a educação, conduz a refletir sobre historicidade dos processos educativos e a praxis associados ao contexto político e econômico da época, no sentido de manter a coesão social e ver o corpo como elemento que compõe o quadro político, social e intelectual.

Finalizo essa resenha parabenizando os editores e os autores deste livro – não havia momento mais oportuno para a chegada dessa obra, principalmente em tempos de pandemia, que nos possibilita refletir que novas formas de controle do corpo estão sendo implementadas no contexto da educação atual.

Referências

ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro, Editora Graal, 1982.

VIGARELLO, Georges. História da beleza. O corpo e arte de se embelezar, do Renascimento aos dias de hoje. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

Resenhista

Carla Liege Rodrigues Pimenta – Doutoranda em Ciências da Educação pela Faculdade de Educação e Psicologia da Eötvös Loránd Universidade, Hungria, com bolsa do Stipendium Hungaricum. Possui Mestrado em Ciências da Educação (2016), pela Universidade do Porto, com enfoque na Qualidade do Ensino Superior em Portugal. Membro do Programa de Pedagogia Histórica, Teórica e Comparada. Atualmente, sua linha de pesquisa está relacionada a um estudo comparativo sobre Qualidade no Ensino Superior na Hungria e na Alemanha. E-mail: carla_liege@yahoo.com.br  http://orcid.org/0000-0003-3385-2085

Referências desta Resenha

POLENGHI, Simonetta; NÉMETH, András; KASPER, Tomáš. (Eds). Education and the Body in Europe (1900-1950). Bern, Switzerland: Peter Lang, 2020. Resenha de: PIMENTA, Carla Liege Rodrigues. (Re)pensar o corpo e a educação: uma contribuição para a história da educação. História da Educação, v. 26, 2022. Acessar publicação original [DR]

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