Atlas de imagens– história da educação e da escola | Robert Alt

O Atlas de imagens – história da educação e da escola, de autoria de Robert Alt1, foi publicado por Pedro & João Editores em 2021. A tradução, a introdução e as notas são de Bernd Fichtner2 e de João Wanderley Geraldi3; já o prefácio foi escrito por Nilda Alves4. Leia Mais

Vozes negras na história da educação: racismo/educação e movimento negro no Espírito Santo (1978- 2002) | Gustavo Henrique Araújo Forde

O livro ora resenhado é resultado da pesquisa realizada pelo autor no doutorado em educação na Universidade Federal do Espírito Santo. Selecionada no Edital de projetos da Secretaria de Estado da Cultura do Estado do Espírito Santo. O texto revela uma face ainda muito silenciada da presença da população negra na história da educação brasileira.

As principais questões que movimentaram Forde ao longo da pesquisa foram: de que modo a educação foi constituída como pauta central do movimento negro do Espírito Santo? Quais usos e sentidos foram atribuídos à educação pelo conjunto desse movimento? De que maneira a militância negra movimenta e mobiliza seus espaços-tempos para o combate ao racismo na educação? De que modo a categoria “negro” é concebida na agenda política do movimento negro? Quais implicações o movimento negro tem produzido no contexto da educação escolar? São questões que o autor responde de forma crítica ao longo de cada capítulo do livro. Leia Mais

Hall-Dennis and The Road to Utopia: Education and Modernity in Ontario | Josh Cole

Detalhe de capa de Hall Dennis and The Road to Utopia Education and Modernity in Ontario
Detalhe de capa de Hall-Dennis and The Road to Utopia: Education and Modernity in Ontario

When you open Josh Cole’s book Hall-Dennis and The Road to Utopia you find a series of photos of children and teachers happily working in open concept classrooms, engaging with new postwar technology (TVs, headphones, tape machines), and running freely in fields. These photos are part of the 1968 Ontario education document Living and Learning: The Report of the Provincial Committee on Aims and Objectives of Education, also known as the Hall-Dennis Report. The images, along with the written report, suggest a new purpose for education, at the forefront of modernity, progress, and creativity. Cole argues these images were used to indicate schools were no longer “a place of confinement but instead a place of enjoyment,” now depicted as modern art galleries, highlighting “clean lines, bright lights and a modernistic sensibility” (185). However, Cole also suggests that the images, and much of the narrative in the report, were a veneer of openness and did not represent the real substance of the report, which was to maintain conservative libertarian positions on individualism and citizenship. Leia Mais

Colour Matters: Essays on the Experiences/ Education/ and Pursuits of Black Youth | Carl E. James

Carl E. James Imagem Tweeter
Carl E. James | Imagem: Tweeter

Dr. Carl E. James (FRSC) is currently the Jean Augustine Chair in Education, Community and Diaspora in the Faculty of Education at York University. Over the past three decades, his scholarship has focused on the intersections of race, ethnicity, culture, language, and identity in the Canadian context. Dr. James’ essay collection entitled Colour Matters: Essays on the Experiences, Education, and Pursuits of Black Youth is a culmination of his research about Black Canadian youth.

A key feature of this collection is that James structures the chapters with a “Call and Response” style, a linguistic form originating in sub-Saharan Africa. James describes this as a conversation that is meant to provoke larger critical dialogues. Each chapter begins with a “Call” that is, an essay drawn on primary and secondary research conducted by James over the past two decades. The second part of the chapter is a “Response” from one of ten internationally recognized scholars from the United Kingdom, Canada, and the United States. This structure allows the reader to integrate new perspectives about each topic. Leia Mais

Education and the Body in Europe (1900-1950) | Simonetta Polenghi, András Németh e Tomás Kasper

O livro intitulado “Education and the Body in Europe (1900-1950): Movements, public health, pedagogical and rules and cultural ideas”, escrito em inglês, publicado em 2021 pela editora Peter Lang, é uma obra de importante reflexão realizada pelos editores: professora Doutora Simonetta Polenghi, professor Doutor András Németh, e professor Doutor Tomáš Kasper. A publicação compila 14 capítulos sobre a história do corpo em diferentes países da Europa, a saber: Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Hungria, República Checa, França, Suíça, Itália e Espanha.

A primeira parte é composta por 5 capítulos, no qual são: o capítulo “Bodies of the Future – life reform and education as instruments of human evolution” escrito por Ehrenhard Skiera. Os autores Janka Balogh e András Németh produziram o capítulo “Life reform and new body concept of the art of movement”. O capítulo “Body education in the youth movement” foi elaborado pela autora Agnes Trattner. Os autores Dorina Szente e András Németh foram responsáveis pelo capítulo “Changes in women’s body perception and education in the first decade of the twentieth century in the light of Hungarian women’s journals. E a autora Ilaria Mattioni teve o capítulo entitulado “Women’s body, dresses and fashion in Italy. Leia Mais

Historia de la educación argentina reciente: memoria/ enseñanzas e investigaciones | S. Riveros

Historia de la educación argentina reciente: memoria, enseñanzas e investigaciones es el título que lleva el libro compilado por Sonia Elizabeth Riveros en el cual se reúnen textos que fueron parte de las III Jornadas de Historia de la Educación Argentina Reciente (HEAR), las que tuvieron lugar en la Facultad de Ciencias Humanas de la Universidad Nacional de San Luis durante el mes de noviembre del año 2019. El evento fue organizado por el Proyecto de Investigación Hacer la Historia, construir la memoria. Su impacto en las Ciencias Humanas de la misma Facultad; el Programa de Historia y Memoria, y el Archivo Histórico y Documental de la UNSL, como así también por el Centro de Estudios e Investigación en Historia de la Educación Argentina Reciente (HEAR), que en ese momento tenía sede en la Facultad de Humanidades y Artes de la Universidad Nacional de Rosario. Leia Mais

Cementerios para educar | Ricard Huerta

Son los cementerios desde hace siglos espacios inseparables de cualquier realidad urbana, peculiares extensiones para el recuerdo y la memoria que, sin embargo, no han sido lo suficientemente atractivos para ser abordados por los pedagogos y los profesores de Didáctica, quizás por ser los lugares vinculados a la muerte, destinados a enterrar los cadáveres o a ser depositadas sus cenizas. Por eso es conveniente esta monografía de Ricard Huerta, catedrático de Didáctica de la Expresión Plástica en la Universitat de València, quien ya ha transitado por estos campos, puesto que en su formación de docentes ha implicado a su alumnado en proyectos donde se ha analizado la muerte desde una perspectiva cultural y educativa, y también ha desarrollado investigaciones en las que ha podido comprobar la eficacia educativa de los cementerios como espacio de reflexión estética; todo ello desde una amplitud de miras que incluye el papel que ocupan los camposantos en nuestro imaginario colectivo. Leia Mais

Educação, desigualdades sociais e juventude negra na América Latina e Caribe: construindo a resistência antirracista/Kwanissa/2021

La ronda en el tiempo
La ronda en el tiempo, Fanny Rabel, 1964 | Imagem: Lugares INAH

O Dossiê “Educação, desigualdades sociais e juventude negra na América Latina e Caribe: construindo a resistência antirracista” apresenta artigos de autores/as de diferentes países latino-americanos e caribenhos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, Equador e Uruguai), que oferecem um instigante e significativo panorama acerca do modo como a diversidade étnico-racial tem sido tratada na região, predominantemente como desigualdade e de forma discriminatória, sendo um dos aspectos significativos para entender como as desigualdades sociais e as relações assimétricas de poder foram construídas historicamente, bem como as lutas e as tensões para a superação do racismo e das iniquidades.

Os trabalhos que integram o presente dossiê foram produzidos a partir das discussões desenvolvidas nos Seminários “Educação, Racismo e Desigualdades Sociais”, coordenado pelas Profa. Dra. Cidinalva Silva Camara Neris (Universidade Federal do Maranhão, Brasil) e Profa. Dra. Kátia Regis (Universidade Federal do Maranhão, Brasil) e “Juventudes Negras e Racismo”, coordenado pelo Prof. Dr. Rodrigo Ednilson de Jesus (Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil). Leia Mais

Educação e sociedade na ditadura civil-militar: adesões, acomodações e resistência | Nadia Gaiafatto Gonçalves e Suzete de Paula Bornatto

O historiador Rodrigo Patto Sá Motta, ao investigar sobre as culturas políticas durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), levanta reflexões sobre a existência de adesões, acomodações e resistências que permite compreendermos com maior densidade sobre esse período histórico e identificar novas configurações e rupturas ao longo do tempo. Como destaca Motta (2018, p. 132), “[…] mesmo que sejam estruturalmente arraigadas, as culturas políticas podem mudar”.

Nesse sentido, o livro Educação e sociedade na ditadura civil-militar: adesões, acomodações e resistência, organizado por Nadia Gaiafatto Gonçalves, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná e Suzete de Paula Bornatto, docente da mesma instituição, reúne textos que exploram diferentes debates no campo do ensino e suas relações com as culturas políticas da época (Gonçalves & Bornatto, 2019). Dividido em doze capítulos, os trabalhos reunidos são resultados de investigações levantadas em teses e dissertações e permitem preencher diferentes lacunas na história da educação. Leia Mais

A carta da Condessa: família, mulheres e educação no Brasil do século XIX | Samuel Albuquerque

Certas obras voltadas para o campo histórico comumente utilizam fontes epistolares como suporte para a pesquisa de biografias e trajetórias de vida de determinadas personagens. Avançando sobre esta proposta, o livro A carta da Condessa, escrito por Samuel Albuquerque1, amplia as perspectivas de análise histórica da fonte epistolar, uma vez que ela permite conhecer melhor os agentes históricos que se correspondem, mas também contribui na compreensão da conjuntura e do cotidiano na qual a carta e seus autores estavam inseridos.

Tomando esse caminho, o autor consegue compor um livro rico em detalhes por envolver a atuação de mulheres como preceptoras no Brasil durante o século XIX, e sensível aos olhares do leitor que é levado ao deleite do cotidiano feminino Oitocentista, bem como seus desafios, (des)afetos e deslocamentos pelo Atlântico. Leia Mais

Rural e Urbano | UFPE | 2016

RURAL E URBANO1

A Revista Rural-Urbano (2016-) é um periódico semestral vinculado ao Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco e gerida pelos grupos de pesquisas “Produção do Espaço, Metropolização e Relação Rural-Urbano” da Universidade Federal Rural de Pernambuco (GPRU/UFRPE) e “Sociedade & Natureza” da Universidade Federal de Pernambuco (Nexus/UFPE). Seu objetivo é constituir-se enquanto canal de veiculação científica da rede de pesquisadores sobre as relações rural-urbano, bem como congregar artigos, ensaios e resenhas científicas a partir da História e da Geografia, que versem sobre processos passados e atualmente existentes no espaço rural e no urbano. A revista também objetiva congregar trabalhos das áreas de História, Geografia, Sociologia, Economia, Arquitetura e Urbanismo, Planejamento Urbano e Regional, Serviço Social e Educação.

Periodicidade Semestral

Acesso livre

ISSN 2525-6092

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Colombia: Historia/ Educación y Política. Miradas Múltiples | Luis Alarcón Meneses

El libro que se reseña a continuación es el resultado de los distintos ejercicios de investigación que se desarrollan dentro del Grupo de Investigaciones Históricas en Educación e Identidad Nacional, liderado por Luis Alarcón Meneses. En el texto, se abordan una diversidad de temáticas de actual discusión historiográfica en Colombia y América Latina, como es el caso de la revaloración de algunos temas asociados a la educación, la justicia, la política, la violencia y lo religioso desde principios del siglo XVI. Leia Mais

Educación y Derechos Humanos en Argentina. Apuestas y propuestas de transmisión y enseñanza | María del Rosario Badano, Rosana Ramírez, María Virginia Pisarello

Las autoras de “Educación y Derechos Humanos en Argentina. Apuestas y propuestas de transmisión y enseñanza”, entrañables militantes de la memoria -como son descriptas en el prólogo del libro- poseen una amplia experiencia y trayectoria en el trabajo con la memoria colectiva y social, y con la transmisión y enseñanza de los Derechos Humanos en el ámbito educativo universitario. Su compiladora, María del Rosario Badano, es Magister en Metodología de la Investigación Científica y Tecnológica, ha dirigido numerosos proyectos de investigación vinculados al estudio de la Universidad Pública, el trabajo docente, culturas y narrativas. Leia Mais

Palavras ABEHrtas | ABEH | 2021

PALAVRAS ABERTAS2 2

A proposta de Palavras ABEHrtas (Ponta Grossa, 2021) é que ele se configure como território amplo e aberto para divulgação, informação e debates no que se refere e afeta o ensino de História, conforme os atuais valores e missões da ABEH de estabelecer interlocuções cada vez mais abrangentes e de valorizar o trabalho de professores e professoras de História em todos os níveis e âmbitos de ensino, gestão, pesquisa e divulgação. A intenção é reunir depoimentos e relatos de experiências, produções de estudantes da Educação Básica e do Ensino Superior, debates conceituais no campo do Ensino de História, bem como discutir temáticas de demandas contemporâneas e divulgar projetos e iniciativas pelo Brasil e pelo mundo.

A revista será composta por sete colunas, cada uma contando com uma dupla de curadores/as e coordenada por uma editoria renovada anualmente. Os textos serão publicados quinzenalmente (com ahead of print), a partir de convites da curadoria e também por livre demanda. Os textos deverão estar conformes ao escopo de cada coluna e adequados às normas de formatação, além de respeitar os princípios éticos da Revista. Serão aceitos também diversos formatos de expressão, tais como: textos escritos, vídeos, podcasts, canções, entre outros meios de interação, sempre acompanhados de uma apresentação que contextualize o conteúdo.

Os materiais enviados serão submetidos a uma comissão editorial e a um conselho de consultores que avaliarão criticamente as propostas. Textos bilíngues também serão aceitos, privilegiando a publicação de versões em inglês e em espanhol.

Pretendemos constituir um espaço de divulgação científica em um formato ágil, que atue como um portal de atividades comentadas da área, de troca de experiências de sala de aula, de debate político geral e das políticas públicas para a área em particular. Vislumbra-se a perspectiva de integrar o periódico com as diversas iniciativas de produção de conteúdo no Ensino de História, como os projetos Chão da História, Bate Papo sobre ensino de História, atividades do GT Nacional e dos GTs regionais de ensino de História da Anpuh, laboratórios, grupos de pesquisa, ações de extensão, etc.

Por fim, é importante que os textos e outros materiais sejam provocadores de debates e de ampliação das trocas. Assim, as curadorias podem convidar pessoas para comentar os materiais publicados. Esses comentários poderão aparecer sob a forma de novos textos linkados aos iniciais, de modo a ir criando uma rede de materiais e de discussões. Adicionalmente, os conteúdos também serão divulgados e debatidos nas redes sociais da Abeh.

Propomos sete colunas com escopo definido, que publicarão tanto conteúdos encomendados quanto avaliarão o que for recebido em livre demanda, de modo a garantir a periodicidade semanal, mas que se adaptem às necessidades de discussão e comunicação da nossa comunidade. Cada coluna contará com uma dupla de curadores/as composta por sócias/os da ABEH.

Essa iniciativa da ABEH visa possibilitar, em seu site, a divulgação de trabalhos desenvolvidos no Brasil e no exterior sobre o ensino de história, no formato de divulgação científica. Além disso, o objetivo é amplificar discussões que vão dar sequência aos textos publicados, ou seja, buscamos criar oportunidade de encontros entre todas-os-es que pensam, refletem, pesquisam e mobilizam práticas sensíveis nos mais diversos espaços que envolvem o ensino de história: escolas, espaços culturais e de memória, redes sociais, arquivos, universidades, movimentos sociais, entre outros.

As publicações serão feitas semanalmente com textos, imagens, registros, descrições, lançamentos e informações sobre diversos temas do ensino de história, conforme o escopo de cada coluna. Serão aceitos materiais de docentes e discentes da educação básica assim como do ensino superior e das pós-graduações.

Periodicidade semanal.

Acesso livre.

ISSN 2764-0922

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La educación de las mujeres en Iberoamérica. Análisis histórico | Teresa González Pérez

Este libro, La educación de las mujeres en Iberoamérica. Análisis histórico coordinado por la profesora Teresa González, contribuye al desarrollo del conocimiento universitario y da respuesta a una necesidad social que trata de reconocer el papel de la mujer en el desarrollo de las sociedades y de la educación. Es un documento ambicioso que aporta una visión amplia del pasado y presente educativo de las mujeres. Este recorrido ha experimentado una evolución impresionante y ha quedado plasmado en las numerosas líneas de investigación. Son muchos los trabajos que han incidido en el desarrollo de este tema, marcados por la reflexión y el debate, que analizaron el papel de la mujer en los distintos niveles del sistema de aprendizaje y su contribución en el mundo de la educación. En esta línea, ha ayudado la historiografía que ha evolucionado de forma vertiginosa en las últimas décadas. No podemos entender el pasado sin la participación de todos en la construcción del devenir de la sociedad. Junto a esta realidad académica e investigadora, se suman los análisis aportados por los estudios de género que han aterrizado en el panorama educativo y han estudiado patrones de comportamiento pedagógico, generando una amplia bibliografía que han analizado el prototipo femenino y los rasgos educativos que lo caracterizan. Leia Mais

Antígona | UFT | 2021

Antigona

A revista Antígona (Porto Nacional, 2021-) destina-se a publicações no campo de História, Educação e Áreas afins, prezando pela produção, pelo ineditismo e pela inovação. Visando difundir as pesquisas dos professores e dos alunos e, assim, ampliando a visibilidade do Curso de História e do PPGHispam.

Antígona, de Sófocles, coloca-se no espaço público como expoente e defensora dos direitos individuais e coletivos, heroína do direito natural, da ética, do desejo, da resistência e da subversão. Por seu nome e sua inspiração, a Revista Antígona deve vivificar propostas que questionam doutrinas pré-estabelecidas, levantando novas problematizações, novas abordagens, novos temas e novas metodologias.

Seus dossiês, artigos, resenhas e traduções devem contribuir para o aprofundamento e consistência da História e da Historiografia, da Licenciatura em História, das Ciências Humanas e Áreas afins, bem como para o debate sobre o Direito dos Povos, desenvolvidos nesse campus. Seu candelabro simboliza a inspiração da chama do conhecimento, da solidão do trabalho intelectual e da luz regeneradora que atravessa caminhos na escuridão.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

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Educação, democracia e diferença | Educar em Revista | 2020

O organismo vivo, na situação determinada pelos jogos da energia na superfície do globo, recebe, em princípio, mais energia do que é necessário para a manutenção da vida: a energia (a riqueza) excedente pode ser utilizada para o crescimento de um sistema (de um organismo, por exemplo); se o sistema não pode mais crescer, ou se o excedente não pode ser inteiramente absorvido em seu crescimento, é preciso necessariamente perdê-lo sem lucro, despendê-lo, de boa vontade ou não, gloriosamente ou de modo catastrófico. […] Ai de quem, até o fim, quisesse ordenar o movimento que o excede com o espírito limitado do mecânico que muda um pneu (BATAILLE, 2013, p. 22-23).

Este dossiê é um emaranhado, ao mesmo tempo, teórico, político e afetivo. Supõe, antes de mais da nada, uma inquietação. Deriva, sobretudo, de um desejo de intervir na relação entre democracia e educação, emergido de uma amizade nos diferentes tempos e espaços de nossas interlocuções. Das escolas quilombolas na Bahia às drag-queens em festas escolares no Rio de Janeiro, nossos campos de investigação estão conectados aos estudos de gênero, sexualidade e raça a fim de analisar como essas categorias fazem teia no pensamento curricular brasileiro. A tríade que lhe serve de título e os problemas que suscita emergiram de nossas histórias múltiplas de conversas e trocas; histórias que dão consistência às nossas trajetórias intelectuais e de pesquisa1 e que, se não explicam, ao menos localizam o convite que guia este dossiê, tão gentilmente acolhido pela Educar em Revista 2. Nosso ponto de escora, nesse contexto, é a conjunção entre educação, democracia e diferença, sugerindo que o sintagma em questão demonstra uma relação possível e não uma identidade dada. Nesta apresentação, portanto, condensamos, mesmo que brevemente, provocações dos estudos de gênero, sexualidade e raça aos pressupostos ontológicos do ordenamento jurídico-colonial da democracia liberal. Leia Mais

História, catolicismo e educação | Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira

O entendimento de que vivemos em uma sociedade marcada por experiências culturais que atribuem múltiplos sentidos e significados às vivências humanas constitui-se em expressão de reconhecimento dos fenômenos sociais existentes. A noção de pensar sobre os processos educativos institucionalizados no contexto brasileiro se deu, inicialmente, a partir da criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), na década de 1930, junto ao movimento que ficou denominado como “Nova Escola” e como uma das primeiras tentativas de organização do sistema educacional brasileiro. A reflexão sobre as crenças, em especial as religiosas, adquire relevância, igualmente, a partir da ascensão desse tipo de estudos no campo da filosofia das religiões. O objetivo do presente texto é apresentar resenha da obra “História, catolicismo e educação”, escrita por muitas mãos de jovens e experientes pesquisadores e organizada pelos professores Pedro Vilarinho Castelo Branco e Maria Dalva Fontenele Cerqueira, publicada em 2019, pela Editora da Universidade Federal do Piauí (EDUFPI). A obra está dividida em onze capítulos que dialogam entre si, a partir dos temas centrais da proposta: história, educação e catolicismo. É a partir das relações estabelecidas entre os campos da História, da Educação e da História da Educação, portanto, que a obra preocupa-se em dirigir sua mirada, em especial para as relações estabelecidas entre o catolicismo na educação escolar ao longo da historiografia brasileira. Leia Mais

La mamma, Collana L’identità italiana – D’AMELIA (BC)

D’AMELIA, Marina. La mamma, Collana L’identità italiana. Bologna: Il Mulino, 2005. 311p. Resenha de: TIAZZOLDI, Livia. Il Bollettino di Clio, n.13, p.124-127, lug., 2020.

Marina d’Amelia, docente di storia moderna all’Università “La Sapienza ” di Roma e appartenente alla Società Italiana delle Storiche, si propone con questo libro di rispondere a un interrogativo ben preciso: quando nasce in Italia lo stereotipo della mamma responsabile della mancanza di senso civico da parte di cittadini educati al protagonismo individuale più che al senso del bene comune? Un rapporto madre-figlio per descrivere il quale, negli anni ’50, Corrado Alvaro introduce il termine mammismo.

L’autrice si propone di dimostrare che questa immagine materna nasce col nuovo stato italiano, poco più di due secoli fa. Non vi è traccia infatti di madri iperprotettive nella civiltà romana, caratterizzata dalla centralità del padre, dove le donne delle famiglie più ricche si facevano sostituire dalle balie nella cura dei figli e ne affidavano l’educazione a istitutori e maestri. La tradizione giurid ica romana della patria potestà si è tramandata per un lunghissimo periodo informando di sé i codici di comportamento delle strutture familiari medievali e moderne.

Solo a partire dal tardo Settecento la mentalità collettiva comincia a guardare in modo nuovo alla relazione madre-figlio. Si fa strada una nuova visione del matrimonio, della famiglia e la consapevolezza dell’importanza del legame materno soprattutto con il figlio maschio.

Nel corso dell’Ottocento la cultura romantica, centrata sulla rivalutazione del sentimento e degli affetti privati, riscopre il femminile, attribuendo alla madre un ruolo privilegiato nella formazione sentimentale dei figli e anche un importante ruolo pubblico.

Nel volume, corredato da un’amp ia bibliografia illustrata e commentata, l’autrice delinea i tratti dell’immagine della madre italiana ripercorrendo i momenti fondamenta li del suo definirsi dal Risorgimento alla II guerra mondiale, rievocando molte figure femminili, molte testimonianze, scritture pubbliche e private.

Le madri risorgimentali

L’identità della madre italiana nasce nel Risorgimento ed è caratterizzata da un rapporto quasi simbiotico con il figlio, dall’ammirazione per tutto ciò che fa, da un eccesso di protezione nei suoi confronti e dall’intromissione nella sua vita privata.

È importante ricordare come il matrimo nio per le donne di quell’epoca non fosse frutto di una libera scelta, ma dell’obbedienza a una decisione paterna. La maternità invece era vista come vocazione e missione legata alla “rigenerazione della patria” attraverso l’educazione dei figli agli ideali di libertà, dedizione e senso del sacrificio, valori che saranno alla base della nuova Italia.

La figura della madre del patriota risorgimentale, dedita a sostenerlo durante l’esilio o nelle guerre di indipendenza, nasce negli ambienti patriottici mazziniani.

Dopo il 1848 si registra un maggio re coinvolgimento delle madri a favore dell’indipendenza italiana: organizzano campagne di propaganda con giornali e manifesti volti a mobilitare l’opinio ne pubblica.

Maria Drago, madre di Giuseppe Mazzini, e Adelaide Cairoli e i suoi numerosi figli si affermano come l’asse portante del mito di un Risorgimento che ne riconosce l’importanza pubblica in quanto capaci di mettere in moto grandi emozioni collettive.

Dopo l’Unità d’Italia, nel momento in cui si tratta di riscrivere la storia, l’icona della madre sacrificale viene posta alla base di un nuovo sentimento nazionale: diviene mito fondativo, emblema di una comune madre patria che unisce tutti i suoi figli in un comune vincolo di fratellanza.

La madre angelo del focolare nell’età liberale

In un momento storico in cui la maggioranza della popolazione italiana viveva in precarie condizioni di vita il pensiero positivista assegna alle madri il compito di rigenerare il patrimonio fisico e razziale della nazione, facendosi promotric i dell’allenamento ginnico sia dei figli che delle figlie e garantendo l’igiene dell’ambiente in cui li crescono. Si tratta di abbassare il tasso di mortalità infantile e di innalzare quello di alfabetizzazione.

Il nuovo modello è dunque quello della madre totalmente dedita alla casa, al benessere familiare, disponibile ad accogliere le indicazioni degli esperti sull’allevamento e sull’educazione dei bambini.

Le materie di igiene ed economia domestica entrano a far parte del currico lo scolastico dal 1899; proliferano inoltre manuali, riviste dedicate al pubblico femminile che insegnano alle donne come fare le madri.

In tal modo, osserva giustamente l’autrice, la presenza e l’ingerenza della madre nella vita del figlio diventa ancor più indiscutibile, fondata com’è su basi scientifiche.

Lo Stato si premura comunque di ribadire la preminenza della volontà paterna nella vita dei figli, ma questo non impedisce di perpetuare in altra forma l’idea di una relazione materna appagante di per se stessa, all’interno della quale le donne possono sublimare una vita fatta di subalternità e insoddisfazione coniugale.

L’amore materno è insomma un sentimento esclusivo, molto diverso da quello paterno, che non lascia spazio ad altro. Deriva da un compito preciso assegnato dalla Natura alla donna in quanto conservatrice della specie e somiglia ad una lava sempre rovente che ribolle continua nel vulcano del cuore. Solo dopo Freud, aggiunge l’autrice, ci si interrogherà su quali ambivalenze si nascondano dietro tanta dedizione materna.

Ben radicata rimane la centralità della maternità nel primo decennio del Novecento e se ne trovano molte testimonianze nelle riviste femminili che, pur riconoscendo il diritto all’emancipazione femminile , insistono sulla specificità della donna latina , contenta di essere donna grazie alla missio ne ricevuta dalla Natura di mettere al mondo un figlio.

La maternità si impone dunque come elemento fondante e irrinunciab ile dell’identità femminile, contrappo sto all’egomania che connota l’unive rso mentale maschile.

La madre cattolica

La Chiesa cattolica non si sottrae al compito di indicare le caratteristiche della madre ideale, incaricata dell’educazione religiosa dei figli, chiamata a difendere il suo sacerdozio d’amore, così lo definisce Beppe Fenoglio nel libro La vera madre di famiglia, dalle richieste di uguaglianza e parità, dalla pericolosa concorrenza di dottrine laiche , dalla tentazione di seguire le mode straniere del tempo.

Caratteristica peculiare della madre cattolica è quella di dover essere una presenza silenziosa, capace di controllare le proprie emozioni. Le parole che non siano preghiere sono giudicate superflue e immodeste. Va coltivata anche la virtù del non rivendicare mai le proprie ragioni, pur sapendo di averle, ma di soffocare gli scontri in un sospiro, di nascondere e dissimulare le pene. Il Papa Pio X nel 1906 dichiara che la donna non deve votare, ma deve votarsi a un’alta idealità di bene umano.

Degli ideali di emancipazione femmin ile si fanno carico nel frattempo associazioni e movimenti di ispirazione socialista che si battono per l’istruzione, la parità salaria le fra uomo e donna e il suo diritto al voto.

I primi anni del Novecento vedono un importante cambiamento nelle direttive cattoliche che incoraggiano sia l’istruz io ne che la partecipazione femminile alla vita pubblica. Si riconosce alle donne il ruolo missionario di difesa dei valori cristia ni nella società.

Madri e Grande guerra

In piena continuità con il modello sacrificale proposto in età risorgimentale, la guerra chiede alle madri italiane di appellarsi al proprio senso del dovere e di sostenere i figli impegnati nello sforzo bellico, sintonizzandosi con il loro vissuto emotivo soprattutto attraverso lo scambio epistolare che raggiunge quasi i quattro miliardi di lettere e cartoline, con una media di circa tre milioni al giorno. Ne risulta un’immagine di madre disposta a penare silenziosamente, centrata sul desiderio di rispecchiare le aspirazioni dei figli e percepita come un talismano, come presenza salvifica, ultimo rifugio dallo smarrimento.

La guerra attiva inoltre molti organismi di solidarietà e di mobilitazione civile che riconoscono un ruolo centrale alle madri, ruolo ribadito alla fine del conflitto quando lo Stato italiano decide di celebrarne l’eroismo e il sacrificio con un monume nto , La Pietà di Libero Andreotti, collocato nella Chiesa di Santa Croce a Firenze e idealmente collegato con quello del Milite Ignoto a Roma.

L’enfatizzazione di questo specifico ruolo della donna lascia troppo nell’omb ra , secondo l’autrice, alcuni elementi chiave della vita femminile di questi anni come le manifestazioni contro la guerra, la diffusione del lavoro femminile, la crescente fatica di sopravvivere di molte donne diventate capifamiglia e l’impossibilità di dare voce a sentimenti e angosce repressi in nome della coerenza.

La figura della madre in epoca fascista

Alla celebrazione della maternità il fascismo dedica una festa particolare: la Giornata della madre e del fanciullo, grande “rito di amore e orgoglio nazionale” avente lo scopo di sollecitare l’incremento della popolazione.

Vi si celebra l’immagine della donna sposa e madre prolifica esemplare, tenace custode della morale sessuale tradiziona le , soprattutto nei confronti delle figlie femmine, anche se i confini di ciò che è lecito vengono definiti dal padre. Il comportamento autoritario della famiglia ha come conseguenza quella di reprimere il desiderio di affermazione e indipendenza delle figlie.

Il partito fascista cerca in ogni modo di evitare qualunque possibile commistione fra maschi e femmine sia in ambito scolastico che durante le manifestazioni pubblic he riservate ai giovani.

Comunque, grazie alle adunanze, alla divisa, alle decorazioni, le ragazze scoprono la possibilità di una sia pur piccola liberazione dal controllo familia re , alimentando in se stesse il desiderio di un’emancipazione futura.

Il modello ideale proposto dal regime fascista è quello di Rosa Maltoni, la madre del Duce, donna semplice ma ricca di spiritualità , trasformata nel mito celebrativo della donna capace di sostenere l’ascesa sociale dei figli, opponendo un fermo rifiuto a tutti i mali che possono disgregare la famiglia. Predappio, luogo natale di Mussolini diviene meta di pellegrinaggi per onorare in lei tutte le madri della Nuova Italia.

La figura della madre nella seconda guerra mondiale e nella Resistenza

Mentre il Risorgimento e la Grande guerra avevano fatto leva sull’ero ismo silenzioso delle madri comuni disposte al sacrificio pur di sostenere la causa patriottica, la seconda guerra mondiale ne esalta questa caratteristica soltanto fino all’ 8 settembre 1943 che vede il disgregarsi improvviso dell’esercito.

Le madri non vengono risparmiate dall’orrore di quanto accade successivamente ed è difficile per loro superare la barriera delle opposte appartenenze dei propri figli.

Alcune si ritrovano ad essere madri di partigiani o partigiane esse stesse pronte ad impegnarsi e lottare nella Resistenza, altre si schierano con il fronte dei Repubblichini di Salò arruolandosi nel servizio ausilia rio femminile.

Il pensiero della madre percepita come rifugio rassicurante accomuna invece il sentire dei due schieramenti, a conferma di una fratellanza che la logica di guerra nega, ma anche di uno stretto collegamento fra istinto di sopravvivenza e bisogno di protezione.

Livia Tiazzoldi

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Educational memory of Chinese Female Intellectuals in Early Twentieth Century – JIANG (SEH)

JIANG Lijing
Lijing Jiang /

JIANG L Educational memory of Chinese Female Intellectuals JIANG, L. Educational memory of Chinese Female Intellectuals in Early Twentieth Century. Singapore: Springer, 2018. Resenha de: GUO, Mengna. Social and Education History, v.9, n.2, p.224-226, feb., 2020.

Educational Memory of Chinese Female Intellectuals in Early Twentieth Century describes the campus life, teacher-student interaction, academic career, and ideological change of the first generation of female intellectuals trained in higher education in China as the Chinese society changed in the early 20th century.

Using the research methods of life history, oral history, and history of mentalities, the author reveals the special experiences and ideological journeys of Chinese female intellectuals by the literature works of three firstgeneration Chinese female intellectuals and other people’s interpretations and commentary on their works. It also analyzes the relationship between many factors such as society, academia and education, especially higher education, and female intellectuals.

Chapter 1 is the introduction of the whole book. It explains the emergence of Chinese intellectuals, in particular, Chinese female intellectuals. The author also illustrates two essential factors that promote the transformation of traditional Chinese intellectuals into contemporary intellectuals, and states research methods.

Chapter 2 Flexible Borderline: Beijing Female Normal School in 1917 describes the architectural structure design of Beijing Female Normal School and the relationship between its design and traditional Chinese culture. After that, the author introduces the educational life of the students of Special Training Major of Chinese Literature and Language in Beijing Female Higher Normal College and compares the traditions of female education in feudal China with the educational situation of Peking University that only recruit male. The process and obstacles of Beijing Female Normal School transformed to Beijing Female Higher Normal University are also mentioned, as well as the role played by key men during this process. All of the above indicate the variability of the external environment and the reconstruction of social order in China, providing possibilities for social and educational changes.

Chapter 3 Diversified Traditions: Early Education Life of Female Individuals describes the early life and educational experience of three firstgeneration female intellectuals in China– Cheng Junying, Feng Shulan and Lu Yin. Their early experience reveals their reasons for giving up traditional female identities and lifestyles, as well as their motivation to study. It is a very unique growth experience and life story different from the male intellectual.

In the 19th century, there were three schools of thought in the mainstream of Chinese literature academia in the 1990—Tongcheng Style, Wenxuan Style, Jiangxi Style inherited from Song Dynasty. In chapter 4 Education Situation Plagued by Academic Conflicts: Beijing Female Higher Normal College During May Fourth Movement, since Hu Shi proposed literary reform, the concept of orthodox literature ideas began to be criticized at the end of 1916, and two Chinese literature masters coming to the Special Training Major of Chinese Literature and Language of Beijing Female Normal School in August 1918 proposed to “carry on extinct studies and support marginal studies”. But this cannot stop the rejection of the new trend of thought. The reform of Chen Zhongfan and the emerging of intellectuals such as Hu Shi and Li Dazhao not only contributed to the establishment of a modern academic education system, but also provided indispensable conditions for the generation of Chinese female intellectuals.

In Beijing Female Higher Normal College, the three female intellectuals underwent the impact of traditional Chinese learning and new culture, revolutionists and reformists. Their obedience and stubborn abidance to traditions and authority were replaced by independent choice-making rights.

Chapter 5 Seeking for and Recognizing the New Identity: Female Individual’s Transmutation and Rebirth deeply describes the transformation of three females, Cheng Junying, Feng Yuanjun (Feng Shulan), and Lu Yin, in Beijing Female Higher Normal College and their academic interaction with the teacher. Meanwhile, the three female intellectuals also gradually found their true vocation and the “irreplaceable” inner aspiration and interest through constant attempts and exploration under the intricacies of influences.

Although the three Chinese female intellectuals’ early experiences and specific careers are different, they all “had the responsible sense of ‘mission in life’ inherited from Chinese traditional culture or inspired by the society behind their personal interest and pursue”. Chapter 6 Scholars and Academia: Female Individuals’ Long Journeys for Gentry introduces the educational life, academic life and family life of the three female intellectuals after they left the campus. In this period, they have encountered harsh life and challenges, but the spirit which transcends personal interest and considers culture inheritance as personal responsibility has driven them to move forward.

This book shows the changes in thoughts and interests experienced by three Chinese female intellectuals with the changes of the broad social context. At the same time, it also tries to show the special role played by higher education in promoting academic transformation and establishing a modern academic education system.

Mengna Guo – Universidad de Barcelona. E-mail: [email protected].

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A pesquisa histórica em trabalho e educação – CIAVATTA; REIS (TES)

CIAVATTA, Maria; REIS, Ronaldo Rosas (Orgs.). A pesquisa histórica em trabalho e educação. Brasília: Liber Livro Editora, 2010, 200 p. Resenha de: DAMASCENO, Rosangela Aquino da Rosa. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.12, n.1, Rio de Janeiro, jan./abr. 2014.

A coletânea dos organizadores Maria Ciavatta e Ronaldo Rosas Reis apresenta estudos e pesquisas desenvolvidos no âmbito do Programa de Cooperação Acadêmica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Procad/Capes) que resultam de cinco pesquisas, duas teses e uma dissertação. Estruturado em duas partes – a primeira, “Trabalho e educação: interfaces com a história e a arte”, e a segunda, “Trabalho e educação: a indústria, seus processos e ideologias” -, o livro é permeado de registros sobre a produção da existência humana, mais especificamente no que tange à pesquisa histórica em trabalho-educação.

Conduzindo o olhar para os centros de memória, observa-se que eles se constituem para a preservação das múltiplas memórias e integram um espaço estimulador de reflexão do fazer histórico dos vários segmentos sociais. Em um entendimento mais aprofundado de cidadania, a memória torna-se processo de construção da identidade, porque contribui para a formação cultural, compreensão do real e análises da evolução de lutas sociais que se desenvolvem no tempo e no espaço.

A pesquisa “Arquivos da memória do trabalho e da educação: centros de memória e formação integrada para não apagar o futuro”, de Maria Ciavatta, expressa os resultados de uma pesquisa mais ampla, da qual foram selecionados os seguintes recortes: a historicidade do conceito de formação integrada nos debates político-pedagógicos; arquivos escolares e centros de memória sobre a escola e o trabalho; a memória fotográfica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis, unidade Rio de Janeiro (Cefetq), e o Centro de Memória do Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio de Janeiro (Cefet/RJ). Partindo dessas abordagens, a autora situa a história em sua relação espaço-tempo e defende a importância do registro na construção da identidade de grupos sociais. A questão da relação trabalho-educação é dissecada no espaço das escolas de ensino médio-técnico de forma contextualizada, com a proposta, sobretudo, de discussão e reflexão sobre o tema da formação integrada. Assim, a escola, em toda a sua complexidade, cenário de lutas ideológicas, se inscreve com todas as suas tensões e mediações como ‘lugar de memória’.

Nesse contexto, a falta de políticas e fomento para criação de espaços destinados à guarda de acervo e à preservação do patrimônio colabora de forma ostensiva para os apagamentos da memória institucional, o que o texto em diversos momentos flagra. O estudo aponta ainda a memória do trabalho e da educação como um tema pouco explorado. Ressalta também a pesquisa à luz das fotografias, realizada nos centros de memória do Cefetq e do Cefet/RJ, como uma fonte de pesquisa social que precisa constituir-se num movimento de intertextualidade com outras fontes. Em suas considerações finais, alerta: “o primeiro pressuposto da formação integrada é a existência de um projeto de sociedade” – e defende o centro de memória “como elemento aglutinador, gerador de coesão social”.

Ainda na primeira parte do livro, Jorge Gregório da Silva apresenta o artigo “A reconstrução dos caminhos da educação profissional em Manaus (1856-1877): refletindo sobre a criação da Casa dos Educandos Artífices”, no qual, sob a lente do materialismo histórico, busca desvelar as categorias recorrentes no discurso sobre trabalho e educação em Manaus. Partindo de um levantamento baseado em uma pesquisa documental e uma pesquisa bibliográfica, revela que a Casa dos Educandos Artífices alicerçou sua proposta pedagógica em um detalhado plano de organização didática e administrativa da educação escolar. Para esta publicação, o autor dividiu seu estudo em três seções: trabalho e capital: antecedentes históricos do projeto de educação profissional em Manaus; a criação da Casa dos Educandos Artífices de Manaus; os efeitos das categorias de análise no processo histórico de construção da educação profissional em Manaus (1856-1877). As reflexões sobre estas questões, notadamente, mobilizam uma argumentação que se alimenta no protagonismo do ideário marxista.

No artigo “Trabalho, arte e educação no Brasil – notas de pesquisa: sobre a dualidade no ensino de arte”, Ronaldo Rosas Reis coaduna as interfaces da arte com a história. Ao apresentar o contexto do trabalho desenvolvido, ressalta que há alguns anos pesquisa as relações sociais entre produção artística e o ensino de arte no Brasil. De forma analítica, introduz três notas sobre as investigações: nota explicativa, sobre o sistema de belas-artes; nota 1, sobre a Escola de Arte e de Ofícios numa sociedade ‘modernizada’; nota 2, sobre a arte no modernismo; e nota conclusiva, a razão dualista, a arte e o ensino artístico. O resultado, uma fecunda obra com significativa contribuição para os estudos sobre educação e arte e trabalho-educação, descortina oportunidades para outros estudos e mediações sobre o tema.

Encerrando a primeira parte do livro, Maria Inês do Rego Monteiro Bonfim apresenta o artigo “Trabalho docente na escola pública brasileira: as finalidades humanas em risco”, organizado em duas seções: o capitalismo e as especificidades do trabalho de ensinar; e o Estado brasileiro e o enfraquecimento do trabalhador docente. Com ênfase, defende a ideia de que o trabalho docente é determinado historicamente pelo modo de produção capitalista e denuncia, de forma contundente, a expropriação do trabalhador docente ante a dominação e o controle hegemônico, reiterando a importância de se pensar o trabalho docente da escola pública em sua articulação com a dinâmica social no capitalismo da atualidade.

A segunda parte do livro é protagonizada pela relação trabalho-educação, em temas ligados à indústria, seus processos e ideologias. Abre a cena o trabalho de Arminda Rachel Botelho Mourão, comprometido em subsidiar estudos que trazem para discussão a universidade tecnológica no contexto das políticas de ciência e tecnologia. Assim, “Tecnologia: um conceito construído historicamente”, estudo indispensável por seu caráter de atualidade e relevância do tema, é explicitado nas seções: a técnica: diferentes concepções (a técnica como instrumento de uso; a técnica como entidade autônoma; e a técnica como produto histórico); discutindo a tecnologia; e a construção de uma nova visão tecnológica.

O trabalho de Eliseu Vieira Moreira, “A teoria da qualidade total como política educacional do capitalismo”, está estruturado didaticamente em duas partes. A primeira – a teoria da qualidade total: um novo simulacro transplantado para a educação básica – busca “entender que a materialidade histórica da transplantação ideológica da qualidade total, do campo empresarial para o campo educacional, se deu em quatro focos diferentes”. A segunda – a qualidade como categoria de controle da educação – mostra as políticas implementadas pelo Banco Mundial e outros organismos, visando ao ajuste estrutural e sua manipulação nas relações de trabalho. Contrapondo-se à teoria da qualidade total, um projeto integralmente baseado na lógica do ideário neoliberal, o autor defende a ideia de uma qualidade na qual esteja inserida a qualidade de vida. Aportado em suas reflexões, filia-se claramente ao embate teórico, colocando-se frontalmente contra a transplantação da teoria da qualidade total no campo produtivo-empresarial para o campo das políticas educacionais. A pesquisa instiga a reflexão e a necessidade de se pensarem formas de intervenção e resistência ao modelo perverso e excludente ditado pelo ideário neoliberal.

Em “Crescimento econômico do capital, emprego e qualificação profissional no Amazonas”, Selma Suely Baçal de Oliveira debruça-se sobre a questão do desemprego, analisando as modificações impostas pelos atuais padrões do processo produtivo – competitividade e maior acumulação – presentes no conflito histórico entre capital e trabalho. O contexto da investigação desmembra-se nos temas metodologia e procedimentos; o debate teórico; o movimento do emprego/desemprego no estado do Amazonas no início do século XXI; e a indústria eletroeletrônica no Brasil e o contexto manauara. Com atenção aos processos metodológicos da pesquisa, promove um detalhado levantamento no qual analisa os indicadores de emprego e desemprego na Zona Franca de Manaus, no período de 2000 a 2003, com trabalhadores da categoria de eletroeletrônicos. Sua abordagem contempla a reflexão sobre as relações de trabalho e o contexto atual da disputa trabalho-capital. Alerta ainda para significativas mudanças no ‘mundo do trabalho’, em que destaco: a forte entrada do capital estrangeiro, o avanço tecnológico (automação da produção) e as perdas dos direitos sociais de cidadania conquistados pelo conjunto dos trabalhadores, cidadania essa preconizada pelo Estado em suas reformas.

A segunda parte do livro encerra-se com “Educação corporativa na indústria naval”, artigo de Antonio Fernando Vieira Ney. Notável por suas contribuições ao debate sobre educação corporativa, revela a manobra do capital para formar mão de obra do seu interesse. Para tal, lança seu olhar sobre a indústria naval e sobre como ocorre a divisão do trabalho nos estaleiros. Desdobra suas análises em questões como a conceituação de educação corporativa; a constituição da educação corporativa; as considerações sobre o trabalhador da indústria naval e a aplicação do tecnólogo na indústria naval. O autor elabora seu estudo com expressiva contribuição para pesquisadores da área trabalho-educação, trazendo à luz elementos que podem auxiliar na compreensão do interesse do capital em assumir a responsabilidade de formação profissional, abrindo um campo de possíveis reflexões e ações no espaço político.

Por fim, cabe o registro da percepção de uma costura ideológica e uma linha discursiva contra-hegemônica permeando as produções dos autores.

Rosangela Aquino da Rosa Damasceno – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

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Abatirá | UNEB | 2020

Abatira

Abaritá (Eunápolis, 2020) é uma publicação eletrônica do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias do Campus XVIII da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e tem como escopo fomentar a produção científica para a construção do conhecimento no campo da Educação.

A revista ABATIRÁ é organizada através textos originais de diferentes perspectivas teórico-metodológicas, que contribuam para o debate acadêmico sobre as várias dimensões da educação: políticas públicas educacionais; trabalho docente e as práticas pedagógicas; produção e difusão do conhecimento nas diversas áreas dos currículos, nos diferentes níveis e modalidades de educação; processo de ensino e aprendizagem; contribuição de outras áreas do conhecimento no constructo de epistemologias, metodologias, currículos e inovações didáticas no campo da educação.

Busca a publicação de estudos científicos inéditos, de caráter teórico ou aplicado e de reconhecida qualidade acadêmica, produzidos por pesquisadoras(es) de universidades e instituições de pesquisa do Brasil e do exterior.

Periodicidade semestral.

Esta revista oferece acesso livre imediato ao seu conteúdo, seguindo o princípio de que disponibilizar gratuitamente o conhecimento científico ao público proporciona maior democratização mundial do conhecimento.

ISSN  2675-6781

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Escola “sem” Partido – Esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira – FRIGOTTO (TES)

FRIGOTTO, Gaudêncio (Orgs.). Escola “sem” Partido – Esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: UERJ, LPP, 2017. 144p. Resenha de: HANDFAS, Anita. Por uma escola pública, democrática, reflexiva e plena de conhecimentos. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.18 n.2,  2020.

Resistência ao autoritarismo; gênese e significado; educação; redes políticas; criminalização do trabalho pedagógico; avanço do irracionalismo; democracia; reestruturação curricular – esses são apenas alguns dos aspectos do proclamado movimento Escola sem Partido, tematizado ao longo da coletânea organizada por Gaudêncio Frigotto. Fruto de investigações minuciosas realizadas por dezenove pesquisadores, seu objetivo é mapear os principais aspectos do Escola sem Partido, cujas primeiras manifestações surgiram em 2004, ganhando fôlego desde então e deixando rastros cada vez mais marcantes no contexto atual de avanço do obscurantismo no Brasil.

O livro é uma obra de compreensão sociológica acerca das conexões entre educação e autoritarismo. A coletânea é composta por nove capítulos. O eixo condutor que atravessa o livro é traçado pelos princípios da escola pública, democrática e laica, em diálogo crítico com os preceitos do Escola sem Partido, como já aponta o subtítulo. Ou seja, nesse livro há um terreno comum por onde percorrem os autores, em defesa de uma escola que promova o conhecimento científico, a reflexão e o debate, princípios a partir dos quais, os capítulos buscam oferecer ao leitor um diagnóstico rigoroso do referido movimento.

Nessa direção, o livro demonstra com clareza de dados e informações que, a despeito da propalada liberdade, o Escola sem Partido constrange o professor, sufoca o trabalho pedagógico e encoraja práticas de denuncismo entre os sujeitos que convivem no espaço escolar.

Para dar conta da diversidade de olhares contemplados na coletânea, o organizador mobilizou um conjunto de temas tratados nos capítulos que lograram, por um lado, focar em características específicas do movimento e, por outro, constituir um todo do fenômeno investigado, elucidando as questões centrais sobre o que vem a ser esse movimento, assim como os impactos sobre a educação, a escola e o trabalho docente.

O livro inicia com uma apresentação de Maria Ciavatta que nos convida à reflexão, mostrando que, ao buscar a gênese do Escola sem Partido, os autores da coletânea chamam à organização e à ação todos aqueles que lutam por uma sociedade democrática e por uma educação emancipadora.

No primeiro capítulo, Gaudêncio Frigotto nos chama a atenção para a ameaça que representa o Escola sem Partido. Ao evocar a metáfora da “esfinge” e do “ovo da serpente”, adverte para os perigos da propagação da ideologia desse movimento, cujo alvo é o esvaziamento da função social da escola pública. Abrindo caminho para os capítulos seguintes, Frigotto traça um amplo panorama sobre a gênese do movimento, mostrando que a ideologia tão propalada por ele funciona, em última instância, como um mecanismo para encobrir seus interesses políticos e econômicos, tendo em vista a posição atual ocupada pelo Brasil no interior das contradições do capitalismo.

No capítulo seguinte, é a vez de Fernando Penna analisar o discurso do Escola sem Partido. O autor mostra que por detrás daquilo que muitos professores entendiam por absurdo, deboche e mesmo improvável, o movimento alcançou êxito em suas posições na escola e na sociedade, ao partir de uma estratégia discursiva simples e próxima ao senso comum que desqualifica o professor e coloca pais e responsáveis pelos alunos numa posição inquisidora. O autor destaca e analisa quatro aspectos do discurso do movimento: (1) a concepção de escolarização; (2) a desqualificação do professor; (3) a acusação da escola como espaço de ideologização, e dos docentes como militantes travestidos de professores.

O terceiro capítulo foi escrito por Betty Solano Espinosa e Felipe Campanuci Queiroz. Nele, os autores adotam a perspectiva analítica das redes sociais, para quantificar e qualificar os agentes e as ideias que formam o Escola sem Partido, buscando identificar suas interações com atores de variados espectros sociais. Ao mapear a teia de articulação existente, Bety e Felipe concluem que os membros que compõe o movimento estão vinculados a partidos políticos, instituições religiosas e grupos empresariais poderosos.

No quarto capítulo, Eveline Algebaile traça um quadro geral “do que é”, “como age” e “para que serve” o Escola sem Partido. Ao esquadrinhar a plataforma principal do movimento, um sítio virtual da internet, a autora mostra que, ao contrário do que pode parecer, o Escola sem Partido não se constitui enquanto um movimento, no sentido de agir e organizar seus adeptos orgânica e fisicamente, mas tem todas as suas ações veiculadas por meio de uma plataforma virtual, espaço onde são difundidas suas ideias e divulgadas as orientações para denúncias contra supostas práticas de doutrinação ideológica por parte dos professores.

O capítulo seguinte foi escrito por Marise Ramos e se dedica a analisar os impactos das ideias difundidas pelo Escola sem Partido sobre o trabalho pedagógico dos professores. Para tal, a autora desmonta a suposta neutralidade do ato educativo aventada pelo movimento, asseverando que as contradições e disputas por concepções de mundo presentes no espaço escolar nada mais são do que manifestações salutares inerentes ao ato de educar. Para a autora, sem isso, a escola se torna amorfa e cativa da ideologia das classes dominantes.

O sexto capítulo, escrito por Mattos et al, lembra que o debate em torno do caráter secular e democrático da educação pública vem de longa data e a atuação de grupos religiosos contra a laicidade é uma marca na história da educação brasileira. Na atualidade, segundo os autores, essas posições se revestem em ataques aos conteúdos veiculados na escola e nos livros didáticos, sob o pretexto do Escola sem Partido, de que somente aos responsáveis dos alunos caberia velar pelos valores morais, religiosos e sexuais de seus filhos.

Em seguida, o capítulo de Isabel Santa Barbara, Fabiana Lopes da Cunha e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho parte do entendimento de que historicamente a escola tem sido uma instituição normalizadora e disciplinadora da classe trabalhadora. No entanto, os autores argumentam que quando a escola passa a representar uma oportunidade real de ascensão social das camadas populares, setores conservadores interessados em preservar a hierarquia social e os valores das classes dominantes passam a atacar a escola e os professores. É neste cenário que o Escola sem Partido ganha terreno para operar por meio de mecanismos de “governamento”, no sentido de impor novas condutas e subjetividades no espaço escolar.

O oitavo capítulo, escrito por Rafael de Freitas e Souza e Tiago de Oliveira propõe uma reflexão filosófica sobre o Escola sem Partido. Partindo dos conceitos de doxa (opinião ou crença comum) e logos (razão), os autores mostram como o obscurantismo que atravessa o discurso do movimento fere os princípios da razão e do conhecimento científico na escola, garantidos inclusive pela legislação nacional, para dar lugar à opinião, ao senso comum, fortalecendo assim as crenças e convicções religiosas, como mais uma forma de atacar o conhecimento e o trabalho pedagógico realizado de forma competente pelo professor.

Fechando a coletânea, o capítulo de Paulino José Orso é propositivo de uma alternativa pedagógica e curricular que possa fazer frente ao desmonte da escola, do conhecimento e do trabalho pedagógico do professor. Nessa direção, o autor defende um currículo que contemple uma sólida formação teórica, possibilitando ao aluno uma visão crítica sobre o passado histórico e a compreensão da sociedade atual.

Com a apresentação sintética dos capítulos que compõe a coletânea Escola “sem” Partido – Esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira, fica claro que se trata de um livro da maior importância, sobretudo no contexto atual de avanço do obscurantismo do governo Bolsonaro que ataca a ciência e o conhecimento científico porque quer supor que tudo não passa de construções. A ideologia do Escola sem Partido quer fazer crer que a opinião é tão importante quanto o conhecimento, visão que nos empurra para o relativismo, tão contrário ao esforço investigativo e ao conhecimento, tão necessários para a construção de uma escola libertária. Em tempos sombrios como os que estamos enfrentando atualmente, parece ser mais uma vez oportuna a advertência feita por Saviani (2018) de que a luta pela escola democrática passa por sua articulação com a luta pela democratização da sociedade.

Nesse sentido, a coletânea em pauta é a um só tempo, um livro de denúncia e combate e por isso deve ser lido por todos aqueles que defendem uma educação pública, gratuita, laica e que contemple todas as dimensões da vida humana.

Referências

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia, 43. ed. Campinas: Autores Associados, (2018). [ Links ]

Anita Handfas – Universidade Federal do Rio de Janeiro , Faculdade de Educação , Laboratório de Ensino de Sociologia Florestan Fernandes , Rio de Janeiro , RJ , Brasil. E-mail: [email protected]

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Educación para el siglo XXI. El desafío latinoamericano | Mario Waissbluth

Mario Waissbluth escoge un texto de Andrés Bello, escrito en 1836, para abrir su ensayo. Este epígrafe es interesante, ya que evidencia la coexistencia de dos modelos educativos: uno pensado para instruir a las clases menesterosas, y otro diseñado para educar a los sectores acomodados. Según la dialéctica que expone Bello, las escuelas que instruyen a las clases trabajadoras no debiesen ofrecer mayores proyecciones a sus estudiantes, pues una mejor preparación podría alejar a estos muchachos del trabajo productivo; a su vez, las clases acomodadas, cuyas profesiones requieren una instrucción más exigente, habrán de educarse en colegios que fueron diseñados para formar a las elites (Waissbluth, p.11).

El texto de Andrés Bello contextualiza la problemática que aborda Mario Waissbluth en Educación para el siglo XXI. El desafío latinoamericano [1] (2018). Este ensayo, de lectura amena y sencilla, analiza los niveles de exclusión y segregación educativa existentes en América latina, dificultades que impiden a los sistemas educativos de estos países enfrentar los desafíos del mundo globalizado. Leia Mais

A Emergência da Escola | José Gonçalves Gondra

A emergência da escola, o modo como surgiu e se constituiu o modelo escolar que se tornou dominante nos últimos 150 anos, é o problema central do livro escrito por José G. Gondra, lançado em 2018. Com comentários de António Nóvoa, Margareth Rago e apresentação de Diana Vidal, o livro publicado pela Cortez Editora, nos mostra a maneira pela qual se deu a emergência da escola no período imperial do Brasil.

O autor, pesquisador na área, possui larga experiência. É professor titular da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador da FAPERJ, entre outras qualificações. É docente há mais de trinta anos, tendo atuado na educação básica e, atualmente, no ensino superior. Entre diversas outras obras, destaca-se no seu labor autoral as que publicou pela Cortez, com Alessandra Schueler, Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro e pela EDUERJ, Artes de Civilizar, medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Em 2018 escreveu “A emergência da escola” resultante do seu concurso para professor titular, em parceria com o seu grupo de pesquisa realizada no âmbito do Núcleo de Ensino e Pesquisa em História da Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (NEPHE/UERJ), integrado pelos pesquisadores Marina Natsume Uekane, Giselle Baptista Teixeira, Daniel Cavalcanti de Albuquerque Lemos, Pedro Paulo Hausmann Tavares, Pollyanna Gomes Pinho, Inára Garcia e Angélica Borges, citados como coautores do texto. Pollyana Gomes Pinho junta-se ao autor na escrita do capítulo IV. Leia Mais

Educar na realidade – L’ECUYER (C)

L’ECUYER, C. Educar na realidade. São Paulo: Fons Sapientiae, 2019. Resenha de: GONZALEZ, Nancibel Webber. Conjectura, Caxias do Sul, v. 25, 2020.

Catherine L’Ecuyer é canadense e reside na Espanha. Graduada em Direito, possui especialização pelo IESE Business School e título de Mestre Europeu Oficial em Pesquisa. É doutora em Educação pela Universidad de Navarra e publicou o artigo “The Wonder Approach to Learning”, pela revista Frontiers in Human Neuroscience, em que apresenta sua teoria sobre aprendizagem. L’Ecuyer é autora de Educar en el asombro, traduzido ao português como Educar na curiosidade: a criança como protagonista de sua educação e Educar en la realidad, traduzido ao português como Educar na realidade, do qual trata a presente resenha.

L’Ecuyer assessorou o Governo do Estado de Puebla, no México, para uma reforma da Educação Infantil, formou parte de um grupo de trabalho para o Governo da Espanha sobre o uso das novas tecnologias pelas crianças e participou da elaboração de um relatório sobre leitura digital para o Centro Regional para a promoção do Livro na América Latina e Caribe (Cerlac) (Unesco). Recebeu o Prêmio Pajarita da Associação Espanhola de Fabricantes de Brinquedos. Ministra palestras sobre Educação em diversos países, mantém um blog educativo com mais de 1 milhão de visitas e escreve artigos sobre Educação para o jornal El País. Catherine L’Ecuyer também é colaboradora do grupo de pesquisa Mente-Cerebro da Universidad de Navarra, Espanha. Leia Mais

Classics in Britain: Scholarship/ Education/ and Publishing 1800-2000 | Christopher Stray

Este libro reúne una serie de artículos de Christopher Stray sobre varios aspectos de la enseñanza de los estudios clásicos y la erudición en los siglos XIX y XX en Gran Bretaña. A excepción de los capítulos 3 y 8, que son publicados aquí por primera vez, los restantes artículos vieron la luz previamente en otros libros y revistas. Sin embargo, en palabras del autor, este libro busca ser más que la suma de las partes. Incluye una bibliografía completa y un útil index nominum, que facilita mucho la tarea de consultar un libro voluminoso con información importante. Leia Mais

Educación para el Siglo XXI. El desafío latino-american | Mario Waissbluth

El libro Educación para el Siglo XXI. El desafío latinoamericano fue escrito por Mario Waissbluth y publicado a mediados de 2018 por el Fondo de Cultura Económica. Debido a que desde la creación de Fundación 2020 el autor se ha posicionado como una de las voces más influyentes en la discusión sobre políticas educativas en Chile, la lectura de este texto resulta imprescindible para quienes estén interesados en aportar al debate educativo y contribuir a mejorar la calidad y la equidad de la educación en Latinoamérica.

En el capítulo I, el autor advierte que las decisiones que se tomen hoy en materia de política pública educativa impactarán a lo largo del siglo XXII, lo cual requiere enfrentar con urgencia los deficientes desempeños educativos que presentan los niños, jóvenes y adultos de la Región. En reiteradas oportunidades el relato recuerda que, pese a los avances en cobertura, los estudiantes y adultos no comprenden lo que leen ni pueden realizar operaciones aritméticas sencillas. Leia Mais

Olhar sobre a história das Áfricas: religião, educação e sociedade | Thiago Henrique Sampaio e Patrícia Teixeira Santos

A obra Olhar sobre a História das Áfricas: religião, educação e sociedade aqui resenhada é resultado de reflexões desenvolvidas pelo grupo internacional de pesquisa Fontes e Pesquisas sobre as missões Cristãs na África, arquivos e acervos, cuja coordenação no Brasil se dá pelas Professoras Patrícia Teixeira Santos (UNIFESP) e Lucia Helena Oliveira Silva (UNESP) e na parte internacional, pela Professora Elvira Cunha Azevedo Mea (CITCEM Universidade do Porto).

A coletânea foi publicada em 2019 pela Editora Prismas e organizada por Thiago Henrique Sampaio (UNESP), Patrícia Teixeira Santos (UNIFESP) e Lucia Helena Oliveira Silva (UNESP), agregando 17 artigos agrupados em duas partes: a primeira intitulada Missões e missionários no continente africano, a qual trata da história das missões dentro do continente africano e a segunda Patrimônio, Acervos e Religiosidade: práticas e representações das missões, que aborda as possibilidades de pesquisas com acervos, documentos, patrimônios e instituições missionárias. Leia Mais

In the Shadow of Authoritarianism: American Education in the Twentieth Century – FALLACE (THT)

FALLACE, Thomas D.  In the Shadow of Authoritarianism: American Education in the Twentieth Century. New York: Teachers College Press, 2018. 215p. Resenha de: OROMANER, Mark. The History Teacher, v.52, n.3, p.525-526, may., 2019.

In the Shadow of Authoritarianism is a timely contribution to the understanding of how American primary and secondary elite educational thinkers responded to perceived threats from approximately World War I to the 1980s. These perceived internal and external threats (the “Other” against which American educational philosophy evolved) are: Prussianism, propaganda, collectivism, dictatorship, totalitarianism, the space race, mind control, and moral relativity. A chapter is devoted to each of these chronologically ordered episodes. Thomas D. Fallace covers this almost century-long period in a clearly presented and well-documented 149 pages of text. The book is suited as an overview in undergraduate and graduate courses in the History of Twentieth-Century American Educational Philosophy and in other courses in education, sociology, political science, and history that focus on the relationship between politics and education. For students who wish to pursue a particular thinker, time period, school of thought, or social/political movement, Fallace has provided thirty-two pages of Notes and eighteen pages of Bibliography.

During the twentieth century, authoritarianism was used “to depict the outlook… characterized by social hierarchy, ideological homogeneity, and intolerance for dissent” (p. 1). Schools were central for the transmission of authoritarian ideology and values to young people. Under such a system, students were taught to be docile, obedient, intolerant, and compliant. In contrast, under a democratic system (e.g., the United States), students were taught to be open-minded, balanced, and skeptical. These contrasts are, of course, ideal types—however, they are “what most U.S. educators told themselves and one another repeatedly between World War I and the 1980s” (p. 1). Regardless of the changing geopolitical realities, listed above, the reaction of “most leading American educators remained constant” (p.1). That is, to teach students how to think, not what to think. Thus, the avoidance of propaganda and indoctrination in the classroom.

The general agreement that the emphasis in schools should be on the how rather than the what to think left U.S. intellectuals to debate the meaning of this phrase and to adjust to the various challenges the American system faced. Should the curriculum be based on liberal arts, on social issues, on discipline inquiry, on exploration of students’ values and morals? Fallace is well aware that the Constitution of the United States delegates authority over education to the states, and that it is an error to assume that the rhetoric of reform of educational leaders “reflected what was actually going on in the majority of U.S. classrooms at any given time” (p. 3). Throughout most of the twentieth century, the most prominent and influential educational thinker was the Teachers College, Columbia Universitybased philosopher John Dewey. In a 1916 address, Dewey argued that the U.S.

should no longer emulate the German system of education (Prussianism) with its emphasis on bureaucracy, centralization, and regulation. Rather, the American system should emphasize persuasion, expert knowledge, and a student-centered philosophy and pedagogy that stressed how to think. World War I also gave rise to a perceived domestic threat to democratic education; government propaganda to gain support for the war. Given current and recent fears over the contents of textbooks, social media, “fake news” in the traditional media, and the concentration of media channels, Chapter 2, “In the Shadow of Propaganda,” is of particular relevance today.

The reactions of educational leaders to Prussianism and propaganda set the stage for later reactions to fascism, Nazism, and communism, and to post-World War II threats from mind control and technological challenges symbolized by Sputnik. Limitations of space prevent me from describing the nuanced job that Fallace does in presenting the often conflicting views of anthropologists, psychologists, sociologists, and philosophers in attempting to ensure that the American educational system is student-oriented and continues to emphasize the how rather than the what to think. In the final chapter (Chapter 8), Fallace argues that the liberal consensus after World War II “collapsed under the weight of domestic turmoil brought on by the Civil Rights Movement and the Vietnam War” (p. 136). One influential reaction was the emergence of Lawrence Kohlberg’s developmental framework as a guide to moral growth in a democracy. The pressing question now was: How do we teach values and morality and still say that in a democratic society, education will stress how to think and not what to think? The answer appears to be that the importance of schools as sites building free-thinking citizens has been marginalized by a view of the schools as sites that prepare students for college and careers. I know of no better source to engage students in analyses of where American educational philosophy has been during the past century, and where it may be in the near future than In the Shadow of Authoritarianism: American Education in the Twentieth Century.

Mark Oromaner – New York City

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Cultura, politecnia e imagem – ALBUQUERQUE et al (TES)

ALBURQUERQUE, Gregorio G. de; VELASQUES, Muza C. C; BATISTELLA, Renata Reis C. Cultura, politecnia e imagem. Rio de Janeiro: EPSJV, 2017. 318 pp. Resenha de: GOMES, Luiz Augusto de Oliveira. A materialidade da cultura: uma nova forma de ler o mundo. Revista Trabalho, Educação e Saúde, v.17, n.2, Rio de Janeiro,  2019.

O livro Cultura, politecnia e imagem,organizado por Gregorio Galvão de Albuquerque, Muza Clara Chaves Velasques e Renata Reis C. Batistella, publicado pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz, apresenta um panorama ampliado do conceito de cultura a partir de três eixos de análise que se complementam: (1) Cultura, educação, trabalho e saúde; (2) Cultura, educação e imagem; e, (3) Cultura e cinema. Os 20 autores que assinam os 15 artigos do livro apresentam importantes contribuições para compreender a materialidade da cultura nos tempos atuais.

No eixo “Cultura, educação, trabalho e saúde”, ao debater cultura, os autores se fundamentam especialmente no materialismo histórico dialético para refletir sobre o conceito ampliado do termo. É interessante observar a defesa de uma concepção de cultura imbricada dialeticamente com todas as instâncias dos processos de produção da vida social, refutando a tradição idealista que busca na cultura algo puro e apartado do “reino dos conflitos e contradições” (p. 25). Além da crítica ao idealismo, é crucial destacar as reflexões acerca das obras de Eduard Palmer Thompson e Raymond Willians, pensadores da chamada nova esquerda britânica, para desconstruir a leitura de um marxismo dogmático e fundado no reducionismo econômico, que hierarquiza base/superestrutura e plasma a cultura no plano da ‘superestrutura’, desvinculada das relações sociais de produção (infraestrutura). Quanto às relações dialéticas entre estrutura e superestrutura, assim como Thompson (1979, p. 315) podemos dizer que “o que há são duas coisas que constituem as duas faces de uma mesma moeda”. Ao ter em conta os nexos entre economia e cultura, podemos perceber que a “dimensão cultural das sociedades são espaços dinâmicos permeados por conflitos de interesses” (p. 88), espaços onde estão presentes tanto o consenso quanto disputas por uma nova hegemonia. Essa constatação vai ao encontro das palavras de Thompson (1981, p. 190) de que “toda luta de classes é ao mesmo tempo uma luta acerca de valores”, valores esses que constituem a cultura, cuja base material deve ser investigada e considerada na análise do movimento do real.

É um desafio compreender o conceito de cultura não apenas como campo de consenso. Como nos informa o eixo “Cultura, educação, trabalho e saúde”, a cultura pode ser entendida como resultado das ações dos homens e mulheres sobre o mundo. Em última instância, “ela se torna o próprio ambiente do ser humano no qual ele é formado, apropriando-se de valores, crenças, objetos, conhecimentos” (p. 99).

A obra de Clifford Geertz, trabalhada em um dos artigos do livro, também contribui para o debate sobre cultura, principalmente por abordar os modos de vida e discursos dos grupos vulneráveis ou excluídos. A noção de comportamento humano de Geertz é uma ótima ponte para aproximar a antropologia da discussão a respeito da compreensão do processo saúde-doença. A autora do artigo afirma que a contribuição de Geertz e a sua antropologia “é muito favorável para a inclusão do ponto de vista dos pacientes e usuários dos serviços na análise das questões de saúde, principalmente no atual contexto, no qual o discurso médico é dominante” (p. 114).

No segundo eixo, intitulado “Cultura, educação e imagem”, os autores tratam da construção de conhecimento por meio das imagens. Esse eixo, em especial, nos favorece a compreensão das imagens como mediação em espaços formativos, sejam eles institucional (como a escola) ou qualquer outro espaço de educação dos sujeitos coletivos. Para isso, os autores buscam principalmente nas experiências em sala de aula mostrar como, por intermédio da cultura (em especial, da imagem), é possível outra leitura do mundo.

Com isso, concordamos com Kosik (1976) quando entende que compreender a vida para além da sociedade fetichizada − que toma a coisas no seu isolamento, adota a essência pelo fenômeno, a mediação pelo imediatismo−, é um exercício de apreensão da totalidade do cotidiano. Por isso, tendo em conta a pseudoconcreticidade com que o mundo se apresenta, os autores indicam que na sociedade capitalista, onde “o urbano passa a ser uma sucessão de imagens e sensações produzidas e reproduzidas pelos indivíduos que criam uma condição fragmentada da vida moderna” (p. 88), crianças, jovens e adultos buscam nas imagens divulgadas nas mídias (televisão e redes sociais) a construção de si mesmos e do mundo.

Na lógica do capital, a imagem exerce um papel importante na manutenção da hegemonia, impondo valores e transferindo os desejos da burguesia para a classe trabalhadora. Como constata um dos artigos, a “dissolução da forma burguesa mantém-se no contínuo da passividade dos sujeitos sociais, arraigando assim uma violência subjetiva terrorista, como reconhecer e alterar este mundo […] a colonização estética dos sentidos é perversa” (p. 160).

Sabemos que a educação é apropriada pelo capitalismo como formadora de consenso: “forma-mercadoria e forma estatal como princípio de organização da vida social, impregnando a subjetividade humana de práticas autorrepressivas no que diz respeito aos seus impulsos de felicidade e liberdade” (p. 170). A leitura do eixo “Cultura, educação e imagem” reforça que o “viés questionador, transformador e revolucionário da reflexão e da produção cultural podem possibilitar uma nova forma de ler do mundo” (p. 143). Os artigos nos ajudam a compreender que a imagem é uma potente ferramenta, constituindo-se como mediação tanto revolucionária quanto para manter o status quoda classe econômica e culturalmente dominante.

Por fim, no último eixo, “Cultura e cinema”, os autores nos convidam a conhecer a discussão acerca da cultura e da imagem com base em consistentes formulações teóricas que envolvem a produção do cinema e os seus nexos com as práticas escolares. Neste eixo, podemos destacar que é de grande importância a crítica direcionada às produções acadêmicas que corroboram para que a “análise de filmes seja percebida ainda como uma forma acessória de se atingir uma compreensão sobre a realidade social” (p. 231), ou seja, esse tipo de análise trata a produção do cinema como uma mera fonte de registro e que para compor uma análise da sociedade necessitam de outros tipos de fontes.

Em seus quatro artigos, o eixo “Cultura e cinema” procura demonstrar como a produção fílmica é uma fonte histórica de grande relevância para analisar a sociedade a partir de uma “concepção estético-política” (p. 232). Busca na interpretação do filme “Terra em Transe”, do diretor Glauber Rocha, elementos importantes para a leitura dos acontecimentos do golpe empresarial-militar de 1964 e as variadas interpretações do seu sentido nos dias atuais. O filme é “uma síntese devastadora do processo de luta de classes no Brasil e na América Latina dos anos 1960 como núcleo duro permeando todas as relações sociais reais, demole todos os discursos de legitimação dos projetos colonizadores” (p. 254). A produção em questão nos ajuda a compreender a potência do cinema na captação do real e de como a organização formal e estética em imagem e som nos auxilia na percepção das disputas de classe ocorridas no período.

A concepção de romper com um olhar naturalizado sobre a sociedade de classes é um dos intuitos das produções fílmicas alternativas, em especial na conturbada América Latina do século XX. Assim, o Nuevo Cine Latinoamericanomarcou o cinema latino-americano, buscando em produções militantes, conscientizar trabalhadores e trabalhadoras a sair das suas ‘zonas de conforto’. Essa concepção de cinema buscou possibilitar, como nos indica um dos artigos, “uma nova leitura do mundo, e uma nova forma de pensar a nossa realidade, características fundamentais para a transformação social” (p. 287).

Assim como os longas-metragens, os documentários também contribuem para narrar os conflitos de classe. Como sinaliza uma das autoras, o documentário tem o poder de relacionar a antropologia, a arte visual e a produção cinematográfica para contar uma história. Com isso, os documentários sustentam o “mito de origem de falarem a verdade” (p. 258). Todavia, o eixo nos leva a refletir: Qual verdade? Verdade para quem? O livro nos convida a encarar o documentário como um gênero de grande importância para a pesquisa social.

O rico debate teórico com base na materialidade da cultura alicerçada nas pesquisas dos autores, seja em sala de aula ou na análise de imagens e filmes, ajuda-nos a entender a profundidade do conceito de cultura e a sua potência como agente da transformação social. O livro nos elucida quanto à necessidade de que a classe trabalhadora se aproprie e interprete sua própria cultura, descolonizando-se da hegemonia cultural da burguesia, para assim buscar a sua emancipação plena.

O livro Cultura, politecnia e imagemé um prato cheio para quem busca superar a concepção idealista de cultura, compreendendo-a na sua totalidade, em diversos espaços-tempos históricos, tendo em conta as relações dialéticas entre economia, cultura e outras determinações sociais, e em especial as experiências coletivas da classe trabalhadora. Nos três eixos temáticos, o conjunto de autores desenvolve formulações teóricas com evidências empíricas de que a cultura e os processos educativos que a elegem como objeto de estudo e de compreensão da realidade podem fermentar os germes de projetos de transformação social.

Referências

KOSIK, Karel. Dialética do concreto. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. [ Links ]

THOMPSON, Edward P. Tradición, revuelta y cons- ciência de classe. Barcelona: Crítica, 1979. [ Links ]

THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. [ Links ]

Luiz Augusto de Oliveira Gomes – Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Educação, Niterói, RJ, Brasil. E-mail: [email protected]

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A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924) – MEURER (RBHE)

MEURER, S. S.. A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: MORAES, L. C. L., GOMES, L. do C., & MORAES E SILVA, M. O lugar da educação das sensibilidades e dos sentidos – apontamentos sobre o livro A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Revista Brasileira de História da Educação, 19. 2019.

A obra A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924) foi publicada no ano de 2018 pela editora Appris. Escrita pelo professor Dr. Sidmar dos Santos Meurer, tal obra trata-se da pesquisa realizada por ele durante o mestrado, desenvolvido na linha de história e historiografia da educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O autor apresenta aos leitores um livro que tem o propósito de colocar os recreios escolares no Paraná, no início do século XX, como objeto de investigação histórica. Para alcançar tal intento, a obra divide-se em apresentação, prefácio, introdução, duas partes principais compostas de três subtítulos cada, tópico conclusivo e, ao fim, um capítulo dedicado à apresentação das fontes primárias da pesquisa.

Sidmar Meurer graduou-se em educação física pela UFPR em 2005, obteve título de mestre em Educação pela mesma universidade em 2008 e defendeu seu doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2019. O autor é professor assistente no setor de educação da UFPR, atuando na formação de professores e no âmbito da pesquisa, no qual faz investigações sobre escolarização, história da educação, história da escolarização, história da educação dos sentidos e das sensibilidades e história da educação do corpo.

A apresentação, registrada pelo próprio autor, complementa-se pelo prefácio, escrito pelo professor Dr. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, o qual foi orientador de Sidmar Meurer durante a graduação, o mestrado e o doutorado e atualmente é docente titular do departamento de ciências aplicadas à educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG. No prefácio, Taborda de Oliveira reconhece as contribuições e qualidades do trabalho realizado pelo seu orientando, indicando a

importância da obra para o campo da história da educação. Cabe destacar que as ponderações levantadas, tanto na apresentação quanto no prefácio, trazem à tona a pretensão da obra como um todo, que é fazer com que o leitor reflita sobre o fenômeno social da escolarização, mais especificamente sobre a história do recreio no Paraná na temporalidade de 1901 a 1924.

A introdução traz como premissa o olhar e o cuidado do autor ao manusear as documentações das instituições de ensino. Esse tipo de procedimento possibilitou a construção da narrativa de sua investigação, a qual, conforme enfatizado pela própria autoria, apresenta preocupações com as práticas e ações típicas da ambiência escolar, que ainda não eram uma problemática para os estudos de uma historiografia mais tradicional da educação. Com o intuito de embasar o entendimento do leitor sobre o trato com as fontes, Meurer explora trechos dos relatórios de docentes, apresentando inúmeras interpretações e potencialidades desses exemplares. O autor potencializa tais fontes em diversos momentos, manifestando as peculiaridades do período, da escola e dos comportamentos, o que acaba por auxiliar a responder e/ou alimentar um debate sobre os diversos elementos que contribuíram para a consolidação dos recreios nas escolas paranaenses no início do século XX.

A parte I, intitulada ‘Justificativas pedagógicas para os recreios escolares; expectativas sociais para a escola primária’, inicia-se com o subtítulo ‘Forjar a ‘alma’, descansar o ‘espírito’, fortalecer o corpo: a educação como empreendimento moral, intelectual e físico’, que trata das pretensões tanto dos professores quanto dos políticos para com as implementações e reformas do ensino primário, além de enfatizar como surgem os denominados ‘recreios’ e/ou ‘intervalos’. Para realizar tal feito, o autor utilizou-se de relatórios de docentes, disponíveis no Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná/DEAP-PR, provenientes de diversos lugares do Paraná, deixando explícitas as metamorfoses das ideias sobre o entendimento do que e de como seria a escola primária em um período de republicanização, a qual deveria prezar por uma educação do físico, do intelecto e da moral e cívica, surgindo, então, a intenção de desenvolvimento integral do aluno.

A autoria aponta que nesse período existia certa confusão de significados e propostas em relação aos recreios. Afinal, eram atribuídos tempos distintos em cada instituição e o espaço (jardins, salas de aulas, quarto, pátio) e os exercícios implementados (gymnastica, respiração, canto, declamação) também variavam. Na sequência de seus argumentos, o autor indica que o tempo do recreio foi adequando-se às demandas que o ensino primário em reforma procurava, ou seja, a um projeto de escolarização que proporcionasse conhecimentos úteis a uma vida ativa e prática.

Já o segundo subtítulo, intitulado ‘A escola primária como instituição cardeal da sociedade paranaense: quando um projeto de escolarização pretende ser motor de mudança social’, baseia-se em dois conjuntos de fonte: os relatórios de autoridades do ensino paranaense e a revista A escola. A autoria apoiou-se em tais materiais para contextualizar o período de reforma do ensino primário, que deveria ser alicerçado de acordo com a tríade da formação física, intelectual e moral dos alunos. A preocupação apresentada nos documentos sobre a educação gratuita e universal, bem como a formação de indivíduos conscientes, aborda tópicos relevantes para se refletir sobre o processo de organização escolar, a relação entre educação e política e as questões relacionadas ao papel utilitário da educação.

Para esmiuçar esse amplo repertório de colocações, Meurer apresenta algumas referências na área da história da educação, destacando as contribuições de Marta Carvalho, numa perspectiva interpretativa de documentos das instituições de ensino, atribuindo à escola a preparação de mão de obra, e de Mirian Jorge Warde, que chama atenção para a ampliação do sentido e a função dada à escola, indo ao encontro de um entendimento de que a ação reguladora da instituição está mais associada à construção de hábitos, desenvolvimento de comportamentos e sensibilidades humanas. Diante dessas duas concepções, o autor apresenta fontes que favorecem a posição levantada por Mirian Jorge Warde.

O autor menciona que, para explicitar sua percepção, foram acionados os trabalhos de Jean Hérbrard, que tratam da escola francesa, e conceitos de ‘ferramentas mentais’, de Lucian Febvre. Com base em tais concepções, Meurer indica que a escola do período de republicanização desejava produzir maneiras de sociabilidades e construir conjuntos de sensibilidades e espírito prático que poderiam levar a sociedade a um suposto progresso. Os recreios surgiram como parte desse projeto de construção de sensibilidades, vistos como uma prática útil e necessária.

Em ‘Os recreios escolares e a ‘marcha do ensino’: por uma escola ‘moderna’, ‘útil’ e ‘atraente’’, última fração da primeira parte da obra, sobressaem-se resquícios do material empírico utilizado, que contém, além dos citados anteriormente, artigos do jornal A República, trecho da revista Pátria e Lar e um texto do médico José Maria de Paula. Contudo, o autor lembra que a escola era alvo de críticas oriundas dos segmentos médicos, pedagógicos e políticos, sobretudo por apresentar um ensino marcado pela memorização de conteúdo sem praticidade. A desaprovação mais eminente, constatada por Sidmar Meurer, relaciona-se à falta de cientificidade no ensino. Essa discussão repercutiu na racionalização de uma rotina escolar mais estruturada da qual o recreio fazia parte, contando, nesse momento, com o apoio de pressupostos pedagógicos para ser legitimado.

Todavia, o autor, analisando os discursos médico e pedagógico, indica que os médicos culpabilizam os professores pela pouca aproximação do ensino com aspectos científicos. Muitos dos relatórios traziam breves declarações que englobavam nomes influentes no âmbito pedagógico, como Spencer, Pestalozzi, Froebel, Rousseau e Locke, demonstrando pelo menos uma ligação e/ou uma tentativa com tópicos mais científicos para serem abordados na escola, como psicologia, ciências naturais e higiene. Meurer reconhece ainda que os documentos analisados apontavam que o público infantil apresentava especificidades que deveriam ser levadas em consideração no processo de ensino na escola primária paranaense.

A segunda parte do livro, intitulada ‘Dispositivos de institucionalização e normatização dos recreios escolares. Tempos, espaços e modos de proceder’, apresenta o quarto subtítulo, denominado ‘Da conformação dos espaços, um lugar para recrear – os pátios de recreio’. Para adentrar os espaços que se constituíram durante o período, o autor retoma as noções e os significados de recreios e/ou das formas de se recrear que foram encontradas na pesquisa. Tais significações apresentam uma ligação com a modernização do ensino, porém, sem pertencer ao currículo escolar formal, utiliza-se de um momento pedagógico, constituído por atividades de canto, exercícios de ginástica e desenhos. Meurer chama atenção para que se entenda o processo de mudança nos recreios como um movimento não linear. Além disso, o autor dá sentido de institucionalização ao recreio, pois, com o passar do tempo, aquele se diferencia de outros componentes escolares.

Entretanto, a disponibilidade de recursos para se investir em um espaço para os recreios era escassa e o movimento de instalações de grupos escolares, com o intuito de modernizar o ensino paranaense, acabou por ganhar força, surgindo como novo modelo para o processo de organização de um sistema público de educação. A Escola Xavier da Silva, primeiro grupo escolar do Estado do Paraná, teve relatórios de seus docentes frequentemente analisados pelo autor, visto que a instituição buscou realizar uma ampla reforma educacional, revelando preocupação com espaços específicos para os recreios, o que a tornou um exemplo a ser seguido. Foi somente em 1915, com o Código de Ensino, que ocorreu a normatização do recreio com seu respectivo espaço, recuado para as laterais e para os fundos das estruturas, que deveria seguir parâmetros de higiene e ser arborizado e composto de flores. Por fim, o autor demarca que os fatores e desejos que compunham esse espaço foram racionalizados, priorizando-se os aspectos higiênicos e estéticos, vistos como potencializadores da percepção dos alunos, que dispunham de esperada espontaneidade e intuição imprescindíveis para a modernização do ensino.

O quinto tópico, intitulado ‘Da contagem e demarcação do tempo de recrear – a passagem dos ‘intervalos’ ao ‘recreio’’, trata especificamente da delimitação temporal para os recreios. Uma fonte bastante explorada pela autoria, nessa parte do livro, foi o Código de Ensino do Estado do Paraná de 1915. Documento este que apresentava inúmeros elementos para se pensar a organização escolar, desde o controle temporal das atividades até as determinações de séries graduais do ensino. Mesmo com todos os pontos colocados por essas normatizações, que tinham o propósito de dar caráter mais educativo e disciplinar às escolas, poucas eram aplicáveis às outras instituições escolares. Com todo esse processo de mudanças e anseios por ‘inovações’, conforme enfatiza o autor, tentou-se, no modus operandi da época, constituir um conjunto de sensibilidades em relação ao tempo (otimizado) na escola a partir do pleito legal.

Por fim, no último subtítulo do livro, denominado ‘Modos de proceder na escola – os recreios como rotina escolar’, analisou-se o recreio sob a perspectiva dos modos de comportamento e das funções dos envolvidos nesse determinado tempo e espaço que salvaguardavam sua distinção perante os demais componentes curriculares. Ao se entender que todo espaço com a aglomeração de pessoas denominava-se ‘recreio’, passou-se a prescrever ações que diferenciavam os ‘recreios’ dos períodos de entrada e saída das aulas. As novas significações produzidas em relação a esses intervalos visavam atender às demandas fisiológicas e psicológicas dos alunos, além de enfatizar uma noção de recompensa pelo desempenho obtido nas atividades escolares. Abria-se também uma lacuna para que se utilizasse essa gratificação como castigo, apoiando-se na privação deste quando fosse necessária. Posteriormente, o recreio passou a tratar-se também de um espaço-tempo apropriado para a realização da merenda/alimentação.

Ao retomar alguns trechos dos relatórios, o autor enfatiza que os recreios passaram a conter uma disciplina diferenciada da exigida em sala de aula, consistindo em um ordenamento não silencioso, permitindo brincadeiras, atividades espontâneas e a concentração de todas as classes em um único espaço e tempo, sob a fiscalização dos agentes das instituições. Porém, conforme constata o autor, nada tem a ver com a disposição e o desenvolvimento da liberdade e autonomia do aluno, visto que todos os elementos constitutivos do recreio se unem para a formação de sensibilidades e na racionalização de um sistema que permite a aquisição de um ethos almejado.

Por último, em ‘Palavras finais – Pensar a escola e sua organização a partir de seus processos e práticas’, o autor faz ponderações sobre a sua pesquisa, apresentando reflexões para a área da educação. Diante disso, suas considerações finais apresentam aportes teóricos de filósofos como Michel Foucault e Theodor Adorno e dos historiadores Edward Thompson e Cristopher Hill. Um eixo importante do livro, que é válido mencionar, reporta-se à diversidade dos materiais empíricos, utilizados na construção da narrativa do livro, fazendo com que as fontes guiassem as análises que foram distribuídas nas partes e que conseguiam embasar ao leitor o contexto relacionado à temática principal, além de responder às problemáticas evocadas antes de assinalar os saberes e sentidos mobilizados pela oferta dos recreios num projeto de escolarização paranaense.

A título de apontamentos finais, observa-se que a leitura da obra convida o leitor a repensar no desenvolvimento dos recreios no Paraná, além de possibilitar aos interessados na história da educação e das sensibilidades que tenham um material qualificado para embasar novos estudos, visto que o livro é amparado numa abordagem historiográfica que facilita a realização de futuros trabalhos com tais características, constituindo-se, portanto, em uma leitura atrativa para pesquisadores interessados na temática da escolarização e dos diversos processos de educação do corpo.

Referências

Meurer, S. S. (2018). A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba, PR: Appris.

Letícia Cristina Lima Moraes – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Leonardo do Couto Gomes – mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Marcelo Moraes e Silva – professor doutor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

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Regras de bem viver para todos: a “Bibliotheca Popular de Hygiene” do Dr. Sebastião Barroso | Heloísa Helena Pimenta Rocha

Resenhar o livro Regras de Bem Viver para todos: a Bibliotheca Popular de Hygiene do Dr. Sebastião Barroso consiste em um grande desafio. Trata-se de pesquisa realizada para a escrita da Tese de Livre-Docência da Profa. Dra. Heloísa Helena Pimenta Rocha, apresentada à Faculdade de Educação da Unicamp, e publicado em 2017 pela editora Mercado de Letras.

Heloísa Rocha possui Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão (1985), Mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1995), Doutorado em Educação pela Universidade de São Paulo (2001), com estágios de Pós-Doutorado na PUC/SP (2017) e na Universidad de Buenos Aires (2008). Atualmente, é Livre-Docente na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas. Leia Mais

Art, disobedience, and ethics: the adventure of pedagogy – ATKINSON (C)

ATKINSON, Dennis. Art, disobedience, and ethics: the adventure of pedagogy. Cham, Switzerland: Springer/Palgrave Macmillan, 2018. Resenha de: BACKENDORF, Jonas Muriel. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, 2019.

Art, disobedience, and ethics: the adventure of pedagogy é o mais recente livro da série Education, Psychoanalysis, and Social Transformation, organizada pela Palgrave MacMillan. De acordo com a apresentação do livro, uma das finalidades principais da série é: “to play a vital role in rethinking the entire project of the related themes of politics, democratic struggles, and critical education within the global public sphere” (p. ii). Embora não trate diretamente das idiossincrasias do cenário brasileiro e sul-americano, o livro aborda com profundidade questões de fundamental relevância para a nossa realidade presente, em especial o caráter cada vez mais explícito com que as humanidades, as artes, e o pensamento desprendido como um todo vêm sendo atacadas pelo atual governo – por meio de argumentos que vão desde a ausência de “retorno para o contribuinte” até a “militância política”1 dessas áreas de estudo, argumentos que exemplificam com transparente precisão a relevância do ataque de Atkinson aos modelos pedagógicos instrumentais, bem como da defesa de uma educação crítica e desobediente.

O autor é professor emérito na Universidade Goldsmiths, de Londres, além de ocupar o cargo de docente visitante nas universidades do Porto, de Helsinki, Gothenburg e Barcelona. Um aspecto importante da sua biografia é a experiência que tem no ensino secundário, por ter trabalhado, na Inglaterra, de 1971 a 1988. O livro de que ora me ocupo é o sexto da bibliografia do autor, sendo os outros igualmente voltados para as questões educacionais: Art in education: identity and practice; social and critical practice in art education (coautoria de Paul Dash); Regulatory practices in education: a lacanian perspective (coautoria de Tony Brown e Janice England); Teaching through contemporary art: a report on innovative practices in the classroom (coautoria de Jeff Adams, Kelly Worwood, Paul Dash, Steve Herne e Tara Page) e Art, equality and learning: pedagogies against the state. O mais próximo, em conteúdo, do atual é justamente o último, em que o autor trata, já com profundidade, de algumas das questões centrais para o presente livro, a questão da desobediência e a da postura combativa frente aos modelos fechados da pedagogia instrumental. Leia Mais

Dicionário Paulo Freire – STRECK et al (C)

STRECK, D. R.; REDIN, E.; ZITKOSKI, J. (Org.). Dicionário Paulo Freire. 4. ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Autêntica, 2018. Resenha de: ROSA, Carolina Schenatto da; SANTOS, Débora Caroline dos. Conjectura, Caxias do Sul, v. 24, 2019.

Paulo Freire foi, sem dúvidas, um grande reinventor de palavras e um alargador de significados. Grande pesquisador do povo brasileiro e de suas formas de comunicação, esse sujeito, à frente de seu tempo, se apropriou das palavras atribuindo-lhes sentidos singulares e profundos, cujos estudo e reinvenção são necessários ainda hoje. No prefácio do livro Pedagogia da tolerância, Lisete Arelaro diz que “Paulo Freire tem um estilo único: é um irresistível contador de estórias e ‘causos’”. (ARELARO, 2018, p. 12). Também é um irresistível transformador de conceitos, pois escolhia com cuidado as palavras, trabalhava os sentidos, sua origem e, de forma autêntica e profundamente comprometida, conferia-lhes um significado particular.

Cleoni Fernandes, no verbete Gente/Gentificação diz que o autor foi “um inventor de sentidos produzidos com outras palavras” (2018, p. 235); foi um semeador e um cultivador de palavras com o dom de pronunciar novas realidades, como destacam os organizadores do Dicionário Paulo Freire, no início da apresentação da primeira edição. Leia Mais

HAWÒ | UFG | 2019

Hawo

Hawò (2019-) é uma revista científica, publicada na versão eletrônica pelo Museu Antropológico da Universidade Federal de GoiásTem como objetivo fomentar e divulgar a produção científica realizadas por pesquisadores de instituições reconhecidas, nacional e internacionalmente, que venham contribuir para a geração, preservação e difusão de novos conhecimentos nas áreas relacionadas à Antropologia Social e Cultural, Antropologia Biológica, Arqueologia, Etnolingúistica, Museologia, Arte e Cultura Popular, Patrimônio Cultural, Educação e Etno-História, em seu caráter interdisciplinar.

A revista Hawò, desde sua criação, adotou a modalidade anual de publicação contínua. Essa modalidade permite a publicação dos artigos conforme sua aprovação, agilizando assim  o processo de comunicação e divulgação das pesquisas. Não há fascículos ou periodicidade definidas.

A revista Hawò oferece acesso online e aberto a todo o seu conteúdo, o que significa que todos os artigos estão disponíveis na internet para todos os usuários após sua publicação, sendo os autores responsáveis pelo conteúdo de seus artigos. Segue o princípio de disponibilizar gratuitamente as informações científicas ao público, de forma a contribuir com maior democratização ao conhecimento.

Acesso livre

Periodicidade contínua

ISSN  2675-4142

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Methods and Cognitive Modelling in the History and Philosophy of Science–&–Education | Transversal | 2018

In order to inquire into the foundations of the History and Philosophy of Science & its connection to Education, more specifically, teaching science-NoS, the Inter-Divisional Teaching Commission (IDTC)3 reached high-level researchers to share their most recent works and findings in methods and cognitive modelling as the IDTC Special Issue on HPS-&- Education. By combining approaches of natural sciences & humanities in the investigation of the topics and promoting the cooperation between teaching educators, historians of science, historians and philosophers of science and specialist, the following articles offer an interesting influence on the actual debate from scientific, educationally and culturally standpoints.

In the context of nowadays constraints and technological progress regarding the teaching of physical and mathematical sciences, the investigation of the relevant scientificeducational questions is becoming more and more emergent. As such, and since science is synonymous with modernity and progress, research has to be evolving with its time as well as Nature of Science, Scientific Mediation, Popularization of Science and Technique, and Teaching methods and contents. Moreover, physics (Pisano 2009; Pisano and Capecchi 2015), mathematics (Dhombres 1992) and science education (Pisano and Bussotti 2015a, 2015c) are also a complex social phenomenon (Pisano 2016) since they are influenced by the labour market and the elementary knowledge of sciences required by anyone in the social-economic daily life. Leia Mais

Relaciones entre autoritarismo y educación en el Paraguay (1869-2012) | David Velázquez e Sandra D’Alessandro

Em 2014, a equipe de Educação em Direitos Humanos e Cultura da Paz, do Serviço Paz e Justiça do Paraguai (SERPAJ-PY), dava a conhecer o primeiro de quatro volumes de uma coleção que busca estabelecer as Relações entre autoritarismo e educação no Paraguai (1869- 2012). Cada tomo é dedicado a um período da história paraguaia, sendo que o primeiro compreende de 1869 a 1930 (publicado em 2014), o segundo, de 1931 a 1954 (2016), e o terceiro, de 1954 a 1989 (2018), que coincide com o stronismo. Faltando ainda o último volume, a coleção conta com uma equipe de pesquisa integrada por Ana Barreto, David Velázquez Seiferheld e Sandra D’Alessandro, coordenada por Ignacio Telesca. A autoria do terceiro volume, apresentado aqui, corresponde a Velázquez Seiferheld e a D’Alessandro.

Ao apresentarem um balanço sobre os nexos entre autoritarismo e educação durante o stronismo, os autores se depararam com a necessidade de expor as principais interpretações que tentam explicar as causas da longevidade da ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), para assim poder apresentar as fases e os principais elementos do desenvolvimento do ensino durante esse período no Paraguai. A tarefa, a princípio, hercúlea, é narrada a partir de uma linguagem que, sem abandonar o rigor científico, é acessível ao público em geral. O objetivo dos autores é mostrar à população paraguaia alguns dos mecanismos utilizados pelo stronismo para garantir sua sobrevivência ao longo de 35 anos, sendo a educação um fator chave para entender a permanência de um modelo autoritário bem-sucedido. Leia Mais

AbeÁfrica | ABEA | 2018

Abe Africa

A AbeÁfrica: revista da Associação Brasileira de Estudos Africanos (Rio de Janeiro, 2018-), publicação semestral da Associação Brasileira de Estudos Africanos publica trabalhos inéditos desenvolvidos em torno dos Estudos Africanos em perspectiva interdisciplinar, envolvendo campos do conhecimento tais como a Antropologia, Ciência Política, Educação, Geografia, História, Literatura e Crítica Literária, Relações Internacionais, Sociologia e outros.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2596-0873

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Bantu | UEMG | 2018-2018

Batu4

Bantu – Revista de de Educação, História e Patrimônio Cultural (Ibirité, 2018-2018) surgiu a partir de uma antiga aspiração de docentes e discentes da Unidade Acadêmica UEMG de Ibirité (MG).

Seu nome procura referenciar a pluralidade cultural humana, reverenciando também com isso a formação social brasileira.

O periódico publica trabalhos inéditos que contemplem temas que interdisciplinares ou não, gravitem pela Educação, História e Patrimônio Cultural.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2595-9506.

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Ensino de Geografia | UFPE | 2018

Ensino de Geografia UFPE

A Revista Ensino de Geografia (Recife, 2018-) é uma publicação científica do Laboratório de Ensino de Geografia e Profissionalização Docente (LEGEP) da Universidade Federal de Pernambuco, que publica artigos científicos, revisões bibliográficas, resenhas e notas referentes a área de ensino de Geografia e afins.

Periodicidade quadrimestral

Acesso livre

ISSN 2594-9616

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Das Amazônias | UFAC | 2018

Das Amazonias

Das Amazônias – Revista Discente do Curso de História da Universidade Federal do Acre (Rio Branco, 2018-) é vinculada a área de História do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Acre (CFCH/UFAC).

Tem por objetivo mobilizar e envolver pesquisadores, professores e estudantes de graduação e pós-graduação das áreas de Ciências Humanas, Educação e Linguagens, bem como manter relações com as experiências de professores da educação básica e de movimentos sociais das florestas e cidades amazônico-andinas.

As contribuições, na forma de artigos, entrevistas, resumos e resenhas, poderão ser livres ou vinculadas a dossiês temáticos organizados por profissionais dos cursos de História da UFAC e outras instituições.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2674-5968 (Eletrônico)

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History of Education in Latin America | UFRN | 2018

Histtela2

A revista History of Education in Latin America – HistELA (Natal, 2018-) é um periódico vinculado ao Grupo de Pesquisa História da Educação, Literatura e Gênero do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, exclusivamente eletrônico, de acesso aberto e publicação contínua de pesquisas com temas associados à história e à historiografia da educação.

A revista aceita manuscritos do tipo artigos, resenhas, entrevistas e documentos em português, francês, espanhol e inglês na área de história da educação e áreas correlatas.

[Periodicidade anual].

[Acesso livre].

ISSN 2596-0113

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Escola ‘sem’ partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira – FRIGOTTO (TES)

FRIGOTTO, Gaudêncio (Org.). Escola ‘sem’ partido: esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira. Rio de Janeiro: LPP, Uerj, 2017. 144p. Resenha de: SOUSA JUNIOR, Justino. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.15 n.3, set./dez. 2017.

Esta é uma daquelas obras forjadas no calor da luta, produzida por sujeitos preocupados em compreender, explicar e transformar a realidade social. Temperada no aço, no mesmo passo do fenômeno, mas nem por isso mal acabada. Ao contrário, esta obra se faz de estudos acurados, atentos e críticos dos processos sociais que correm em nosso país. A atenção voltada para o projeto Escola sem Partido (EsP) desseca o objeto, mas o faz analisando criteriosa e criticamente as circunstâncias históricas em que ele é produzido. Eis aqui um pensar orgânico com um fazer teórico e político transformador.

Apresentado pela professora Maria Ciavatta, o livro é composto por nove artigos e reúne 19 autores os quais, versando sobre o mesmo objeto, a mesma problemática, não cometem repetições enfadonhas. Os textos complementam-se na tentativa de cobrir os principais problemas colocados pelos embates provocados pela proposição da Escola sem Partido: sua vinculação com o golpe de Estado expresso no processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff; suas inspirações estadunidenses e sua ideologia e vinculações políticas obscuras; as articulações mais remotas do que se passa na conjuntura brasileira com as linhas majoritárias da crise do sistema metabólico do capital; os meandros jurídicos; a história recente dos embates educacionais brasileiros; seus aspectos mais eminentemente pedagógicos, didáticos etc.

As análises, muito bem fundamentadas, e todas agudamente críticas, adotam referências múltiplas que vão de Mészáros a Foucault, passando por Debord, Agamben, Platão, Gramsci, Saviani, Florestan Fernandes, Marx, dentre outros. A multiplicidade das referências faz da obra um diálogo amplo, rico, diverso, ao mesmo tempo múltiplo e uno. Múltiplo porque dialoga com fundamentações jurídicas, políticas, históricas, pedagógicas, econômicas, dialoga com a tradição e com a contemporaneidade. E uno porque todos os artigos e autores, sem exceção, assumem posição clara em defesa da democracia, do direito universal à educação, da laicidade do ensino, autonomia didática e adotam a perspectiva de análise dos ‘de baixo’. Todos os artigos trazem posicionamento crítico em relação à regressão social, política e econômica que assoma no Brasil deste período pós-golpe.

A obra em exame nos mostra como a ideia que nasceu em 2004 de uma iniciativa pessoal do advogado Miguel Nagib, aliás, fracassada no início,1 só ganhou vulto nos anos mais recentes exatamente no bojo da emersão da onda reacionária que se alevantou contra o governo da presidente Dilma Rousseff.

De início, os educadores progressistas subestimaram a EsP, parecia apenas uma iniciativa isolada, absurdamente conservadora, baseada em ideias esdrúxulas, numa visão mesquinha, princípios reacionários, embasamento rasteiro, argumentações preconceituosas e vulgares – não se esqueça que o garoto propaganda da moralista EsP é o ator de filme pornô Alexandre Frota. Mas ela foi ganhando corpo à medida que crescia a onda reacionária e toda sorte de visões atrasadas começavam a sair do ostracismo.

É nesse movimento social complexo, impulsionado por corporações e organizações estrangeiras,2 entidades empresariais e grande mídia, apoiada pelos setores reacionários dominantes no parlamento que emergem, portanto, do mais tenebroso pântano social, ideias de apoio a regimes ditatoriais, acompanhadas de ataques a lutadores sociais e a todo tipo de perspectiva progressista que defenda segmentos LGBT, negros, indígenas, feministas, sem-terra, sem-teto, trabalhadores e explorados em geral.

Esse ponto não é exatamente aprofundado na obra, mas, de qualquer modo, ela nos instiga à reflexão autocrítica: em que medida as composições, os conchavos, a linha política da conciliação de classes dos governos eleitos entre 2002 e 2014 não abriram caminho para o avanço de setores, partidos e indivíduos que trabalham para desqualificar qualquer projeto progressista de sociedade? Teria essa linha política, que de certa maneira fortaleceu e encorajou segmentos reacionários zelosamente tratados como aliados, de alguma forma, ajudado a gestar o ovo da serpente de que nos fala a inspiração bergmaniana de Frigotto?

A obra nos revela o caráter centralizador do projeto Escola sem Partido que não se apaga ou diminui com o crescimento de suas ramificações. A ideia da EsP tem representatividade em 14 estados da Federação, vincula-se a dezenas de partidos, todos conservadores, evidentemente, é defendida por dezenas de parlamentares em todas as esferas legislativas do país, mas não perde seu caráter centralizado e personalizado o que, de acordo com a obra em questão, invalida sua caracterização como movimento.

A obra desmistifica a pseudoneutralidade da EsP, comprovando seus vínculos políticos, ou seja, revelando sua face oculta, isto é, seu caráter fortemente ‘partidarizado’. A EsP guarda vínculos claros com organizações da hegemonia burguesa como o Instituto Milenium, entre cujos membros encontram-se Gustavo Franco, Armínio Fraga, Jorge Gerdau, Henrique Meireles, Guilherme Fiúza, Giancarlo Civita e Rodrigo Constantino; o Movimento Brasil Livre (MBL), o Foro de Brasília, o Instituto Liberal e a Frente Parlamentar Evangélica (FPE).

A partidarização da EsP evidencia-se também através da forte associação com políticos e partidos tipo Izalci Lucas, deputado federal do PSDB, autor de projeto de lei que visa incluir o EsP na LDBEN; Rogério Marinho, deputado federal do PSDB, autor de projeto de lei que criminaliza o ‘assédio ideológico’ (PL 1.411/2015); Dorinha Seabra Rezende, deputado federal do DEM; Jair Bolsonaro, deputado federal do PSC, e seus filhos Carlos Bolsonaro, vereador do PSC/RJ, autor de projeto de lei que visa incluir o EsP na educação do seu município (PL 867/2014), e Flávio Bolsonaro, deputado estadual PSC/RJ, autor de projeto de lei semelhante para o estado do Rio de Janeiro; Erivelton Santana do PSC; Antônio Carlos M. de Bulhões do PRB; Marcos Feliciano, deputado federal do PSC; Magno Malta, senador do PR, autor de projeto de lei de teor semelhante ao PL 867/2015 no Senado (PL 139/2016); Marcel Van Hattem, deputado estadual do PPB/RS, que propôs projeto de lei (PL 190/2015) visando instituir no sistema educacional gaúcho o “programa Escola sem Partido”. Tais são as expressões políticas e legislativas da EsP, que falam eloquentemente por si mesmas.

O livro em discussão aponta a profunda fragilidade teórica da proposição da EsP. Rechaça a separação proposta entre educação e instrução, que visa a reduzir a formação escolar à mera instrução técnica, como um procedimento neutro, como se isso fosse possível, deixando a educação a cargo da família; mostra como os livros didáticos continuam sendo majoritariamente embasados nas ideologias burguesas; mostra que a escola não é, como pejorativa e injustamente acusam os defensores da EsP, lugar de doutrinação esquerdista, mas lugar de embates entre contraditórios, lugar de tensionamentos em que, via de regra, ainda prevalecem visões conservadoras.

Os artigos, como um todo, assumem posição a favor da universalidade do conhecimento, da fundamentação científica, do pluralismo de ideias, da abertura para a investigação, para a reflexão, para o debate. Refutam a posição da EsP que propaga a liberdade, mas tolhe a atuação não só do professor, mas dos sujeitos da escola e de tudo que questione a sociedade burguesa e os princípios ‘sagrados da família tradicional’. A obra refuta o pressuposto de que os filhos são propriedade dos pais e que sua educação deve estar sob o controle desses proprietários. A sua reflexão sugere a questão: a noção de direito e de liberdade da EsP não terminaria convertendo-se justamente no seu oposto, isto é, seguindo indicação da obra, na negação do acesso aos saberes sistematizados e fundamentados (logos) e na condenação dos jovens ao universo estreito das crenças (doxa) de seus pais e ou tutores?

A obra em questão é uma valiosa contribuição ao nosso pensar e fazer transformador. Ela nos oferece farta informação e boa reflexão, mas não fecha questão quanto ao caminho a ser trilhado para o enfrentamento do problema. Nesse sentido, aproveitando a figura utilizada por Frigotto, podemos indagar: quem irá decifrar o enigma e destruir a esfinge?

Não podemos nos tornar reféns da ilusão do messias, é com projetos coletivos que decifraremos e destruiremos a esfinge. Se compreendermos que a EsP é uma expressão da luta de classes, e não parece poder ser outro o caminho, o primeiro desafio, que está longe de ser consensual entre as forças progressistas, é refletir seriamente sobre a necessidade de assumir uma posição classista nesse embate. A EsP nos impõe cada vez mais a necessidade de assumir posição política firme de confronto não só em relação àquela proposição, mas na disputa hegemônica como um todo. A EsP nos impõe os termos do conflito e, nesse sentido, ela coloca um aspecto muito positivo, qual seja, a situação clara do antagonismo de classe. Se a esquerda outrora governo errou ao semear ilusões de pactos sociais entre pontas extremas de uma polarização social abismal, os ideólogos da EsP expõem com nitidez indiscutível a carne viva da luta de classes. Nesse sentido, a escola, que não é a trincheira mais importante das lutas dos explorados, deverá ser concebida como espaço importante para a disputa aberta de projetos antagônicos. O que os ideólogos da EsP não sabem ou fingem não saber, talvez devido ao inebriamento momentâneo do golpe, é que a escola pública é nossa área, o campo privilegiado para a práxis política dos ‘de baixo’. Na escola pública estão as massas trabalhadoras, os desvalidos, os desempregados, os mal-remunerados, os humilhados, os oprimidos, os explorados, os que não têm nada a perder, mas que nutrem a esperança de um mundo justo e fraterno. Na escola pública estão aqueles cuja vida prática reclama verdades objetivas, esclarecimento, engajamento, prática transformadora. Por mais que ideias variadas circulem na escola pública, e isso é extremante saudável, as próprias condições objetivas acabam empurrando os sujeitos ao extremo da luta. As ocupações das escolas, um dos fenômenos mais interessantes e auspiciosos que aconteceram nos últimos anos, talvez em toda história da educação brasileira, são uma demonstração do quanto é fértil e promissor o espaço escolar para a formação crítica e transformadora.

A EsP precisa ser enfrentada exatamente como é: uma expressão da luta de classes, por isso não podemos ficar ‘falando de lado e olhando pro chão’, envergonhados, escondidos atrás da coluna do Estado de direito e da democracia burguesa, embora esse não seja um campo de disputa desprezível.

Ideias como a EsP não têm como vingar na escola pública. A postura que preconiza a criminalização e a perseguição aos professores, e que, ao mesmo tempo, se mostra totalmente insensível aos gravíssimos e históricos problemas relativos às desigualdades educacionais brasileiras; que desdenha da situação da escola pública, em que metade das unidades de educação básica não possui biblioteca e/ou sala de leitura; em que 28% das unidades não dispõem de abastecimento de água da rede pública; em que 23% dos docentes da educação básica não possuem formação em nível superior completa (Censo Escolar, 2016); e que acha normal a precarização do trabalho docente, as péssimas condições de ensino e os baixos salários, essa postura não vinga no meio popular, pelo menos como consenso.

Referências

CENSO ESCOLAR da Educação Básica 2016. Notas estatísticas. 2016. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/censo_escolar/notas_estatisticas/2017/notas_estatisticas_censo_escolar_da_educacao_basica_2016.pdf>. Acesso em: 28 mar. 2017. [ Links ]

COSTA, Antonio Luiz M. C. Quem são os irmãos Koch. Carta Capital, São Paulo, 9 jun. 2015. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/politica/quem-sao-os-irmaos-koch-2894.html>. Acesso em: 7 ago. 2017. [ Links ]

Notas

1 Indignado com uma comparação feita por um professor da escola de sua filha entre Che Guevara e São Francisco, como pessoas que abandonaram suas vidas privadas para se dedicarem a uma causa maior, o senhor Nagib interpelou professor e escola, distribuiu panfletos na porta da instituição, mas tudo o que conseguiu foi provocar uma ampla reação dos estudantes que fizeram, inclusive, passeata a favor do professor.

2 Ver, a propósito, a relação entre os irmãos Koch e o MBL em Costa (2015).

Justino de Sousa JuniorPrograma de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará, Ceará, Brasil. E-mail: [email protected]

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(P)

Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850) – SOUSA NETO (HU)

SOUSA NETO, M. de. 2013. Entre vaqueiros e fidalgos: sociedade, política e educação no Piauí (1820-1850). Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 2013. 336 p. Resenha de: FONTINELES FILHO, Pedro Pio. Entre a fé, a política e a educação: Padre Marcos e traços da história do Piauí, na primeira metade do século XIX. História Unisinos 21(2):278-281, Maio/Agosto 2017.

Marcelo de Sousa Neto é um importante historiador da nova e consolidada geração de historiadores piauienses, levando-se em consideração a periodização proposta pela historiadora Teresinha Queiroz (2006) sobre a historiografia piauiense. Dentre seus muitos trabalhos de pesquisa, o que mais se destaca, sem dúvida, é Entre Vaqueiros e Fidalgos. Trabalho de excelente lavra, fruto de sua tese de Doutorado, concluída na Universidade Federal de Pernambuco.

Foi publicado após vencer, em primeiro lugar, o Concurso Novos Escritores, na categoria Realidade Histórica, da Fundação Cultural Monsenhor Chaves, da cidade de Teresina, Piauí. O mesmo texto havia sido escolhido pelo Colegiado da Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco, para ser publicado pela editora daquela instituição, mas preferiu fazer a publicação pela Fundação Cultural, como mais uma demonstração de sua ligação com o Piauí. Os comentários contidos no Prefácio, na orelha e na quarta-capa do livro, escritos por renomados historiadores, atestam a qualidade e a profundidade da obra, que amplia os horizontes da história do Piauí do século XIX, em suas dimensões sociais, políticas, econômicas, educacionais e culturais.

Ao tomar a figura de Padre Marcos, Sousa Neto demonstra a habilidade na construção da narrativa histórica, pois liga a trajetória do sujeito em amálgama com a história da sociedade, considerando as nuances de espacialidades e temporalidades. Nesse sentido, a obra é desenvolvida nos lastros da proposta de uma biografia histórica, que toma o sujeito como uma forma de compreender as intrigas e ranhuras que constituíram a sociedade piauiense e brasileira no período oitocentista. Para tal empreitada, o autor faz diálogo teórico-metodológico com autores especialistas na discussão sobre sujeito, sociedade e biografia. Realiza isso sem perder de vista as discussões sobre tempo e temporalidade, entendendo que o sujeito deve ser percebido em suas interrelações entre o micro e o macro, entre o passado e o presente. A estrutura de organização do livro revela, também, a astúcia do autor, não somente como pesquisador, mas como exímio escritor, pois torna a leitura técnica mais acessível, inclusive para o público não especializado ou acadêmico. Está dividido em seis capítulos, distribuídos em três partes temáticas, ou melhor dizendo, eixos temáticos: A Serviço de Deus e dos Homens; Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí; e Nos Bastidores do Poder: Política e Família no Piauí do Século XIX. Na primeira parte, encontram-se os dois primeiros capítulos. O primeiro, intitulado “Entre o (Re)Criado e o Esquecido”, aborda aspectos do caráter lacunar da História, enfatizando a memória, no que se refere ao lembrar e ao esquecer. Ao clamar as reflexões sobre memória, o autor chama atenção para o fato de que a inscrição do Padre Marcos de Araújo da Costa está cravada na figura de “benemérito educador”. As suas identidades de atuação política e social encontram-se, na historiografia piauiense, esquecidas, ou, pelo menos, colocadas em um plano de pouca expressividade. Segundo Sousa Neto, isso se deu em decorrência do lugar social daqueles que produziram uma memória escrita, que centra e concentra seus olhares sobre um “Padre educador”, muito embora haja um caudaloso mar documental que falem do “Padre político” e do “Padre religioso”. O estranhamento inicial se dá em decorrência de que, ao se falar de um Padre, a priori, se esperaria uma memória escrita com destaque para o viés religioso. Tentando compreender esses “esquecimentos” ou “silenciamentos”, o historiador aponta o botânico inglês, George Gardner, que teria sido o primeiro a escrever sobre o Padre Marcos. Gardner foi o único memorialista e historiador a conviver com o Padre Marcos, pois teria visitado, em 1939, a fazenda de Boa Esperança, onde também funcionava a escola de mesmo nome, de propriedade do Padre. Escola essa que se firmava, “para toda a Província, como a principal escola de Primeiras Letras e de Instrução Secundária” (p. 40). Ao falar dessa visita, Sousa Neto aproveita para traçar o panorama da situação econômica e, principalmente, na Instrução Pública da Província, que passava por uma severa crise. O autor, assim, considera o botânico como o primeiro biógrafo do padre, minimizando “sua atuação como artífice político e como religioso, ressaltando apenas sua importância como educador” (p. 38). Assim, criou-se uma espécie de “tradição” historiográfica, na qual os escritos posteriores tomavam as informações fornecidas por Gardner e as reproduziam ou as endossavam. Sousa Neto, então, afirma que essa memória escrita e narrada “cria um espaço de ficção que, mais que descrever, realiza um golpe, um movimento que (re)cria o sujeito como ‘benemérito educador’, renascido entre o lembrado e o esquecido” (p. 38). No lastro dessa memória escrita sobre Padre Marcos, Sousa Neto destaca atuação de Fernando Lopes Sobrinho, José de Arimatéia Tito Filho, Antonio Reinaldo Soares Filho, Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco, Joaquim Raimundo Ferreira Chaves, Marcos de Araújo Costa Ferro, Odilon Nunes, Francisco Augusto Pereira da Costa, Itamar Brito, Celso Pinheiro Filho, Wilson Carvalho Gonçalves, José Patrício Franco e Cid de Castro Dias. Dentre todos os seus biógrafos, segundo Sousa Neto, apenas Lopes Sobrinho e Castelo Branco teriam dedicado obras completas ao Padre Marcos. Os demais mencionam o Padre de forma secundária e periférica, mas todos enfatizando a atuação do Padre na perspectiva educacional, seguindo a memória escrita iniciada por Gardner. Ir além dessa “tradição” escrita sobre o Padre Marcos, como educador, não seria difícil, como afirma Sousa Neto. Para ele, “basta, para tanto, acompanhar alguns registros em documentação preservada no APEPI, mesmo que de forma não organizada” (p. 46). Assim, o historiador destaca suas atuações em funções públicas, como a vice-presidência do Conselho de Governo da Província e vice-presidência da Província, membro do Conselho Geral da Província, a presidência da Câmara de Jaicós, dentre outras ocupações, em diferentes anos e situações, de 1924 a 1950, quando veio a falecer.

No capítulo 2, “Padre Marcos e seu sacerdócio sagrado e profano”, o autor amplia as reflexões de que “Como membro de uma importante rede familiar, Padre Marcos destacou-se em diversos espaços do cenário sócio-político piauiense. Entretanto, suas ações como sacerdote são, indubitavelmente, as menos discutidas” (p. 53). Descendente de influente grupo familiar piauiense, Padre Marcos teria transitado por diversos e diferentes espaços sociais e políticos do Piauí, mas a sua atitude de homem mais reservado seria, segundo Sousa Neto, uma das razões que dificultam mapear a sua trajetória para além da memória escrita inaugurada por Gardner. Para o historiador, para compreender a sua atuação no sacerdócio é indispensável que se observe e se analise a própria atuação do catolicismo e da religiosidade no Brasil, com suas estruturas, ligações, conflitos, disputas de poder e os aspectos do padroado. É somente no tópico “De Reza e de Política: Padre Marcos e seu sacerdócio”, ainda do segundo capítulo, que Sousa Neto traça as primeiras linhas do que seria da biografia propriamente dita do Padre. Ele apresenta o ano de nascimento do padre, 1778, mencionando seu avô materno, bem como seu pai e sua mãe. Dá destaque para a atuação política de seu pai, Marcos Francisco, que teria ocupado cargos importantes na Capitania. Nesse sentido, afirma que “Filho de pais cuja atuação política e social já se destacava, Padre Marcos herda bens e prestígio que soube multiplicar, sabendo valer-se de sua condição de “homem das letras” e “homem do Sagrado”, agregando elementos de ordem econômica e política à sua atuação sacerdotal, que, por sua vez, resultou em novos proveitos para si e para o grupo familiar ao qual pertencia” (p. 66). O autor ainda discute sobre as discordâncias entre os biógrafos acerca da formação sacerdotal do padre, notadamente sobre a realização do curso de formação em Coimbra, Portugal, ou no Seminário, em Olinda. Sousa Neto fala que há registros relativos à permanência do padre em ambos espaços, concluindo que “a atuação em um espaço não exclui a participação no outro”, diferente de como sugeriam os outros autores. O autor aproveita a ocasião para discutir sobre o papel do Seminário de Olinda, inaugurado em 1800, seguindo os moldes do Iluminismo português. O Seminário, então, assumiu importante tarefa, além das funções religiosas, na formação educacional no Brasil, pois “constituiu-se na primeira instituição de ensino do Brasil a possuir uma estrutura escolar em que as matérias apresentavam uma sequência lógica, trabalhadas de acordo com um plano de ensino previamente estabelecido, em cursos que possuíam uma duração determinada e com alunos agrupados em classes, procurando ainda reunir em seu plano de estudos, o ensino clássico e moderno” (p. 71).

Isso possibilitou, em larga medida, a formação dos filhos dos grupos dirigentes, a formação ideal e necessária para o ingresso nas universidades europeias. E é nesse Seminário que Padre Marcos teria se matriculado. O autor chama a atenção para o fato de que os sacerdotes no Brasil e no Piauí do século XIX eram mal remunerados, o que lhes levava à busca de outras formas de complemento no sustento. No Piauí, os sacerdotes se afastavam do sacerdócio, “dedicados aos cuidados com suas fazendas de gado” (p. 81). Padre Marcos era um desses “padres fazendeiros”, mas, como afirma o pesquisador, não se afastou de suas obrigações sacerdotais. Ordenou-se Padre em Coimbra, no ano de 1805, retornando ao Brasil naquele mesmo ano, para Recife. Teria ido, também, para o Rio Grande do Norte, depois Oeiras e se mudou definitivamente para a fazenda Boa Esperança, em 1820. Nesse mesmo capítulo, Sousa Neto ainda destaca o trabalho de Padre Marcos nas construções arquitetônicas, com ênfase na capela de Santo Antônio, na fazendo de Boa Esperança, e a igreja matriz de Jaicós. Além dos aspectos de se inscrever por meio dessas obras, Padre Marcos teria atuado no sacerdócio, movendo-se, também, pelo sonho da criação de um Bispado no Piauí, sendo “o seu maior sonho e com certeza a sua maior decepção sacerdotal, em virtude da veemente recusa que impediu a sua criação” (p. 111).

No capítulo 3, “Entre o Gado e as Letras: a instrução escolar no Piauí”, Sousa Neto ressalta que discutir a instrução formal no Brasil do período colonial e imperial, mesmo diante do crescente número de pesquisas acadêmicas, ainda é um grande desafio, sobretudo por causa da escassez das fontes documentais. Ao falar dos “trôpegos passos”, diferente do que se costuma esperar de uma região na qual a oferta do ensino formal não era uma prioridade para grande parcela da população, o autor assevera que “a documentação consultada pôs em destaque a preocupação governamental com as chamadas Aulas Públicas” (p. 120), que começou a ter maior relevância no início do século XIX. Os baixos salários pagos ao magistério, contudo, constituiu-se em um dos entraves para a instrução pública, não só no Piauí, mas em outras províncias, levando-os a se dedicarem a outras atividades, inclusive o magistério particular. Como enfatiza Sousa Neto, a baixa remuneração fazia “parte de uma conjuntura política e econômica, na qual, com um discurso contraditório, os gestores da Instrução reconheciam a importância social do trabalho dos professores, mas, por outro lado, isso não correspondia a ações para melhor qualifica-los e remunerá-los” (p. 136).

Assim, o autor comenta inúmeras leis e decretos que impactaram nos rumos da Instrução Pública, que versavam sobre remuneração, oferta de cadeiras e currículos. É nesse cenário que a escola de Boa Esperança “distinguiu-se no cenário piauiense, atraindo o interesse de muitos pais e alunos, despertando uma forte demanda por vagas” (p. 171). Em relação a Padre Marcos, o autor diz que “a história da Escola toca e se confunde com a história do Padre” (p. 174), ao passo que discutir um implica transitar pela história do outro, pois a Escola “é tomada com um dos pontos de contato e de troca entre o indivíduo e o coletivo” (p. 174).

Dessa maneira, no capítulo 4, “Mão de ferro em luva de pelica: Padre Marcos e sua escola”, trata especificamente da escola de Boa Esperança e como ela se tornou referência de Instrução no Piauí, sendo “considerada a primeira instituição de instrução formal a funcionar efetivamente no Piauí” (p. 173). O autor afirma que, mesmo a parte da população mais interessada nas atividades de subsistência, a escola tornou-se a “mais importante e bem sucedida experiência educacional no Piauí, até a primeira metade do século XIX, tendo seus reflexos ultrapassando as fronteiras da Província e da própria educação, ajudando a formar boa parte de seu corpo dirigente e marcando significativamente a história local” (p. 173). Mesmo nos momentos em que assume funções na vida política, sobretudo a partir de 1824, quando assume a Vice-presidência da Província, suas ausências não comprometeram o funcionamento ininterrupto da Escola, até mesmo porque utilizou monitores, que eram os alunos mais avançados, para o acompanhamento dos alunos iniciantes. Outro aspecto da Escola, que permitiu o seu funcionamento durante as ausências de Padre Marcos, foi o formato de internato, ofertando, também, um ensino prático ligado às atividades mais desenvolvidas na região, notadamente as das fazendas.

No capítulo 5, “Nos bastidores do poder: política e família no Piauí do século XIX”, Sousa Neto analisa que as muitas facetas de Padre Marcos, como “clérigo, fazendeiro, intelectual, educador, político” (p. 219) devem ser compreendidas no seio das redes de poder nas quais ele estava imerso. Isso é pertinente, pois Padre Marcos foi “herdeiro político da elite dirigente do Centro-Sul piauiense, constituída a partir das redes familiares, que se alicerçavam” (p. 219) nas bases do parentesco e favores mútuos. Nesse sentido, o autor faz uma acurada discussão teórica e metodológica sobre a produção historiográfica pautada nas relações entre família, sociedade, política, economia e poder. A partir disso, traça o panorama das redes familiares, Estado e patrimônio no Brasil e no Piauí, do século XIX. Por esse viés, “Padre Marcos representou, assim, sujeito dos mais importantes nas relações de poder no Norte do Império, expressivo representante das redes familiares do Centro-Sul piauiense” (p. 246). Segundo o pesquisador, “o sucesso da escola de Boa Esperança deveu- -se, em muito, ao prestígio desfrutado por seu idealizador e à sua condição de mantenedora da ordem social vigente, ao oferecer aos jovens uma educação apropriada aos interesses dos grupos familiares da elite da época” (p. 247).

No capítulo 6, “Tempo de Semear; Tempo de Colher”, o autor menciona as diversas manifestações a favor da Independência, que ferviam por todo o Brasil e, também, no Piauí, sobretudo nas vilas de Parnaíba e Oeiras.

A Insurreição de 1817 atingiu, além de Pernambuco, as capitanias da Bahia, Paraíba, Alagoas, Rio Grande do Norte, Ceará, Maranhão e Piauí. Nessa última o movimento “não ganhou maiores contornos nem firmou raízes” (p. 253), muito embora tenha havido um envolvimento concreto. Durante esse movimento de insurreição, conforme Sousa Neto, o Padre Marcos teria ficado afastado, pois não era de interesse de seu grupo familiar aderir à Insurreição, visto que, “de maneira geral, não havia entre os grupos familiares que compunham a elite piauiense, o desejo de ruptura com Portugal” (p. 254). As reverberações da Insurreição foram sentidas em momento posterior, com a agitação causada pela Revolução do Porto, em 1820. No Piauí, a inquietação se deu no ano de 1821, principalmente em Oeiras e nas vilas de Parnaíba e Campo Maior. Esse estado de agitação se prolongou durante todo o ano de 1822, cujo “projeto vitorioso de Independência foi o das elites locais, formadas a partir de influentes grupos familiares e que já faziam parte da administração provincial” (p. 266). E, no período, Padre Marcos “firmou-se como o grande articulador dos grupos familiares do Centro-Sul piauiense e da adesão da capital à Independência do Brasil” (p. 274). Para endossar seus argumentos de que Padre Marcos detinha muita influência, o historiador também fez análises de correspondências trocadas entre clérigos contemporâneos do Padre. Segundo Sousa Neto, “percebe-se que os argumentos usados por Padre Marcos foram tomados em consideração mais por seu prestígio pessoal”, em suas tentativas de intervir contra movimentos de insurreição. O respeito que o Padre possuía era de tamanha envergadura que a sua casa, “na fazenda de Boa Esperança, funcionou muitas vezes como ‘tribunal’, no qual muitas contendas políticas ou desavenças pessoais foram resolvidas” (p. 294).

Em Entre Vaqueiros e Fidalgos, Sousa Neto inscreve sua marca na historiografia como astuto pesquisador de História, desbravando as trilhas dos pensares e fazeres de uma temporalidade e de uma espacialidade circunscritas nos vários “entre” que engendram a construção de sua narrativa, contemplando os limiares entre o sujeito e a sociedade, bem como entre a história, a religião, a política e a educação.

O historiador Marcelo de Sousa Neto, de forma corajosa e competente, conseguiu construir uma narrativa esclarecedora sobre a história do Piauí e Brasil do século XIX, tomando as aproximações entre Padre Marcos e o seu período. Ele teceu “uma imagem que procurar recuperar, na narrativa, o macro através da poeira de acontecimentos minúsculos” (p. 315), com o intuito de demonstrar que, “por meio de uma trajetória individual, como as singularidades relacionam-se e podem expressar as regularidades coletivas” (p. 315). Assim, como ressalta o próprio autor, “o fato é que não era possível ignorar as páginas da história do Piauí que Padre Marcos ajudou a escrever e que continuam sendo reescritas” (p. 313) e relidas, reinterpretadas. E Entre Vaqueiros e Fidalgos é um indício provocador para novas reflexões sobre a história e a historiografia brasileira do século XIX.

Referências

QUEIROZ, T. de J.M. 2006. Historiografia piauiense. In: T. de J.M.

QUEIROZ, Do singular ao plural. Recife, Edições Bagaço, p. 141-170.

Pedro Pio Fontineles Filho – Universidade Estadual do Piauí. Campus Clóvis Moura. Rua Des. Berilo Mota, s/n, Dirceu Arcoverde I, 64001-280, Teresina, PI, Brasil. E-mail: [email protected].

Educação na era digital: a escola educativa – PÉREZ GÓMES (C)

PÉREZ GÓMES, Angel I. Educação na era digital: a escola educativa. Trad. de Marisa Guedes. Porto Alegre: Penso, 2015, Resenha de: MENDES, Michel. Conjectura, Caxias do Sul, v. 22, n. 2, p. 394-400, maio/ago, 2017.

O que significa formar uma personalidade educada, capaz de enfrentar, com certa autonomia, o vendaval de possibilidades, confusão, riscos e desafios deste mundo globalizado, acelerado e incerto? Como superar o vazio de um conhecimento retórico que não serve para orientar a ação? É possível ter uma escola verdadeiramente educativa, que ajude cada indivíduo a se construir de maneira autônoma, sábia e solidária? Essas são algumas das provocações “guarda-chuvas” que modelam e orientam a obra de Pérez Gómes. O autor é de origem espanhola, nascido em Valladodid, cidade situada a noroeste da Península Ibérica, Doutor em Pedagogia pela Universidade Complutense de Madrid e Professor Titular na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Málaga.

As provocações apresentadas na obra refletem a necessidade pessoal do autor de pensar e reconsiderar questões pertinentes à educação, as quais também são compartilhadas por inúmeros profissionais da área. Leia Mais

Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente,  circulação de saberes e práticas pedagógicas – SILVA et al (RHHE)

SILVA, Alexandra lima da; ORLANDO, Evelyn de Almeida; DANTAS, Maria José. Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente,  circulação de saberes e práticas pedagógicas. Curitiba: CRV, 2015. Resenha de: VARELLA, Jacqueline de Albuquerque. Mulheres viajantes: olhares femininos sobre a educação. Revista de História e Historiografia da Educação, Curitiba, Brasil, v. 1, n. 2, p. 304-311, maio/agosto de 2017.

O livro organizado por Alexandra Lima da Silva, Evelyn de Almeida Orlando e Maria José Dantas tem como objetivo lançar novos olhares sobre a temática das mulheres viajantes e a historiografia da educação. São questões que problematizam a trajetória dessas mulheres: “Como viajavam? Para quê? Quais os desdobramentos das viagens nas trajetórias dessas mulheres? Qual a dimensão educativa presente nas mulheres em trânsito?” (p. 9).

Estão reunidos trabalhos de pesquisadores brasileiros e de outras nacionalidades sobre a atuação de mulheres que romperam barreiras geográficas, legitimando a ação feminina em diferentes aspectos da sociedade. Os autores trazem novas pistas sobre as experiências educativas dessas mulheres através de suas viagens. Ao contrário dos homens, quase sempre precisavam de justificativas e apoio para a realização destes deslocamentos. O livro “Mulheres em trânsito” apresenta investigações a respeito das especificidades que envolviam o universo das mulheres viajantes de acordo com os capítulos descritos a seguir.

* * *

Viajeras y educación femenina en el siglo XIX”, de Sara Beatriz Guardia, aborda a luta pelo direito feminino à educação no Peru, pelas trajetórias das intelectuais Mercedes Cabello de Carbonera e Clorinda Matto de Turner. A autora mergulha no contexto político e social perua-no do século XIX, período onde novos discursos e análises sociais davam, gradativamente, maior visibilidade à mulher.

A intelectualidade peruana, num processo de mudança de mentalidade, teve homens de letras como Manoel Gonzales Prada, que denunciava a abusiva autoridade da Igreja Católica. Prada discursa em favor da educação laica como uma ferramenta, um caminho, para emancipação feminina no Peru. Eram mulheres dominadas pelos dogmas católicos e pelo cerceamento da Igreja.

Pode-se mencionar algumas revistas que foram fundadas por mulheres (ou que as tinham como colaboradoras), como El Album, por Jua-na Manoela Corriti e Carolina Freire de Jaimes, e a Revista Semanal pa-ra el Bello Sexo (1874-1875), com a colaboração de Juana Manuela Lazo de Elespuru, Mercedes Cabello de Carbonera, entre outras escritoras. Guardia destaca a viagem realizada por Clorida Matto à Europa, que também viajou ao Brasil e fala sobre suas impressões do Rio de Janeiro e de sua visita á Coelho Netto.

Mujeres en misión: la participación femenina en las misiones protestantes de América del Sur”, que tem Paula Seiguer na sua autoria, aborda a temática das viajantes desde uma perspectiva religiosa. Caracterizam-se por mulheres que viajam em missão religiosa no contexto protestante. Essas mulheres viajavam acompanhadas de figuras masculinas, seus maridos, que em alguns casos faziam parte da conjuntura da Igreja ao qual pertenciam. O intuito dessas viagens era de expandir o movimento protestante, evangelizar através da assistência aos mais necessitados, na tentativa de alcançar, em especial, a população indígena.

Este grupo de mulheres possuía uma justificativa para essas viagens que se inscrevia desde uma lógica patriarcal, encaixando-se no modelo feminino burguês do século XIX. O texto traz os aspectos das viagens de mulheres como Mary Bridges e Alice Wood.

Encuentros con un mundo rural: história de una maestra errante”, de Blanca Susana Veja, põe em foco a biografia da professora mexicana Petra Hernandez Martínez, professora viajante e atuante na zona rural de San Luiz Potosí, no México. A partir da história de vida de Petra Martínez, surgem questões sobre viagens pedagógicas, educação rural (as demandas e especificidades geográficas, culturais e pedagógicas) e formação de professores no contexto histórico rural mexicano de meados do século XX. Fotografias, documento de identificação, documento profissional da professora e relatos de viagens são algumas das fontes utilizadas para a pesquisa, que abarcam a infância e as experiências da maestra dentro e fora do espaço escolar.

Ana Maria Magaldi e Maria João Mogarro, por sua vez, analisam os estudos biográficos na história da educação em “Mulheres de letras e educação feminina no espaço luso-brasileiro: ligações em torno da infância nos escritos de Júlia Lopes de Almeida e Emília de Souza Costa”. As autoras abordam as redes de sociabilidade e a ligação entre as duas intelectuais, assim como as similaridades de ideais entre elas, levando em consideração o contexto político-social português e brasileiro no início do século xx.

A viagem realizada por Emilia de Souza Costa ao Brasil, para conferência no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, é destacada no texto. A conferência intitulada “Mulher” destinava-se às mães e possuía a temática da educação infantil na sua centralidade. O texto destaca ainda a ação excepcional das duas mulheres num contexto social onde a figura masculina predominava no campo literário. Destaca-se a ascensão destas  mulheres na produção de uma literatura voltada ao público feminino, escritas por mulheres e destinada a mulheres, tendo foco a educação feminina, a relação mãe e filho, e a educação infantil e higienista.

“Itinerários de uma professora em fins do século XIX”, de Carla Chamon, analisa a trajetória da professora Maria Guilhermina Loureiro de Andrade e sua viagem feita aos Estados Unidos. Nascida em Minas Gerais, mas atuante no norte fluminense quando se muda ainda menina, Maria Guilhermina possuía uma característica diferenciada em relação às mulheres criadas no século XIX, no Brasil. Incentivada pela família, segue ainda jovem os passos de sua mãe, fundadora do Colégio de Instrução Feminina, em Vassouras, Rio de Janeiro. Guilhermina não se casou, nem teve filhos, mas foi “professora, tradutora, escritora, conferencista, parecerista de congressos e diretora de escolas” (p. 61). Participou da fundação do Colégio Andrade, no Rio de Janeiro.

A autora traça a trajetória da educadora a partir de suas viagens e dos vestígios de seu trabalho pedagógico em jornais do período. Destaca a viagem feita aos Estados Unidos, o abandono da religião católica e sua relação com os missionários e educadores presbiterianos. As viagens da professora e seus itinerários caracterizam sua busca por novos métodos educacionais e sua tentativa de fundar, no Brasil, um jardim de infância. Tem como modelo o método intuitivo e, posteriormente, os modelos da Educação Nova.

“Literatura de viajante: Chiara Lubich, uma professora italiana no Brasil”, de Maria José Dantas, analisar a biografia da supracitada professora, utilizando-se de diferentes fontes, como diários, livros e cartas, desde a perspectiva da história da educação. Num primeiro momento, Maria José Dantas contextualiza aspectos da vida de Chiara no cenário político e social da Itália do fim da primeira metade do século XX. Destaca a trajetória escolar da professora, seus estudos numa escola católica, a dificuldade financeira da família e sua formação como professora, na cidade de Trento.

Segundo a autora, “a educação na Itália, neste período, era caracterizada pela reforma do ministro Giovanni Gentile e pelas propostas metodológicas de Maria Montessori, que sublimou a experiência sensório motora das crianças e Maria Bochetti Alberti, responsável por instituir a escola serena” (p. 128). O texto aborda ainda as mudanças vividas por Chiara por conta dos bombardeios à sua cidade, durante a Segunda Guerra Mundial. A atuação junto aos frades Capuchinhos marca a trajetória social e religiosa da professora, com a fundação do movimento chamado Falcolano, que se difundiu no mundo todo, incluindo o Brasil. Chiara viajou ao Brasil por duas vezes, sendo uma vez em Recife e outra, já no fim de sua vida, em São Paulo, promovendo o movimento Falcolano no Brasil e a educação católica.

Em “As viagens da advogada e professora Maria Rita Soares de Andrade (1904-1998): vivências formativas em busca da emancipação feminina”, Anamaria Freitas lança seu olhar para as correspondências trocadas entre a advogada, professora e feminista Maria Rita Soares de Andrade, Bertha Lutz, Carmem Portinho e Maria Luiza Bittencourt. Destaca a luta feminista pela emancipação feminina no Brasil, o preconceito e a repercussão em jornais sergipanos e cariocas sobre as discussões feministas.

Sergipana, Maria Rita de Andrade formou-se em Direito, tendo uma trajetória marcadas por lutas e emancipação, diferente da maioria das mulheres sergipanas no início do século XX. “Andava pelos cafés, espaços predominantemente masculinos, em Aracajú, nas décadas de 1920 e 1930. Costumava viajar sozinha” (p. 144). As cartas, organizadas cuidadosamente pela autora, traz à luz as redes de sociabilidade entre essas mulheres, evidenciando seus trabalhos, conferências, discursos e estratégias de luta, como a reivindicação do direito feminino ao voto, na década de 1930.

“Um olhar feminino sobre Mato Grosso (1897-1899)”, de Carolina Lima, interpreta a trajetória da escritora viajante Maria de Carmo de Melo Rego, em viagem realizada à Cuiabá. A partir da rota traçada em viagem de navio pelo Rio da Prata, Maria de Carmo Rego deixou registros do seu olhar em cada lugar que passou, e descreve sua relação com a cultura mato-grossense e indígena naquela região. Foi casada com o presidente da província o Coronel Francisco Rafael de Mello Rego.

Através de um mapa ilustrativo da viagem, organizado pela autora e mostrando as cidades visitadas por Maria do Carmo e seu marido, podemos analisar o itinerário com início no Rio de Janeiro, seguindo por São Paulo, Rio Grande do Sul, Uruguai, algumas cidades da Argentina, Paraguai, Bolívia, e Mato Grosso. A escritora fez apontamentos em suas cartas durante a viagem ao Mato Grosso, descrevendo as casas e suas arquiteturas, a cidade de Cuiabá, o contato com as mulheres indígenas e as mulheres escravizadas.

Em “Quase tudo: educação entre música e emoções nas viagens da pianista Magdalena Tagliaferro”, Ednardo Monti apresenta as viagens da pianista a partir dos estudos sobre a escrita biográfica, autobiográfica e escritas de viagens. O autor apresenta um panorama da vida de Magdalena Tagliaferro, pondo em foco a influência que ela recebeu de seus pais franceses para a música, assim como sua formação ao longo da vida adulta. Uma trajetória de constantes viagens e amor pela música, pelo Brasil e suas memórias afetivas sobre a França. Ednardo mergulha nas memórias da pianista, suas redes de sociabilidades, os estudos no conservatório Nacional de Música de Paris e a contribuição musical e pedagógica da pianista para o ensino de música no Brasil.

Montserrat Sanuy: la introducción de la aplicación del método Orff en escuelas de España en los años 60”, de Maria de Rosário Rodri-guez, tem como foco a trajetória da musicista desta professora catalã. Destaca a educação recebida por Monserrrat, seu contato desde criança com a música, as viagens realizadas à Espanha, França e Alemanha. Na Alemanha, a professora estudou no Institut Orff, que se apresentou como um divisor de águas na sua vida profissional e nas suas contribuições pedagógicas e metodológicas para o ensino de música nas escolas da Espanha.

Junto ao reconhecido músico e professor Carl Orff, a musicista insere uma metodologia que vê “la música como algo natural, que todos los niños pueden hacer con facilidad porque lo llevan dentro, y que se aprovecha para desarrollar un laboro educativo integral, centrada en el leguaje, em la creación colectiva y en la felicidad” (p. 203). Monserrat obteve destaque no rádio e na televisão, apresentando uma nova perspectiva de ensino de música na Espanha.

O texto de Evelyn Orlando, “Quando o mundo cabe na bagagem às experiências de formação e distinção de Maria Junqueira Schimidt no cenário educacional brasileiro”, apresenta a trajetória intelectual e profissional da educadora supracitada, com foco nas suas diversas atuações no campo educacional. Ao longo de sua vida, a educadora fez diversas viagens, realizando seus estudos no Instituto Santa Úrsula, na Suíça francesa. De família católica, Schimidt destacou-se, inicialmente, como professora no Colégio Jacobina, no Rio de Janeiro, e como professora e diretora do Colégio Amaro Cavalcanti, considerando-se que em 1933 poucas eram as educadoras que conseguiam ocupar um cargo de gestão em espaços escolares.

Schmidt também foi orientadora escolar e participou como membro da Comissão Nacional do Livro Didático. Ao longo de sua vida, realizou parcerias com Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto e Aracy Freire. Parcerias essas que resultaram em diversas viagens pedagógicas aos Estados Unidos, em meados dos anos 1930.

Em “Histórias cruzadas? Mulheres viajantes e o ensino da educação”, Alexandra Lima da Silva problematiza histórias de mulheres viajantes que foram silenciadas, trazendo novos olhares e perspectivas para as temáticas sobre viagens e viajantes no âmbito da história da educação. Destaca as histórias de três viajantes: Amanda Berry Smith, negra e lavadeira, que saiu dos Estados Unidos como missionária para os continentes africano, europeu e asiático; Ina Von Binzer, alemã que viajou ao Brasil para dar aulas e ser preceptora de crianças da elite brasileira durante o período Imperial; e Leonowens, uma mulher indiana, naturalizada inglesa, que viajou à Ásia, tornando-se professora dos filhos do rei no Sião.

* * *

O livro “Mulheres em trânsito: intercâmbios, formação docente, circulação de saberes e práticas pedagógicas” contribui de forma significativa para a historiografia da educação, trazendo em sua composição  pesquisas de qualidade que privilegiaram diferentes e amplas fontes. Os autores reunidos nesse livro lançam seus olhares sobre diários de viagens, escritas biográficas, escritas (auto)biográficas e sobre periódicos, além de outras fontes citadas ao longo da resenha. O livro contribui para dar visibilidade a trajetórias muitas vezes esquecidas, ou mesmo silenciadas.

Mais que recomendada a sua leitura, o livro “Mulheres em trânsito” reúne trabalhos consolidados de pesquisadores do Brasil, do México, da Espanha, do Peru e da Argentina que tratam sobre a atuação feminina em contextos geográficos, sociais e históricos distintos. No entanto, quando reunidos e lidos no seu conjunto, ressignificam a identidade e a atuação destas mulheres que, por diferentes motivos, podem ser consideradas pioneiras em suas respectivas práticas pedagógicas viajantes.

Jacqueline de Albuquerque Varella – Mestranda em Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil). E-mail: [email protected].

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Ubuntu: Educação, Alteridade e Relações Étnicos-Raciais / Ariosvalber S. Oliveira

Com a aprovação da Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, e a Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que tornou obrigatório nas escolas de todo o Brasil o ensino de História da África e cultura afro-brasileira como, a inclusão dos conteúdos de História e Cultura dos Povos Indígenas, além de atender a uma antiga e justa reivindicação; trouxe uma série de consequências para o Ensino de História em sua totalidade. As mudanças ocasionadas pelas respectivas leis ainda estão em processo e não influenciarão apenas educadores. Crianças, adolescentes, jovens, adultos entrarão e estão entrando em contato com o tema. O alcance das transformações pode ser grande – e muito positivo, devendo ser aceleradas ou adquirirem um ritmo mais lento, conforme a capacidade dos setores interessados em intervir no processo (LIMA, 2009, p. 149).

Contudo, vale salientar que o trabalho com História da África e Indígena como conteúdos curriculares dos cursos de graduação, pós-graduação lato sensu e stricto sensu e mesmo na educação básica não nasce no Brasil como resultado da imposição das leis mencionadas anteriormente, havendo histórias de mais longa duração que se relacionam diretamente com o cenário que hoje vislumbramos 1. Leia Mais

Ensino de Ciências Sociais | ABECS | 2017

enino de ciencias sociais

Cadernos da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais: revista da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) apresenta uma linha editorial clara sobre ensino de Ciências Sociais, ressaltando os seguintes temas:

  • história do ensino de Ciências Sociais e de seus cursos;
  • a prática de ensino de Ciências Sociais e a formação de professores de Ciências Sociais;
  • as Ciências Sociais no ambiente escolar;
  • legislação, conteúdos e currículos de Ciências Sociais;
  • recursos e materiais didáticos no ensino de Ciências Sociais (inovações metodológicas) e;
  • estudos comparados em experiências internacionais no campo do ensino de Ciências Sociais.

Periodicidade semestral

Acesso livre

ISSN 2594-3707

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Multimedia Learning – MAYER (EPEC)

MAYER, Richard E. Multimedia Learning. New York: Cambridge University Press, 2ª ed., 2009. Resenha de: SILVA, André Coelho da. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.19, 2017.

Richard Mayer é professor de Psicologia na Universidade da Califórnia desde 1975. Seus interesses de pesquisa estão relacionados à aplicação da ciência da aprendizagem à educação e envolvem, especialmente, estudos sobre cognição, tecnologia e ensino. Atualmente desenvolve projetos sobre aprendizagem multimídia, aprendizagem apoiada por computador e uso de jogos computacionais para a aprendizagem. Nesse sentido, tem como objetivo central encontrar formas de auxiliar as pessoas a desenvolverem aprendizagens que permitam a utilização desses conhecimentos em novas e diferentes situações.Mayer é autor de mais de 500 trabalhos, entre eles, livros como: Jogos computacionais para a aprendizagem (Computer Games for Learning, 2014), Aplicando a ciência da aprendizagem (Applying the Science of Learning, 2011) e Manual da Aprendizagem Multimídia de Cambridge (The Cambridge Handbook of Multimedia Learning: Second Edition, 2014).

No livro Aprendizagem Multimídia (Multimedia Learning, 2009) Mayer visa apresentar princípios para a produção de recursos didáticos multimídia que possam favorecer uma melhor aprendizagem.

Para o autor, um recurso multimídia não é um meio utilizado para trabalhar determinados conteúdos (livros, computadores etc.), mas sim um material que engloba palavras (texto falado ou escrito) e informações gráficas/figuras (gráficos, fotos, animações, mapas etc.). Assume-se que os meios não possuem relação direta com a aprendizagem e, portanto, ao invés de buscar meios que potencialmente maximizariam a aprendizagem, a questão passa a ser como desenvolver recursos multimídia que possam aperfeiçoar os conteúdos/mensagens abordados.

Mayer distingue dois tipos de abordagem quanto à produção de recursos multimídia: a centrada na tecnologia e a centrada nos aprendizes. Enquanto a primeira objetiva possibilitar o acesso às novas tecnologias implicando na necessidade de que os aprendizes se adaptem a elas; a segunda visa adaptar as novas tecnologias às necessidades dos aprendizes visando favorecer a aprendizagem. A abordagem centrada nos aprendizes – assumida por Mayer no livro – partiria da tentativa de entender o funcionamento da cognição humana. Além disso, recursos coerentes com tal funcionamento seriam mais efetivos na promoção da aprendizagem.

A cognição humana poderia ser resumida em dois pressupostos: I) o do canal duplo, que indica a existência de dois sistemas não-equivalentes de processamento de informação: verbal/auditivo e visual/pictórico; e II) o da capacidade cognitiva, que indica que a quantidade de informação processada simultaneamente em cada canal é limitada. O resultado de um processamento cognitivo ativo seria a produção de um modelo mental. Nesse contexto, aprender implicaria em lembrar, isto é, em ser capaz de reproduzir e reconhecer o conteúdo, e em entender, isto é, em construir um modelo mental coerente para o conteúdo. Consequentemente, aprendizagem multimídia seria a construção de conhecimento (enquanto algo pessoal, intransferível) a partir da interação com um recurso multimídia.

Para que resulte em aprendizagem multimídia, a interação com o recurso precisaria desencadear uma série de processos: seleção de palavras relevantes para processamento na memória de trabalho verbal; seleção de imagens relevantes para processamento na memória de trabalho visual; organização das palavras de forma coerente em um modelo mental verbal; organização das imagens de forma coerente em um modelo mental visual; integração das representações verbais e visuais entre si e com o conhecimento prévio.

Mayer apresenta alguns princípios que poderiam auxiliar no desenvolvimento de recursos didáticos multimídia – de forma a torná-los potencialmente mais efetivos em termos da aprendizagem: I) Concentração (destacar ideias chave nas figuras e textos); II) Concisão (minimizar detalhes desnecessários/alheios nos textos e figuras); III) Correspondência (colocar figuras e textos correspondentes próximos); IV) Concretude (apresentar textos e figuras de maneira a facilitar a visualização); V) Coerência (construir uma linha de raciocínio e uma estrutura clara); VI) Compreensibilidade (utilizar textos e figuras familiares); e VII) Codificabilidade (utilizar textos e figuras cujas características chave facilitem a memorização). De fato, tais princípios são encampados pelos doze princípios da aprendizagem multimídia definidos pelo autor (entendidos como princípios para a produção de materiais multimídia).

Os princípios da aprendizagem multimídia são consistentes com o funcionamento da cognição e da aprendizagem humana e estão amparados em resultados de diversos estudos empíricos focados em testes de transferência, isto é, testes que implicam em utilizar o conhecimento para resolver problemas novos/diferentes.

Cinco princípios visam reduzir o processamento desnecessário/alheio, evitando sobrecarga cognitiva. O princípio da coerência indica que as pessoas aprendem melhor quando informações (palavras, figuras, símbolos, sons, músicas etc.) desnecessárias/alheias são excluídas. O princípio da sinalização sugere que as pessoas aprendem melhor quando a organização do material é explicitada, pois o aprendiz poderia ser guiado ao que é essencial, favorecendo a organização mental. O princípio da redundância afirma que as pessoas aprendem melhor com desenhos e narração do que com desenhos, narração e texto escrito (legenda do que está sendo narrado) – caso que implicaria em sobrecarga do canal visual.

O princípio da contiguidade espacial indica que as pessoas aprendem melhor quando as palavras e as figuras correspondentes estão espacialmente próximas.

Já o princípio da contiguidade temporal sugere que as pessoas aprendem melhor quando palavras e imagens correspondentes aparecem ao mesmo tempo. Esses dois últimos princípios estão embasados na ideia de que a contiguidade espacial/ temporal favorece o estabelecimento de conexões entre as informações verbais e visuais (será gasto menos recurso cognitivo no estabelecimento dessas conexões).

Três princípios visam favorecer a administração do processamento essencial, isto é, o responsável por representar o material na memória de trabalho. Em caso de sobrecarga no processamento essencial, restariam poucos recursos cognitivos para realizar o processamento gerador, responsável por organizar e integrar as representações mentais produzidas. Segundo o princípio da segmentação as pessoas aprendem melhor quando o recurso é apresentado em unidades sequenciais nas quais o usuário pode definir o ritmo (ideia de que cada sujeito tem um tempo diferente de processamento). Segundo o princípio do pré-treinamento as pessoas aprendem melhor quando já sabem os nomes e as características dos principais conceitos antes de entrar em mais detalhes. O princípio da modalidade sugere que as pessoas aprendem melhor com figuras e textos falados do que com figuras e textos escritos.

A razão é que textos escritos podem competir com as figuras no canal visual.

Quatro princípios visam promover o processamento gerador. O princípio multimídia afirma que as pessoas aprendem melhor com palavras e figuras do que só com palavras. Trata-se de um princípio que justifica o livro como um todo.

O princípio da personalização sugere que as pessoas aprendem melhor quando as palavras estão em estilo conversacional do que em estilo formal. Por fim, os princípios da voz e da imagem são extensões do princípio da personalização e, segundo Mayer, quando da publicação do livro, ainda estavam em fase de estudos preliminares. Segundo o princípio da voz, as pessoas aprendem melhor quando a voz da narração é humana do que quando a voz é de máquina. Já segundo o princípio da imagem, as pessoas não necessariamente aprendem melhor quando a imagem de quem está falando/narrando está na tela.

Apontamos como os principais pontos positivos do livro: i) a forma didática e sistemática como o autor discute suas considerações, sempre fazendo recapitulações, explicitando seus objetivos de maneira clara e organizando as informações em tabelas quando possível; ii) a consideração de que os princípios da aprendizagem multimídia não são regras universais; iii) a fundamentação teórica e o amplo número de estudos empíricos que embasam os princípios. Nesse sentido, trata-se de um livro que oferece implicações relevantes para a área de pesquisa em ensino de ciências como um todo e, especificamente, para pesquisadores que atuam na produção de recursos didáticos multimídia (pesquisadores associados ao estudo das tecnologias de informação e comunicação, por exemplo) ou que buscam compreender o funcionamento, os limites e as possibilidades da utilização de recursos desse tipo no ensino e na aprendizagem de ciências.

De fato, é possível associar a temática do livro a, ao menos, duas das linhas temáticas do último Encontro Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências (XI ENPEC), realizado em julho de 2017: “Processos e materiais educativos em Educação em Ciências” e “Tecnologias da informação e comunicação em Educação em Ciências”. Entendemos que a presença dessas linhas temáticas no mais importante evento brasileiro da área de ensino de ciências evidencia que a produção, a validação e a utilização de recursos didáticos em situações de ensino e aprendizagem, seja em contextos de pesquisa ou não, costumam se constituir como atividades recorrentes na atuação dos professores e pesquisadores dessa área. Logo, sugerimos que os princípios caracterizados por Mayer podem funcionar como aporte teórico-metodológico para o desenvolvimento dessas atividades, especialmente no que se refere ao projeto e à construção de recursos didáticos multimídia.

Em contraposição aos muitos pontos positivos do livro, pensamos ser necessário apontar também que, embora comente sobre os testes empíricos realizados, Mayer não indica quantos alunos participaram de cada teste, tampouco detalha as condições de aplicação de cada um deles. Vale frisar ainda que os testes foram realizados utilizando a metodologia de grupos controle e grupos experimentais, a qual pode ser alvo de críticas tendo em vista a complexidade envolvida nos atos educacionais – desconsiderada por tal metodologia. Outro aspecto que talvez pudesse ser mais explorado no livro é a discussão de possíveis exceções individuais no que diz respeito aos testes empíricos realizados. Tal possibilidade, no entanto, parece não condizer com a abordagem quantitativaestatística adotada pelo autor na obra.

Em síntese, apesar de ter sido publicado em língua inglesa, a leitura do livro é agradável e simples. Recomendamo-la especialmente aos interessados em elementos associados à aprendizagem e ao uso/estudo de recursos multimídia no ensino.

Referências

MAYER, R. E. Applying the science of learning. Upper Saddle River: Pearson, 2011.

MAYER, R. E. Computer games for learning: An evidence-based approach. Cambridge: MIT Press, 2014.

MAYER, R. E. The Cambridge handbook of multimedia learning. New York: Cambridge University Press, 2014.

UCSB – UNIVERSITY OF CALIFORNIA, SANTA BARBARA. Richard Mayer. Department of Psychological & Brain Sciences, s/d. Disponível em: <https://www.psych. ucsb.edu/people/faculty/mayer>. Acesso em: 09 ago. 2016.

André Coelho da Silva – Doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), campus Itapetininga. Grupo de Pesquisas sobre Formação de Professores para o Ensino Básico, Técnico, Tecnológico e Superior (FoPeTec). Itapetininga, SP – Brasil. E-mail:<[email protected]>

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Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem – BERGMANN (EPEC)

BERGMANN, Jonathan; SAMS, Aaron. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem. (Tradução Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2016. 104 p. Resenha de: FEITOSA, Raphael Alves. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.19, 2017.

A obra Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem, de autoria dos estadunidenses Jonathan Bergmann e Aaron Sams ganhou uma versão para o português no ano de 2016. O livro é uma adaptação do original em língua inglesa, de título Flip your classroom: reach every student in every class day, publicado em 2012 nos Estados Unidos da América (EUA).

O livro é destinado a professores do ensino básico e superior, bem como a pesquisadores da área da Educação e do Ensino interessados em conhecer essa metodologia.

O produto é relevante para o campo do ensino de ciências, haja vista que ambos os autores ministravam a disciplina de Química no High School estadunidense (equivalente ao nosso Ensino Médio) na época em que desenvolveram as experiências com a sala de aula invertida.

No tocante aos autores da obra, destaca-se que ambos desenvolverem as experiências pedagógicas inovadoras descritas no livro, durante seu trabalho como educadores em uma escola da cidade de Woodland Park, estado do Colorado (EUA). Os dois autores lecionavam Química, área original de formação de ambos.

Bergmann e Sams obtiveram reconhecimento nacional por suas ações de ensino. O primeiro recebeu o Presidential Award for Excellence in Mathematics and Science Teaching (PAEMST) em 2002, premiação organizada pela The National Science Foundation. No ano de 2010, Bergmann foi semifinalista no certame Teacher of the Year, no Estado do Colorado. Em 2013, ele foi finalista do Brock International Prize for Education, administrado pela The Brock Family Community Foundation. É cofundador da Flipped Learning Network, uma organização sem fins lucrativos que busca e compartilha recursos acadêmicos ligados ao tema da sala de aula invertida. Atualmente, é facilitador em tecnologia de ponta da Joseph Sears School, em Illinois.

Aaron Sams recebeu da PAEMST o Presidential Award for Excellence in Mathematics and Science Teaching, em 2009. Recentemente, vem trabalhando como professor de Ciências em Woodland Park, no Colorado.

Além da obra objeto de análise da presente resenha, Bergmann e Sams também publicaram outros livros sobre o tema, como, por exemplo, Flip Your Classroom: Reach Every Student in Every Class Every Day (BERGMANN; SAMS, 2012), Flipped Learning for Science Instruction (BERGMANN; SAMS, 2015a) e Flipped Learning for Elementary Instruction (BERGMANN; SAMS, 2015b).

Quanto à organização, Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem conta com um breve prefácio de Karl Fisch e está dividida em nove capítulos. No capítulo inicial, é apresentado um dilema enfrentado pelos autores, que contribuiu para o desenvolvimento das ações ligadas à sala de aula invertida. Dentro do contexto estadunidense, existem alunos que participam de competições desportivas e que acabam faltando a várias aulas seguidas. Igualmente, existem outros que, mesmo estando presentes em todas as aulas, não possuem bom rendimento escolar e, consequentemente, perdiam a oportunidade de aprender efetivamente o conteúdo outrora ministrado. Então, o que fazer para recuperar esse conteúdo ministrado? Bergmann e Sams (2016, p. 3) tentaram solucionar essa problemática e, a partir de 2007, “começamos a gravar nossas aulas ao vivo, usando o software de captura de tela. Postávamos as aulas on-line e os alunos as acessavam”. Nisso, perceberam através da experiência prática docente que muitos alunos assistiam aos vídeos das aulas antecipadamente, incluindo aqueles que não faltavam às aulas.

Nas aulas seguintes, eles tiravam dúvidas sobre o tema dos vídeos, gerando espaço para outras atividades em classe.

Assim, a organização da rotina escolar das aulas de Química foi se modificando: primeiro os alunos assistiam e faziam anotações dos vídeos postados, antes das aulas. No dia da aula regular, os professores realizam experimentos e demonstrações, orientavam pequenos grupos, resolviam exercícios e tiravam as dúvidas dos estudantes. Nisso, educadores realizavam apenas uma explicação rápida sobre o conteúdo ao invés de dedicarem a maior parte da aula a longas preleções.

Basicamente, o conceito de sala de aula invertida é o seguinte: o que tradicionalmente é feito em sala de aula, agora é executado em casa, e o que tradicionalmente é feito como trabalho de casa, agora é realizado em sala de aula. (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 11).

Fundamentalmente, a sala de aula invertida se contrapõe ao ensino tradicional, no qual a sala de aula serve para o professor transmitir informações para o aluno. Esse último, após a aula, deve estudar o material que foi comunicado e realizar alguma atividade de avaliação para mostrar se esse material foi (ou não) assimilado.

Já a implementação da metodologia da sala de aula invertida se deu como resposta à percepção de Bergmann e Sams (2016) de que a metodologia tradicional não era compatível com alguns estilos de aprendizagem dos alunos.

Para realizar essa estratégia pedagógica, procede-se com a disponibilização prévia de vídeos, áudios, textos e outras mídias, para que todos os alunos tenham acesso ao conteúdo antes das aulas. Permitindo, assim, que cada aluno estude nos locais e horários que melhor lhe convém, seguindo seu próprio ritmo.

Além do estudo prévio em casa, a outra parte do método se direciona aos encontros presenciais, os quais ocorrem no horário convencional de aula na escola. Esses momentos são destinados a atividades que exijam o uso de níveis mais aprofundados de reflexão.

Nas atividades presenciais, o papel dos atores sociais protagonistas do espaço-tempo da sala de aula muda, quando comparado ao ensino tradicional.

Os estudantes passam a ter um papel ativo no processo de aprendizagem. Isso é possível devido ao fato do estudante ter tido, previamente, contato prévio com o conteúdo, abrindo espaço para que a aula se torne um lócus de aprendizagem ativa, com o auxílio e supervisão do professor.

Por sua vez, os educadores deixam de atuar como “transmissores” de conteúdo.

Onde outrora se predominava a modalidade de aula expositiva, com a sala de aula invertida, o professor pode usar o com mais propriedade o tempo disponível. Em sala, o docente pode propor e supervisionar discussões, atividades práticas/demonstrativas e dar respostas às perguntas que apareceram durante o estudo em casa.

No livro, os autores descrevem e exploram suas experiências didáticas nos EUA, dando exemplos para os leitores de como utilizar a ideia central da sala de aula invertida. Destarte, Bergmann e Sams (2016) dão sugestões de diversas ferramentas que podem ser utilizadas pelo professorado para implementar essa metodologia, por exemplo: plataformas, softwares, sistemas de gravação de voz e vídeo, aplicativos de celulares/tablets, mídias físicas (CD e DVD), etc.

Assim, os criadores do método indicam que essas ferramentas podem ser usadas nas aulas, por alunos e professores, devido também ao baixo custo financeiro envolvido. Os vídeos e áudios podem ser gravados/visualizados em aparelhos de telefone celular, computador ou tablet, por exemplo. Para aqueles que não dispõem dessas tecnologias, os autores aconselham a gravação em CD/DVD.

Ao longo do livro, especialmente no sétimo capítulo, os autores mostram a relação da sala de aula invertida com a avaliação da aprendizagem. Ao longo das aulas, o contato mais próximo com os estudantes permite que os professores façam “avaliações somativas” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 83).

Entre as ferramentas avaliativas usadas na experiência descrita no livro, os autores usaram trabalhos, testes escritos, perguntas orais e as avaliações do Estado do Colorado (EUA). Esse último exame, em alunos de Química da mesma escola, em quadro comparativo entre uma turma que utilizou a organização da sala de aula invertida, e outra, de ano anterior, de organização tradicional, os resultados dos exames estaduais apontaram para “pontuações médias quase idênticas às dos alunos do ano anterior, quando ainda seguíamos o método tradicional de preleções” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 97).

Tal resultado causou surpresa a esse resenhista, pois devido à firme defesa do método por parte dos autores da obra, eu esperava que o desempenho acadêmico dos estudantes que fizeram sala de aula invertida tivesse sido superior ao ensino tradicional. Certamente, diversos fatores podem estar envolvidos nos dados quantitativos dessas avaliações do estado, como aspectos do próprio teste (nível, procedimento), individuais dos alunos (familiares, sociais, afetivos) e sociais (estrutura física da escola, organização curricular), entre outros. No entanto, os autores pouco discutem esses resultados e suas interconexões estruturais, o que me parece ser uma limitação da obra.

Considerando que o assunto tem encontrado ressonância em países de língua inglesa (BRUNSELL; HOREJSI, 2011), no Brasil e em outros países de língua portuguesa (VALENTE, 2014; SUHR, 2016), entendo que existem diversos locais onde já há desenvolvimento de atividades dessa natureza.

Por outro lado, alguns pensadores importantes do campo do ensino e da pedagogia, como José Pacheco, vem tecendo críticas a esse modelo, temendo ser um novo “modismo” educativo advindo de terras estrangeiras.

Os brasileiros deveriam procurar alforria científica e maioridade educacional na obra de Milton Santos, ou Maria Nilde, mas insistem em comprar gato por lebre, desde que o gato venha do estrangeiro. (…) Por que não reagem os pedagogos brasileiros ao neocolonialismo pedagógico? Acaso os nossos professores universitários não leram Freire? (PACHECO, 2014).

Considerando a repercussão que o tema da sala de aula invertida vem gerando em nosso país, é oportuno analisar criticamente a mais nova obra publicada (BERGMANN; SAMS, 2016).

Destaco que esse modelo parece não ter sua origem, ou ato inédito, na experiência de Bergmann e Sams. Segundo Valente (2014, p. 86): “A ideia da sala de aula invertida não é nova e foi proposta inicialmente por Lage, Platt e Treglia (2000), concebida como ‘inverted classroom’ e usada pela primeira vez em uma disciplina de Microeconomia em 1996 na Miami University (Ohio, EUA)”.

Uma clara limitação da obra (BERGMANN; SAMS, 2016) é que ela não possui suporte teórico integrado às experiências pedagógicas descritas. O livro não conta sequer com uma seção de referências bibliográficas ou similar. Isso deixa a obra margeando o senso comum.

Talvez por isso, os autores do livro desconhecem (ou não denotam) os trabalhos de seus antecessores, como Lage, Platt e Treglia (2000). Bergmann e Sams (2016, p. 5) afirmam apenas que “não propusemos o termo sala de aula invertida. Ninguém é ‘dono’ dessa designação (…), embora ela tenha se popularizado nas diversas mídias”.

Considerando as limitações acima expostas, apesar disso, foi interessante ler uma obra recheada com relatos de professores que vêm utilizando e obtendo resultados positivos com a sala de aula invertida.

Para esse resenhista, o diferencial da abordagem contida em Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem é a Aprendizagem para o Domínio, cujo pensamento fundamental “consiste em que os alunos alcancem uma série de objetivos no próprio ritmo” (BERGMANN; SAMS, 2016, p. 47). A logística envolvida nessa dinâmica consiste em três pontos, a saber: 1°) Pequenos grupos de estudantes trabalham em ritmo particular; 2°) é feita a avaliação formativa com os alunos, a qual estimula o grau de compreensão dos alunos; 3°) os aprendizes demonstram domínio sobre os objetivos e, aos que não atingiram todas as metas traçadas, são oferecidas formas de recuperar, para que todos aprendam os conteúdos, e não apenas o suficiente para a aprovação nos exames.

Considerando que nesta resenha destaquei os pontos fundamentais da obra analisada, convido agora o leitor a explorar o livro em questão, visando a tirar suas próprias conclusões sobre o título.

Referências

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip Your Classroom: reach every student in every class every day.

Arlington, VA: International Society for Technology in Education.: International Society for Technology in Education, 2012.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flipped Learning for Science Instruction. Arlington, VA: International Society for Technology in Education, 2015a.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Flipped Learning for Elementary Instruction. Arlington, VA: International Society for Technology in Education, 2015b.

BERGMANN, J.; SAMS, A. Sala de aula invertida: uma metodologia ativa de aprendizagem.

(Tradução Afonso Celso da Cunha Serra). 1ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 104 p, 2016.

BRUNSELL, E.; HOREJSI, M. “Flipping” Your Classroom. The Science Teacher, Washington, v. 78, n. 2, p. 10, 2011. Disponível em: <http://www.uwgb.edu/catl/files/pdf/flipscience.pdf>.

Acesso em: 07 ago. 2017 LAGE, M. J.; PLATT, G. J.; TREGLIA, M. Inverting the classroom: A gateway to creating an inclusive learning environment. The Journal of Economic Education, Lincoln-NE, v. 31, p. 30-43, 2000.

PACHECO, J. Sala de aula invertida: por que não reagem os pedagogos brasileiros ao neocolonialismo pedagógico? Revista Educação, São Paulo, SP, 2014. Disponível em: <http://www.revistaeducacao.com.br/sala-de-aula-invertida/>. Acesso em: 07 ago. 2017 SUHR, I. R. F. Desafios no uso da sala de aula invertida no ensino superior. Transmutare, Curitiba, v. 1, n. 1, p. 4-21, jan./jun. 2016. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rtr/article/ view/3872>. Acesso em: 07 ago. 2017 VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no ensino superior: a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, n. 4, Edição Especial, p. 79-97, 2014. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/er/nspe4/0101-4358-er-esp-04-00079.pdf>. Acesso em: 03 jan. 2017.

Raphael Alves Feitosa – Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Professor do Departamento de Biologia da UFC. Coordenador do Laboratório de Ensino de Biologia (Lebio-UFC). Integrante do grupo de pesquisa Ensino de Ciências e Matemática (IFCE) e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Ensino de Ciências – GEPENCI (UFC). E-mail:<[email protected]>.

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Ofícios de Clio | UFPEL | 2017

OFICIOS DE CLIO UFPEL

A Revista Discente Ofícios de Clio (Pelotas, 2017-) é um projeto ligado ao Laboratório de Ensino de História (LEH), e ao Programa de Pós-Graduação em História (PPGH), ambos da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

A Revista objetiva proporcionar aos nossos graduandos e pós graduandos, bem como aos alunos de áreas afins e/ou de outras Instituições, um espaço qualificado de debate e de incentivo ao incremento da pesquisa.

Como se sabe, um grande número de revistas acadêmicas não aceitam artigos de alunos não formados e, em alguns casos, apenas de portadores de título de Mestrado. A Ofícios de Clio almeja oportunizar aos discentes o incremento de seus currículos, visando seu futuro desenvolvimento acadêmico e profissional.

Periodicidade semestral.

Acesso livre.

ISSN 2527-0524

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Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação | Michael B. Horn e Heather Staker

 

Resenhista

Gislaine A. R. da Silva Rossetto

Adair Aparecida Sberga


Referências desta Resenha

HORN, Michel B.; STAKER, Heather. Blended: usando a inovação disruptiva para aprimorar a educação. Porto Alegre: Penso, 2015. Resenha de: ROSSETTO, Gislaine A. R. da Silva; SBERGA, Adair Aparecida. Revista Aprendizagem em EAD. Taguatinga, v.5, n.1, novembro, 2016.

Acesso apenas pelo link original [DR]

História e Educação / Revista de História Bilros: História(s), Sociedade(s) e Cultura(s) / 2016

Em muito nos honra o convite feito pelos editores da Revista Bilros para que pudéssemos contribuir com a organização de um dossiê que traz a temática História e Educação, na 7ª edição de tão importante periódico para a divulgação de produções de discentes e professores de História. Digno de menção é a grata surpresa de constatar que a Revista conta, hoje, com o reconhecimento que extrapola os limites dos torrões cearenses, haja vista a constatação de várias submissões de pesquisadores de outros estados do Brasil.

O Dossiê ora apresentado traz a lume temáticas que nos são caras como historiadores da Educação e do Ensino. As discussões sobre o ensino de História, as teorias e métodos que embasam suas práticas educativas tem sido objeto de estudos e pesquisas dos profissionais não só da História, mas também do campo da Pedagogia. A tradição do ensino de História na perspectiva dos aportes teóricos do positivismo, que por muito tempo influenciaram as práticas pedagógicas de nossas escolas, os currículos, os livros didáticos e outros materiais de ensino / aprendizagem de História, legou influencia decisiva e incisiva no perfil da história ensina no Brasil desde a sua constituição enquanto disciplina do currículo das escolas brasileiras, a partir do século XIX. Leia Mais

La nueva educación: Los retos y desafíos de un maestro de hoy – BONA (I-DCSGH)

BONA, C. La nueva educación: Los retos y desafíos de un maestro de hoy. Barcelona: Plaza & Janés, 2015. Resenha de: GARCÍA ANDRÉS, Joaquín. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.84, p.83-84, jul., 2016.

Esta estimulante autobiografía profesional del maestro aragonés César Bona (Ainzón, 1971) resume sus últimos seis años como docente en la escuela pública que, recogidos inicialmente en un vídeo, le permitieron optar al premio Global Teacher Prize, lo que le supuso ser seleccionado entre los cincuenta mejores docentes del mundo el pasado año.

Como desde un primer momento el autor explica con un lenguaje claro, fl uido, directo y ameno, en estas páginas sólo encontraremos «ideas sencillas y básicas que a veces se nos olvidan» y que, en consecuencia, no necesariamente han de resultar novedosas pero sí renovadoras. Por eso mismo gozan de un valor muy singular, en la medida en que devuelven al primer plano de las necesidades educativas ideas «viejas» para esa escuela «nueva» a la que se aspira. De hecho las páginas están salpicadas de aforismos y extractos del propio texto que resumen en pocas palabras su forma de entender la enseñanza, al tiempo que facilitan una rápida lectura. Ya sólo los títulos de cada uno de sus breves capítulos delatan de un modo didáctico sus ideas esenciales respecto a la educación, como por ejemplo: «Salir de uno mismo y hacerse preguntas», «De los libros a la acción», «Deberes y a dormir» o «Somos emociones». Puede decirse que el elenco de frases memorables es ciertamente amplio, tanto como orientador.

Partiendo de una concepción funcional de la escuela, orientada a facilitar la vida y no la mera consecución de unos objetivos de evaluación, su premisa esencial radica en confi ar en el poder de los alumnos, en su imaginación, creatividad y curiosidad. Unas características que, a su vez, Bona asume como condiciones básicas que deberían compartir los docentes, a quienes exhorta a transformarse en personas curiosas, con deseos de aprender de todo lo que nos rodea. De ahí que una de las motivaciones que, aprovechando su proyección mediática, le han llevado a desvelar públicamente sus pensamientos, concepciones y convicciones sea, precisamente, la de invitar al lector a redescubrir que la esencia de la profesión docente no radica tanto en tener vocación y conocimientos como en saberlos compartir. Ideas sobre el sentido de las tareas, el fomento de la lectura, el trabajo en escuelas unitarias, el papel de las familias, la formación docente o la educación emocional, son algunos ejemplos de sus inquietudes y preocupaciones.

Pero también las hay sobre la organización y la gestión del aula, la convivencia, la disciplina o la participación activa. A lo largo de este personal periplo y a través de algunas de sus experiencias más singulares y llamativas, podremos conocer de primera mano –y aprender con ello– proyectos y actividades innovadoras, algunas ciertamente evocadoras, como sus llamadas «historias surrealistas», desde la considerable valoración que el propio Bona otorga a esta dimensión de la imaginación humana. Pese a la singularidad de cada una de ellas, en todas es posible advertir el fermento común que las alimenta: la actitud, muy particularmente la del respeto, pero también la de la autoexigencia y la autocrítica, tanto de los estudiantes como, sobre todo, de sus profesores.

Sin lugar a dudas la palabra actitud es una de las que más se repite, siempre en clave positiva y en torno al esfuerzo, la tolerancia y la pasión por lo que se hace, a ser posible de una forma contagiosa.

Porque, según sus propias palabras, «nuestra actitud, la forma de ver las cosas y cómo las conduzcamos a la hora de sentir y vivir toda experiencia en nuestra compañía les marcará para siempre» (p. 65).

No en vano, de nuestra profesión salen todas las demás y, en tal sentido, considera que los docentes somos unos privilegiados que tenemos al alcance la posibilidad de convivir con la imaginación, la ilusión y la inspiración, la que nos proporciona nuestro alumnado, y de las que podemos obtener nuevas e inspiradoras ideas. Un privilegio del que nace una responsabilidad recíproca: la de estimular la creatividad y la curiosidad.

En connivencia con la actitud, otros dos pilares esenciales en torno a los cuales este maestro hace pivotar su práctica escolar son la sensibilidad y la empatía, invitando al lector a meterse en la piel de los aprendices y hacer que se sientan importantes; porque lo son. Así lo evidencian experiencias como la realización de un cortometraje mudo que logró reconciliar a dos familias enfrentadas del pueblo en el que ejercía, o la creación de una sociedad protectora de animales para evitar la actuación de animales vivos en el circo, que ha sido amadrinada por la primatóloga Jane Goodall, entre muchas otras.

Siguiendo su consejo, «cualquier cosa puede inspirarte, una canción, una línea mal dibujada, una frase, un dibujo: en eso radica la maravilla, en mirar todo a nuestro alrededor como una oportunidad para crear» (p. 163). Espero que estas últimas palabras sirvan de aliento para provocar el interés por este libro, cuya lectura es tan fácil, tan provechosa e inspiradora como recomendable. En definitiva, un libro como su autor: sobresaliente.

Joaquín García Andrés – E-mail: [email protected]

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O aracniano e outros textos – DELIGNY (REi)

DELIGNY, Fernand. O aracniano e outros textos. Tradução Lara de Malimpesa. São Paulo: 1 edições, 2015. Resenha de: MATOS, Sônia Regina de Luz. Revista Entreideias, Salvador, v. 5, n. 2, p. 97-102, jul./dez. 2016.

Inicialmente antes de escrever a resenha do livro O aracniano e outros textos (2015) é preciso descrever algumas linhas biográficas do autor, o educador francês Fernand Deligny (1913-1996). Desde já, cabe destacar que este livro é o primeiro e único livro do autor traduzido em língua portuguesa, pois ele ainda é pouco estudado no Brasil no campo da educação. O pensamento deste pedagogo é inclassificável, ele cruza os campos da filosofia, da educação, da arte e da literatura. Sua prática pedagógica contorna um processo de escritura que acontece continuamente durante as investigações e as experiências na área da educação junto aos autistas. Logo, a leitura deste livro nos convoca ao deslocamento de leitura, não tão somente em relação aos procedimentos de escrita que o pedagogo apresenta junto a arte literária, mas também, ao acesso a outra potência de agir em educação, ainda marginalizada dos espaços da pedagogia.

Então, conforme anunciado, aponto algumas linhas da biografia do professor Deligny, que desde 1927, trabalhou junto às crianças e aos adolescentes que eram classificados como inadaptados socialmente ou considerados “à parte da sociedade” (DELIGNY, 2015). Encontramos registros inéditos sobre sua experiência como educador no hôpital psychiatrique à Armentières. Esse trabalho aconteceu durante a Segunda Guerra Mundial e desdobrou-se em outras experiências pedagógicas. Uma delas foi junto a clínica La Borde com o grupo de estudos do psiquiatra Félix Guattari. A partir de 1967, ele se instala na região de Cèvennes, construindo coletivamente uma rede de espaços de acolhimento e de investigação, que ele denominou de “rede aracniano” (DELIGNY, 2015).

As atividades educativas desta rede são influenciadas pela experiência de ensaísta, de poeta, de escritor e de cineasta. Deligny escreve e publica, constantemente, seus pensamentos pedagógico e investe nos conceitos das áreas de etologia e de antropologia.

Sendo assim, elabora um procedimento cartográfico a partir de traços, de linhas e de mapas que constituem os percursos dos movimentos do cotidiano dos autistas. A investigação cartográfica sobre a “experiência autística” (DELIGNY, 2015) deste educador é reconhecida como uma prática pedagógica inédita. Prática citada nos livros e entrevistas do filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) e do psicanalista Félix Guattari (1930-1992). Nesse sentido, cabe destacar que estes dois pensadores franceses, expressam a ideia de que Deligny assumiu profissionalmente uma vertente de atuação educativa próxima da psicanálise institucional, que percebem o autismo como uma produção singular de existência.

Na França, após dez anos de sua morte se retomam as investigações e os estudos sobre sua obra. A partir de 2007, a editora L’Arachnéen, publica um volume com algumas obras de Fernand Deligny e reedita outras. No Brasil, o trabalho deste pedagogo é pouco conhecido, somente em 2015 contamos com uma primeira tradução brasileira do livro que disponibilizo nesta resenha: O aracniano e outros textos (2015). O objetivo da resenha é mostrar alguns conceitos deste autor, do movimento aracniano e de suas experimentações pedagógicas com os autistas. Ainda é importante destacar que o livro não versa sobre uma transposição didática que apresenta modelos de práticas escolares junto ao trabalho com os autistas.

Diante destas palavras introdutórias, digo que o presente livro é composto por dois eixos de leitura, um primeiro é o texto O aracniano, redigido entre 1981 e 1982, contendo 59 fragmentos que nos remetem a mesma denominação do título do livro. Um segundo eixo de leitura é aglutinado ao subtítulo: Quando o homenzinho não está (aí) que é composto por 14 breves textos redigidos entre 1976 a 1982, em gêneros de ensaios e artigos. Ainda nesta publicação constam mapas do percurso dos autistas, produzidos entre 1976 e 1977. Além disso, há um conjunto de fotografias das instalações das crianças autistas que moravam no espaço aracniano, na região de Cévennes, em 1969.

Então, o primeiro eixo de leitura, o texto O aracniano é escrito em fragmentos e sua inspiração conceitual retirada do campo da etologia que estuda as espécies de animais, como as aranhas. O seu projeto pedagógico denominado de aracniano é coletivo e envolve as crianças autistas, as suas famílias e os educadores. Assim, todos vivem no mesmo espaço rural. Sendo que, este espaço rural é dividido em pequenos territórios, assim, cada território tece uma parte da linha da teia de aranha, que se transforma em uma rede que investiga o agir autista. Com isto, o movimento aracniano acompanha, descreve e escreve o espaço da “experiência autista”. (DELIGNY, 2015) Para registrar essa experiência, o grupo elabora a montagem de mapas que constituem os trajetos que as crianças autistas fazem em seu cotidiano. Os mapas acompanham a experiência das “linhas de errância de crianças ‘autistas’”. (DELIGNY, 2015, p. 41) Elas são errantes porque as crianças não funcionam pela consciência dos atos. Por meio desta prática investigativa, o pedagogo diz: “o meu projeto: dar à palavra aracniano – ao meu ver estonteante – um sentido digno de sua harmonia e de sua amplitude”. (DELIGNY, 2005, p. 22) Afirma-se assim, que o pensamento aracniano descentraliza as práticas pedagógicas do autismo das representações psicopatológicas e investe em rastrear e em apreender com as singularidades produzidas pelo projeto.

O segundo eixo de leitura do livro que é composto por 14 breves textos, se inicia com um texto de 1976. Ele foi redigido para um congresso de psicanálise e publicado em uma revista francesa e uma italiana, intitulado: Esse ver e o olhar-se ou o elefante no seminário. A escritura do artigo tem um tom de ensaio descritivo, pois apresenta um dos mapas que constituí o percurso dos autistas.

O texto descreve a invenção de vários símbolos que possibilitam a leitura e a interpretação cartográfica dos percursos das pessoas que viviam no espaço aracniano. Cabe destacar que ao mostrar o funcionamento cartográfico nos deparamos com um outro plano de vocabulário, tais como: linhas, anel, traçar, ângulo, entrelinhas, desvio, deriva, ideologia, microideologia, linguagem vacante, linguagem em falta e na falta de linguagem.

No outro texto O agir e o agido, escrito em 1978 para uma edição italiana, segue outra descrição de mapa, neste ele amplia as questões conceituais já demarcadas no texto anterior, porém remarca algumas críticas ao tipo de psicanálise que classifica o autismo e o determina como patologia. Posição essa que vai acompanhar outros textos em sua vida profissional.

Logo, outro ensaio: A arte, as bordas… e o fora. O ensaio, também é publicado em italiano, em 1978. Conceitualmente, Deligny mostra que “a linha e a linguagem eram de idêntica natureza” (DELIGNY, 2015, p. 148) e a linha expressa-se nos mapas dos trajetos do cotidiano dos autistas. Os mapas apontam alguns elementos da linguagem que a “experiência autista” (DELIGNY, 2015) produz e que essa experiência vive uma linguagem fora da relação direta e hierárquica entre sujeito e objeto.
Na redação do texto Carteira adotada e carta1 traçada, publicado por uma editora italiana, em 1979, ele diferencia sua relação com o Partido Comunista Francês e sua experiência na elaboração da cartografia junto ao movimento aracniano. Passa a valorizar essa última experiência porque ela não exige filiação ideológica.

A experiência no Partido Comunista Francês o víncula por meio de uma carta que representa a adoção de uma ideologia. Já com a experiência do movimento aracniano ele se vincula aos mapas do traço das “crianças cujos trajetos são traçados […] não tende de forma alguma para uma globalidade em que o absoluto ideológico se reencontraria, endêmico”. (DELIGNY,2015, p. 157).

A criança preenchida, divulgado em 1979, trata da relação topológica, que são as “áreas de estar” que expressam os movimentos topográficos dos autistas. Esses movimentos constituem os mapas e os trajetos registrados e interpretados como linhas errantes do agir autista. O pedagogo define dois tipos de “topos” ou registros dos espaços autistas, a topologia e a topografia. Os dois tipos de registros permitem traçar o agir autista que conjuga “ ‘o tempo’ fora do tempo” (DELIGNY, 2015, p. 163), pois esse agir funciona pela lógica do “topo” ou espaços que não se sujeitam a linguagem oral, espaços refratários a falação. Por meio da topologia e da topografia, ela aponta uma outra plasticidade pedagógica, que pode ser analisada a partir dos espaços ocupados pelo agir autista.

Ainda neste mesmo ano, o pedagogo publica em italiano um breve ensaio denominado Esses excessivos. Ele elabora uma resposta direta a academia que somente valida como produção intelectual a classificação e ou a posição de conhecimento mais universal sobre os estudos com os autistas. Ele se posiciona afirmando que não comunga com o que ele chama de falação intelectual em busca do universal e do verdadeiro. Ele defende que sua produção se faz a partir dos “topos”, ou seja, traça o espaço do agir autista, sem assumir um manual ou modelo que caracterize o autismo.

O humano e o sobrenatural é um texto envolto na ideia da vacância da linguagem das crianças autistas. Ele inicia o texto argumentando que elas desproveem da intenção de vagar e de balançar o seu corpo. Elas não acompanham o ato da consciência, o que elas fazem é o uso do seu corpo humano não como segregação, como faz o homem em muitos momentos da história da humanidade. A vacância da linguagem produz um espaço único de relação refrataria com a língua e com os gestos. Neste momento ele crítica o conceito de humanidade e linguagem humana.

A exibição é um título publicado em italiano, em 1980. O educador elabora sua posição desconfortável em relação a posição da psicanálise quando ela refere-se ao inconsciente e a linguagem dos autistas. Afirma que não compreende a língua psicanalítica.

Fala que essa língua não faz parte da língua do repertório aracniano, a língua que o interessa é de “quem vê um autista viver”. (DELIGNY, 2015, p. 180) Em 1978, escreve para um colóquio, em Paris, sobre o tema A liberdade sem nome e destaca que o autista tem a potência de ser refratário ao poder da língua do homem e que a potência da “experiência autista” (DELIGNY, 2015) se encontra no agir sem direcionamento ideológico e nada identitário. Trata-se, portanto, de um tipo de liberdade à deriva, de vivacidade desconhecida por nós, os homens.

O artigo Semblant de rien, refere-se a 1981, escrito em italiano.
A tradução dele não acontece para língua portuguesa porque é uma expressão francesa que dispara vários significados e o autor mescla o uso dos significados do título durante a sua escrita. A ideia da frase “semblante de rien” nos remete a ideia de um semblante significa o que? Para quem? Para quem o semblante não significa nada? Para os autistas. O semblante emite signos. Essa emissão sígnica não representa nada para eles. A língua que conhecem é a língua do agir em gesto, por isso, a expressão autística é uma língua estrangeira para os homens que vivem das palavras e sua verossimilhança com os signos.

No mesmo ano, publica numa revista francesa o ensaio com o título O obrigatório e o fortuito. O texto trata do tema da guerra, no período em que viveu em Armentières e “era professor primário encarregado de instruir crianças retardadas”. (DELIGNY, 2015, p. 198) O pedagogo se refere a ideia de que a obrigação é uma ação presente quando os homens estão diante da guerra e diante de instruções instituídas por culturas e instituições. E mesmo diante da guerra e das instituições a experiência do obrigatório chegava as crianças retardadas2 como um elemento desconhecido e sem referente.

Na data, em 1981, o texto Convivência é editado num congresso americano sobre o tema sexualidade e linguagem. O professor mostra que há um Ser subjetivado a linguagem da sexualidade, este Ser está escrito em letra maiúscula porque é determinado pela convivência do homem. Ele constata que com a “experiência autista” (DELIGNY, 2015), por ser refratária a subjetivação da linguagem, ela não é atingida por essa linguagem. Assim, a convivência autista se distingue da convivência do homem. Convivência, retirada dessa experiência autista que se encontra vinculada ao agir sem Ser subjetivado aos signos da sexualidade do homem.

A voz faltante, publicado em italiano, em 1982, faz parte do penúltimo dos textos escolhidos para compor este livro. O pedagogo escolhe apresentar o paralelo entre as palavras homofônicas na língua francesa: a voz (voix) e a via (voie). Em sua experiência no asilo, ele reconhece que o ato da ausência da fala por parte da maioria dos autistas produz outro efeito na relação com a linguagem. O efeito dessa relação passa pela via do traço e dos trajetos produzidos pelo “agir autista” (DELIGNY, 2015) que se faz pela linguagem não-verbal. Talvez, por isso à “experiência autista” (DELIGNY, 2015) acione algo estrangeiro e desconhecido ao humano. Se a voz é ausente, é um indicativo de que a investigação com os autistas exige uma via novo para se pensar a supremacia dada a linguagem oral na relação humana.

O último ensaio, compõem o segundo eixo de leitura do livro e ganha espaço como título: Quando o homenzinho não está (aí). A redação do texto refere-se aos fragmentos e as anotações de quem escreve um diário de pensamentos do tipo aracniano. As anotações versam sobre muitos conceitos já demarcados nos textos anteriores e sobre as vivências nos asilos e no movimento aracniano junto as crianças, principalmente junto ao Janmari, adolescente autista que o professor Deligny adotou.

Para finalizar, reintero que o livro é composto por várias singularidades conceituais de experimentações em pedagogia.

Uma das singularidades é que o livro se faz junto ao território de artes, tais como: escrita literária, fotos, imagens dos mapas, ou seja, ele flerta e se produz por meio de uma ínfima parte do pensamento do educador Deligny como um aracniano. O desafio da leitura deste livro é que ele escreve sobre práticas pedagógicas que trabalham com o radicalidade de investir no autismo como existência e com o rigor de retirar dela uma potência singular de vida, experimentando outro tipo de educação para o homem.

Poderemos desfrutar desta leitura como uma prática única que nos ensina a pensar como é uma pedagogia que se faz junto com o agir autista e não sobre o agir autista.

Notas

1 Ele utiliza como sinônimo de mapa.

2 Lembrando que este é o conceito usado pela literatura científica e especialidade nos anos de 1940. Deligny o usa de maneira a demarcar uma certa ironia e oposição a classificação institucional.

Sônia Regina da Luz Matos – Professora da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

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La motivación, el punto clave de la educación. Curso de cocina rápida – GARCÍA ANDRÉS (I-DCSGH)

GARCÍA ANDRÉS, J. La motivación, el punto clave de la educación. Curso de cocina rápida. Burgos: Universidad de Burgos, 2015. Resenha de: SÁNCHEZ AGUSTÍ, María. Íber – Didáctica de las Ciencias Sociales, Geografía e Historia, n.83, p.81-82, abr., 2016.

El doctor García Andrés, profesor de educación secundaria en Burgos y, también, en la universidad de esta ciudad castellana, ha escrito un sugerente libro sobre motivación escolar, publicado por el Servicio de Publicaciones e Imagen Institucional de la universidad burgalesa.

Ya su tesis doctoral en didáctica de las ciencias sociales por la Universidad de Valladolid –«Mecanismos motivadores en la enseñanza de la historia. Un modelo de aplicación con alumnos de ESO»– obtuvo una mención honorífica en la convocatoria del CIDE para premios a la investigación educativa y tesis doctorales defendidas en el año 2006. Y ese mismo año, además, obtenía el premio Francisco Giner de los Ríos a la mejora de la calidad educativa, en el área de humanidades y ciencias sociales, por una «investigación de archivo» (según la propia denominación del trabajo) titulada «Asesinato en la catedral, una propuesta didáctica» que el lector puede encontrar resumida en un artículo publicado por el autor en el número 63 de Íber (2010). Si en estos trabajos (y en otros de su amplio currículum) García Andrés se ha preocupado por la motivación en la enseñanza de la historia, en la obra que comentamos ésta se aborda con un carácter más general: la motivación en el aula, circunscrita a cualquier materia.

Se trata, por tanto, de un libro dirigido al profesorado escrito por un profesor interesado en cómo despertar la curiosidad de los alumnos por el qué. Pero ahora, además, como docente experimentado, el autor busca avivar también el interés de los futuros lectores por los planteamientos que expone. Y para ello, creativa (y acertadamente), compara la función de enseñar con la de un chef y el aula, con una cocina. Ciertamente, los ingredientes con los que cuenta un chef suelen los mismos, si bien su fraccionamiento, su preparación, sus mezclas, sus grados de coc-ción, sus salsas añadidas… varían según sean los comensales: primaria, secundaria, adultos, «dietas» individuales… A este respecto no nos resistimos a anotar las originales «raciones» que componen el libro: I. Abriendo el apetito (el aperitivo… el perejil de todas las salsas…), II. Los ingredientes básicos (la motivación inicial): materia prima y condimentos, III. Los ingredientes extra (la motivación continua); primeros platos, «las cosas claras»; segundos platos, «las cosas raras».

En sus «primeros platos», García Andrés aborda «los ingredientes que favorecen la forma de enseñar » (como por ejemplo «comer con los ojos»), mientras que, en los «segundos platos», señala «los ingredientes que favorecen la forma de aprender» (como por ejemplo «¿cueces o enriqueces?»).

Todo acaba con «la guinda del pastel», en el postre, y con la motivación final («la cuenta»), donde se busca aprender de forma autónoma.

Dentro de estos originales capítulos y atractivas denominaciones, nos encontramos con el tratamiento de los procesos de aprendizaje, las capacidades cognitivas, el esfuerzo, el fracaso escolar, la enseñanza activa, el aprendizaje comprensivo y, en definitiva, con aquello que es la preocupación fundamental de esta obra: la diferente naturaleza de las motivaciones (y desmotivaciones) de los alumnos y las diversas posibilidades para la acción didáctica del profesor.

Se trata pues de un libro sobre motivación válido para el alumnado de cualquier nivel que, por la presentación y variedad de las propuestas didácticas que contiene, a quien primero motivará es a los docentes, quienes, sin duda, se sentirán motivados por las citas, los ejemplos, las imágenes, los gráficos, las alusiones, etc., pero sobre todo por una nueva visión del tema, claramente novedosa, diferente a los tradicionales planteamientos científicos propios del mundo de las ciencias de la educación.

Y por si fuera poco, para terminar esta reseña, el autor utiliza un castellano muy correcto, muy ágil, de facilísima lectura. Todo ello presentado en una edición en donde es de destacar la riqueza gráfica y cromática de sus atractivas páginas.

María Sánchez Agustí – E-mail: [email protected]

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[IF]

Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro | Edgar Morin

Para a educação do futuro exige-se enfrentar os problemas que para o autor, “são ignorados ou esquecidos”. Para os educadores, há a preocupação de como transmitir conhecimentos dentro de uma estrutura social hierarquizada e em permanente transformação. É um desafio para eles lidar com os novos saberes que a sociedade moderna exige e que contribuição terá estes novos saberes na educação do futuro.

Em sua análise, o autor evidencia a sociedade contemporânea e como as diferentes maneiras de articular dentro do universo escolar uma formação mais humana, vinculando os conhecimentos antigos, modernos e contemporâneos não excluindo os aparelhos eletrônicos, que tantas benesses trouxeram para a formação intelectual do homem deste novo século. O autor expõe também, nesta obra, a velocidade e a eficiência com que as informações são divulgadas aos quatro cantos do continente e como são dimensionados os processos de controle e articulação de bases sólidas na transmissão de conhecimentos que seriam universais com interesses da maioria. Leia Mais

Hipátia | IFSP | 2016

Hipatia3
Hipátia de Alexandria / Desenho de Jules Maurice Gaspard (1862–1919). Reprodução Wikimedia Commons /

A Hipátia – Revista Brasileira de História, Educação e Matemática  (São Paulo, 2016-) – Qualis B2 na área de Ensino -, conforme sugere seu nome, aceita trabalhos de História da Matemática, Educação Matemática e de Matemática (pura e aplicada).

Artigos de Educação também serão aceitos para apreciação. A revista foi oficialmente criada em 8 de março de 2016. Duas concepções principais nos norteiam:

  1. ajudar a ampliar a participação da mulher na ciência no Brasil;
  2. abrir um espaço para jovens pesquisadores (mestres, doutorandos ou doutores que tenham obtido título há, no máximo, cinco anos).

Isso significa que procuramos dentro da composição de nosso Conselho Editorial, Conselho Científico e em nossas edições, obter uma maioria de pesquisadores ou de trabalhos cujos autores atendam a pelo menos um desses quesitos.

É salutar destacar que, no entanto, contribuições de outros pesquisadores continuam sendo de grande valia. Não é cobrado qualquer valor sobre o envio e processamento dos artigos.

Periodicidade semestral

[Acesso livre]

ISSN 2523 2686

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Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação | Brian Street

Tomando como base os conceitos e concepções acerca dos estudos sobre letramento e suas implicações para as práticas sociais dos sujeitos, estudos revelam que esse termo vem sofrendo ressignificações devido às mudanças sociais ocorridas nos últimos tempos, bem como às pesquisas realizadas em diversos campos que se dedicam ao estudo da escrita e seus impactos na sociedade. Tais ressignificações mostram, entre outros, que o papel da escola é ampliar o letramento dos alunos, para que estes possam desenvolver capacidades de leitura e escrita em diversos contextos sociais, com vistas à participação ativa na sociedade.

A produção de estudos e pesquisas no Brasil sobre letramento, desde a década de 90, é bastante vasta. Autoras de referência que pesquisam o tema, como Magda Soares, Roxane Rojo, Ângela Kleiman, têm como referencial também os trabalhos de Brian Street, o que mostra a importância da tradução desta obra para a nossa realidade. O livro Letramentos sociais: abordagens críticas do letramento no desenvolvimento, na etnografia e na educação vem contribuir com a comunidade acadêmica brasileira, sendo mais um dos trabalhos de Street traduzidos para a língua portuguesa [1]. Escrito originalmente em inglês por Brian Street, e traduzido por Marcos Bagno em 2014, a obra propõe uma reflexão sobre o letramento como prática social e ressalta a natureza social e cultural da leitura e da escrita, considerando o caráter múltiplo das práticas letradas. Para isso, o livro se divide em cinco seções, estas subdividas em capítulos, nas quais o autor discute alguns conceitos e concepções sobre o letramento. Leia Mais

Uma dobra no tempo: um memorial (quase) acadêmico – PRETTO (REi)

PRETTO, Nelson de Luca. Uma dobra no tempo: um memorial (quase) acadêmico. Ilhéus-BA: Editus, 2015. Resenha de SOMBRA, Laurenio Leite. Revista Entreideias, Salvador, v. 5, n. 1, jan./jun. 2016.

Ler Uma dobra no tempo, de Nelson Pretto, é uma experiência particular. O subtítulo do livro aponta para um “memorial (quase) acadêmico”. De fato, tudo partiu do Memorial Acadêmico, escrito por ele, como requisito para progressão de carreira na Universidade Federal da Bahia (UFBA), para professor titular. Mas o próprio Pretto lembra que recebeu uma crítica em sua defesa do mestrado: “apesar da linguagem jornalística, está bom” (p. 80). Lendo o livro, percebo que o examinador acertou meio sem saber: a linguagem é “jornalística” porque ela tem uma imensa e desavergonhada capacidade de comunicação: se as “regras da ABNT” estão aqui, nem nos lembramos delas, apenas entramos numa conversa longa e animada em que a gente se enreda numa vida verdadeiramente repleta de construções de diversas ordens, de sucessos e fracassos que são contados com a mesma verve, com um jeito gostoso que não nos poupa sequer de sorrisos e algumas gargalhadas. E qual a regra que diz que um texto acadêmico não pode ser assim? A comunicação de verdade é muito mais do que aquelas regras de “mensagem-emissor-receptor-resposta” com um pouco de ruído: ela pressupõe um nó imenso e complexo de pessoas que contribuem mutuamente, que compartilham ideias, que entram também em conflito. Pressupõe, enfim, uma polis que não se traduz em uma assembleia geral, mas em uma rede de pessoas interagindo e construindo coisas. O que a torna, inevitavelmente política.

Se isso se dá em um casamento indissolúvel com a educação, o propósito de formação ganha um colorido novo: significa incluir o educando nessa rede, escutar o seu desejo, dar-lhe possibilidades que ele não teria de outro modo, lhe conectar. Significa a abertura de não saber o que vai resultar disso, mas a imensa convicção de que esta rede aberta só pode ser profícua, só pode resultar em pessoas melhores, mais interessantes, quem sabe mais cidadãs.

Pois bem: esse casamento indissolúvel de educação (ampliada) e comunicação (ampliada) parece que une a múltipla vida profissional desse físico que se tornou cada vez mais educador, desse educador que foi sempre um comunicador. É nesse contexto que a gente pode ver aquele jovem de 20 e poucos anos “gastando” um período inteiro da disciplina de Física para ensaiar Galileu de Brecht com os alunos do Colégio Marista (p. 50); ou promovendo semanas de debates, no mesmo Colégio, para “julgar” a aventura nuclear do governo militar com os alunos, experiência que, claro, mereceu uma bronca dos próprios militares (p. 51-52). É nesse mesmo contexto que o vemos, desde cedo, inserido num processo de “despelegação” do Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro) (p. 60-61), inserção política que iria se desdobrar numa participação ativa no Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no futuro exercício como assessor do reitor e parceiro Felippe Serpa, nos oito anos como diretor da Faculdade de Educação (Faced) da UFBA, e mesmo nas duas campanhas (fracassadas?) para reitor na mesma Universidade.

Por fim: esse casamento de educação e comunicação produziu os vários modos de conexão com os quais estamos a acostumados a acompanhar Nelson Pretto. Nele se inseriu sua atuação no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em Brasília, para pensar o livro didático (p. 89-96); lá, a derivação para outras temáticas, como a educação a distância, a discussão da educação via satélite, a televisão educativa; a sua passagem para a FUNTEVÊ no Rio de Janeiro (p. 97-109); o doutorado na Universidade de São Paulo (USP), onde participou ativamente de projeto de TV e vídeo, embrião da futura TV USP (p. 113-118); na volta para casa, na atuação como assessor de Felippe Serpa, o esforço de construção de uma rede na UFBA como embrião do acesso à internet (p. 151-158), os esforços para conectar as diversas universidades; como diretor (p. 185-228), participou da elaboração de um plano diretor para a Faced, da reforma da Biblioteca Anísio Teixeira, de uma adaptação arquitetônica do próprio espaço da Faced, depois o projeto Tabuleiro Digital em Salvador e em Irecê. No meio de tudo, uma ampliação cada vez maior dessa articulação educação-comunicação e a ideia, cada vez mais consolidada, de uma “ética hacker” (p. 245-250), que viraria currículo, aprofundamento teórico, participação em comitês políticos e muita discussão.

Ler o livro de Pretto é perceber, de modo muito concreto, que é possível articular seriedade acadêmica, compromisso político, articulação permanente com os pares da mesma e de outras universidades, e tudo isso sem perder o humor. Quem não quiser se comprometer, sugiro que não o leia.

Laurenio Leite Sombra – Doutor em Filosofia (UFBA) e Mestre em Filosofia (Unb).

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Pesquisa (Auto)Biográfica | ABPAB | 2016

Pesquisa Autobiografica

A Revista Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica (Salvador, 2016-) é um periódico quadrimestral, publicado pela Associação Brasileira de Pesquisa (Auto)Biográfica (BIOgraph), que tem por principal objetivo a publicação de artigos acadêmico-científicos inéditos, que aprofundem e sistematizem a pesquisa empírica com fontes biográficas e autobiográficas, assim como de caráter epistemológico, teórico-metodológico, visando a fomentar e promover o intercâmbio entre pesquisadores brasileiros e de outros países, no âmbito do movimento biográfico internacional, como política de socialização de estudos vinculados à pesquisa (auto)biográfica em Educação.

Periodicidade quadrimestral.

Acesso livre.

ISSN 2525-426X

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Os Sete Saberes Necessários à Educação do Futuro | Edgar Morin

Para a educação do futuro exige-se enfrentar os problemas que para o autor, “são ignorados ou esquecidos”. Para os educadores, há a preocupação de como transmitir conhecimentos dentro de uma estrutura social hierarquizada e em permanente transformação. É um desafio para eles lidar com os novos saberes que a sociedade moderna exige e que contribuição terá estes novos saberes na educação do futuro.

Em sua análise, o autor evidencia a sociedade contemporânea e como as diferentes maneiras de articular dentro do universo escolar uma formação mais humana, vinculando os conhecimentos antigos, modernos e contemporâneos não excluindo os aparelhos eletrônicos, que tantas benesses trouxeram para a formação intelectual do homem deste novo século. O autor expõe também, nesta obra, a velocidade e a eficiência com que as informações são divulgadas aos quatro cantos do continente e como são dimensionados os processos de controle e articulação de bases sólidas na transmissão de conhecimentos que seriam universais com interesses da maioria. Leia Mais

O pensar complexo na educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade – MORAES; SUANNO (EPEC)

MORAES, Maria Cândida; SUANNO, João Henrique (Org.). O pensar complexo na educação: sustentabilidade, transdisciplinaridade e criatividade. Rio de Janeiro: Wak, 2014. Resenha de: BASSALOBRE, Janete Netto. A COMPLEXIDADE APLICADA À EDUCAÇÃO. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.17, n. 3, p. 795-800, set./dez., 2015.

Vivenciamos hoje o paradoxo de, ao mesmo tempo em que nos utilizamos de extraordinários avanços tecnológicos, ressentimo-nos de caminhar aleatoriamente, sem um norte ético. Vivemos em uma sociedade cada vez mais globalizada, submetida à política neoliberal geradora de graves processos de exclusão: são muito mais atendidos os interesses de mercado do que os dos seres humanos. Os ideais de igualdade social transmutaram-se em competição e massificação e a liberdade que a modernidade conhece é a liberdade de todos pensarem da mesma forma, ignorando-se o núcleo central da questão que é, na verdade, o exercício do direito à desigualdade.

Dentro desse contexto, algumas reflexões no campo da educação tendem a buscar visibilidade para novas práticas educacionais: as que intentem o fortalecimento de um ser humano conectado com a humanidade e o planeta, cada vez mais pretendente ao direito de ser e de se expressar através de seus potenciais e suas diferenças e que, igualmente, possam contemplar na ação educativa o respeito e a valorização dessa diversidade.

E nesse sentido, a obra resenhada, organizada por Maria Cândida Moraes e João Henrique Suanno (respectivamente, coordenadora e pesquisador do Grupo de Pesquisa Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade), vem exatamente ao encontro desses objetivos quando analisa um princípio epistemológico que contribui para uma metodologia que auxilia a renovação de práticas pedagógicas que privilegiem a multidimensionalidade humana e o indivíduo como autor e protagonista do seu próprio processo de construção do conhecimento – a complexidade.

No primeiro capítulo – “Educação e sustentabilidade: um olhar complexo e transdisciplinar”, Maria Cândida Moraes1 inicia os trabalhos abordando o atual cenário socioeducacional, sinalizando alguns dos problemas mais emergentes, tais como a globalização e a degradação ecossistêmica e ambiental, o que nos transformou em um modelo de sociedade em crise que vem gerando novas demandas sociais, econômicas, culturais e educacionais, uma vez que essas últimas caminham paralelas aos problemas globais. Todo esse panorama, somado às problemáticas relacionadas ao “estresse docente e ao sofrimento discente” (p. 24), revela uma cultura que compromete as relações dos indivíduos com o mundo que os cerca; exclui a subjetividade no processo de aprendizagem, ignorando as demandas pessoais de cada aluno e fragmenta o homem ao negar suas emoções e outros aspectos constitutivos, forjando uma razão deturpada que apenas disseca e classifica ao invés de integrar.

Daí, então, educar na sustentabilidade, transdisciplinarmente, oferecendo um potencial enorme de possibilidades para o desenvolvimento humano, zelando pela reunificação das dimensões emocionais intuitivas e espirituais dos indivíduos dentro de um enfoque pluralista do conhecimento que, por sua vez, através da articulação entre as muitas formas de apreensão do mundo, pretende unir as mais variadas disciplinas para que se torne possível um exercício mais amplo da cognição humana.

Em “Educación, transdisciplinaridad y pensamiento ecosistémico: uma aproximación a la prática” Juan Miguel Batalloso2 leva-nos a uma exposição detalhada do seu entendimento acerca do conceito de transdisciplinaridade, postulando- o não como uma nova ciência, mas sim como uma nova forma de abordar a realidade, a existência humana e a educação – uma atitude perante a vida, ou seja, uma forma de desenvolvimento integral pessoal interno, comprometida com valores de vida e responsabilidade social e política. O autor realiza uma consistente análise das implicações práticas desses conceitos em diferentes âmbitos educacionais, o que faz mediante muitos questionamentos que reconhecem a transdisciplinaridade como um posicionamento diante da construção do conhecimento vinculado à integração com os mistérios do universo e da existência humana.

Marilza Suanno3, no terceiro capítulo “Em busca da compreensão do conceito de transdisciplinaridade” apresenta-nos resultados parciais de sua pesquisa relacionada com as inovações na educação superior, sob a ótica da complexidade, junto a 25 professores universitários de pós-graduação provenientes de vários países, cujos trabalhos baseiam-se na epistemologia da transdisciplinaridade.

Caminhando por entre as explicitações dos conceitos de disciplinaridade, pluridisciplinaridade, multidisciplinaridade e interdisciplinaridade, a autora realiza suas reflexões a partir de documentos-síntese, formulados em importantes eventos científicos internacionais, e comenta suas principais contribuições para a construção dos conceitos fundamentados no paradigma emergente, concluindo que os entrevistados mostraram desejos de ruptura com a fragmentação cognitiva em favor da perspectiva complexa que visa, principalmente à articulação do conhecimento em uma visão multidimensional e multireferencial.

A seguir, o artigo de Izabel Petraglia4 “Entre o esgarçamento e a tessitura” ressalta a indispensabilidade tanto de uma educação com consciência, voltada para a vida em sociedade, quanto de uma prática docente universitária criativa como condição de substituir o modelo quantitativo e pradonizado. Conclui argumentando sobre a urgência de uma reforma no pensamento que vise uma mudança comportamental que dirija a educação no sentido de se edificar sobre a cultura humanística, que retém em seu bojo os ideais de complexidade e atitudes conscientes perante o universo, a natureza e a existência individual e coletiva.

O capítulo seguinte, por Cleide Silvério de Almeida5, tem como título a sugestiva questão “É possível exercer uma prática educativa baseada no pensamento complexo?”. A partir dessa pergunta e alicerçada nas postulações de Edgar Morin sobre a complexidade, a autora parte em uma viagem a partir de análises e reflexões para as diversas situações enfrentadas pelos muitos operadores da educação, enfatizando que o pensamento complexo não se configura como um produto finalizado e sim como uma possibilidade em constante movimento. Em sua totalidade, o texto, rítmico e objetivo, é um convite para o trabalho educacional a ser efetuado sob novas perspectivas, abarcando diferentes áreas do conhecimento e suas subjetividades (e não só através de “fórmulas já estabelecidas que se apresentam como um porto seguro” – p. 144), e ressalta o objetivo de “enriquecer” (p. 145) a educação e tentar fazer da escola e do saber que ela traz uma parte importante da existência dos indivíduos.

Olzeni Ribeiro6 e Maria Cândida Moraes, em “Criatividade sob a perspectiva da complexidade e da transdisciplinaridade”, procuram definir o conceito de criatividade, questionando os postulados de diferentes autores que trabalham com o tema e assertivando que outro referencial faz-se necessário para o estudo dessa temática. Buscam no pensamento complexo de Edgar Morin as bases para avançar no mencionado campo, através desse novo olhar que se fundamenta em outro paradigma que não o positivismo. A partir dessa conscientização, as autoras, por intermédio de considerações e análises a respeito, refletem sobre os equívocos conceituais no campo da investigação da criatividade (como, por exemplo, confundir objetivos com a própria conceitualização do tema), afirmando a ideia de que a investigação da criatividade baseada nesse paradigma emergente não pode ser realizada fora do contexto transdisciplinar.

Por sua vez, João Henrique Suanno oferece-nos o artigo intitulado “Ecoformação, transdisciplinaridade e criatividade: a escola e a formação do cidadão do século XXI”, onde trata de uma questão de extrema importância: o papel da escola na formação de indivíduos que possam vir a forjar novas formas de enfrentamento da realidade circundante e estar completamente cientes de suas responsabilidades perante eles próprios, a coletividade e o mundo em que habitam. Como instituição social, a escola tem a responsabilidade de promover a transformação e o crescimento da comunidade em que se insere. O autor enfatiza, inclusive, o fato de que essa tarefa, ou seja, a de formar cidadãos aptos a lidar com as demandas do seu momento, não é nova: períodos anteriores também assim o exigiram; entretanto, a novidade centra-se na consciência e na responsabilidade exigidas hoje para com o planeta em que vivemos, explorado e exaurido em seus recursos.

Para o autor, a consciência ecoformadora, transdisciplinar e criativa deve ser o suporte para a concretização de ações no rumo do resgate do humano e da cidadania planetária, a partir de uma educação e de práticas educacionais ressignificadas que possam garantir melhores espaços e condições para as gerações futuras.

Em sequência, Maria Dolores Alves7, no artigo “Psicopedagogia e transdisciplinaridade: a sabedoria da diversidade” trata da articulação entre a transdisciplinaridade e a psicopedagogia, demonstrando como a segunda, sob o olhar abrangente da primeira, pode contribuir para a libertação do pensamento e viabilizar os processos inclusivos e os encontros com a diversidade, trazendo existência e poder de expressão para cada ser humano em sua singularidade. A psicopedagogia integrada à transdisciplinaridade, segundo a autora, possibilita a edificação de um mundo onde toda a diversidade terá seu lugar, em um caminho para a “humanização do humano” (p. 191).

Em “El aprendizaje mediante el teatro: uma mirada compleja y transdisciplinar”, Montse González8 analisa os aspectos criativos e formativos da arte teatral sob o manto da complexidade e da transdisciplinaridade. Buscando rever os cenários educativos formativos, realiza uma leitura do teatro como local de aprendizagem, rico em estímulos para o conhecimento das alteridades e amplia nossa visão de mundo. Citando Jacques Delors (2014, p. 198, tradução nossa), a autora pensa que podemos conceber o teatro como um espaço “… para propagar os quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser”.9 Em seguida, Álvaro Schmidt Neto10, em “A metáfora na perspectiva da didática transdisciplinar” enfoca a temática da metáfora e sua importância na didática transdisciplinar, para isso utilizando o conto infantil anônimo “A lição do papagaio”. Baseado na transdisciplinaridade e no pensamento complexo, o autor procura evidenciar a necessidade de superação do paradigma positivista.

Encerrando os artigos, temos “Os operadores cognitivos do pensar complexo na docência universitária: possibilidades e desafios”, no qual Michelle Machado11, Patrícia Nascimento12 e Deliene Leite13 nos trazem sua pesquisa com 118 docentes universitários a respeito de como o pensamento complexo, por meio de seus operadores cognitivos, pode colaborar no fazer pedagógico dos professores, auxiliando-os a ressignificar a prática docente. Ressaltam que o uso de ferramentas tecnológicas ajuda a melhor se dar conta das relações antes despercebidas; entretanto, é uma técnica complementar que jamais poderá substituir o olhar e a percepção do pesquisador.

Dessa maneira, a obra resenhada, que evidencia diferentes olhares de diversos autores, apresenta-se como uma importante contribuição no âmbito da educação, tanto quando reflete sobre as urgências de novas perspectivas paradigmáticas como resposta às muitas indagações e inquietudes relativas à eficácia das práticas educacionais atuais, como também quando enfoca a complexidade e a transdisciplinaridade como caminhos producentes na construção de novas ferramentas intelectuais, capaz de contribuir para uma reforma do pensamento que possa promover uma política de educação associada a novas políticas de civilização e humanização.

A escola não deve abandonar sua função primordial de transmissão de conhecimentos; entretanto, esses ensinamentos necessitam abranger mais do que a parte cognitiva. Precisam abarcar o conhecimento da realidade e do contexto dos alunos; compreender e transmitir a cultura existente nessa realidade concreta para que as crianças e os jovens possam adquirir um conhecimento real das suas condições de vida e uma consciência crítica e empenhada na transformação social (= consciência social), dentro de um clima incentivador da criatividade, da dúvida (ingrediente indispensável para o desenvolvimento da capacidade crítica), da autonomia de espírito, da empatia com todos os indivíduos e do amor à natureza e ao planeta.

Notas

1 Professora de Pós-Graduação na UCB/DF e do Master em Educação da Universidade de Barcelona.

2 Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Sevilha.

3 Professora das Universidades Federal e Estadual de Goiás – UFG e UEG.

4 Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Nove de Julho – Uninove e Coordenadora do NIIC – Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade.

5 Professora e pesquisadora em Educação e Complexidade junto ao Núcleo Interinstitucional de Investigação da Complexidade e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho – Uninove.

6 Doutoranda em Educação e Especialista em gestão de instituições educacionais pela Universidade Católica de Brasília.

7 Pesquisadora dos Grupos Ecotrans/ UCB/ CNPq; GEPI/PUCSP/CNPq e Adeste, da Universidade de Barcelona.

8 Cofundadora da Companhia Teatral Barakas/Madrid e membro integrante do Grupo de Pesquisa GIAD, da faculdade de Pedagogia e Formação de Professores da Universidade de Barcelona.

9 No original: “… para propagar los cuatro pilares de la educación: aprender a conocer, aprender a hacer, aprender a vivir juntos y aprender a ser”.

10 Educador Corporativo da SPDM/Unifesp e membro do Grupo de Pesquisa Ecotransd/UCB/ CNPq.

|800| Revista Ensaio | Belo Horizonte | v.17 | n. 3 | p. 795-800 | set-dez | 2015 Janete Netto Bassalobre 11 Doutoranda em Educação. É diretora dos cursos de graduação à distância da Universidade Católica de Brasília.

12 Doutoranda em Educação foi professora da Universidade Católica de Brasília.

13 Professora do Curso de Pedagogia e coordenadora de Reconstrução das Práticas Docentes da Universidade de Brasília.

Janete Netto Bassalobre – Mestre em Educação pela Universidade Católica de Santos (UNISANTOS). Professora, psicóloga clínica pós-graduada em Neuropsicobiologia.

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[MLPDB]

O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação – SAVIANI (RBHE)

SAVIANI, Dermeval. O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas: Autores Associados, 2014. 181 p. Resenha de: SILVA, Sarah Maia Machado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 3 (39), p. 321-327, set./dez. 2015.

Com muitas obras significativas publicadas, atualmente Dermeval Saviani é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do grupo nacional de estudos e pesquisas ‘História, Sociedade e Educação no Brasil’ (HISTEDBR). É Doutor em Educação pela PUC de São Paulo (1971) e Livre Docente em História da Educação pela Unicamp (1986). Entre 1994 e 1995, realizou estágio sênior na Itália. Condecorado com a medalha de mérito educacional do Ministério da Educação, também recebeu da Unicamp o Prêmio Zeferino Vaz de Produção Científica em 1997. Foi contemplado, por duas vezes, com o Prêmio Jabuti: em 2008, pela publicação do livro História das ideias pedagógicas no Brasil e, em 2014, pela publicação de Aberturas para a História da educação. Em 2012, recebeu pelo GT de História da Educação da Anped a Estatueta Paulo Freire, homenagem dedicada aos pesquisadores indicados pelos grupos de trabalho.

A obra O Lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação está organizada em doze capítulos e faz parte da coleção ‘Educação contemporânea’, da editora Autores Associados. Essa coleção abrange trabalhos que abordam o problema educacional brasileiro de uma perspectiva analítica e crítica. Educação e paixão são dois termos que movimentam os capítulos da obra, visto que são termos que têm uma relação: a educação pode ser considerada apaixonante e a paixão pode significar padecimento. O livro trata dos dois sentidos da palavra paixão.

A obra, que apresenta coletânea de estudos feitos por Saviani, em conferências realizadas em diferentes momentos, aborda o sofrimento dos educadores, colocando em xeque as contradições configuradas nas vicissitudes, nos dilemas e nos paradoxos enfrentados por eles no empenho em assegurar à população o direito à educação. Nesse sentido, a obra apresenta possibilidades para a realização de um trabalho significativo, resultado da dedicação apaixonada à educação.

No prefácio, Saviani destaca a motivação para a realização dessa produção, que, segundo ele, tem uma ligação intelectual e emocional; sua curiosidade intelectual destaca São Sepé, cidade do Rio Grande do Sul com nome de santo, santo este desconhecido da biografia de santos católicos. Então, a partir do poema popular ‘O lunar de Sepé’, o autor infere que a canonização de Sepé se deu não por um processo no Vaticano, mas pelo imaginário popular. O trabalho se intensifica com o VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, momento em que Saviani elaborara um estudo sobre a migração de sete povos das missões, tendo como eixo o poema ‘O Lunar de Sepé’. Ao satisfazer sua curiosidade, o autor também oferece uma homenagem à cidade natal de sua esposa. O prefácio apresenta ainda a estrutura geral da obra, bem como um breve relato sobre cada capítulo.

‘O Lunar de Sepé e a derradeira migração: a educação jesuítica entre as coroas de Espanha e Portugal’ é o título do primeiro capítulo, que apresenta na íntegra ‘O lunar de Sepé’, poema citado por Maria Genórica Alves, mestiça descendente de índios missioneiros. O poema está publicado no livro Contos gauchescos e lendas do Sul (1999) por J. Simões Lopes. Nesse capítulo, o autor retrata o fenômeno das migrações, elucida que as migrações ocorrem pela expansão do comércio, o que conduziu muitos povos do ocidente europeu a se lançar nas grandes navegações, visando à conquista de novas terras. O autor recua no tempo para trazer à tona as missões jesuíticas; assim, destaca que, em 1492, ocorre a descoberta da América por iniciativa espanhola e, em 1500, ocorre a chegada dos portugueses ao Brasil. Saviani fecha o capítulo com a seguinte reflexão: Que modelo educativo poderá dar conta dos conflitos e das contradições que atravessam o fenômeno das migrações neste tumultuado mundo em que vivemos?

O segundo capítulo, ‘Vicissitudes e perspectivas da pedagogia no Brasil’, a palavra ‘vicissitudes’, conforme o autor, retratada no prefácio do livro, sugere as dificuldades, os contratempos, as contrariedades, as crises, as provocações, os incômodos vividos pelos professores. Saviani enfatiza que, para a intencionalidade da realização da prática educativa, a pedagogia surge como uma teoria que deve orientar essa intencionalidade. Para o autor, desde a chegada dos jesuítas ao Brasil, temos a preocupação em desenvolver ação educativa de forma intencional.

De acordo com o autor, o termo ‘pedagogia’ está ausente da problemática pedagógica desde a expulsão dos jesuítas. Assim, no plano educacional de Nobrega, no Ratio Studiorum e nas reformas pombalinas, não aparece o termo ‘pedagogia’.

Saviani expõe, durante o capítulo, as vicissitudes que transcorrem no curso de pedagogia e na sua instauração, e indica que a primeira reformulação do curso de pedagogia aparece com a nossa primeira LDB, lei 4024/61, no parecer 251, de 1962. Nessa reformulação, manteve-se a duplicidade de bacharelado e licenciatura, assim como o núcleo básico do currículo formativo, e houve a dissolução do esquema 3+1. O autor destaca que as vicissitudes pelas quais passava a pedagogia conduziram à organização, na I Conferência Brasileira de Educação realizada em 1980, do Comitê Pró-participação na reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura, transformado, em 1983, na Comissão Nacional pela Reformulação de Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE), que, em 1990, se converte na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Em 2006, a pedagogia aprova as suas Diretrizes curriculares nacionais, aspecto apontado por Saviani como a oitava vicissitude da história da pedagogia no Brasil. O autor também assinala que o espaço apropriado para a realização de estudos e pesquisas educacionais amplos são as faculdades de educação.

No terceiro capítulo, ‘Pedagogia, paixão e crítica’, texto organizado para a aula inaugural de 2011 no curso de pedagogia da Unicamp, o autor se coloca em diálogo com os calouros do referido curso. Destaca a importância e o fascínio deles pelo ofício que chama de apaixonante: a pedagogia, que tem como objetivo a produção da humanidade no homem, e, nesse sentido, ele destaca o sentido dual da palavra paixão. Para abordar essa dualidade, Saviani aponta a paixão de ser professor em cinco estações em seu texto: 1.ª) a estação ‘Educação na Grécia’ elabora a perspectiva rígida e de sofrimento de que se reveste a educação; 2.ª) a estação ‘Educação em Roma’ apresenta a relação de entusiasmo pela educação e também de sofrimento, a relação de menosprezo à exaltação da educação, ambos os polos sintetizados na paixão; 3.ª) a estação ‘Educação na idade média’ assinala a decadência da cultura clássica e o surgimento das universidades e dos mestres livres; 4.ª) a estação ‘Educação moderna ou burguesa’ apresenta a constatação de uma escola institucionalizada e de uma educação miserável e precária; 5.ª) a última estação, ‘Educação no Brasil’, destaca a paixão do educador e seu padecimento, e a contradição de uma política educacional mais preocupada com as estatísticas do que com a qualidade da educação. O autor revela que é desejável estimular, nos estudantes de pedagogia e nos próprios pedagogos, o entusiasmo e a dedicação pela causa da educação, mas devemos atentar a uma postura ingênua que pode trazer o resultado contrário do que se quer de um ofício apaixonante como a pedagogia.

No capítulo seguinte, ‘Ética, educação e cidadania’, o autor aborda a trilogia ética, educação e cidadania, colocando a educação literalmente no centro do debate, remetendo às suas obras para elaborar alguns conceitos, como o de educação. Conforme o autor, a educação não apresenta a ética nem garante a cidadania, mas ela institui a humanidade no homem. O texto apresenta uma descrição sobre o homem, a educação e a ética e seus valores. Saviani coloca a educação escolar como um aspecto necessário para o desenvolvimento da cidadania, que juntamente com a ética, formam a trilogia apontada pelo autor. Tendo em vista essa trilogia, ele considera a sociedade burguesa e a divisão de classes, expondo as determinações sociais e históricas ali expressas, aspecto importante para a compreensão dos impasses recorrentes na sociedade atual capitalista e burguesa. Diante desse contexto, a ética, a educação e a cidadania, para o autor, converter-se-ão na expressão plena do desenvolvimento da existência humana.

No quinto capítulo, ‘Dilemas e perspectivas da formação de professores no Brasil’, o autor apresenta a situação atual da educação e a formação de professores; para tanto, retoma aspectos sobre a educação no século XX. O autor expõe cinco dilemas na formação de professores a partir de pareceres, resoluções e diretrizes nacionais. Os pareceres não denotam elementos que garantam uma formação de professores consistente. Além de apresentar os dilemas, o autor descreve as perspectivas da formação docente no Brasil, que ele coloca como desafios a serem enfrentados na formação de professores, principalmente a fragmentação e a descontinuidade das políticas educacionais. As condições do trabalho docente é outro ponto decisivo na formação, pois assim aparece o valor social da profissão. A garantia de uma formação consistente assegura condições adequadas de trabalho, e para tanto se deve olhar para os recursos financeiros correspondentes.

‘O direito à educação’ é o sexto capítulo, em que se apresenta a educação como direito proclamado, diferenciando os direitos civis, políticos e sociais. Para debater essas diferenças, o autor analisa as medidas tomadas pelo Estado perante o direito à educação.

No sétimo capítulo, o tema é ‘O paradoxo da educação escolar: análise das expectativas contraditórias depositadas na escola’. ‘Que escola queremos?’ é a questão que o autor analisa para elaborar os paradoxos que circulam no âmbito da sociedade no que se refere à educação. Saviani aponta que queremos uma escola que forme para a cidadania, e assim explora o paradoxo da escola cidadã, o paradoxo da escola imparcial, o paradoxo da escola igualitária e o paradoxo da escola equalizadora. O autor enfatiza que o desafio posto pela sociedade capitalista à educação pública poderá ser enfrentado com a superação da sociedade capitalista. Explica que a educação está intrinsecamente relacionada com os meios de produção capitalista e que, contraditoriamente, nela há elementos para a transformação do capital.

No oitavo capítulo, ‘Importância da filosofia para a educação’, o autor recorre à filosofia para compreender a situação atual da educação, marcada pela crise de paradigmas, pois considera a filosofia e a história como produção da própria existência humana no tempo. É a partir da filosofia que se acompanham reflexiva e criticamente as propostas educacionais e seus fundamentos e o homem se coloca como sujeito histórico.

‘Politecnia e a formação humana’ é o debate do nono capítulo, em que a noção de politecnia e de trabalho são o referencial. Saviani entende o conceito de trabalho como princípio educativo, ou seja, toda organização educativa se dá a partir do trabalho e do entendimento da realidade do trabalho. O homem se constitui enquanto homem a partir do trabalho, pois é preciso produzir sua existência. Nesse sentido, o que define a existência humana é a realidade do trabalho, e o autor assevera que a realidade da escola deve ser analisada por esse ângulo. A ciência atinge uma parcela pequena da humanidade nas formas anteriores de sociedade, e é na sociedade moderna que a ciência vai alargar o conjunto da sociedade, pois a potência material é incorporada ao trabalho social produtivo. Isso porque o domínio da ciência corresponde ao conjunto da sociedade; assim, o currículo escolar elementar precisa considerar essencialmente o domínio da linguagem escrita, sendo composto pelo domínio da linguagem, da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais. O autor considera que não podemos perder de vista o caráter transformador e revolucionário da educação diante de um momento em que, mais do que nunca, é necessário lutar e resistir para a transformação da sociedade, caminhando na possibilidade de que todos os homens se beneficiem do desenvolvimento das forças produtivas.

O décimo capítulo aborda o futuro da universidade entre o possível e o desejável. Saviani define que a universidade se encontra com dois futuros possíveis. O primeiro é que a universidade se verga às imposições do mercado. Com essa possibilidade, o autor constata que a universidade corresponde à tendência dominante e aponta ser um futuro indesejável. O segundo tem a sua possibilidade condicionada à reversão da primeira, o que implica projetos econômicos em torno da vida social atual. E inversamente ao primeiro, esse futuro não é previsível e sua visibilidade é problemática, mas desejável. A partir dos aspectos históricos da educação, o autor desenha o quadro em que se configura a educação superior no Brasil, afirmando estar ela submissa aos mecanismos e às demandas do mercado, sendo este um aspecto mundial que também se manifesta no Brasil.

‘Pós-graduação em educação, interdisciplinaridade e formação de professores’ é o décimo primeiro capítulo, no qual o autor segue discutindo a educação superior em nível de pós-graduação e resgata o significado e a implantação da pós-graduação no Brasil, abordando sua estrutura organizacional. A organização da pós-graduação no Brasil acontece com o parecer n. 9.77 do Conselho Federal de Educação em 1965. Trata-se de um parecer que trata da conceituação dos estudos pós-graduados, com base em experiências americanas. Para a abordagem crítica sobre a interdisciplinaridade e a abordagem científica da educação, Saviani analisa a estrutura curricular da pós-graduação. O autor problematiza a banalização da questão interdisciplinar recorrente na atualidade e explica o que é ciência da educação a partir das disciplinas psicologia, sociologia e história da educação. As abordagens disciplinares e interdisciplinares correspondem a um movimento analítico, abstrato, necessário para se passar à síncrese, movimento empírico, e ao concreto, a síntese do todo (caótico), conforme descreve o autor baseado na intuição do todo (articulado) apropriado pelo pensamento. Saviani afirma que este é o caminho para constituir uma ciência da educação. O capítulo ainda abre uma discussão sobre a formação docente e a pós-graduação, o resgate da história da educação a partir da colônia, apresenta como se deu a formação de professores.

E o capítulo final, décimo segundo, elenca ‘A importância da educação no projeto de desenvolvimento do País’. A questão do financiamento da educação é abordada pelo autor nesse capítulo final, no qual expõe que a relação entre educação e desenvolvimento pode ser considerada a partir de três distintas concepções: educação pelo desenvolvimento, educação para o desenvolvimento e educação como desenvolvimento. Como conclusão, destaca o Plano Nacional de Educação, como estratégia importante para tornar real a qualidade da educação pública. O autor enfatiza que dois eixos do PNE são necessários para isso: o financiamento e o magistério. A questão docente é primordial, pois dela depende o alcance das metas voltadas para a melhoria da qualidade na educação básica.

O livro é direcionado especificamente aos professores que sofrem com a questão salarial, com constrangimentos morais e materiais; professores sobrecarregados de aulas, que atuam em situações de precarização na escola. Saviani coloca em pauta o debate crítico sobre as questões educacionais e convoca a união das forças representativas dos professores, alunos e pais, na busca de uma educação de qualidade para a transformação da realidade social, política e cultural da sociedade em que vivemos com tantas desigualdades. Trata-se de uma obra de referência, alicerçada em compromissos éticos e políticos sólidos, preocupada com a elevação da cultura científica para todos, no sentido da tranformação da sociedade e do universo educativo. Para tanto, o autor se fundamenta nas matrizes culturais e filosóficas clássicas e no marxismo, reafirmando a necessidade da luta, da resistência, para a construção de uma sociedade coletiva para todos.

Desiré Luciane Dominscheck – Doutoranda em Educação linha de Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Membro do Grupo de estudos e pesquisa: HISTEDBR, Professora do História da Educação- Centro Universitário Internacional-Uninter. E-mail: [email protected]

Sarah Maia Machado Silva – Doutora em Educação :Linha Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas -Unicamp, membro do grupo de pesquisa Paideia. E-mail:[email protected]

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O lugar da Educação na modernidade luso-brasileira no final do século XIX e início do século XX – CARVALHO; CARVALHO (HP)

CARVALHO, Luciana Beatriz de Oliveira Bar de; CARVALHO, Carlos Henrique de. O lugar da Educação na modernidade luso-brasileira no final do século XIX e início do século XX. Campinas, SP: Editora Alínea, 2012. Resenha de: BORGES NETO, Mario. O caráter redentor da Educação no projeto modernizador luso-brasileiro no final do século XIX e início do XX. Revista História & Perspectivas, Uberlândia, v. 27, n. 52, 22 jul. 2015.

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Educação pela higiene: a invenção de um modelo hígido de educação escolar primária na Parahyba do Norte (1849-1886) – MARIANO (S-RH)

MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. Educação pela higiene: a invenção de um modelo hígido de educação escolar primária na Parahyba do Norte (1849-1886). João Pessoa: Ideia, 2015, 305 p. Resenha de: XAVIER, Wilson José Félix. Por gerações sãs e fortes: nos rastros de um modelo hígido de educação escolar primária na Parahyba do Norte. sÆculum REVISTA DE HISTÓRIA, João Pessoa, [33] jul./dez. 2015.

Como preâmbulo a esta resenha, apresentamos um livro de leitura prazerosa, resultado da tese de doutoramento da autora, defendida em fevereiro de 2015, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. O texto, que mantém a estrutura original da tese, é enriquecedor pelas informações reunidas na interpretação da autora, bem como por sua amarração com as perspectivas de outros autores, neste caso, sobretudo, Michel Foucault e o professor José Gonçalves Gondra. A obra, organizada em quatro capítulos, trata basicamente da análise instigante (e até certo ponto corajosa) da construção de um modelo hígido de educação escolar durante o século XIX na Parahyba do Norte, a partir das prescrições higiênicas do e no espaço escolar.

Sendo assim, no primeiro capítulo, “Breve História de uma Pesquisa”, são apresentadas as escolhas teórico-metodológicas que viabilizaram a realização da pesquisa, tomando-se como fio condutor da narrativa a vida do professor primário e político Graciliano Fontino Lordão (1844-1906) e as epidemias do cólera-morbo na Parahyba do Norte (momentos em que o discurso médico aparecia com mais evidência). Neste capítulo, a autora relata como partiu da análise, principalmente, de regulamentos gerais da instrução pública parahybana do período imperial – os de 1849, 1860, 1884 e 18862 –, mas também de relatórios de Presidentes de Província, Códigos de Postura, revistas, jornais, manuais, compêndios e livros de leitura escolar; para desvelar as profundas relações entre medicina e educação, e dessa forma, tecer uma convincente trama histórica que leva o leitor ou a leitora a perceber como os preceitos de ordem médica foram adentrando o universo escolar para a invenção do referido modelo – invenção essa apresentada não como algo ficcional, mas no sentido de designar uma fabricação, uma construção de concepção de educação escolar. Assim, o sentido de tal pretensão, i.e., de tal construção, ganha contornos teóricos mais precisos a partir da categoria “biopolítica”, pensada por Foucault como procedimento institucional de administração da coletividade3.

Sob esse aparato teórico, a autora aponta como no Oitocentos, a medicina se posicionou como detentora de conhecimentos vitais, que, por meio de uma elite dirigente, se infiltra no incipiente mundo escolar das “casas de escola”, local de funcionamento da maioria das cadeiras isoladas.

No segundo capítulo, “Saberes da Medicina; Higienismo e Educação Escolar”, a autora detém-se nos aspectos relativos à arte de curar e às relações entre higienismo e educação. Dentre várias das reflexões feitas pela autora, talvez o grande leitmotiv que perpassa todos os subitens é o insight foucaultiano que leva o “olhar” da autora para o horizonte do que é “menor, marginal, periférico”4, conduzindo-a a questões relacionadas com a medicina, o corpo, e a sexualidade, permitindo que a categoria “biopolítica” jogue luz sobre certos aspectos do saber médico como parte constitutiva do processo de escolarização da Parahyba do Norte. É nesse sentido que a autora transita por caminhos ainda pouco trilhados no que tange a questão da escolarização, tais como os saberes e práticas sociais das parteiras, barbeiros, benzedeiras e boticários, bem como a atuação de médicos de formação acadêmica ou práticos (sem formação acadêmica) na Parahyba do Norte na segunda metade do século XIX. Não menos importante são as incursões da autora, analisando as habitações do século XIX e as Posturas Municipais, destacando a influência do ideário higienista na reorganização dos espaços urbanos.

Segundo a autora, tanto a disseminação da instrução pública quanto o avanço dos saberes médico-higienistas na ordenação do cotidiano fazem parte de um projeto maior de construção do Estado moderno brasileiro – formar as novas gerações passou a ser a tarefa fundamental no amplo projeto de construção e consolidação da nação. Os conhecimentos advindos da educação e da medicina propiciariam condições de governabilidade, e, para a autora, acompanhando Gondra, a Higiene foi a área da medicina que mais ajudou na organização da educação escolar. É, portanto, no final deste segundo capítulo que a autora defende o pioneirismo do Regulamento Geral de Instrução Pública de 1849, a partir do qual se começa a pensar e a debater na Parahyba do Norte, um modelo hígido de educação escolar, ou seja, esse documento foi precursor nas prescrições de natureza médica, abrindo caminhos para a invenção de uma educação escolar higiênica e higienizadora.

Dando continuidade à tentativa de mostrar como se deu a constituição dos dispositivos regulamentadores e disciplinares que foram criados para ordenar o mundo urbano e a educação de sua população, no capítulo três, “A Construção do Modelo Hígido de Educação Escolar na Parahyba do Norte”, a autora destaca como as escolas começam a ser pensadas como um lugar limpo e sadio. A partir da norma médica, tentava-se produzir um espaço interno escolar calmo, confortável, iluminado e mobiliado, enfim, higiênico, que cada vez mais se distanciava do “desordenado”, “conturbado” e “promíscuo” ambiente doméstico. Nesse sentido, sob a influência do higienismo, educadores, engenheiros, médicos e políticos defendiam a separação entre as residências dos professores e as “casas de escolas”, ganhando força entre certos grupos sociais, a ideia da necessidade de espaços próprios para o funcionamento das escolas. Sua análise é significativa, pois compreende desde a abordagem minuciosa dos Regulamentos Gerais de Instrução dos anos de 1849, 1860 e 1886, passando pelas reproduções imagéticas da educação ocorrida em ambientes domésticos (como foi muito comum nas escolas isoladas no Brasil imperial), e pelas imagens de mobílias escolares consideradas higiênicas. Eis mais um dos tantos méritos do livro: saber utilizar as imagens visuais para a investigação histórica e suas possibilidades de uso para a compreensão da construção de uma sociedade de normalização e, consequentemente, da elaboração de um espaço escolar diferente de outros espaços sociais como a igreja e a família.

Destaque também neste capítulo, para a boa discussão acerca da ordenação do espaço público e privado na província da Parahyba do Norte e das “casas de escola”. Não menos interessante são as incursões pelos preceitos higiênicos contidos no compêndio Livro do Povo (1865)5 e nos motivos que levaram à ausência da Parahyba do Norte na Exposição Internacional de Higiene e Educação em Londres, ocorrida em 1884. Todas essas circunstâncias são habilmente utilizadas para fortalecer o argumento central do livro.

No quarto e último capítulo, intitulado “O Gerenciamento da Vida pela Medicina:

O Colégio de Educandos Artífices”, a autora trata de vários aspectos desse tipo de instituição profissionalizante que, mesmo tendo vida efêmera, no caso da Parahyba do Norte – acolhendo, educando e instruindo crianças das chamadas “classes perigosas” entre os anos de 1865 a 18746 –, aponta em seu regulamento prescrições originárias do saber médico. Essas normatizações, que estavam de acordo com o Regulamento Geral da Instrução de 1849, indicavam a constante preocupação com as doenças e práticas sexuais dos educandos artífices, trazendo à tona a busca por um ambiente espaçoso, arejado e limpo, com alunos asseados e bem vestidos. Ao que parece, para a autora a normatização médica presente no Colégio de Educandos Artífices da Parahyba do Norte é a representação mais cabal na província, do modelo hígido que se inaugura com o Regimento Geral da Instrução de 1849 com o intuito de promover o progresso da província diante das transformações sociais, culturais e políticas da segunda metade do século XIX.

A tônica da composição do livro, que merece destaque, é o constante esforço em dialogar com o que se produzia naquele momento na Corte e em outras províncias, sem perder de vista a pertinente perspectiva de que o projeto higienista parahybano oitocentista guardou as suas peculiaridades diante de outros projetos desenvolvidos em outras províncias brasileiras no século XIX. Um bom exemplo do que se diz é a eficiente articulação tecida entre o Regulamento Geral da Instrução de 1860 com o Decreto n. 1.331-A de 1854, conhecido como Reforma Couto Ferraz, que aprovava uma reformulação para o ensino primário e secundário dirigido ao Município da Corte.

De forma igualmente perspicaz, ao tratar do “corpo educado”, a autora ressalta, amparada nos estudos de José Gondra, algumas das principais representações ou concepções de Educação Física, lembrando as marcas próprias das ações médicas: disciplinar, higienizar, medicalizar, fortalecer, biologizar e regenerar.

Quanto a medicina do Oitocentos, há um alerta para o fato do corpo não ser visto de forma isolada, sendo acompanhado das dimensões moral e intelectual.

Cabe lembrar que, muitas das questões levantadas pela autora acerca da Educação Física reaparecerão entre os intelectuais da chamada “Geração de 1870”, que se empenharam numa construção teórica, política e ideológica pautada no ideário de modernização do país7.

As questões da vacinação, do não padecimento de moléstias contagiosas por parte de alunos, da escolha do ambiente limpo asseado e de casas apropriadas e bem colocadas para a instrução, ressurgem frequentemente nos Regulamentos citados anteriormente. Nesse processo, indica a autora, todas as reformas abordadas objetivavam garantir o gerenciamento da população, dentro de um projeto que buscava produzir sujeitos docilizados, úteis, instruídos, hígidos, dentro de um programa civilizador, “já que a instrução era vista como instrumento propagador de transformações e progresso”8.

Entretanto, a questão mais polêmica do livro é justamente o seu argumento central: a propositura da constituição de um modelo hígido na Parahyba do Norte ainda no século XIX. Se a obra tem o mérito de desconstruir o “mito” de que na província nada foi feito ou aconteceu em torno das discussões e práticas higienistas nesse período, há sempre os riscos assumidos em se apontar a formação de um modelo. Esse tipo de representação advindo da Matemática – o modelo – é sempre problemático quando apropriado pelos campos da História e da História da Educação, principalmente, quando proposto a partir da limitada documentação disponível sobre o Oitocentos na Parahyba do Norte. Não obstante, a autora defende bem o seu ponto de vista com uma boa delimitação de seu objeto, um adequado tratamento das fontes e a rigorosidade (sem rigidez) metodológica característica que perpassa todo o trabalho, que a leva a construir um modelo “local” que, dialogando com um processo mais abrangente de formação da nação consegue ganhar força de sustentação. O modelo mais restrito, referente à Província da Parahyba do Norte, se perde em alcance para a compreensão/ explicação de outras realidades, ganha em poder heurístico com relação à história educacional paraibana. Pode-se dizer que esta estratégia metodológica de perdas e ganhos calculados é bastante acertada para o estudo em questão. Mas, certamente, não é este um assunto esgotado.

Trata-se, portanto, de uma obra que deve ser lida, apreendida e, sobretudo, discutida por todos os pesquisadores, notadamente por aqueles que estão vinculados às pesquisas em História da Educação, e/ ou aos que se dedicam aos estudos históricos das doenças e da medicina na Paraíba. Em conclusão, é uma obra imprescindível à comunidade acadêmica pela abrangência, profundidade e ousadia com que são tratadas as questões, e que contribui, sobremaneira, para o debate sobre os sentidos do projeto modernizador de edificação de uma escola considerada moderna, num momento em que a Higiene ganhava espaço no universo escolar, entrelaçando instrução, educação e saber médico.

Notas

2 Segundo a própria autora, a Província da Parahyba do Norte possui sete Regulamentos Gerais da Instrução, datados de 1849, 1852, 1860, 1879, 1881, 1884 e 1886. Contudo, os regulamentos de 1852, 1879 e 1881 não foram encontrados por pesquisadores em nenhum acervo documental até o momento.

3 MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. Educação pela Higiene: a invenção de um modelo hígido de educação escolar primária na Parahyba do Norte (1849-1886). João Pessoa: Ideia, 2015, p. 52- 53.

4 MARIANO, Educação pela Higiene..., p. 55.

5 Compêndio de autoria do bacharel em Direito maranhense Antonio Marques Rodrigues, publicado pela primeira vez em 1865 e adotado nas escolas primárias da Parahyba do Norte.

6 A instituição foi criada em 1859, porém, somente em 1865 é que começou a ser organizada. A razão de tal demora deve-se à ausência de recursos do governo provincial.

7 Um dos intelectuais mais importantes dessa “Geração”, José Veríssimo, dedica o capítulo IV da obra “A Educação Nacional” (publicada pela primeira vez em 1890, e republicada no Rio de Janeiro em 1906), à importância da Educação Física como proposta para a regeneração física, moral e intelectual do povo.

8 MARIANO, Educação pela Higiene..., p. 261.

Wilson José Félix XavierDoutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba e Professor Adjunto do Centro de Ciências Agrárias da mesma instituição, Campus de Areia. E-Mail: <[email protected]>.

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Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação – KENSKI (Bo)

KENSKI, V. M. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas: Editora Papirus, 2012. 141p.  Resenha de: ASSIS, Luciana M. Elias de. BOLEMA, Rio Claro, v.29, n.51, p. 428-434, abr., 2015.

Em seu livro, Vani Moreira Kenski aborda a relação entre educação e tecnologias utilizando uma linguagem acessível para que, além dos estudantes e profissionais da educação, outros leitores de diferentes áreas, interessados pelo tema, possam compreender conceitos e questões relacionados à educação e às tecnologias.

A autora trata o tema educação e tecnologias de forma abrangente, buscando elucidar, historicamente, os sucessivos avanços tecnológicos ao longo dos tempos, destacando seus reflexos na educação. O livro é composto de seis capítulos e, ao final, apresenta algumas questões relativas a cada capítulo, além de um glossário de nomenclaturas específicas utilizadas na obra.

No primeiro capítulo, Kenski busca situar as relações existentes entre os avanços tecnológicos e as alterações de seus usos nas sociedades em diferentes épocas, pautando-se no conhecimento, no poder e nas tecnologias. Inicia sua abordagem enfatizando que, desde tempos antigos, o homem já utilizava as tecnologias de sua época, garantindo um processo crescente de inovação através de materiais mais potentes, o que possibilitou, para povos mais desenvolvidos tecnologicamente, o domínio e o acúmulo de riquezas.

Ao relacionar presente e passado, Kenski salienta que a relação de ampliar domínios e acumular riquezas não mudou e pode ser retratada através das grandes potências mundiais como, por exemplo, dos países e corporações multinacionais que se preocupam em manter e ampliar poderes políticos e econômicos, investindo grande parte de seu orçamento em pesquisas de inovações para garantir sua hegemonia.

Há, também, uma relação entre educação, poder e tecnologia feita na indicação de que o meio cultural familiar de uma pessoa determina seu comportamento de forma similar ao modo com a escola exerce seu poder em relação aos conhecimentos e ao uso das tecnologias. Nesse contexto, a escola representa o espaço de formação de todas as pessoas, possibilitando o domínio de conhecimentos necessários para uma melhor qualidade de vida das pessoas. Com a evolução das tecnologias, as qualificações profissionais são alteradas, bem como a forma com que as pessoas vivem, informam-se e comunicam-se.

Por fim, Kenski conceitua tecnologia de duas formas distintas: por meio da relação existente com técnicas e equipamentos; e por meio das novas tecnologias, levando em conta o conceito de inovação.

No capítulo 2, intitulado Tecnologias também servem para informar e comunicar, a autora discorre sobre as TICs para a produção e propagação de informações e, ainda, sobre as novas tecnologias de informação e comunicação, as NTICs, conceituando-as por meio da linguagem oral, da linguagem escrita e da linguagem digital.

Assumindo o fato de que as TICs provocaram mudanças radicais ao convergir para uma nova tecnologia, a digital, Kenski apresenta as redes, citando a internet como sendo o “espaço possível de integração e articulação de todas as pessoas conectadas com tudo que existe no espaço digital, o ciberespaço” (KENSKI, 2012, p.34)

Relata que o avanço das tecnologias digitais define poderes baseados na velocidade de acesso às informações disponíveis nas redes. Além disso, apresenta exemplos concretos de inovações tecnológicas destacando as mudanças que ocorrem socialmente, nas relações econômicas, políticas, financeiras, educacionais e culturais, resultantes do uso intensivo das tecnologias digitais.

No capítulo 3, intitulado Tecnologias também servem para fazer educação, a autora procura estabelecer a relação entre educação e tecnologias, focando a socialização da inovação, ressaltando que “a presença de uma determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira de organizar o ensino” (KENSKI, 2012, p. 44). Como exemplo, associa mídias e educação, uma vez que as tecnologias como a televisão e o computador provocaram novas mediações entre a abordagem do professor, a compreensão do aluno e o conteúdo veiculado, isto é, a imagem, o som e o movimento oferecem informações mais realistas em relação ao que está sendo ensinado. Acrescenta ainda que, mais importante do que as tecnologias e os procedimentos pedagógicos mais modernos, é a capacidade de adequação do processo educacional aos objetivos que levam as pessoas ao desafio de aprender. Nessa direção, traz exemplos de novas formas de aprender apoiando-se nas redes digitais, cuja dinâmica e capacidade de estruturação colocam os participantes de um determinado momento educacional em conexão, aprendendo e discutindo coletivamente de forma igualitária.

No que tange os espaços coletivos do uso educacional, Kenski enfatiza a necessidade de manutenção e segurança por parte das instituições de ensino, a fim de se evitar um colapso em suas atividades online. Para tanto, faz algumas considerações sobre experiências em que o uso das mídias digitais permite a jovens autodidatas da nova geração digital facilidades de acesso às informações disponíveis nas redes para pesquisar e aprender o que lhes interessa. Além disso, faz críticas quanto ao uso inadequado da tecnologia no âmbito educacional, utilizando exemplos de projetos de ensino pouco eficazes, de profissionais despreparados para o uso pedagógico das tecnologias, de projetos de educação a distância oferecidos via broadcasting1 e de cursos a distância em bases digitais que não levam em conta as especificidades educacionais e comunicativas, não atendendo às necessidades de aprendizagem dos alunos.

No capítulo 4, A educação serve para fazer mais do que usuários e desenvolvedores de tecnologias, explora a “contradição existente na educação escolar que forma cientistas, pesquisadores e desenvolvedores de tecnologias, mas que também forma usuários e os que se colocam contra o seu bom uso na educação” (KENSKI, 2012, p.9)

Segundo a autora, a escola é a instituição social de maior importância, pois em todos os momentos de mudanças sociais fornece a escolaridade mínima que permite a uma pessoa o letramento necessário para mantê-la atualizada e informada quanto à utilização das informações disponíveis. Faz uma reflexão sobre a função da escola na sociedade atual que, segundo ela, consiste em garantir aos alunos-cidadãos a formação e aquisição de novas habilidades, atitudes e valores na chamada Sociedade da Informação2. Cita, como exemplo, o Livro Verde, documento em que são apresentadas as bases para a discussão de um novo projeto social em todas as áreas do conhecimento, afirmando que, em relação à educação, deve-se “considerar um leque de aspectos relativos às tecnologias de informação e comunicação. A começar pelos papéis que elas desempenham na construção de uma sociedade que tenha a inclusão e a justiça social como uma das prioridades” (TAKAHASHI, 2001, p. 45 apud KENSKI, 2012, p.65).

Apresenta exemplos de projetos e propostas de ensino, mediadas pelas TICs e realizadas em sistemas públicos de ensino, evidenciando o quão criativo e dinâmico pode ser o processo educacional em redes, e analisa o centro do processo educativo nesse contexto, indagando se é o conhecimento, o aluno ou são as tecnologias. Outro ponto interessante presente nesse capítulo é a apresentação de como se deu a trajetória da educação, desde o final do século XX até os dias atuais, focando as diferenças entre a educação a distância e a educação presencial, principalmente na forma em como ambas foram e são ofertadas. No que concerne à educação a distância, a autora faz uma associação da possibilidade de deslocalização espaçotemporal possível pelas novas tecnologias digitais, sobretudo, a internet. Para compreender a educação a distância, caracterizada pelas mídias digitais, isto é, utilizando e-mails, fóruns, chats, tele e videoconferência, por exemplo, apoia-se em Jacquinot (1993), que analisa a questão da distância em educação a partir de cinco aspectos diferentes: o geográfico, o temporal, o tecnológico, o pisicossocial e o socioeconômico. Por fim, esclarece dúvidas sobre as diferentes terminologias utilizadas para a realização de projetos educacionais por meio das tecnologias digitais, por exemplo, educação online, educação a distância e e-learning, além de apresentar certas características da educação a distância.

No capítulo 5, intitulado Das salas de aula aos ambientes virtuais de aprendizagem, a autora fala em como as TICs são utilizadas em atividades de ensino, destacando o uso do computador e da internet ao citar os cursos de autoaprendizagem. Nesses cursos, o computador desempenha o papel de professor eletrônico através de programas tutoriais que funcionam como livros. Cita, ainda, cursos oferecidos em cbt (computer based training) e wbt (web based training), que treinam os alunos com base na resolução repetitiva de exercícios. Para Kenski, essa forma de utilização das TICs baseia-se em uma visão tradicionalista de ensino, na qual o aluno e o contexto em que ocorre a educação não são levados em conta.

Para discutir o grau de interação em atividades educativas, a autora apoia-se em Moore (2004), que apresenta o conceito de distância transacional com o qual tematiza a distância física e comunicativa que toma lugar em sala de aula. Moore considera que a aprendizagem será mais significativa quanto maior for o grau de interação e comunicação entre os participantes do processo. A exemplo disso, visando obter o máximo de aproximação nas atividades realizadas a distância, por exemplo, Kenski cita Romero Tori (2002):

 

Enquanto vemos muitos cursos tradicionais sustentando-se única e exclusivamente na proximidade natural de suas aulas presenciais, a educação mediada pelas tecnologias não para de evoluir e de criar condições para a efetiva redução de distâncias. Esse avanço tecnológico pode ser utilizado não apenas em cursos a distância, mas em cursos presenciais (TORI, 2002 apud KENSKI, 2012, p.89).

Nesse contexto, Kenski discute possibilidades que podem ser utilizadas tanto no ensino presencial como no ensino a distância, concluindo que o uso intensivo de tais possibilidades fortalece a interação comunicativa e a relação entre ensino e aprendizagem. Comenta sobre as mudanças de percepção sobre as TICs no ambiente escolar, usando como exemplo a inserção do computador quando isso ocorria de forma isolada, considerando-o como mais um equipamento similar à televisão, ao retroprojetor e a outros recursos utilizados nas atividades pedagógicas nas escolas. Com o passar do tempo, após o aparecimento de programas e softwares, os professores e alunos foram treinados de modo a, no contexto de atuação dos professores e de interesse dos alunos, planejarem projetos para a inserção dessas tecnologias nas atividades de ensino. Além disso, os CDs, DVDs, programas interativos, enciclopédias, imagens e sons tornaram o computador um recurso para auxiliar nas pesquisas e trabalhos diferenciados, surgindo novas demandas, inclusive a realização de projetos interdisciplinares.

Entretanto, para a autora, o grande salto entre educação e tecnologias acontece em um terceiro momento, com as possibilidades de comunicação entre os computadores e o surgimento da internet, quando se possibilitou o acesso à informação em qualquer lugar do mundo, ou seja, o ensino mediado pelas tecnologias digitais redimensiona os papéis de todos os envolvidos no processo educacional.

No contexto atual, Kenski afirma que a sala de aula é redesenhada pela evolução tecnológica em um novo ambiente virtual de aprendizagem. Nesse viés, menciona os ambientes virutais de aprendizagem, apoiando-se em Derrick Kerckhove (1999), que caracterzia os ambientes virtuais de aprendizagem como o “modelo idealizado de processo de aprendizagem cooperativo, característico da sociedade digital”. (KERCKHOVE, 1999 apud KENSKI, 2012, p.95)

Kenski cita exemplos de ambientes virtuais de aprendizagem brasileiros como o Teleduc, Aulanet e, ainda, alguns que são de propriedade de empresas e universidades estrangeiras. Explica ainda, de forma detalhada, como ocorre o funcionamento do Teleduc (desenvolvido no Brasil pelo Nied – Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp), bem como suas ferramentas. Para encerrar o capítulo, faz uma reflexão e propõe questionamentos sobre o papel e a função a serem desempenhados pelas nossas atuais escolas e pelos seus professores e alunos, diante das novas realidades educacionais evidenciadas pelo uso das TICs e dos ambientes de aprendizagem.

No último capítulo, Caminhos futuros nas relações entre novas educações e tecnologias, Kenski apresenta uma reflexão sobre as novas gerações caracterizadas por jovens que, desde muito cedo, utilizam meios digitais para todos os fins tendo forte influência no futuro da escola e da educação de modo geral. Comenta como os jogos eletrônicos contribuem para desenvolver certas habilidades e raciocínios nos alunos, a exemplo do espírito de equipe, da escrita e do desenho realizado com ambas as mãos, das capacidades sensoriais e da percepção de determinados aspectos em um ambiente amplamente variado. No âmbito escolar, tais competências e habilidades desenvolvidas pelos alunos podem contribuir para uma educação com novos desafios, exigindo da escola uma reorganização curricular e pedagógica. A autora comenta, também, sobre escolas reais em espaços virtuais, ou seja, formas híbridas e interativas de uso das tecnologias digitais incorporadas em tipos de aparelhos que contenham telas, transformando-os em espaços virtuais de aprendizagem em redes. Faz uma reflexão a respeito do futuro das relações entre a educação e as tecnologias no Brasil, discutindo questões que envolvem a democratização do acesso às tecnologias digitais, como é o exemplo dos softwares livres que “dão origem a comunidades para o desenvolvimento partilhado de programas, objetos de aprendizagem, bibliotecas virtuais e arquivos temáticos em todas as áreas do conhecimento, para o uso nas mais diferentes situações, incluindo o ensino” (KENSKI, 2012, p. 124). Faz, ainda, uma discussão sobre como será a garantia de fluência tecnológica para todos os brasileiros no futuro, enfatizando a necessidade em investimentos em equipamentos, pesquisas permanentes para atualização das tecnologias e uso intensivo de vários tipos de tecnologias, programas e softwares. Ressalta que a escola, nesse contexto, precisa ser vista a partir de uma nova mentalidade, exigindo mudanças em sua estrutura e seu funcionamento, bem como necessita de uma ampla reformulação curricular. A autora encerra o capítulo, fazendo um alerta de que a maioria dos países transformaram a educação em prioridade nacional e que, no Brasil, mudanças já ocorrem no movimento cotidiano de professores, alunos e das pessoas em geral que acessam os novos espaços virtuais de interação, comunicação e aprendizagem, devendo as escolas incorporarem, o quanto antes, essas mudanças no cotidiano de seus cursos.

O livro de Vani Moreira Kenski é uma leitura obrigatória não somente para os interessados em compreender as questões atuais relacionadas com a educação e o uso das mais novas tecnologias, mas também para profissionais de todas as áreas que necessitam compreender o olhar dos jovens que estão, desde muito cedo, inseridos em uma sociedade cuja linguagem predominante é a digital.

Acreditamos que, quando bem utilizadas, as ferramentas virtuais podem trazer inúmeros benefícios para o ensino e a aprendizagem. Entretanto, não basta utilizá-las de forma adequada sem considerar a necessidade de um novo fazer, ensinar e aprender quando tratando das novas gerações. É preciso considerar as novas tecnologias como essenciais no âmbito escolar aos aprendizes dessa nova geração, tornando claro qual papel desempenharão diante do compromisso com a educação e com o futuro da nação, atrelados às transformações sociais cotidianas.

Não podemos deixar de ressaltar uma das conclusões de Kenski ao mencionar que, seja qual for o grau de ensino, as escolas precisam acordar e incorporar os novos movimentos voltados para a tecnologia digital em seus cursos ou, como diz Umberto Eco (2003), ficarão estagnadas e condenadas à obsolescência.

Referências

ECO, U. Alguns mortos a menos. O Estado de São Paulo. Editorial, 10/2008, 2003.  JACQUINOT, G. Apprivoiser la distance et supprimer l’absence? Ou les defies de la formation à distance. Revue Française de Pédagogie. Paris, n.102, p.55-67, jan./fev./mar. 1993.  KENSKI, V. M. Educação e Tecnologias: o novo ritmo da informação. 8ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.  KERCKHOVE, D. Inteligencias en conexion. Hacia una siciedad de la web. Madri: Gedisa, 1999.  MOORE, M. Teoria da distância transacional. Trad. Wilson Azevedo. 2004. Disponível em: <www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=23 &sid=69&UserActiveTemplate=2ing>. Acesso em 20 de fev. de 2004.  TAKAHASHI, T. Livro verde da sociedade da informação no Brasil. Disponível em: <www.socinfo.org.br/livro_verde/download.htm>. 2001. Acesso em: 20de fev. de 2004.  TORI, R. A distância que aproxima. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância. Disponível em: www.abed.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/s tart.htm?infoid=608&UserActiveTemplate=1por, 2002. Acesso em: 26 de mar. de 2002.

Notas

1 Broadcasting é uma modalidade em que o professor fala em rede para centenas de alunos que estão nas mais diferentes regiões (KENSKI, 2012, p. 57).  2 Fruto da associação do desenvolvimento científico e tecnológico, sobretudo da indústria eletroeletrônica ao processo de globalização econômica (KENSKI, 2012, p. 64).

Luciana M. Elias de Assis – Mestre em Matemática pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Docente da Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas do Campus Universitário de Sinop da Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Sinop, MT, Brasil. E-mail: [email protected]

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Encontros e diálogos: pedagogia da presença, proximidade e partida – SÍVERES (C)

SÍVERES, Luiz. Encontros e diálogos: pedagogia da presença, proximidade e partida. Brasília: Líber Livro, 2015. Resenha de: VASCONCELOS, Ivar César Oliveira de Conjectura, Caxias do Sul, v. 20, n. 2, p. 223-229, maio/ago, 2015.

Na complexa teia em que se transformou o mundo, fragmentado e dissolvido na modernidade líquida (cf. Bauman), os indivíduos se orientam e vivenciam as relações sociais menos conforme lógicas de ação razoavelmente organizadas e mais de acordo com uma autonomia construída na pluralidade de valores e na constante ruptura. Em vez da clássica ideia de ação, o mundo atual pode ser explicado pela noção de experiência social – condutas individuais e coletivas construídas na pluralidade de princípios e na ação dos indivíduos, responsáveis pelo sentido de sua ação (cf. Dubet). Essa noção pode ser interpretada como encontros entre seres humanos situados num mundo complexo, impulsionado por e para diversificados sentidos. Encontros que desafiam pessoas e instituições a exercitarem a capacidade de dialogar, um exercício que tem sido analisado e explicado a partir de variadas perspectivas – filosófica, antropológica, epistemológica e, particularmente, no caso da escola, da perspectiva pedagógica.

Nesse cenário, diversas questões se relacionam com o diálogo intergeracional. Jovens e não jovens vivenciam múltiplas maneiras de existir – enquanto os primeiros submergem nessas múltiplas maneiras de se fazerem presentes no mundo, os segundos, muitos deles, não se reconhecem nessa multiplicidade. Um cenário assim pode até favorecer o exercício do diálogo com os jovens, podendo estimular a criatividade, a construção de saberes e uma atuação local e global. Contudo, pode abrigar problemas sociais envolvendo a juventude, como, por exemplo, as dificuldades de ingressar no mundo do trabalho e o acesso à habitação (parte dos jovens coabita mais tempo com os pais, às vezes, mesmo casados), resultando até em revolta, marginalidade e delinquência, podendo associar-se ao consumo de drogas (cf. Pais). No âmbito da educação, constatam-se a violência, o aborrecimento e o desinteresse de adolescentes e jovens com relação à escola, ao analfabetismo e à evasão. Leia Mais

Didáctica de las Ciencias Sociales: los valores humanos en la educación – VALENZUELA (C-HHT)

VALENZUELA, Jacinto Montenegro. Didáctica de las Ciencias Sociales: los valores humanos en la educación. Prensas de la Universidad de Zaragoza, 2015. 262p. Resenha de: BENITO, Victoria López. Clío – History and History Teaching, Zaragoza, n.41, 2015.

Como el título del libro ya deja ver, el tema central de este manual es el de la educación en valores a través de la Didáctica de las Ciencias Sociales. Podríamos afirmar a priori que no es un tema novedoso ni en la reflexión educativa, ni en el ámbito concreto de la Didáctica de las Ciencias Sociales. La cuestión de la Educación en valores ha estado presente en el debate educativo y pedagógico desde hace décadas como así lo deja ver la literatura científica (Descalzi Picasso, 1997; Iglesias, 1997; Parra Ortiz, 2003). Sin embargo, muchas de estas aportaciones, aunque importantes y relevantes para la práctica educativa, se quedan, por su propio polimorfismo conceptual, en meras reflexiones al respecto sin propuestas de aplicación real para los procesos de enseñanza y aprendizaje. En cuanto a la relación entre Ciencias Sociales y Educación en valores pocas veces ha sido tratado como una cuestión nuclear de esta área de conocimiento. Sin embargo, destacan algunas portaciones como las de Cascajero Garcés et al. (1990) y el IX Simposium de Didáctica de las Ciencias Sociales celebrado en la Universitat de Lleida en 1998 cuya temática giraba en torno a “Los valores y la didáctica de la Ciencias Sociales”, en este caso la cuestión de los valores gira en torno mayoritariamente a los valores democráticos y la construcción del ciudadano desde la educación y concretamente a través de las Ciencias Sociales, aunque también están presentes temas como las desigualdades sociales, el racismo o la igualdad de género. En la mayoría de manuales sobre Didáctica de las Ciencias Sociales también está presente la cuestión de los valores en la educación pero da la sensación de que lo está porque es algo que tiene que estar presente, que tiene que tratarse bien por razones curriculares o por la razón que sea, pero no porque sea un tema verdaderamente relevante para esta área de conocimiento desde la perspectiva de algunos investigadores (Pagés, 1994; Prats Cuevas, 1999; Hernàndez Cardona, 2002).

Sin embargo, el presente manual trata la cuestión de la educación en valores humanos a través de la Didáctica de las Ciencias Sociales no solo como algo importante sino, como el propio autor reclama, como una necesidad debido al contexto social actual y mundo globalizado en el que vivimos en el que parece que todo se diluye y entre ello, los valores. Este libro, si bien continúa la senda iniciada por el propio autor en 1998 con “Los valores en la sociedad contemporánea (familia, escuela, medio ambiente, coeducación, sexismo)” responde a una necesidad además de social y de contexto, a una necesidad curricular, no porque la educación en valores sea la punta lanza de los actuales currículos oficiales en España, sino por todo lo contrario. En un momento del devenir educativo de este país en el que cada vez los currículos ponen el énfasis en una educación cada vez más tecnificada, orientada mayoritariamente a los conocimientos científicos en detrimento de los humanísticos, con contenidos que capacitan al alumnado al emprendimiento empresarial desde los doce años, digamos que como mínimo es necesario volver a reflexionar sobre donde queda la educación en valores en la actualidad.

Además, el planteamiento del autor manifiesta plenamente su pensamiento en cuanto a cómo y desde dónde debe articularse la educación en valores a lo largo de todas las etapas educativas, aspecto que, después de un breve recorrido histórico sobre la presencia de la educación en valores a lo largo del tiempo planteado en el primer capítulo; desarrolla en profundidad en el capítulo segundo.

Es en este capítulo donde el autor comienza abordando la problemática actual en relación a los valores que rigen en las sociedades actuales, más bien, la inestabilidad de valores debido al ritmo acelerado con el que ocurren los cambios en la actualidad por los procesos de globalización y tecnificación de la sociedad lo que implica una excesiva velocidad en la configuración de los procesos mentales que generan una disociación entre el “mundo externo y el núcleo de la identidad humana”, divergencia que según el autor la Educación debe contribuir a disminuir. Así realiza una revisión de cómo algunos autores desde disciplinas como la Filosofía o la Sociología han definido el concepto de valor, ya sean humanos, sociales o morales y las problemáticas que implica inculcar estos ya sea en un sistema cultural o educativo.

Una de las aportaciones más interesantes del autor es la que establece los diversos ámbitos en el que se sitúa y desarrolla el individuo: las relaciones y estructuras sociales en las que esté presente, las instituciones sociales y culturales propias de su contexto o los mecanismos de gestión espacial, económica y política, y como los valores están presentes en todos ellos. Por ende, la educación en valores en cada uno de estos ámbitos redundará de una u otra manera en el desarrollo social del individuo y desde ahí el autor insta a la responsabilidad de la Educación y en concreto de los espacios educativos por antonomasia, como son los centros educativos a tomar consciencia de su responsabilidad en la formación en valores de los individuos que los integran. En cuanto al campo de aplicación concreto de esa educación en valores Jacinto Montenegro otorga a las Ciencias Sociales la mayor capacidad para la transmisión de valores, aunque afirma que los matices psicopedagógicos, epistemológicos e ideológicos con los que están cargados los contenidos de las materias que las integran pueden hacer variar los valores a transmitir; según el autor lo que determina unos valores u otros es la ideología predominante en cada una de las sociedades y por lo tanto en la educación, y así lo hace explícito al hacer una clasificación de cómo la ideología conservadora, liberal-democrática o tecnocrática definen un tipo de sociedad, unos valores determinados y un tipo de educación. Por otro lado, prestando una especial atención a aquellos que reciben la acción educativa, es decir, el alumnado, que serán los que están influenciados por unos valores y educación determinados, el autor realiza un análisis paralelo entre el desarrollo cognitivo desde los 6 a los 17 años, es decir, el alumnado de Educación Primaria y Secundaria y sus capacidades para la compresión, asimilación y apropiación de valores.

Siguiendo con la propuesta propia del autor de cómo debe abordarse la educación en valores, reclama de manera contundente en el capítulo tercero la necesaria interrelación entre centro educativo y familia como los extremos de un puente que debe lograr la recepción y transmisión de valores. Para el autor, escuela y familia son las dos estructuras sociales fundamentales para los discentes y por ello la educación escolar y familiar deben bogar conjuntamente no solo por la transmisión de conocimientos, destrezas o conceptos sino también por la transmisión de normas, valores, reglas de convivencia social y concienciación democrática y crear las condiciones necesarias para que los individuos crezcan libres, sensibles y creativos.
A continuación, en los tres capítulos siguientes Jacinto Montenegro plantea tres ejes conceptuales fundamentales desde los que se debe llevar a cabo la transmisión de los valores en las sociedades actuales. Estos ejes conceptuales son: los derechos humanos, el respeto al medio ambiente y la igualdad de género desde la coeducación. En cuanto al primero, solo desde desde los contenidos relacionados con los derechos humanos es posible lograr en el alumnado la conciencia social, política y cultural sobre el propio entorno cercano (ciudad, país) y sobre los entornos lejanos y diferentes al propio. En relación al medio ambiente, en las últimas décadas ha aumentado por diversos motivos y agentes la concienciación en pro del respeto y la conservación del medio ambiente desde dentro y fuera del ámbito educativo. Esto conlleva un mayor grado de concienciación, participación y relación con el entorno y valoración del medio ambiente, de lo cual se implica, según el autor en la transmisión de unos determinados valores que se trabajan sobre todo a través de la educación ambiental.

Finalmente, cuando el autor habla de la coeducación y la igualdad de las mujeres en la sociedad, comienza realizando un breve recorrido histórico sobre cómo, desde siempre, aunque el autor inicia el relato desde el siglo XVII, el papel de la mujer en la sociedad estuvo limitado a unos espacios y funciones determinados. Esto, a pesar de las reivindicaciones de algunas mujeres a lo largo de toda la historia, hizo que estas también estuvieran relegadas de los espacios de educación. En el caso del contexto español destaca algunos hitos en cuanto al aumento de la presencia de la mujer en espacios formativos como por ejemplo la labor de la Institución Libre de Enseñanza desde 1871 en cuanto a la educación de la mujer y la coeducación o como el gobierno de la II República en 1931 implanta la coeducación como normativa escolar, a pesar de ello, estas medidas no disminuyeron las diferencias de formación y nivel educativo entre hombres y mujeres. Sin embargo, esas diferencias sí se han ido borrando a lo largo del siglo XX, como así nos lo muestra el autor a través de numerosas gráficas; a través del aumento de la escolarización de las niñas tanto en el contexto español como internacional, la presencia de las mujeres en política, en ciertas profesiones o cargos de responsabilidad. Estas gráficas, si bien muestran un aumento de las mujeres en ámbitos educativos y profesionales en los que hace cien años no estaban presentes, también nos muestra que todavía existen diferencias, no solo cuantitativas, sino especialmente cualitativas. Para que realmente se avance en la coeducación entre hombres y mujeres, no solo es suficiente con lograr el respeto y la tolerancia entre los sexos, porque eso ya ha quedado demostrado que no funciona, muestra de ello es la existencia notable en la sociedad de la violencia contra las mujeres, es necesario, que se genere espacio para las formas, valores y referentes femeninos, planteamiento que no tiene nada que ver con el hembrismo, como pretende asimilar el autor. La verdadera coeducación debe tener en cuenta al hombre y a la mujer no solo en número, sino también en fondo y forma, valorando sus diferencias y valores específicos y a la vez complementarios.

Con todo ello, este manual supone un interesante planteamiento de la Didáctica de las Ciencias Sociales abordada concretamente desde la perspectiva de la Educación en valores. Además desde óptica se reafirma, una vez más, como las Ciencias Sociales son un eje transversal que está presente en todo el camino educativo ya sea en las diferentes etapas educativas como en las distintas disciplinas que nutren ese camino.

Victoria López Benito – Universidad de Zaragoza. E-mail: [email protected]

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Didactica Historica | GDH/DGGD | 2015

Didatica Historica Suica

Didactica Historica. Revue suisse pour l’enseignement de l’histoire (2015-) est une revue accordant une place importante aux pratiques et aux ressources consacrées à l’enseignement de l’histoire. Elle a été créée par le Groupe d’étude de didactique de l’histoire de la Suisse romande et italienne (GDH) et par la Deutschschweizerische Gesellschaft für Geschichtdidaktik (DGGD).

Elle succède au Cartable de Clio, publié depuis 2001. Le changement de nom correspond à un changement de formule : depuis 2015, Didactica Historica se lit dans un grand format illustré et en couleur, avec une édition en ligne prolongeant l’édition papier. La parution est annuelle

Vous trouverez sur le site les contributions de tous les numéros précédents (à l’exception du numéro de l’année en cours) avec les contributions en ligne (suppléments). Le site fournit également des informations sur la manière de soumettre des contributions (feuille de style, délais et processus de publication et de révision) ainsi que sur la politique de commande et de libre accès.

Pour plus d’informations, nous vous renvoyons au site de notre partenaire, la maison d’édition Alphil: www.alphil.ch/

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ISSN : 2297-7465

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Jogo e educação – BROUGÈRE (REi)

BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 2003. LEAL, Luiz Antonio Batista. Revista Entreideias, Salvador, v. 3, n. 2, p. 177-183, jul./dez. 2014.

Gilles Brougère é professor de Ciências da Educação na Universidade Paris XIII e desde os anos 1970 se dedica aos estudos sobre o universo infantil e a ludicidade. Neste livro, estuda as relações entre jogo e educação e procede a uma profunda análise sócio-antropológica para chegar às suas conclusões acerca do lugar do jogo no universo infantil e na natureza humana.

No primeiro capítulo do livro, o autor aborda o jogo principalmente do ponto de vista da filosofia da linguagem, busca a etimologia da palavra e conclui pela polissemia do termo. Segundo Brougère, a cultura lúdica torna possível a aprendizagem do lúdico.

Isto é, a pessoa que participa da cultura, aprende a jogar. Distingue também o jogo em três acepções centrais: a. O jogo como atividade lúdica, tanto do ponto de vista do sentimento de quem participa desse tipo de atividade, como pelo seu reconhecimento objetivo; b. O jogo como uma estrutura ou sistema de regras (existe e subsiste de modo abstrato independente dos jogadores); c. E o jogo como material ou objeto (tal como jogo de xadrez e outros), podendo ser associado também ao termo “brinquedo”.

Considerando, como Wittgenstein, que as palavras são atos, Brougère afirma o caráter polissêmico do termo “jogo”, proveniente, pois, de diversas culturas com seus modos próprios de conversar e criar formas de jogar ou brincar (sem distinguir estes dois termos).

Nesse sentido, a noção de jogo para o autor provém da compreensão do seu lugar em diferentes contextos sociais, sendo por ele considerado como um fato social.
Para o autor, a psicologia vai se utilizar da ideia de jogo como uma noção proveniente do senso comum, trabalhada pela sociedade, pela língua e sem críticas. Mesmo Piaget, segundo Brougère, nesta obra, não chega a estabelecer um conceito de jogo. A psicologia, assim, vai fazer um uso comum do termo em diferentes estudos, designando-o em um certo número de comportamentos e situações.

Na perspectiva da contribuição da filosofia, Brougère vai ao pensamento de Aristóteles para sustentar que desde a Antiguidade a ideia de jogo e jogar é uma oposição complementar ao trabalho.

O jogo não tem um fim em si e está submetido ao trabalho que o justifica – significa, pois o espaço para o relaxamento necessário.

Thomas de Aquino introduz no universo cristão, a ideia de jogo como imposição divina que orienta o homem ao trabalho e à especulação contemplativa: “Procuramos o repouso do espírito através dos jogos, seja em palavras, seja em ações. Portanto, é permitido ao homem sábio e virtuoso propiciar-se esses relaxamentos algumas vezes”. O jogo tem a finalidade do repouso, justifica Aquino: “se o jogo carregasse em si sua finalidade, deveríamos jogar sem parar o que não poderia ser” (p. 28).

Para os psicólogos, a maioria deles, o jogo também não é fim, mas um meio de estudo e interpretação de casos e situações psíquicas para a compreensão do comportamento humano.

Para muitos pedagogos, também, o jogo é um meio para se chegar a aprendizagens específicas e contribuir para o desenvolvimento humano.
É com tal espírito que Brougère se aventura neste livro à compreensãodo “jogo”, indo em busca de suas configurações mais primitivas e em diferentes culturas, para depois relacionar essas ideias com o fenômeno educativo.

No segundo capítulo, então, vai tentar entender como se configura e se instala, na modernidade, a ideia de jogo como oposição complementar ao trabalho. Sem preocupar-se com uma cronologia histórica, desfila concepções de jogo oriundas de diferentes culturas que define o jogo numa rede de analogias e experiências distintas.

É assim que apresenta o jogo em Roma, por exemplo.

Na sociedade romana o jogo se instala como treinamento e espetáculo. Derivado de jocus (divertimento, jogo de palavras), há transformações de conceitos de uma esfera a outra, podendo ganhar outras conotações, a exemplo do termo ludus que também designa escola. Ludus, por assim dizer, designou concomitantemente uma atividade livre – que é o jogo -– e uma atividade dirigida – que é o trabalho escolar. O autor vai à raiz das palavras e seus usos para entender essa oscilação: um dos sentidos usuais de ludere, por exemplo, é “se exercer”, ludus também define “exercício” em oposição ao que é luta em aplicação real. Assim, antes de ser um jogo, ludus é uma técnica, um exercício; sendo assim, uma atividade semfim prático e que segue ao lado da ação propriamente dita.

“Ludere consiste em fazer o simulacro da caçaou da guerra ou realizar esta ou aquela série de gestos da vida prática, sem nenhuma outra preocupação a não ser os gestos e fazê-los bem, dedicando-se apenas a mostrar sua graça ou caráter expressivo, através da dança, por exemplo” (p. 36). O jogo reproduz, pois, os gestos da realidade, servindo também para ensinar a fazer esses gestos – exercício; representa diversão e estudos infantil; como também, tanto o lugar onde se dão esses estudos como a escola de gladiadores. Reconhecese, assim, a fusão de sentido num só termo – jogo. O jogo aparece aqui como fingimento, imitação de uma situação real. O simulacro impele os gladiadores para o jogo. “O público é central aí: é um espetáculo, um combate para o público antes de ser um combate real. Mais do que salvar sua pele, o gladiador deve agradar a um público que solicita a morte do vencido, a menos que este tenha seduzido apesar de sua derrota”. A decisão pela morte é do público. O fim do combate/espetáculo não define a morte do vencido. O duelo é mais acompanhado de encenação exótica e teatralização do que realismo.

Os jogos também têm uma dimensão religiosa, são rituais, presentes oferecidos a deus e, portanto, devem ser obedecidas regras ritualísticas. O espectador encontra-se no lugar de deus, e o financiador dos jogos, no mesmo movimento, oferece alegria e relaxamento aos homens e a deus. São jogos que têm com frequência fins políticos.

O jogo na Grécia vai assumir um caráter de concurso ou competição.

A palavra Agon, com efeito, traduz essa ideia. A palavra Paidia, deriva de criança e jogo infantil, diversão e também luta e concurso. Justamente nesta cultura se instalam em 776 a.C. os Jogos Olímpicos que podem ser analisados a partir da seguinte triangulação: a. Como expressão de um dinamismo vital; b. Para racionalizar a relação dos mortais com as divindades; c. Como elemento estruturador da comunidade – na transmissão da cultura e seus valores.

O jogo, ou paidia vai tornar-se o fundamento da educação – paideia, para os gregos. Paideia não se limita à infância, mas prossegue por toda a vida.
Em síntese, para as duas culturas mais próximas à nossa, o jogo se mostra em duas direções: em Roma, como espetáculo, na Grécia, como um concurso ou competição. O núcleo comum é o simulacro e o exercício, o que até hoje guardamos em nossa cultura.

Brougere ainda neste capítulo passa a analisar o jogo numa cultura aparentemente distante da nossa – a cultura e o jogo asteca no México, século XVI e XVII.
O jogo naquela cultura foi tido como atividade séria, ao mesmo tempo guardando um sentido de renovação cósmica e objetivo de civilização. A simulação lúdica é um meio de expressão cultural.

O termo jogo, para os astecas, provem do vocábulo tlachia que designa o ver, o olhar. Para o autor, há uma dimensão antropológica original do jogo e o jogo tem uma função social – um sentido social traduzido no “como se fosse verdade”, no simulacro. A simulação lúdica, seja na religião, nos ritos em geral, é um meio de expressão cultural, uma linguagem, um ato social, por assim dizer.

Da Idade Média à Moderna, vamos perceber desenvolvida uma noção de lúdico no seu sentido frívolo. O lúdico vai estar presente principalmente nas festividades religiosas, fundadas no fingimento, como o carnaval, por exemplo.

Na Idade Média, religião e vida social estavam relacionadas às atividades lúdicas – o jogo tem espaço nos ritos carnavalescos.

E os jovens estão no centro dessa manifestação, tendo sido muito valorizada a cultura popular naquele período. Os grandes mestres também ensinavam de maneira lúdica, através de adivinhas e problemas de aritmética com enunciados jocosos. O jogo e a festa se marginalizaram em contrapartida ao jogo oficial e aos poucos se foi assumindo em oposição ao trabalho, como atividade frívola.

O jogo tem no período da Idade Moderna uma conotação de frivolidade, em forte oposição ao trabalho, como atividade de relaxamento.

Incna prática infantil, o jogo mantém a característica de futilidade um novo interesse a partir de uma reavaliação da infância. Quando ele será associado à categoria da seriedade sobre outras bases.

Em síntese, cada sociedade determina e legitima seu conceito de jogo.

É com o Romantismo que vamos assistir à ruptura da visão frívola de jogo. Nessa época, ela passa a ser relacionado à educação e à visão das crianças.

A criança surge como representante da natureza, boa e pura ao nascer, como apregoava Rousseau. E os românticos, então, passam a atribuir ao jogo esse caráter educativo, de artifício pedagógico, com um valor educativo, controlado pelo educador. Com a revolução romântica, o acesso ao saber e à educação é percebido de uma nova maneira. Vê-se a criança dotada de um dinamismo interno e a infância deixa de ser renegada. Nesse sentido, caberia ao adulto deixar fluir a educação dessa criança, desse vir a ser, em liberdade. Também a observância da sensibilidade infantil e sua espontaneidade no processo de desenvolvimento fazem surgir o interesse de estudo desse indivíduo, fazendo emergir a psicologia infantil ou do desenvolvimento. É justamente nesse quadro que aparece um pensamento cientifico que irá justificar novas relações entre o jogo, o desenvolvimento e educação infantil.

No final do século XIX, a humanidade assiste ao nascimento da psicologia da criança e na sua esteira novos discursos sobre o jogo e a educação. Para Brougère, o novo discurso científico incorpora princípios e quadros teóricos de outras ciências.

A teoria da recapitulação, surgida nesse contexto, pode ser resumida à metáfora das idades ou da vida, ou seja, à tentativa de comparar a vida da humanidade à vida do indivíduo. Assim como o indivíduo, a humanidade teria também uma infância, uma maturidade e uma velhice “A antiguidade torna-se a infância da humanidade. A época moderna é superior porque é ascensão à maturidade. A metáfora é orientada em um sentido: utiliza-se as idades do indivíduo para valorizar ou desvalorizar certos períodos da historia” (p. 80). Essa é uma tendência que surge com os românticos e que é incorporada pela ciência moderna. Em alguns autores, a metáfora se inverte, utilizando-se as idades da humanidade para se compreender as épocas ou fases da infância.

Na esfera da psicologia infantil, Piaget funda a sua psicologia evolutiva com forte influencia da biologia. Para Piaget, trata-se de orientar-se pela criança, pela gênese, para compreender a inteligência adulta. A gênese nesse caso pode ser a do indivíduo como a das próprias ciências, ou seja, da historia da inteligência das espécies.
Muito embora Piaget não reproduza a teoria da recapitulação nos fundamentos da sua própria teoria, o seu pensamento surgiu num contexto em que a biologia era a ciência mais valorizada e ele mesmo como biólogo buscava explicar o fenômeno da inteligência mediado por modelos biológicos, considerando a psicogênese como parte da embriogênese. Piaget não estuda o jogo em si, mas como uma atividade espontânea da criança que permite a interpretação de suas representações em diferentes fases, levando à compreensão de suas funções semióticas.

Também em Freud, o jogo é um mecanismo de interpretação da subjetividade infantil. O jogo, em Melanie Klein, é uma técnica para se chegar à cura analítica. O jogo, como o sonho, fornece o conteúdo simbólico, sobre o qual o analista irá se debruçar e proceder à análise – é a principal via de acesso para se chegar ao inconsciente da criança, reconstruindo sentidos a partir de uma conjunção de materiais.

A psicologia, em suma, assim constituída de bases românticas e na biologia, constrói uma ciência sobre o jogo, como um fenômeno natural, ocultando sua dimensão social e concedendo-lhe o lugar da expressão espontânea, própria, natural da criança. É nesse bojo que Froebel e Claparède, por exemplo, associam tais princípios à pedagogia.

Veremos, então, surgir um campo de conhecimento educativo – a pedagogia – que vai se utilizar de princípios provindos da moderna psicologia infantil e, numa perspectiva que também associa o romantismo às bases da biologia, faz emergir um novo conceito de jogo e de educação infantil.

No final do século XIX, o jogo adquire um estatuto educativo que convém abordar. São três as acepções que assume: como recreação, como artifício para fazer emergir o desejo de aprender e como exercício físico. Duas ideias estão presentes na recreação: a) Jogos organizados pelos professores – momento educativo sem deixá-lo a espontaneidade da criança; b) Como momento de liberdade concedida à criança – um momento educativo enquanto tal e sem qualquer intervenção adulta.

O debate sobre a importância que se deva atribuir ao jogo se faz num quadro tradicional no qual se associa recreação ao jogo, constituindo-se em uma contribuição à educação física e a forma de diversão conferida às lições e exercícios. O jogo está presente apenas através dos jogos disciplinados, controlados, vigiados, dirigidos, organizados. Não há espaço para valorização da espontaneidade no âmbito de um jogo considerado em si educativo.

Concluindo, o livro de Brougère sobre o jogo e suas relações com a educação constitui-se numa obra de referência para a ciência pedagógica, pois permite enxergar o conceito de jogo e de educação infantil sob uma visão científica rigorosa. O autor faz um traçado histórico muito pertinente, recorrendo às bases do surgimento da ciência que se ocupa do desenvolvimento infantil, tecendo análises críticas sobre as diversas teorias e teóricos que con0struíram suas concepções sobre o jogo.

Luiz Antonio Batista Leal – Centro de Formação em Artes/ FUNCEB. E-mail: [email protected]

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O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos – RAMOS (HCS-M)

RAMOS, Aura Helena. O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos. Rio de Janeiro: Quartet,2011. 195pp. Resenha de: COSTA, Hugo Heleno Camilo. Um convite ao lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos. História Ciência Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 21 n.2 Apr./June 2014.

Inicio este texto com a ideia derridiana de disseminação. Para o filósofo franco-argelino (Derrida, 2001), a disseminação, diferentemente da polissemia, produz uma infinidade de sentidos, tornando impossível o acesso à origem do pensamento, do conhecimento. Essa concepção é um convite que a produção derridiana nos faz para pensar os desdobramentos generativos da interpretação, e é com essa deixa que, neste breve texto, convido à leitura do disseminador livro O lugar da diferença no currículo de educação em direitos humanos, de Aura Helena Ramos.

A dívida assumida ao ler/resenhar um livro é impagável e sempre uma injustiça, porque há, de praxe, traição interpretativa, violência para com discussões singulares e importantes, que são muitas ao longo do livro e que não cabem neste contexto. Defender uma vigilância na leitura/apresentação do texto, ou um melindre para com esta resenha, é, entretanto, tão importante quanto desnecessário, porque é impossível a precisão total, o controle absoluto sobre o entendimento do leitor deste texto, que já é uma supervisão. Dominar o pensamento da autora é a impossibilidade que nos cabe. Estar na interlocução, por meio da leitura do livro, é, de todas as maneiras, a possibilidade parcial que o papel de leitor viabiliza.

Meu convite se dá, então, na interpretação de que o livro em questão é um trabalho com potência para disseminar novos sentidos no âmbito das discussões sobre currículo para a Educação em Direitos Humanos (EDH) e, em seu dinamismo, instabilizar muitas questões que, frequentemente, tendem a ser supostas como fundamentais. Termos como o humano, diversidade, igualdade e direito, perdem, pelo trabalho de Aura Ramos, seu status de pressupostos e são submetidos à crítica pós-estrutural e pós-fundacional a partir de um olhar atento à diferença.

Assumindo como problemática central a necessidade de uma reconceptualização do que se entende por “direitos humanos” e, especificamente, EDH, a autora se volta para a necessidade de operar uma densa discussão no campo em foco a partir dos estudos da diferença. Uma leitura de diferença como produção discursiva, produção cultural, como enunciação. Leitura que, articulada pela autora no campo discursivo da EDH, lhe permite defender tais direitos como não estando fixados em seus sentidos, como não sendo objetos de conhecimento a difundir nas escolas, mas como produção diferencial escolar.

Para Ramos, mais importante e produtivo do que pensar a EDH de um ponto de vista normativo e de regulamentação da vida escolar, é operar com a leitura de que se constitui em experiência a ser construída, uma ética própria a ser performada, produzida, desenvolvida na relação com a diferença, com o outro. Isto é, assumir o conflito e a assimetria como meio de também enfatizar a dimensão política que caracteriza a vida social e oportuniza a circulação de sentidos provisórios.

Para a defesa de uma ética da diferença no currículo para a EDH, Aura Ramos empreende uma escavação nos pressupostos que dão base às discussões sobre o tema. A autora se volta para as construções discursivas nas políticas sobre EDH instalando um constrangimento no caráter de verdade última a que se pretendem as visões críticas e liberais, que colonizam as discussões sobre direitos humanos. Dessa forma, longe de pretender colaborar para a manutenção de tais verdades, assume um exercício de desconstrução dos discursos modernos, dos quais derivam diferentes visões a respeito desse tema.

Em seu trabalho de crítica ao embasamento moderno das discussões em torno dos direitos humanos, Ramos focaliza os discursos liberal e crítico, chamando a atenção para o fato de que, embora também se desenhem como críticas aos princípios e valores modernos e se oponham entre si, não deixam de operar no mesmo registro e de aspirar à condição de verdades inquestionáveis. Tais construções, segundo a autora, favorecem uma perspectiva violenta para com sua leitura de cultura e diferença, constituindo-se em críticas que tendem a suavizar o conflito, o dissenso, a relação com o outro, a produção cultural híbrida que compõe o currículo para a EDH.

Sem negligenciar um interessante diálogo sobre cultura e globalização, com autores como Vera Candau e Boaventura de Souza Santos, Ramos parte de uma afirmação radical da diferença, apoiando-se, para isso, nos estudos pós-críticos de Bhabha, Laclau e Mouffe. Com base nas perspectivas teóricas desses autores, vai focalizar o significante/nome vazio “direitos humanos” a partir das ideias de “universal” e “igualdade”, que tendem a favorecer a subordinação do “outro”, impondo-lhe o “mesmo” como condição para ser. Dito de outra forma, a autora busca pensar as ideias mencionadas em suas potencialidades de se constituir como padrões e verdades. E, como decorrência de tal construção universal, focaliza a tensão entre “igualdade” e “diferença” no âmbito escolar. Tensão que coloca a escola como lugar privilegiado para a socialização dos saberes elaborados, considerados universais, cuja finalidade seria a formação do cidadão, que, uma vez alcançada, levaria à igualdade social, à justiça social. É justamente na universalização de um modelo de cidadão, de humano, e, portanto, de educação, de valor, que se configura o alvo das críticas na obra de Ramos.

Em seu ritmo, a autora analisa os diferentes sentidos atribuídos à expressão “direitos humanos”, chamando a atenção para o conflito em torno de sua significação. Para isso, retoma marcos das discussões de um contexto social mais amplo, atentando para questões como a globalização e a atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), através da difusão da Declaração Universal dos Direitos Humanos, na tentativa de estabilização de uma visão universal de direitos humanos. Focaliza também, produções acadêmicas que tratam do tema, bem como lança mão de textos de entrevistas realizadas com lideranças nacionais que atuaram na produção de documentos de grande repercussão na definição de políticas de currículo para a EDH, tais como o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (Brasil, 2003) e Subsídios para a elaboração das diretrizes gerais da Educação em Direitos Humanos (Dias, Nader, Silveira, 2007).

Tendo em vista tais documentos e pautada na teorização de Laclau e Mouffe, Aura Ramos propõe pensarmos as diferentes leituras que perpassam a denominação direitos humanos no cenário dos conflitos em prol da hegemonização de sentidos, de ideias. Conflitos que, para a autora, não devem ser entendidos nos termos de um “etapismo” histórico-social, mas como movimentos que, em cada contexto específico, produzem sentidos e fixam significados provisórios e contingentes. Com base nessa discussão, a autora pondera que não há um fechamento, ou significado, último em torno desse conflito, mas somente a produção de consensos conflituosos entre diferenças, entre diferentes demandas sociais.

Como via de acesso à parte de tais conflitos, ou consensos conflituosos, que marcam a produção das políticas de currículo para EDH, a autora chama a atenção para os processos de identificação e constituição dos grupos, compreendidos como elementos de uma comunidade política, que atuam no contexto de produção dos textos curriculares de EDH. A preocupação de Ramos, no que diz respeito aos fazeres de tais grupos, não está em destacar e culpar os atores envolvidos, mas em compreender as marcas de discursos, as tentativas de representação, que são provisoriamente constituídas nos documentos produzidos.

Trata-se, em sua opinião, de interpretar tais construções textuais para além de asserções objetivas, da superficialidade do que se coloca como pleito. Segundo Ramos, na abordagem aos textos da política, importa entendê-los como resultados contingentes das tensões entre distintos projetos envolvidos na política. Isso é conceber a produção da política como embate, negociação e hibridismo de sentidos, levando à hegemonização de verdades, presenças, ausências e silenciamentos.

Destaca-se, em termos de organização metodológica, a apropriação da teoria do ciclo de políticas de Stephen Ball, com vistas a pensar a produção da política como não detentora de uma gênese, um espaço originário, mas como uma produção textual discursiva contínua, que se dá no hibridismo de diferentes sentidos, no entrelaçamento de muitas verdades tramadas na política. Sentidos e verdades que circulam tanto em um cenário social mais amplo como naqueles que, em linhas gerais, se poderiam dizer mais restritos ou associados ao campo da educação.

Como resultado de seu trabalho de análise, Ramos propõe pensarmos “direitos humanos” como um significante vazio. Um significante, um nome, disputado em sua significação por diferentes grupos e que se desdobra para a/na escola com toda a sua rasurada significação, sendo ressignificado também na própria escola. A autora ressalta, como uma problemática, o desenvolvimento de tal conflito no campo discursivo da modernidade, no qual estão em confronto os discursos liberal e crítico, que se destacam em construções jurídico-políticas projetadas, marcadamente, por um viés universalista associado às perspectivas modernas.

Chama a atenção também para os deslizamentos de sentidos, no campo da corrente crítica, que tendem, na atualidade, a produzir sentidos híbridos, associados à discussão da diferença. O que, segundo a autora, tende a sustentar uma leitura de diferença nos termos da diversidade/pluralidade, cuja pretensão está na hegemonização das ideias de convivência multicultural e tolerância. A esse respeito, Ramos coloca sua crítica argumentando sobre a permanência da cultura como objeto de conhecimento, como repertório de sentidos a ser partilhados nas escolas.

Para Ramos, no âmbito das discussões sobre a EDH, a saída via a tolerância mantém a estratégia moderna de universalização de valores particulares que nada mais são do que uma visão particular que, entre tantas outras, foi universalizada. Um universal que não é considerado verdade a ser ensinada nas escolas, algo capaz de suplantar, negligenciar ou minimizar, a diferença, o local. Justamente por não considerar tal pretensão universal como uma totalidade fixa, mas mantida por muitas articulações, a autora vai chamar a atenção, a partir de Mouffe e Bhabha, para o fato de que, além dos binarismos (liberal e crítico), o ímpeto discursivo colonial, ou seja, toda tentativa de colonização do outro, precisa negociar seu reconhecimento com a diferença, com o particular.

No entanto, apesar da consideração acima, a autora não supõe que a negociação com a diferença seja capaz de anestesiar os discursos modernos universalizados. Antes, chama a atenção para a importância de que sejam problematizadas, no âmbito do próprio discurso moderno, ideias como autonomia e diálogo, uma vez que tendem a ser pensadas a partir de decisões já tomadas, de verdades já estabelecidas. Portanto, “uma” autonomia e “um” diálogo controlados, circunscritos ao terreno das verdades modernas.

Para a autora, ainda é novo o campo de investigação em EDH e significativamente (ainda) pensado nos marcos da modernidade. Pensar os direitos humanos a partir da afirmação da diferença e não da universalidade de valores é o cerne do trabalho de Aura Ramos, desenhado como uma proposta de “abordagem agonística”, expressão cunhada nas discussões de Chantal Mouffe e que supõe a negociação contínua com o outro. Uma proposta de “diálogo e consenso conflituosos” que, segundo a autora, reiteram a provisoriedade e contingência da política, da democracia. Um diálogo que não pretende estabelecer um último vencedor, mas favorecer políticas culturais que ampliem os espaços de negociação com a diferença, que preserve a interpretação do outro, que conceba a diferença como constitutiva e inerradicável do social.

Concluo pontuando o livro de Aura Ramos como uma grande contribuição à investigação em EDH. Argumento que a singularidade de sua produção consiste, também, no convite a um recuo estratégico na relação com o modo como são pensadas as justificativas, prioridades e metas para a educação em direitos humanos. Em seu trabalho investigativo, a autora provoca uma fratura no piso em que são assentadas as propostas no campo. Uma crítica severa aos significativos movimentos políticos/discursivos que tendem a assumir como problema os meios para a efetivação de ideais acertados pela modernidade, tanto por intermédio de perspectivas liberais, como críticas. O trabalho de Ramos vem de encontro à efervescência dos movimentos em prol da difusão de valores universais, tidos como absolutos e fundamentais ao social, à educação. Valores que, pretendidos à universalidade, tendem a ser incorporados ao campo da educação sem as devidas críticas e preocupações com a originalidade do local, da escola, da diferença. É na atenção para com essas dinâmicas que reside o convite da obra de Aura Ramos. Um convite a que desloquemos o olhar moderno sobre o humano e seus direitos (na educação), para pensar nos termos do direito humano à diferença.

Referências

BRASIL. Comitê Nacional de Educação e m Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação. 2003. [ Links ]

DERRIDA, Jacques. Posições. Belo Horizonte: Autêntica. 2001. [ Links ]

DIAS, Adelaide A.; NADER, Alexandre Antônio Gili; SILVEIRA, Rosa M.G. (Org.).  Subsídios para a elaboração das diretrizes gerais da educação em direitos humanos: versão preliminar. João Pessoa: Editora Universitária UFPB. 2007. [ Links ]

Hugo Heleno Camilo Costa – Professor, Faculdade e Programa de Pós-graduação em Educação/Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Estudos Feministas e de Gênero / Cristina Stevens, Susane R. Oliveira e Valeska Zanello

Entre os dias 28 e 30 de maio de 2014 foi realizado na Universidade de Brasília (UnB) o II Colóquio de Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas. O evento, de caráter interdisciplinar, recebeu pesquisadoras/es de diversos lugares do país e contou com a apresentação de inúmeros trabalhos que tem como foco as mulheres, os feminismos, a sexualidade, as identidades e relações de gênero. Os trabalhos apresentados por professoras/es e pesquisadoras/es doutoras/es nas sessões de conferência e mesas redondas foram selecionados, avaliados e reunidos em um livro digital, organizado pelas professoras Cristina Stevens, Susane Rodrigues de Oliveira e Valeska Zanello. Este livro, intitulado Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas, lançado em 2014 pela Editora Mulheres de Santa Catarina, contou também com o apoio da CAPES, da Universidade Livre Feminista e do CFEMEA. A obra está disponível gratuitamente para download, em formato PDF, no site do CFEMEA e do Colóquio (www.coloquiofeminista2014.com).

A realização desse Colóquio e, consequentemente, a publicação dessa obra, evidenciam que os questionamentos feitos pelos movimentos sociais continuam em vigor. Ao conquistar espaço no universo acadêmico, as reivindicações feitas por ativistas e simpatizantes encontram a oportunidade de não apenas contestar o que ocorre nas ruas e na vida cotidiana, mas também o que ocorre dentro das Universidades. Dessa forma, são apresentados novos pontos de vista e novos saberes que certamente contribuirão para a renovação das ciências. Os textos reunidos nessa coletânea seguem a tendência da intersecionalidade ao trabalhar, também, com questões raciais e de classe, tão discutidas atualmente pelos feminismos. Segundo as próprias organizadoras,

A surpreendente conclusão que podemos tirar a partir da leitura desses textos multifacetados é a de que as perspectivas feministas e de gênero nas produções acadêmico-culturais são bastante diversas em suas articulações com questões de raça, etnia, geração, sexualidade, religião, classe, dentre outras. Os textos que integram este livro incorporam novos idiomas críticos, visões políticas e ferramentas teórico-metodológicas na abordagem do binômio Feminismos-Gênero em áreas diversas como Antropologia, Artes, Cinema, Direito, Educação, Filosofia, Física, História, Literatura, Psicologia, Publicidade e Sociologia. Sem dúvida, os trabalhos são testemunhos positivos do dinamismo promissor desta relativamente recente área de estudos, experiências e práticas acadêmico-culturais [1].

O livro apresenta quarenta e sete capítulos e está dividido em sete partes, sendo elas: 1) Perspectivas feministas na pesquisa acadêmica; 2) Corpo, violência e saúde mental; 3) Mulheres e literatura: do medievo à contemporaneidade; 4) Educação, ciência e diferenças de gênero; 5) Imagens, cinema, mídia e publicidade; 6) Ações, direitos e políticas; 7) Identidades, experiências e narrativas.

A primeira parte da obra apresenta os textos de cinco conferencistas brasileiras que possuem larga experiência de pesquisa e produção intelectual feminista, são elas Débora Diniz, Susana Funck, Tania Swain, Sônia Felipe e Sandra Azerêdo. Débora Diniz apresenta as “Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista”. A autora defende que o gênero é um regime político que encontra na família sua instituição reprodutora e cuidadora. Diniz também recupera o conceito de patriarcado tratando-o como uma tecnologia moral. Segundo ela, é possível retomar esse conceito e ser sensível “às expressões locais de sua governança pelo presente histórico” [2]. Com isso, a autora propõe que toda pesquisa sobre gênero será feminista, uma vez que tal empreendimento é capaz de desafiar o regime político de sexagem dos corpos.

Susana Funck fala dos desafios atuais dos feminismos, com ênfase nos estudos literários e culturais e suas influências em outros campos do saber. Desse modo, a autora ressalta que, embora, muitas das agendas feministas já estejam incluídas nos estudos acadêmicos e nos movimentos sociais de grande parte das nações contemporâneas, suas metas de igualdade e diversidade ainda estão longe de serem alcançadas. Nesse sentido, observa que um dos maiores desafios talvez seja o de desmistificar a prática feminista como uma unanimidade monolítica e fazer valer as várias facetas da categoria gênero, perpassadas como são por vetores de raça, classe, nacionalidade, sexualidade, faixa etária e tantas outras diferenças.

A historiadora Tania NavarroSwain, em seu texto “Por falar em liberdade…”, analisa os dispositivos que se colocam em ação para sustentar a diferença sexual, os chamados subsistemas constitutivos do patriarcado. Segundo a autora, a diferença sexual, que é implantada no imaginário ena materialidade de corpos sexuados, constitui motor de ação patriarcal e exercício de poder. Assim, destaca que o patriarcado se impõe pela violência, pela persuasão/amor e por uma sexualidade que se impõe como centro identitário e de significação do ser.

A filósofa Sônia Felipe apresenta uma importante reflexão sobre o feminismo antiespecista. Nesse caso, o termo “especismo” pode ser compreendido como similar ao “machismo” e ao “racismo”. O termo foi elaborado pelo cientista e filósofo inglês Sir RichardRyder ainda o século XX para descrever a discriminação e exploração perpetradas pelos seres humanos contra outros animais sencientes. Para Ryder, usar, “abusar, explorar e matar animais para consumo e divertimento humano é uma forma de posicionar os seres humanos acima de todos os animais e de alimentar o padrão machista e racista que rege as relações de poder entre os humanos”. Por fim, Sônia Felipe propõe como opção ética uma perspectiva ecoanimalista do feminismo, afinal “Os machistas tratam as mulheres de forma especista: como animais. E as mulheres, incorporando e emulando o mesmo especismo, tratam os animais como matéria destituída de espírito, portanto, inferiores” [3].

Já a psicóloga Sandra Azeredo, no texto “O que é mesmo uma perspectiva feminista de gênero?”, destaca que o gênero, como uma categoria central na teorização feminista que problematiza as noções de sexo e sexualidade, tem necessariamente que incluir outras categorias, especialmente a categoria raça, em suas teorizações, de modo a contribuir para práticas de emancipação. No encerramento do texto a autora ressalta que

(…) uma perspectiva feminista de gênero significa partir da igualdade, nos abrindo para o encontro com as outras pessoas (inclusive os animais não humanos), com respeito, nos rendendo, mútua e voluntariamente, aos ditames da intersubjetividade [4].

A segunda parte do livro reúne os textos de Érica Silva, Gislene Silva, Valeska Zanello, Ionara Rabelo, Marcela Amaral, Ana Paula de Andrade, Gláucia Diniz e Cláudia Alves. Trata-se de estudos desenvolvidos no campo da psicologia e da literatura, sobre a saúde mental feminina. No texto “Gênero e loucura: o caso das mulheres que cumprem medida de segurança no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios”, Érica Silva analisa os casos de dezesseis mulheres que cumprem medida de segurança no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. A autora destaca a prevalência de mulheres pobres, de baixa escolaridade, negras e pardas que estão sob a tutela do Estado. Por terem algum transtorno mental –geralmente em decorrência do uso de álcool e/ou drogas –, elas são consideradas inimputáveis ou semi-inimputáveis pela Justiça e destinadas à Ala de Tratamento Psiquiátrico localizada na Penitenciária Feminina do Gama, ou ao tratamento ambulatorial na rede pública e privada de saúde. Silva faz importantes questionamentos sobre o tratamento dado a essas mulheres que se encontram em um contexto de marginalidade e invisibilidade na sociedade brasileira. Por sua vez, o texto de Ana Paula de Andrade tem o objetivo de problematizar os atravessamentos das questões de gênero na política pública de saúde mental em seus diferentes níveis. Já o texto “Saúde mental, mulheres e conjugalidade”, de Valeska Zanello, ao tratar do caso clínico de uma mulher internada em um hospital psiquiátrico, cujo sintoma que se destacou foi “choro imotivado”, busca apontar o que a chancela do diagnóstico psiquiátrico “depressão” escondia.

A terceira parte, “Mulheres e literatura: do medievo à contemporaneidade”, reúne textos de Cíntia Schwantes, Cristina Stevens, Janaina Gomes Fontes, Luciana Eleonora de Freitas Calado Deplagne, Virgínia Maria Vasconcelos Leal, Wiliam Alves Biserra e Nadilza Martins de Barros Moreira. O texto de Cristina Stevens avança, especialmente, no debate e reflexão sobre as representações literárias da violência contra as mulheres; focalizando a mudança radical de tratamento desta temática na contemporaneidade, quando as mulheres assumem a posição de sujeito dessas construções ficcionais e abordam o tema da violência como consequência da injusta dominação masculina na produção do conhecimento. Sobre as mulheres na literatura, Nadilza Moreira tece um esboço comparativo entre as obras de Nísia Floresta e Júlia Lopes de Almeida, ambas reconhecidas pelo pioneirismo na luta feminista ainda no século XIX. Em seu trabalho, Moreira vai elucidar que diversas mulheres do Brasil oitocentista se dedicavam à atividade intelectual e à escrita, inclusive resistindo às campanhas contrárias dos homens escritores que temiam a concorrência. Ao concluir, Moreira faz uma provocação: que mulheres como Nísia Floresta e Júlia Lopes de Almeida continuem sendo redescobertas pela Academia, pois elas “aguardam por mentes laboriosas, por pesquisadores desafiadores que queiram lhes dar a devida relevância, para colocá-las visíveis nas prateleiras da contemporaneidade” [5].

A participação feminina na educação e as questões de gênero nas ciências, especialmente nas disciplinas de física e história, são exploradas na quarta parte do livro. Diva Muniz, no texto “Memórias de uma menina bem comportada: sobre a experiência da alfabetização e a modelagem das diferenças”, apresenta uma análise de suas próprias experiências vividas na infância, nos anos cinquenta, no processo de alfabetização. Muniz revoluciona a narrativa historiográfica ao se colocar como sujeito da própria história, utilizando a própria memória para fazer considerações sobre todas as “tecnologias de gênero” que estiveram presentes em sua vida, bem como as formas de subversão e resistência à própria realidade. Assim escreve a autora,

Submetida a esse processo de disciplinarização escolar, fui sendo “fabricada” como menina educada e aluna aplicada aos estudos. Apesar e por conta desse processo, também me produzi como pessoa crítica, questionadora e independente e até mesmo impertinente. Afinal, somos assujeitadas às prescrições sociais e escolares, mas nunca de modo pleno: resistimos, negociamos, agenciamos outros termos, condições, posições e alianças; fazemos escolhas e recusas na constituição de nossas histórias e na configuração de nossas subjetividades [6].

Valéria Silva, com base nas teorias feministas, analisa as representações das mulheres nos livros didáticos escolares. Por sua vez, Susane Oliveira trata de questões relacionadas à inclusão da história das mulheres nos currículos escolares, atentando para as demandas dos movimentos feministas e delineando algumas propostas para a efetivação dessa inclusão, tendo em vista o potencial educativo da história das mulheres na promoção da cidadania e igualdade de gênero. A autora aponta que, para os avanços existentes ocorrerem, como no caso dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), foi necessária a mobilização dos movimentos sociais no processo. No caso do ensino da história,

Tais mudanças, somadas às inovações que ocorreram na historiografia e nas tendências pedagógicas na segunda metade do século XX, impuseram à história, enquanto disciplina escolar, um papel fundamental no reconhecimento e valorização das identidades e memórias de diferentes grupos sociais, especialmente daqueles que haviam sido marginalizados e/ou silenciados nos discursos históricos tradicionais, como as mulheres, os jovens, os trabalhadores, as crianças, os idosos, as etnias e minorias culturais [7].

Patrícia Lessa analisa os escritos da educadora Maria Lacerda de Moura, produzidos na primeira metade do século XX, cujas ideias sobre a libertação das mulheres e dos animais não humanos é bastante atual. O texto de Ademir Santana analisa a participação masculina no movimento feminista a partir de experiências na Física. Já Adriana Ibaldo versa sobre a desigualdade de gênero nas ciências exatas e a dificuldade que as mulheres precisam enfrentar para permanecerem na área. A autora apresenta dados sobre a produtividade feminina na física, que ainda é tímida –entre 6% e 25% –e relembra as situações cotidianas que podem levá-las à interrupção da carreira nos mais diversos níveis, como o machismo arraigado em ambientes majoritariamente masculinos e o estereótipo de que mulheres são inaptas às ciências exatas. Para a transformação desse cenário, a autora propõe medidas que incentivem o ingresso de jovens alunas aos cursos de física, como o projeto Atraindo meninas e jovens mulheres do Distrito Federal para a carreira em física, financiado pelo CNPq com foco em estudantes do Ensino Médio da rede escolar.

A quinta parte do livro, “Imagens, cinema, mídia e publicidade”, reúne oitos textos. O primeiro, de Maria Pereira analisa imagens de mulheres artistas no ocidente medieval. O texto de Maria Elizabeth Ribeiro Carneiro dedica-se às representações imagéticas de mulheres negras no Brasil oitocentista em “Corpos negros no/do feminino em três movimentos: um exercício de (des) construção” analisando três imagens da época: duas fotografias e um quadro. Em seu trabalho, Carneiro tece importantes considerações sobre a intersecionalidade entre gênero e raça e como os corpos das mulheres negras eram representados no século XIX. Suas palavras elucidam que no interior dessa maquinaria “política ocidental corpos negros e cativos exibem marcas de sexo-gênero e de raça, extraídas e significadas como diferenças construídas na arquitetura da dominação do patriarcado escravocrata” [8]. Os textos de Liliane Machado, Mônica Azeredo e Sulivan Barros analisam as perspectivas de gênero nas produções audiovisuais (filmes e documentários). Os textos de Sandra Machado, Ana Veloso e Cynthia debatem os processos sociais engendrados pela publicidade e propaganda que tornam as mulheres imagens-espetáculo, fetiches e objetos de consumo, impondo padrões de comportamento e preconceitos socioculturais que esvaziam o sentido político das contestações dos grupos feministas.

A sexta parte do livro apresenta seis textos que versam sobre direitos e políticas públicas para as mulheres, desenvolvidos pelas/os autoras/es Ela Wiecko, Soraia da Rosa Mendes, Wanda Miranda Silva, Camila de Souza Costa e Silva, Lourdes Maria Bandeira, Tânia Mara Almeida, Carmen Hein de Campos, Ana Liési Thurler, Sônia Marise Salles Carvalho, Nelson Inocêncio, Umberto Euzébio e José Zuchiwschi. Os textos, das oito primeiras autoras, abordam, teórica e empiricamente, estratégias atuais de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres brasileiras, a partir de um campo interdisciplinar de conhecimentos científicos, redes interinstitucionais e movimentos sociais. São discutidas abrangências e limitações na aplicação da Lei Maria da Penha frente a paradigmas, valores e práticas fundadas em representações sexistas, bem como em identidades essencializadas e referenciadas pela articulação de múltiplas desigualdades (grupos de mulheres indígenas, pobres, negras, dentre outros). Já o texto de autoria dos quatro últimos autores/as, mencionados acima, trata da proposta da Universidade de Brasília na criação da Diretoria da Diversidade no Decanato de Assuntos Comunitários, que propõe reforçar o direito à diferença e o respeito à diversidade na comunidade acadêmica.

Já a sétima e última parte da obra, intitulada “Identidade, experiências e narrativas”, reúne os textos de Águeda Aparecida da Cruz Borges, Juliana Eugênia Caixeta, Lia Scholze, Maria do Amparo de Sousa, Lia Scholze, Cláudia Costa Brochado, Gilberto Luiz Lima Barral e Tania Swain. O texto de encerramento, “Histórias feministas, história do possível”, de Tania Navarro Swain expõe uma crítica às narrativas historiográficas que muitas vezes silenciam e excluem a participação feminina na história. Sua proposta se baseia em resgatar as histórias que, apesar de possuírem vestígios materiais e simbólicos, foram negligenciadas pelos historiadores. Segundo ela, esses profissionais “enclausurados em um imaginário androcêntrico, não conseguem pensar e nem ver aquilo que se abre à pesquisa, um mundo onde o feminino atuava como sujeito político e de ação” [9].

Enfim, a obra Estudos feministas e de gênero: articulações e perspectivas reúne uma amostra bastante significativa da produção intelectual feminista que vem se desenvolvendo nas universidades brasileiras, nas mais diversas áreas de conhecimento. Trata-se de uma produção reveladora da dimensão política dos estudos feministas e de gênero, que contribui não só na denúncia e crítica às desigualdades de gênero presente nos mais diversos espaços sociais, mas também na renovação dos saberes, oferecendo novos horizontes de expectativas à produção científica.

Notas

  1. STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Estudos Feministas e de Gênero: Articulaçõese Perspectivas. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2014, p. 9.
  2. DINIZ, Débora. Perspectivas e articulações de uma pesquisa feminista. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 12.
  3. FELIPE, Sônia. A perspectiva ecoanimalista feminista antiespecista. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 59.
  4. AZEREDO, Sandra. O que é mesmo uma perspectiva feminista de gênero? In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 84.
  5. MOREIRA, Nadilza Martins de Barros. Os manuais femininos/feministas de Júlia Lopes de Almeida dialogam com “(…) uma alma brasileira” de Nísia Floresta: esboço comparativo. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 249.
  6. MUNIZ, Diva do Couto Gontijo. Memórias de uma menina bem comportada: sobre a experiência da alfabetização e a modelagem das diferenças. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 260.
  7. OLIVEIRA, Susane Rodrigues de. Ensino de história das mulheres: reivindicações, currículos e potencialidades pedagógicas. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 260.
  8. CARNEIRO, Maria Elizabeth Ribeiro. Corpos negros no/do feminino em três movimentos: um exercício de (des)construção. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 356.
  9. SWAIN, Tânia Navarro. Histórias feministas, história do possível. In: STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Op. Cit., p. 613.

Ana Vitória Sampaio Castanheira Rocha – Doutoranda em História na Universidade de Brasília.


STEVENS, Cristina; OLIVEIRA, Susane Rodrigues de; ZANELLO, Valeska (org.). Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas. Ilha de Santa Catarina: Editora Mulheres, 2014. 620p. Resenha de: História histórias. Brasília, v.2, n.4, p.200-206, 2014. Acessar publicação original. [IF]

FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE. Grupo de Trabalho Educação & Saúde (REi)

FÓRUM SOBRE MEDICALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO E DA SOCIEDADE. Grupo de Trabalho Educação & Saúde. Resenha de: VIEGAS, Lygia Sousa. Revista Entreideias, Salvador, v. 3, n. 1, p. 171-175, jan./jun. 2014.

Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de saúde e educação. São Paulo, 2012¹

Mais do que esperada, a publicação de “Recomendações de práticas não medicalizantes para profissionais e serviços de saúde e educação”, capitaneada pelo Fórum sobre medicalização da educação e da sociedade, foi mesmo comemorada por importantes setores da educação e da saúde, por representar um passo significativo no enfrentamento da patologização de crianças e adolescentes com dificuldades escolares.

Na introdução, os autores explicitam o que entendem por medicalização:

o processo por meio do qual as questões da vida social – complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico – são reduzidas a um tipo de racionalidade que vincula artificialmente os desvios em relação às normas sociais a um suposto determinismo orgânico que se expressaria no adoecimento do indivíduo. (p. 14)

Citando exemplos de educação medicalizada, merece destaque a síndrome de burnout, que escamoteia as péssimas condições de trabalho a que professores estão submetidos; e a dislexia, suposta doença neurológica que impediria o aprendizado da língua escrita, explicação frágil nos termos da racionalidade médica, mas que cala o rico debate sobre a complexidade sócio-histórica envolvida nessa aprendizagem.

Ciente da importância desse debate, tal Fórum tem protagonizado a crítica à lógica medicalizante presente nas propostas hegemônicas de diagnóstico e tratamento daqueles que aprendem e se comportam de modos diferentes. Nesses debates, não é raro que, diante de casos emblemáticos, o Fórum seja interpelado por uma pergunta: “que fazer?”. Essa questão, nada simples, reporta à dimensão teórico-metodológica; envolve estudo, debate, (auto) crítica, reconfiguração, experimentações, disposição para (re)pensar… Em uma palavra, envolve trabalho.

Para realizá-lo, foi montado o Grupo de Trabalho Educação & Saúde, equipe interdisciplinar e multiprofissional2, que, durante aproximadamente um ano, reuniu-se sistematicamente, tendo por objetivo propor recomendações de como entender e atender tais situações sem recair no olhar medicalizante. Resultado de intenso trabalho, eis um documento riquíssimo, integralmente disponível no site do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, deixando clara a ausência de interesses corporativos.

Desde o início, chama atenção a linguagem ao mesmo tempo adequada e acessível, fundamentada na intencionalidade dos autores: que ele seja apropriado por profissionais que estão na ponta dos serviços de saúde e educação e que recebem crianças de quem se suspeita da capacidade de aprender e se comportar adequadamente.

Assim, dialogam diretamente com professores, médicos, psicólogos, assistentes sociais, fonoaudiólogos e enfermeiros, primeiro por meio de uma carta, e ao final, de uma despedida. Nesse diálogo, situam o aumento exponencial de encaminhamentos de alunos para serviços de saúde, situação reveladora da lógica medicalizante, pois parte da suposição de que as dificuldades vividas na escola decorrem de problemas dos alunos, mormente orgânicos.

Decorrência desse reducionismo, a pessoa, “de aprendiz passa a ser entendida e acolhida como doente” (p. 5).

Contrapondo-se a essa visão, as Recomendações se pautam em ao menos duas viradas teórico-metodológicas: primeiro, a concepção de aprendizagem como processo multideterminado, atravessado por diversos fatores que desembocam nas condições sociais. Como decorrência óbvia, diante de uma criança que fracassa na escola, para além de aspectos individuais, outros devem ser considerados, com destaque para os históricos, políticos, econômicos, sociais, pedagógicos, institucionais e relacionais.

A segunda virada é a percepção de que a superação do olhar medicalizante implica em não focalizar apenas o que falta à criança (atenção, disciplina, alimento, coordenação motora), mas buscar suas potencialidades, ponto de partida para qualquer mudança significativa. E buscar potencialidades implica em se conectar com o sujeito singular, e não operar com a ultrageneralização que sustenta os manuais normativos.

Partindo dessa compreensão, os autores buscam afetar a atuação profissional em três âmbitos: ético-político (já que se apoiam numa tomada de posição e engajamento nas políticas públicas); acadêmico-científico (pois formulam estudos e argumentos teóricos sobre o tema) e técnico (uma vez que fornecem instrumentos potencializadores de práticas de educação e saúde).

Antes de elencar as recomendações propriamente ditas, deixam claro: este não é um manual fechado de diagnósticos e condutas. Ao contrário, trata-se de documento aberto, que partilha um conjunto de experiências interessantes na educação e na saúde, a fim de potencializar escolas e serviços de saúde na criação de práticas não medicalizantes. Assim, apresentam capítulos diferentes para os seguintes campos3: escolas; cuidados em saúde; fonoaudiólogos que trabalham com leitura e escrita; interação de profissionais em rede de serviços, setores e com a comunidade; e políticas públicas.

Ao adentrar no tema do fracasso escolar, os autores relatam uma curiosa situação vivenciada pelo GT: ao ouvir a opinião de educadores, foi notável que, se as escolas tendem a operar com a individualização, encaminhando alunos que aprendem ou se comportam de formas diferentes para os serviços de saúde; elas, ao mesmo tempo, reconhecem a importância de parceria respeitosa e democrática na direção de superar as dificuldades enfrentadas não apenas por alunos, mas também pelos educadores, todos cientes de que a escola oferecida está longe de ser a desejada. Ou seja, eles sabem que o número de alunos em sala de aula, a arquitetura da escola, as políticas educacionais, os materiais pedagógicos, o salário e as condições de trabalho afetam a aprendizagem e o comportamento dos alunos, o que significa reconhecer que os alunos não são o foco do problema. Dessa discussão, depreende-se que há nas escolas terreno propício à consolidação de práticas não patologizantes, que podem ser bem recebidas nas escolas também porque nelas há a aposta na potencialidade da escola em lidar com as dificuldades.

Analisando especificamente o capítulo “Recomendações para a escola como espaço potencial”, destaca-se a crítica à busca de culpados, que focaliza apenas as faltas de todos, produzindo efeitos imobilizadores. E pergunta: “Não seria interessante mudar a lógica da culpa para a busca de possibilidades de compreensão dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem e ampliar as intervenções e ações na escola?” (p. 43) Sendo a escolarização um fenômeno complexo, a recomendação é a busca de estratégias que reconheçam essa complexidade.

Rompendo a ideia de receita, apostam que casos singulares devem ser analisados em sua singularidade, que, ao mesmo tempo, deve ser compreendida no conjunto de aspectos envolvidos. As recomendações concretas são: implicar a escola como um todo na construção de projetos pedagógicos; discutir e refletir coletivamente sobre iniciativas e estratégias bem sucedidas; planejar estratégias grupais; articular os interesses de alunos e o de professores no planejamento das atividades pedagógicas; aprender e ensinar a conviver com a diferença.

Apesar de haver capítulos específicos para as diversas áreas envolvidas, há um capítulo que recomenda a parceria entre equipes, serviços e comunidade. Os autores sabem que tal proposta não é simples, sobretudo frente à sobrecarga de trabalho de todos; à dificuldade de trabalhar de forma partilhada; e por vezes à falta de autonomia dos profissionais e equipes. No entanto, o argumento em seu favor é consistente: acionar diferentes saberes e perspectivas caminha na superação da fragmentação das práticas dominantes.

Entender tais dificuldades, em realidade, é parte do trabalho, e por isso há no documento sugestões de como lidar com elas.

Finalmente, vale enfatizar a importância do capítulo voltado para as políticas públicas, pensadas a partir da defesa de sua construção a partir da plena participação popular. Assim, recomendam a atuação junto aos conselhos de classe, sindicatos, instâncias de controle social, buscando abrir canais de comunicação com o poder público, bem como o amplo debate, esclarecendo a população sobre a complexidade envolvida nas políticas públicas de atenção às dificuldades de escolarização, sobretudo quando com contornos medializantes.

Vale ressaltar que, ao longo das Recomendações, os autores generosamente trazem diversas sugestões de leitura e vídeos para subsidiar a compreensão do tema, além de sugerirem algumas possíveis práticas. E deixam claro, tanto no começo, quanto no final, que se trata de um documento aberto, o que significa que ele é apenas um passo na direção da reunião de recomendações de práticas aos profissionais.

Mas esse não é um passo qualquer. É um passo fundamental, pois abre uma nova trilha, que agora pode ser percorrida e ampliada por outros profissionais, dando continuidade à consolidação de caminhos outros, que possam de fato acolher e enfrentar as dificuldades, mas apoiados no respeito às diferenças. Sem concebê-las como doenças.

Notas

1. Disponível em . Acesso em: 24 de abril de 2013

2. Compuseram o GT profissionais de antropologia, fonoaudiologia, medicina, pedagogia e psicologia, das seguintes instituições: Associação Palavra Criativa/IFONO, Centro de Saúde Escola “Samuel Barnsley Pessoa” da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de Campinas (UNICAMP), Departamento de Psicologia Clínica da Faculdade de Psicologia da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP), Campus Assis, Grupo Interinstitucional Queixa Escolar, Instituto SEDES Sapientiae, Laboratório Interinstitucional de Estudos e Pesquisa em Psicologia Escolar e Educacional, Rede Humaniza-SUS, Serviço de Psicologia do Hospital do Servidor Público Municipal e União de Mulheres do Município de São Paulo.

3. No âmbito da presente resenha, serão destacados os aspectos relativos à educação, por ser este o foco da Revista Entreideias. No entanto, reconhecemos a riqueza e profundidade do material apresentado nas Recomendações no campo da saúde.

Lygia Sousa Viegas – Professora Adjunta da Faculdade de Educação da UFBA. E-mail: [email protected]

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Estudos da linguagem na educação – PAVIANI (C)

PAVIANI, Neires Maria Soldatelli. Estudos da linguagem na educação. Caxias do Sul: Educs, 2012. Resenha de: KAODOINSKI, Fabiana. Conjectura, Caxias do Sul, v. 18, n. 3,,p. 200-204, set/dez, 2013.

Neires Maria Soldatelli Paviani, nascida em 1946, em Flores da Cunha – RS, possui vasta experiência na área da educação, visto que iniciou a docência, no Ensino Fundamental e no Médio, em 1969. Em 1977 passou a ser professora no Ensino Superior, obtendo, nesse percurso, variadas experiências a respeito da inter-relação entre linguagem e educação.

Atualmente, atua no curso de Letras e no Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado), da UCS, sendo pesquisadora vinculada à linha de pesquisa Educação, Linguagem e Tecnologias desse Mestrado. Paviani possui Doutorado em Educação pela UFSCar-SP, Mestrado em Linguística pela UFRGS e Licenciatura em Letras: Português/Francês pela UCS. Publicou os livros: O pronome ético: uma característica dialetal (2004); Linguagens e práticas culturais (2006); Linguagem e educação (2008); Linguagem e suas implicações metodológicas (2008); e, em coautoria, Língua, cultura e valores (2003); Dicionário de italianismos (2006); Práticas de linguagem: gêneros discursivos e interação (2009); Gêneros de texto: subsídios para o ensino em diferentes disciplinas (2012). Leia Mais

Imagens Geografias e Educação – intençõesm dispersões e articulações

Os textos que aqui resenhamos compõem o livro organizado a partir do primeiro encontro de pesquisadores da Rede Imagens Geografias e Educação, integrada com base no projeto apoiado pelo CNPq desde 2011. Atualmente, as formas coletivas de produção do conhecimento em redes, que contam com pesquisadores de distintos níveis acadêmicos, de diferentes áreas do conhecimento, têm sido uma tendência, a qual se baseia nas novas condições materiais para o aumento dos intercâmbios, mas também no pressuposto de que nossa era da informação nos exige enfrentar os desafios da separação dura das disciplinas científicas e da produção partilhada do conhecimento.

Formada por distintos pesquisadores de universidades públicas brasileiras, esta rede é um exemplo entre outros atualmente não tão raros, daqueles pesquisadores que decidiram por trilhar seu caminho acadêmico integrando diferenças num interesse comum. Aqui, a Rede estabelece seus elos em relação às práticas de ensino e educação e ao tema da imagem no contexto da linguagem geográfica. Como podemos verificar por cada um dos artigos publicados nesse livro, a recente rede tem mostrado seus avanços teóricos e metodológicos, tanto na forma tradicionalmente acadêmica como na forma de conhecimentos de outras maneiras postos à disposição da sociedade. Leia Mais

Educação e Psicanálise | Rinaldo Voltolini

São inúmeras as tentativas de conexões e de diálogos entre os campos da psicanálise e da educação. Desde Freud, a psicanálise busca evidenciar uma nova face da educação, propondo uma outra relação entre os dois campos. Sabemos que se a versão profilática da interação já foi, há muito tempo superada, ainda restam interpretações funcionalistas que, em tempos de pedagogias tecnicistas, tornam cada vez mais necessária a discussão sobre as condições e as possibilidades das interfaces deste litoral.

Pois esta é a proposta do livro Educação e Psicanálise, do psicanalista e professor da Faculdade de Educação da USP, Rinaldo Voltolini. Atualizando reflexões de Freud e de Lacan para os dias de hoje, Rinaldo começa propondo uma profícua reflexão acerca dos termos educação e educar, demonstrando na argumentação que é: “[…] como posição discursiva e não mais como um campo outro de conhecimento sobre o qual se deveria aplicar a psicanálise que a educação encontra sua elaboração maior na teoria analítica” (Voltolini, 2011, p. 12-13).

O livro articula uma bela discussão acerca do propalado caráter impossível da arte de educar. Ora, educar, da mesma forma que governar e psicanalisar, é considerado um ofício impossível exatamente pelo paradoxo que se instala na posição daquele que se incumbe dessa tarefa. A discutida relação transferencial com o aluno, com os governados e com os analisantes, exige que o saber apostado na relação seja sempre suposto, pois quando a condição da falta se ausenta na mediação destas relações, ocorrem as fissuras transferenciais. A noção da impossibilidade, portanto, fica evidenciada na paradoxal posição de estar no lugar de suposto saber, porém, sem a apropriação imaginária desta condição, a fim de não impedir a presença da dimensão da falta e da castração.

A impossibilidade também está presente em outro tema caro à educação e à psicanálise, o mal-estar na cultura. A incompletude da satisfação pulsional e os avatares da civilização levam os sujeitos, não raras vezes, a depararem-se com a impossibilidade da civilidade absoluta. Neste sentido, a busca da potência e da não castração são as outras faces desse mal-estar constitutivo do humano.

O autor, imbuído de vasta experiência no trato com educadores e com instituições, filia-se ao pensamento freudiano, deixando decantar, em sua produção, a valiosa química que articula o indissolúvel par: prática e teoria. Ao referir-se ao mal-estar na educação, filho direto do mal-estar na cultura, Voltolini assevera que algo “cai” no percurso da construção da civilidade do sujeito a bem de poder viver em comunidade. Ele pontua aquilo que, tantas vezes, evoca questões nas instituições educacionais, ou seja, “sempre resta um resto” que resiste à dominação e à tipificação. Nos ímpetos selvagens, há alguma coisa que permanece, apesar da moral civilizada à qual somos submetidos, sendo justamente aí que esbarram as tentativas educativas que visam ao sucesso, pois tal resto resulta inalcançável do ponto de vista estrutural.

O interessante dessas articulações de Voltolini é que ele não se furta em explicar que não se trata de repensar a educação, a fim de mudar de estratégia pedagógica, não há em seu pensamento nenhuma ingenuidade posta a serviço de uma certa higienia na direção do mal-estar na educação. Isso porque, em suas ponderações, fica evidente que não há qualquer intenção em propor modos de esgotar o mal-estar na educação. Pelo contrário, o autor compartilha da noção freudiana de que o mal-estar é a condição de criarmos cultura e civilização. Quesito no qual o autor é categórico: caso o projeto pedagógico ambicione algum modo de esgotar a tensão entre o sujeito e cultura fatalmente irá fracassar. Sem a cultura nos restaria somente a barbárie, o gozo absoluto e destruidor, mas é justamente esse resquício que escapa aos movimentos civilizatórios e que norteia as possibilidades de gozo no âmbito da cultura.

Neste mesmo diapasão, reside a noção de que a educação é um campo cheio de paradoxos, cuja insatisfação constante deve ser tomada, como efeito da impossibilidade enquanto condição permanente do ato de educar. Kupfer (2007, p. 14) aponta que,
O sonho de uma educação psicanaliticamente orientada e por isso capaz de contribuir para o progresso da humanidade deixa de fazer sentido. Somos perversos de nascimento; o máximo que a educação pode fazer é esforçar-se para transformar o ‘humus de nossas piores disposições’ em algo que preste, e isso os educadores já fazem há séculos.

Aproveitemos para esta discussão, o fato de que as boas produções da cultura estão sempre a nos brindar com problematizações prenhes de questões caras às nossas inquietações. Exemplo disso é o clássico Laranja Mecânica de Stanley Kubrick (1971) – filme que narra a história de Alex, um jovem líder de uma gangue que comete uma série de atos de violência gratuita. Durante um dos episódios de vandalismo que sua gangue protagoniza, Alex é preso, porém recebe a opção de participar de um programa que pode reduzir o seu tempo na cadeia – um programa experimental para recuperar criminosos. O rapaz vira cobaia de experimentos para refrear os impulsos destrutivos do ser humano, que acabam levando-o à extinção do livre-arbítrio, desumanizando-o.

Kubrick (1971) explorou, na narrativa, a crítica que desenvolveu acerca do uso da terapia comportamental como um modo de acabar com o problema da delinquência, uma forma de reprimir totalmente os impulsos agressivos. Problematizou esse caminho, abrindo uma série de reflexões sobre os paradoxos contidos na tentativa de erradicar a dimensão pulsional do humano. Ao trazer à tona o assunto da delinquência, o diretor acabou por discutir, em diversas cenas, o contraponto civilização/barbárie. Através de inúmeros elementos estéticos que produzem, no espectador, um curto-circuito visual e que fazem alusão à condição estrutural de tensão entre o sujeito e a civilização, Kubrick revisita de diferentes formas o tema do mal-estar. Na exploração fílmica que faz, ecoam questões sobre o que pensar do humano quando as conquistas civilizatórias não garantem nada com relação à felicidade, tampouco com relação às interações com outros.

Podemos dizer que, em direção semelhante, o livro de Rinaldo Voltolini problematiza a tensão entre o sujeito e a cultura, atualizando-a através da discussão sobre o mal estar na educação atual. Conforme Voltolini, “A educação mais bem-sucedida é a que fracassa, permitindo que a nova geração introduza o novo” (Voltolini, 2010, p. 56).

O autor lembra que é em um certo fracasso da tradição, que se forja o novo da geração que chega. Para problematizar essa provocação, trazemos algumas filigranas de Hannah Arendt (2001) no livro Entre o Passado e o Futuro. Lá, a filósofa diz que a crise da educação revela, sobretudo, uma crise na relação do sujeito moderno com o passado e com a história. O problema, segundo ela, é que toda a educação necessita de uma dose de tradição. Isto é, será somente no encontro com o velho que a geração que chega poderá construir o novo, em termos de ação. Ao falarmos do novo, evocamos necessariamente os temas da herança e da transmissão, ou seja, tradição e inovação são invocados para pensar os laços na e da educação (Gurski, 2012).

Ora, uma das principais ideias que, há muito tempo, acompanha o conceito de educação vem ancorada na noção de liame entre os diferentes tempos, ou seja, na noção de continuidade da produção humana. A transmissão é o fino fio que liga, interliga e possibilita que passado, presente e futuro possam estar aninhados, dando-nos, a noção tão cara de que algo de nossos feitos continua na geração que chega. Neste sentido, gostaríamos de associar a fala do autor também a alguns fragmentos do desconstrucionismo [1] de Jacques Derrida.

O filósofo francês estabeleceu um genuíno diálogo com a psicanalista e historiadora francesa Elizabeth Roudinesco (Derrida; Roudinesco, 2004, p. 9), através do qual apresentou o âmago de suas teorizações acerca do tema da herança: “Trata-se de escolher sua herança, segundo seus próprios termos: nem aceitar tudo, nem fazer tábula-rasa”. Ou seja, a melhor maneira de ser fiel a uma herança é ser-lhe infiel, isto é, “[…] não recebê-la à letra, como uma totalidade, mas antes surpreender suas falhas” (Derrida; Roudinesco, 2004, p. 11).

Talvez possamos pensar que é deste modo que a psicanálise pode ser potente quando se encontra com a educação. Ao referir-se à impossibilidade estrutural da educação, a psicanálise aponta para algo maior que a figura do professor, por exemplo. O que implica perceber que a relação aluno-professor, longe de ficar restrita às questões relativas ao conteúdo ministrado e às boas intenções do docente, passa necessariamente por inúmeras questões inconscientes relativas ao sintoma e à posição na relação com o Outro [2] de cada um, no caso do professor e do aluno.

O autor mostra, na delicada trama que estabelece entre sua experiência enquanto psicanalista e educador e a tradição da letra freudiana, a facilidade com que esse impossível é tomado no registro da impotência pelos educadores; em geral mesmo como uma “[…] confirmação das dificuldades de uma educação específica qualquer” (Voltolini, 2011, p. 25). Nesse sentido, é muito recorrente que os professores paralisem-se narcisicamente frente às dificuldades dos alunos. Ao se deixarem levar pela simplificação da noção de educação e, muitas vezes, confundirem o ato de ensinar e o ato de educar, acabam por se sentirem meros instrumentos da absorção de conhecimentos. Tal processo os coloca em posição de não implicação com as dificuldades escolares do aluno.

Lajonquière (2010) sugere que talvez seja possível esperarmos outra coisa da pedagogia com relação à educação se apostarmos “[…] em gente comum disposta a falar com as crianças – ao invés de falar sobre elas de forma pedagógica – e convicta de que a educação está atrelada às mesmíssimas condições de possibilidade para vivermos na polis sem nos comermos uns aos outros” (Lajonquière, 2010, p. 123-124). Posição que infelizmente, sabemos que não é a tônica das instituições educacionais.

Nosso grupo de pesquisa [3] tem experienciado uma atividade de extensão com os adolescentes de uma escola pública no arquipélago da cidade, onde trabalhamos com cinema e psicanálise. Lá, nos deparamos com muitas das questões evocadas pelas letras de Voltolini, uma das mais impactantes foi justamente a facilidade com que o impossível estrutural inerente à tarefa de educar acaba submetido ao registro da impotência pelos professores e funcionários da escola. Era recorrente, no discurso dos professores, a queixa acerca das vicissitudes dos adolescentes. Dentre as questões trazidas, encontrava-se a falta de interesse ou ainda as dificuldades que apresentavam no aprender, sem que em nenhum momento, lhes ocorresse evocar qualquer questão acerca das possíveis implicações com tais fraturas e falências no que avaliam como os processos de ensino-aprendizagem.

Os domesticáveis eram logo tratados como alunos-problema e, uma vez com tal rótulo, toda a aposta do professor com relação a esse aluno, necessária a qualquer educação, desaparecia numa proporção inversa à construção de sua má fama, como se dele já não fosse possível esperar nada. Associava-se à constituição dos ditos alunos-problema a situação social e econômica desfavorecida das famílias da região.
Estes fatos, entre outros, revelam que precisamos constituir outros analisadores a fim de pensar as variáveis da educação, um acento que possa colocar em questão essas relações de modo a repensar condições que estão sendo percebidas como dadas no ambiente educacional. Entendemos que uma outra concepção de educação passa necessariamente pela possibilidade de resignificar condições atuais que estão postas na ordem do dia nas Instituição Educacionais.

Parece que é justamente acerca de um “outro” olhar que Voltolini argumenta, quando convoca a noção da falta e da castração, advindas da psicanálise, como operadores educativos. Ele adverte que, quando se trata de ensinar, existe uma limitação que não é uma limitação do professor, é uma limitação dada pela própria condição da falta.

Ainda que sejam indiscutíveis os caminhos que traçam a conexão entre a educação e a psicanálise, talvez caiba falar que em alguns momentos tal diálogo pode passar por fraturas. A proposta mais comum de debate entre ambas é atravessada por uma noção de ideais educativos que atropela e desvirtua as contribuições da psicanálise.

Kupfer, no livro Educação Para o Futuro: psicanálise e educação reitera a posição do autor de Educação e Psicanálise quando fala que discurso é o que faz laço social: “Desta perspectiva, educar torna-se a prática social discursiva responsável pela imersão da criança na linguagem, tornando-a capaz por sua vez de produzir discurso, ou seja, de dirigir-se ao outro fazendo laço social” (Kupfer, 2007, p. 35).
Parece-nos que Voltolini ressalta a potência das conexões da Educação e Psicanálise especialmente quando propõe que a psicanálise, ao produzir uma ressignificação do campo da educação está propiciando a quem se aventura em tal empreitada, uma circulação pelas diversas possibilidades que o encontro com o outro pode produzir. Dentre tais potências, sublinhamos o quanto a permeabilidade ao outro pode fazer com que da chamada experiência impossível do educar decante efeitos de sujeito.

Notas

1. Segundo nota de Roudinesco (Derrida; Roudinesco, 2004, p. 9), o termo desconstrucionismo foi utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida, em 1967, no texto Gramatologia; é um termo retirado da arquitetura que significa a decomposição de uma estrutura. Consiste basicamente em desfazer um sistema de pensamento hegemônico ou dominante sem nunca aniquilá-lo, destruí-lo: “Desconstruir é de certo modo resistir à tirania do UM […]”.

2. Para tratar da constituição psíquica, Lacan diferencia duas instâncias: o chamado “pequeno outro”, que seria o semelhante, o parceiro imaginário, e o “Outro” (grande Outro), que ele conceitua como a instância simbólica e, portanto, da linguagem, que determina o sujeito, sendo de natureza anterior e exterior a ele; lugar da palavra, do tesouro dos significantes (Lacan, 1985 [1954/55], p. 297).

3. Referimo-nos aqui às pesquisas que acontecem no âmbito do NUPPEC/UFRGS – Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura que congrega professores e pesquisadores vinculados ao Instituto de Psicologia (UFRGS) e PPGEDU/UFRGS.

Referências

ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. São Paulo: Perspectiva, 2001. [ Links ]

DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elizabeth. De que Amanhã: diálogo. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. [ Links ]

GURSKI, Rose. Três Ensaios sobre Juventude e Violência. São Paulo: Escuta, 2012. [ Links ]

GURSKI, Rose. Meio Século de Mal-Estar. Zero Hora, Porto Alegre, 30 nov. 2012. (Caderno de Cultura) [ Links ]

KUPFER, Maria Cristina Machado. Educação Para o Futuro: psicanálise e educação. São Paulo: Escuta, 2007. [ Links ]

LACAN, Jacques [1954/1955]. Seminário 2: O Eu na Teoria de Freud e na Técnica da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. [ Links ]

LAJONQUIÈRE, Leandro de. Figuras do Infantil: a psicanálise na vida cotidiana com as crianças. Petrópolis: Vozes, 2010. [ Links ]

LARANJA Mecânica. Direção: Stanley Kubrick. Reino Unido, 1971. 1 DVD (138 min. [ Links ]).

VOLTOLINI, Rinaldo. Educação e Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. [ Links ]

Rose Gurski – Psicanalista, membro da APPOA, Professora do Departamento de Psicanálise e Psicopatologia UFRGS, Porto Alegre/Rio Grande do Sul; coautora dos livros Educação e Função Paterna (Ed. UFRGS, 2008); Debates Sobre Adolescência Contemporânea e o Laço Social (Juruá, 2012); autora do livro Três Ensaios sobre Juventude e Violência (Escuta, 2012).
E-mail: [email protected]

Alice Umpierre – Estudante de graduação em Psicologia (UFRGS), Porto Alegre/Rio Grande do Sul; bolsista IC/PROBIC-FAPERGS; pesquisadora do NUPPEC/UFRGS.E-mail: [email protected]


VOLTOLINI, Rinaldo. Educação e Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. Resenha de: GURSKI, Rose; UMPIERRE, Alice. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.38, n.2 abr./jun., 2013. Acessar publicação original

O ensino de História da Educação – CARVALHO (RBHE)

CARVALHO, Marta Maria Chagas de; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.). O ensino de História da Educação. Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, v. 6. Vitória –ES: EDUFES, 2011. Resenha de: LIMA, Geraldo Gonçalves de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 255-260, jan./abr. 2013

O Ensino de História da Educação, organizado por Marta Maria Chagas de Carvalho e Décio Gatti Júnior, é o sexto volume da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil. Dedica-se à história disciplinar da História da Educação e seu ensino nos cursos de formação de professores (graduação) e de pesquisadores (pós-graduação stricto sensu), sendo composto por doze trabalhos que proporcionam ampla visão acerca da situação do ensino da referida disciplina.

O primeiro capítulo, de autoria de Claudemir de Quadros (Universidade Federal de Santa Maria), “Ensino com pesquisa, educação digital e formação de professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da Educação”, retrata uma experiência específica de ensino e aprendizagem em História da Educação e a sistematização de algumas problemáticas que orientam o planejamento de ensino. A experiência acontece no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano (Unifra) em Santa Maria – Rio Grande do Sul, entre os anos de 2007 e 2009, e perpassa as seguintes questões: processo de ensino e aprendizagem; promoção da curiosidade e da capacidade criadora como princípios educativos; educação digital; profissão docente.

Um dos organizadores do volume, Décio Gatti Júnior (Universidade Federal de Uberlândia), elaborou o capítulo “Intelectuais e circulação internacional de ideias na construção da disciplina História da Educação no Brasil (1955-2008)”, no âmbito da história disciplinar da História da Educação. Consiste na constatação do emprego de autores estrangeiros de manuais de História da Educação traduzidos para o português e que atingiram um alto índice de circulação nos cursos de Pedagogia: Franco Cambi, História da Pedagogia (25 indicações, 1ª edição em português: 1999); Mario Alighiero Manacorda, História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias (20 indicações, 1ª edição em português: 1989); Luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1955); Francisco Larroyo, História Geral da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1970 – com dois tomos). O intuito da investigação consistiu em verificar a forma como esses quatro autores concebem a História da Educação e da Pedagogia, partindo do pressuposto de que esses manuais comportam posicionamentos historiográficos distintos, embasados em teorizações diversas, de ordem ontológica, epistêmica e política.

José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza, da Universidade Federal de Uberlândia, discutiram a problemática “Haveria uma historiografia educacional brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972?” Muito do que foi produzido a partir da expansão escolar, em meados do século XX, particularmente da formação de professores, sofreu grande influência de autores europeus. A produção de manuais didáticos, até os anos 1960, se caracteriza pela hegemonia do pensamento católico, embasada em orientação tridentina. Foram analisados dez diferentes manuais em circulação no período determinado, com a intenção de investigar a natureza, as interferências e as motivações, pelas quais foram produzidos. Os manuais explicitam os valores e o contexto da época em que foram produzidos, proporcionando a consolidação da ideologia, das concepções veiculadas e a construção de um conjunto de valores tidos como ideais, além de explicitar o público a que se destinam.

A seguir, José Roberto Gomes Rodrigues (Universidade do Estado da Bahia – campus de Juazeiro) discute “O ensino de História da Educação: um olhar reflexivo a partir da análise de planos e programas curriculares”, abrangendo a realidade de universidades de Belo Horizonte e da Bahia. A análise de planos e programas de ensino possibilita o entendimento de algumas questões referentes, destacadamente, ao papel que a disciplina História da Educação assume na formação de educadores em geral e de pedagogos em particular. O objetivo do capítulo consiste em contribuir para o debate em torno do processo instrucional da disciplina História da Educação e estimular questões relacionadas diretamente ao campo investigativo. Todo o conhecimento produzido na academia apresenta nova configuração ao ser ministrado de forma escolarizada. As atividades de ensino e aprendizagem exigem uma operacionalização diferenciada e institucionalizada conforme novos padrões. A disciplina História da Educação demonstra ser uma disciplina em constante embate entre a tendência à formalização e rigidez nos programas de ensino e a flexibilidade dos professores em tentar mudar a forma de ofertar a disciplina, com a introdução de novos temas.

Justino Magalhães, da Universidade de Lisboa, no capítulo “O ensino da História da Educação”, demonstra a necessidade de buscar as bases de uma reformulação do pensamento em torno da historiografia e a emergência de novos objetos de estudo a partir de determinadas influências ao longo do século XX. Surgem novos objetos, métodos e abordagens que proporcionam um diálogo entre a investigação historiográfica e o ato de ensinar. O ensino de História da Educação forma professores e pesquisadores, levando a uma gama de tendências, percebida no meio acadêmico e universitário. A História da Educação se manifesta, desde as décadas de 1960-1970, associada às ciências da Educação. A disciplina assume basicamente três naturezas possíveis: memória e patrimônio simbólico, discurso e prática historiográfica; disciplina de informação; componente epistemológico/domínio científico. Salienta-se a atualidade e a necessidade da História da Educação como componente de formação acadêmica, científica e profissional, no sentido de pensar a educação por meio da história.

Em seguida, Luiz Carlos Barreira, da Universidade Católica de Santos, apresenta o trabalho “Ensino de História da Educação na pós-graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada”. Trata-se de uma reflexão sobre o lugar da disciplina História da Educação como parte das disciplinas básicas e obrigatórias dos cursos de pós-graduação stricto sensu, com base em quatro programas de ensino elaborados por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na década de 1980. O autor traça, de forma panorâmica, as diversas tendências temáticas, metodológicas de ensino e pesquisa, percebidas no interior dos referidos programas. Assim, os citados programas de ensino demonstram a ideia de que, após a tomada de consciência dos processos de produção e de transformação da sociedade, é possível o empreendimento da reflexão acerca das condições sócio-históricas, destacadamente as de economia política.

O próximo trabalho, “Internacionalização de cânones de leitura: as Atualidades pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário e o ensino de História da Educação”, de autoria de Maria Rita de Almeida Toledo (Universidade Federal de São Paulo – campus Guarulhos), ressalta a relevância da coleção Atualidades Pedagógicas, da Companhia Editora Nacional, em bibliotecas destinadas à formação docente em Portugal. Sempre houve uma intensa relação entre os mercados editoriais português e brasileiro. A Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP) foi instalada em 1933 na Escola do Magistério Primário de Lisboa, sob a direção do intelectual escolanovista Adolfo Lima, com o objetivo de atender à formação de leitura dos professores primários. Entre os números que compunham o acervo da Biblioteca, estavam os livros da coleção Atualidades Pedagógicas, com significativa circulação de exemplares entre os docentes portugueses. Quanto aos exemplares de História da Educação da coleção Atualidades Pedagógicas em circulação no Brasil, apenas o volume de Paul Monroe foi disponibilizado no catálogo da BMEP, de Portugal, mesmo que Afrânio Peixoto tenha mantido estreita relação com o meio acadêmico português. Por ser um autor militante católico e, portanto, contrário aos interesses teóricos escolanovistas da BMEP, o volume de História da Educação de Theobaldo Miranda Santos não foi incluído.

A organizadora do volume, Marta Maria Chagas de Carvalho (Universidade de São Paulo), elaborou o trabalho “Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da Educação no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997)”. Trata-se do relato de experiência referente ao período de atuação docente da própria autora, envolvida diretamente na organização do ensino da disciplina História da Educação. Concentra-se no depoimento e caracterização a partir de anotações acerca da militância institucional, redefinição da identidade e da organização da disciplina no curso. Com a crescente mobilização acadêmica, houve a gradativa inclusão dos estudos históricos da educação no currículo oficial do curso. A disciplina História da Educação assume constante e gradativamente a função formativa, possibilitando a construção de uma identidade imaginária do estudante.

Mirian Jorge Warde (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – campus Araraquara) escreve “Brincando nos campos do senhor: anotações para uma história da formação dos professores e do ensino da História da Educação no Brasil”. Segundo a autora, nas duas últimas décadas, houve uma dinamização da produção acadêmica em torno da História da Educação, ressaltando-se o surgimento de associações acadêmicas especializadas, o crescente lançamento de periódicos, assim como a organização de eventos nacionais e internacionais. Outro indício de seu crescimento como disciplina acadêmica consiste na realização crescente do número de pesquisas e o interesse cada vez maior do público em seus resultados. A partir desses pressupostos, a autora promove a investigação do perfil dos docentes em História da Educação em atuação nos cursos superiores brasileiros, respeitando alguns critérios como: o doutoramento como titulação mínima; uma constante e significativa produção acadêmica voltada exclusivamente para a área; a participação em associações e entidades representativas da categoria; a consulta a bases de dados como a plataforma Lattes do CNPq. Como resultado da análise empreendida, a autora confirma a existência de um grupo bastante heterogêneo em relação aos cursos de formação inicial (graduação) dos docentes de História da Educação no Brasil. Além disso, ressalta o momento atual de intensa renovação temática e metodológica, assim como a mobilização em torno da consolidação da disciplina História da Educação no meio acadêmico.

O trabalho, “Qual História da Educação ensinar?”, de autoria de Norberto Dallabrida (Universidade do Estado de Santa Catarina), funda-se no questionamento de qual disciplina escolar voltada para a história educacional deve ser ensinada, haja visto o recente crescimento e desenvolvimento da área no meio acadêmico/científico, demonstrando uma dinamização em torno de novos e desafiadores objetos de abordagem, assim como novas perspectivas teóricas e metodológicas. Há uma tendência notável para a microanálise, destacando-se a cultura escolar, existente em instituições escolares, bem como o exame das disciplinas escolares prescritas oficialmente e suas repercussões na prática cotidiana. Outra temática de destaque é a investigação de trajetórias profissionais de docentes. O propósito do capítulo consiste em repensar a seleção e organização dos conteúdos veiculados pela disciplina História da Educação ministrada nos cursos de formação de professores e de pedagogia, sobretudo.

A obra traz também a investigação intitulada “O período colonial nos manuais de História da Educação brasileira”, de Thais Nivia de Lima e Fonseca (Universidade Federal de Minas Gerais). A autora afirma que a maior parte dos livros voltados para a formação de professores, usualmente, categoriza os períodos da História da Educação brasileira com base em critérios políticos, sendo a classificação mais conhecida e difundida: colonial, imperial e republicano. O texto tem como objetivo analisar um conjunto de obras utilizadas nos cursos de formação de professores, assim como as obras de referência para a História da Educação no Brasil, voltadas especificamente para o período colonial (o menos investigado diante dos períodos imperial e republicano). Ressalta o aspecto de que, mesmo com as mais recentes remodelações da historiografia educacional brasileira, o período colonial ainda se mostra bastante defasado em termos de análise perante os outros dois períodos tradicionais (imperial/ republicano). Além disso, alerta que é fundamental maior cuidado no tratamento dado ao período colonial, sobretudo durante as aulas de História da Educação, de modo a desfazer os preconceitos difundidos entre os educadores, assim como estímular novas investigações acerca deste importante momento histórico do Brasil.

Finalmente, Zuleide Fernandes de Queiroz (Universidade Regional do Cariri) realiza, em “Ensinando História da Educação no curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri”, uma análise da trajetória do ensino da disciplina no período compreendido entre 1998 e 2008. Seus objetivos são o registro, como historiadora da educação, da experiência de ensino da disciplina História da Educação e a análise dos efeitos de tal disciplina na formação acadêmica, demonstrando resultados voltados para o ensino e a pesquisa nas áreas de História, memória e políticas educacionais. A autora confirma a importância da constante renovação do ensino de História da Educação, ampliando os horizontes teóricos na formação acadêmica dos estudantes. Além disso, ressalta a necessidade do desenvolvimento de atividades de ensino articuladas à pesquisa.

Dessa forma, o volume seis da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil enfatiza a necessária reflexão acerca dos elementos da história disciplinar da História da Educação e do seu ensino nos cursos de formação de professores, de nível superior, abrangendo cursos de graduação, e de formação de pesquisadores, nos cursos de pós-graduação (stricto sensu). Demonstra-se a existência de uma vitalidade de pesquisa em História da Educação no Brasil em geral e, particularmente, nota-se o surgimento de estudos e pesquisas sobre sua trajetória histórica disciplinar. Por sua vez, percebe-se também a ênfase de análises sobre as finalidades e os procedimentos metodológicos usualmente empregados no ensino da disciplina em diversos cursos na realidade educacional brasileira.

Geraldo Gonçalves de Lima – Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. É membro do GEPEDHE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação. Atualmente é professor do quadro efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM – Campus Uberaba).  E-mail: [email protected]; [email protected]

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Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana – RIBEIRO (TES)

RIBEIRO, Marlene. Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação humana. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010. 456 p. Resenha de: PREVITALI, Fabiane Santana. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.11, n.1,  jan./abr. 2013.

Importante obra escrita pela professora Marlene Ribeiro, resultado de seus estudos de pós-doutoramento realizados na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana em 2008, sob a supervisão do professor Gaudêncio Frigotto. Marlene Ribeiro é graduada em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (1973), mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (1987), doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1995). Atualmente é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), na Faculdade de Educação, tendo já desenvolvido trabalhos ligados à docência e à pesquisa na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e na Universidade Católica de Pelotas (UCPEL).

A obra Movimento camponês, trabalho e educação – liberdade, autonomia, emancipação: princípios/fins da formação resulta não apenas de um denso esforço teórico, mas também da experiência política da autora como militante junto aos movimentos sociais populares por 19 anos. Essa combinação entre experiência prática e acuidade teórica permitiu à autora oferecer uma contribuição de inestimável importância sobre os movimentos sociais populares rurais/do campo e de seus projetos educacionais.

O livro está dividido em seis capítulos ao longo dos quais a autora analisa de maneira instigante a história e a organização dos movimentos sociais no Brasil, tendo como foco de discussão os movimentos sociais populares rurais/do campo, suas lutas e reivindicações, avanços e retrocessos enquanto sujeitos políticos coletivos de um projeto de educação fundado na liberdade, autonomia e na emancipação humana. Em suas pesquisas, a autora destaca as experiências pedagógicas realizadas pelas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), as Casas Familiares Rurais (CFRs), existentes em todo o país, os diferentes cursos oferecidos pela Fundação de Ensino e Pesquisa da Região Celeiro (Fundep) e pelo Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra), no Rio Grande do Sul, e pela Escola de Formação Florestan Fernandes, em Guaracena, no estado de São Paulo. Apesar de a discussão centrar-se nos movimentos sociais populares rurais/do campo no Brasil, desde o século XIX até os dias atuais, a autora lança luzes também sobre as experiências histórico-concretas do movimento camponês em países como o México, a Rússia, a França, a Inglaterra e a Alemanha.

No capítulo primeiro, cujo título é “Sujeitos sociais e educação popular”, a autora analisa os conceitos de movimentos sociais populares, educação rural/do campo e educação popular a fim de identificar os movimentos sociais enquanto sujeitos sociais históricos propositores de um projeto de educação que se contrapõe “ao modelo civilizatório de escola, imposto pela modernidade” (p. 28).

No capítulo segundo, “Movimento camponês é ou não sujeito histórico?”, a autora envereda para o exame crítico das noções de liberdade, autonomia e emancipação, as quais estão incorporadas às experiências pedagógicas dos movimentos sociais populares rurais/do campo. Aqui a autora destaca as contradições presentes na realidade rural, na qual há “situações distintas de trabalho e propriedade que explicam interesses e ideologias diferentes” (p. 75).

O terceiro capítulo, intitulado “Educação rural/do campo: contradições”, traz a discussão da educação rural no conjunto das políticas públicas educacionais e, em contrapartida, as ações dos movimentos sociais populares rurais/do campo no sentido de garantir uma educação como princípio de cidadania, mas, ao mesmo tempo, reivindicar uma educação que contemple os interesses desses trabalhadores. Cabe aqui explicitar o conceito de meio rural no qual se pauta a autora: “conjunto de regiões e territórios em que as populações desenvolvem atividades diferentes, tais como: a agricultura, o artesanato, as indústrias pequenas e médias, o comércio, os serviços, a pecuária, a pesca, a mineração, a extração de recursos naturais e o turismo, entre outros” (p. 74).

No capítulo quatro, “Liberdade, autonomia, emancipação: uma construção histórica”, a autora explora os conceitos de liberdade, autonomia e emancipação por meio da retomada dos acontecimentos histórico-sociais de onde eles emergem, bem como das correntes de pensamento que os explicam, explicitando assim as visões de mundo e os posicionamentos de classes. Nesse sentido, a autora esclarece que a escolha dos autores examinados no capítulo, de Locke a Stuart Mill, passando por Kant, Hegel e Tocqueville, Marx e Engels, não foi aleatória, mas “visou responder às experiências pedagógicas dos tempos/espaços alternados de trabalho e educação” (p. 200).

A questão da relação trabalho-educação é dissecada no quinto capítulo, sob o título “Trabalho-educação no movimento camponês: origens e contradições”. A autora debruça-se sobre as origens, francesa e italiana, da pedagogia da alternância para em seguida analisar sua apropriação e recriação nas EFAs, nas CFRs, nos cursos oferecidos pela Fundep e pelo Iterra, destacando o processo de formação dessas organizações, bem como o papel desempenhado pela Igreja e pelo Estado.

A idéia de alternância, esclarece a autora, “compreende uma formação em tempo pleno com uma escolarização parcial” (p. 335). Enquanto método, a pedagogia da alternância articula, em tese, teoria e prática, “na medida em que se alteram situações de aprendizagem escolar com situações de trabalho produtivo, exige uma formação específica dos professores que as licenciaturas de um modo geral não oferecem” (p. 292). Destaca-se, portanto, que a característica fundante desse método é o “trabalho como princípio educativo de uma formação humana integral, que articula dialeticamente o trabalho produtivo ao ensino formal” (p. 293). Nesse sentido, a pedagogia da alternância vem sendo apropriada pelos diferentes movimentos sociais populares vinculados ou não à luta pela terra e também por diversas organizações sindicais de trabalhadores, explicitando “as divergências relacionadas aos projetos sociais que sustentam as experiências pedagógicas enfocadas” (p. 329).

Como exemplo dessa divergência, a autora evidencia a alternância entre escola e empresa, “tendo essa o significado dos tempos/espaços alternados entre ensino na escola e trabalho de estágio na empresa, com remuneração, porém sem amparo em direitos sociais” (p. 334), explicitando a divergência de interesses entre capital e trabalho, especialmente em um contexto marcado pelo desemprego. Outro elemento de destaque na argumentação da autora refere-se à formação dos trabalhadores assentados, vinculados ao Movimento dos Sem Terra (MST), uma vez que se trata da formação para permanência no campo sem que haja a garantia de posse da terra. Nesse contexto, “apesar do esforço realizado pelos movimentos sociais populares, buscando uma educação voltada para os seus interesses, essa formação é inócua se os jovens não dispuserem de terra para desenvolverem um trabalho e organizarem uma família” (p. 338).

O sexto e último capítulo da obra, “Liberdade, autonomia, emancipação – EFAs, CFRs, Fundep e Iterra”, tem como objeto a problematização da compreensão dos conceitos de liberdade, autonomia e emancipação pelos movimentos sociais populares rurais/do campo, especialmente no âmbito das EFAs, CFRs, do Fundep e do Iterra. De acordo com a autora, prima-se assim por ressaltar as práticas desenvolvidas nessas organizações, seus avanços e limites no seio da ordem capitalista. Para a autora, as EFAs e as CFRs apresentam diferenciais conceituais e metodológicos em relação ao Fundep e ao Iterra, uma vez que são inspirados por teorias pedagógicas distintas. No entanto, apesar das diferenças e para além delas, as práticas pedagógicas estão, segundo a autora, fundadas na crítica da apropriação privada da produção de bens materiais e culturais presente na sociedade capitalista. Assim, “esboços de um projeto de educação integral1 integram o projeto social dos movimentos sociais populares, sinalizando para uma sociedade em que as classes populares possam exercer a liberdade, ter autonomia em seus processos organizativos e conquistar a emancipação verdadeiramente humana” (p. 418). Apesar das diferenças teórico-metodológicas, a autora destaca a presença de Paulo Freire nas experiências de tempos/espaços alternados de trabalho agrícola e educação escolar realizadas pelas EFAs, CFRs, do Fundep e do Iterra.

Portanto, tratando de temas relevantes de forma instigante, o livro da professora Marlene Ribeiro é um dos mais qualificados e densos estudos sobre a relação trabalho-educação nos movimentos sociais rurais/do campo no Brasil atualmente, resultado de uma pesquisa rigorosa e de sólida análise. A autora demonstra com particular competência a sua tese: como a educação popular construída pelos movimentos sociais populares, em particular o movimento camponês, assume, como processualidade, uma possibilidade emancipatória2, isto é, um projeto coletivo de transformação social, para além das concepções de liberdade e de autonomia presentes no seio da sociedade burguesa.

Pela atualidade e importância do tema, esse livro é uma leitura indispensável aos estudiosos e todos os demais interessados em não somente compreender o processo social em curso mas também transformá-lo.

Notas

1 Grifos da autora.
2 Grifos nossos.

Fabiane Santana Previtali – Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais, Brasil. E-mail: [email protected]

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A pesquisa em trabalho, educação e políticas educacionais – ARAUJO; RODRIGUES (TES)

ARAUJO, Ronaldo Marcos de Lima; RODRIGUES, Doriedson S. (Orgs.). A pesquisa em trabalho, educação e políticas educacionais. Campinas: Alínea, 2012. 188 p. Resenha de: TEODORO, Elinilza Guedes. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.11, n.1,  jan./abr. 2013.

O livro organizado por Ronaldo Marcos de Lima Araujo e Doriedson Rodrigues é uma coletânea de dez textos organicamente organizados e resultam de um colóquio de pesquisa realizado em abril de 2009 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho e Educação (GEPTE), do Instituto de Ciências da Educação da Universidade Federal do Pará.

O referido evento tomou como temática norteadora questões referentes à pesquisa em trabalho e educação, políticas educacionais e suas relações com a abordagem de pesquisa qualitativa e o materialismo histórico e dialético, chamando para essas discussões pesquisadores vinculados ao projeto Laborar – Laboratório em Rede de Políticas e Práticas de Formação do Trabalhador -, financiado pela Capes (Procad), e ao projeto As Práticas Formativas em Educação Profissional, financiado pelo CNPq.

As discussões ali travadas mostram que no âmbito das políticas educacionais na área de Trabalho e Educação duas perspectivas sociológicas as fundamentam, quais sejam: mercadológica e social e, sendo assim, os textos debatem questões especificas de estudo assumindo que a realidade social é tomada pelo que resulta das relações de produção presentes em nossa sociedade e pelos posicionamentos político-ideológicos de projeto societário que expressam. Contribuem ao final para melhor caracterização das investigações e estudos dentro da área de Trabalho e Educação, compreendendo políticas educacionais que fomentam práticas formativas emancipatórias e as que permitem a conformação de trabalhadores aos interesses do mercado.

No primeiro artigo, “Trabalho e formação profissional: desafios teórico metodológicos das comparações intranacionais”, Fernando Fidalgo destaca como principal desafio teórico-metodológico para as três pesquisas vinculadas ao Laborar, e seus respectivos grupos de pesquisa, o tratamento das peculiaridades produzidas em cada realidade local pela tendência a tratar as pesquisas de cunho crítico relativos a formação dos trabalhadores, apenas nos seus aspectos macrossociais. O texto contribui apresentando quatro dimensões a serem consideradas nos estudos que compõem o referido projeto que possibilitará a comparação entre eles e a consolidação de uma metodologia comparativa de realidades entre estados. Nesse sentido, o texto apresenta uma lista de 16 elementos balizadores aos estudos das políticas de gestão do trabalho e da formação profissional para possibilitar uma tipologia e finalmente apresenta o desafio de superar a visão binária de estudos dos sistemas públicos e privados, aproximando-se dos estudos de redes em sua complexidade e com as diversidades próprias da formação social em realidades distintas.

O segundo artigo “Demandas por qualificação profissional – Recife, segunda metade do século XIX”, de Ramon de Oliveira e Adriana Maria Paulo da Silva, trata das investigações no âmbito da História da Educação Profissional no estado de Pernambuco, em que objetiva analisar o perfil das demandas por qualificação profissional de trabalhadores e empregadores, ao mesmo tempo em que analisa a oferta de serviços de aprendizado de ofícios específicos, no recorte temporal que inicia na segunda metade do século XIX. A referida investigação também se situa no interior do projeto Laborar e tem como grande contribuição o aprofundamento dos aspectos teórico metodológicos no âmbito da pesquisa histórica em Trabalho e Educação, mais especificamente das demandas de qualificação profissional, possibilitando estudar e reconhecer a existência, e por vezes ausência delas, de diferentes políticas públicas de educação profissional.

Ana Waleska P. C. Mendonça, autora do terceiro artigo, “O ensino profissional no Brasil, contribuições das pesquisas sobre a história das instituições escolares”, enfatiza a renovada tradição de estudos sobre instituições escolares em países como Portugal, França e também Brasil e a quase ausência de estudos sobre escolas de ensino técnico ou profissional na França e também aqui. Para isso a autora recupera um estudo de Compére e Savoie (2005) e provoca com questões referentes ao motivo da ausência de tais estudos que muito contribui para pesquisas sobre história de instituições escolares na área de Trabalho e Educação. Tomando as referências ‘renovadas’, a autora afirma que dois grandes objetivos se colocam ao estudo da história de instituições escolares: evidenciar os aspectos organizacionais que definem o quadro educacional numa dada escola e identificar o modo diverso como os sujeitos dessa unidade escolar colocam em ação o programa institucional definido para ela. Nessa perspectiva, finaliza o texto com desafios que se colocam ao estudo historiográfico de modo geral e no campo do estudo de instituições escolares de educação profissional. Pode ajudar a enfrentar problemáticas que atravessam o debate sobre o ensino profissional, quais sejam: dimensão pluridimensional que requer o tratamento das relações da escola com seu entorno, consigo mesmo e com o poder central e lidar com a memória individual e coletiva para construir a memória institucional para alem da enumeração de fatos de modo descritivo.

“Apontamentos para o trabalho com documentos de política educacional” é o artigo de Olinda Evangelista e propõe elementos teórico-metodológicos para o estudo de fontes educacionais específicas: os documentos da política educacional, desde leis a documentos oficiosos, relatórios escolares, dados estatísticos, regulamentos, para dar alguns exemplos. A autora compõe suas considerações em três frentes: a posição do pesquisador em que aborda o sujeito pesquisador como produtor de conhecimento, a posição dos documentos que invariavelmente expressam determinações históricas a serem apreendidas pelo pesquisador e a posição da teoria que possibilita a mediação entre sujeito e realidade em estudo. O referido texto, por sua didática e clareza, contribui com jovens pesquisadores, pesquisadores em formação e mesmo pesquisadores experientes podem usufruir dos destaques apresentados pela autora em cada um das nuances presentes no exercício da pesquisa.

O quinto artigo “Trabalho e formação – crônica de uma relação política e epistemológica ambígua”, de José Alberto Correia, enfoca as relações entre experiência e formação com o objetivo de contribuir com a compreensão do trabalho de formação. Para isso, o autor discute a produção histórica de mudanças nas definições das relações entre experiência e formação, em seguida toma experiências de formação inovadoras para reequacionar as relações entre trabalho e formação e, finalmente, encerra o texto de forma não conclusiva, refletindo epistemologicamente sobre os processos de produção de saberes e possíveis alternativas.

“Ações em rede na educação, contribuições dos estudos do trabalho para análise de redes sociais” é o texto de Eneida Oto Shiroma. Apresenta resultados preliminares da pesquisa que estava desenvolvendo cujo objetivo era compreender os mecanismos pelos quais proposições internacionais são assimiladas e traduzidas no interior da escola e que evidenciou uma metodologia que possibilita visualizar articulações e relações entre global e local que muito significam para o estudo das mediações nas redes educacionais, pois são capazes de modificar e influenciar práticas, relações pessoais e gestão do trabalho docente no interior da escola.

O sétimo artigo “A pesquisa histórica em trabalho e educação”, de Maria Ciavatta, também trata resultados iniciais de uma pesquisa em andamento referente ao ‘pensar historicamente’, tratando questões referentes a como se elabora, no âmbito da pesquisa, a história da relação nominal entre Trabalho e Educação. Nesse sentido, a autora refuta as posições positivistas, a-históricas, generalistas e pós-modernas para reconstruir o real da relação entre trabalho e educação calcada nas referências marxianas para análise da realidade.

O texto seguinte “As pesquisas sobre instituições escolares: o método dialético marxista de investigação”, de autoria de Paolo Nosella e Ester Buffa, apresenta uma importante contribuição no tocante a referencial teórico e metodológico ao campo da historiografia de instituições escolares, ao apontarem que o estudo da totalidade histórica requer o uso do método dialético, pois ele permite aproximação do singular. Apresentam um balanço crítico dos estudos realizados desde 1950 até os dias atuais, as contribuições e características do método dialético e concluem reafirmando a defesa no investimento em estudos de instituições escolares conquanto apresentem percalços e possíveis perigos de desvios metodológicos, pois que esses estudos costumam mobilizar paixões que podem acender motivações para envolvimento em projetos de mudança social e elevação do nível de responsabilidade dos educadores por seus atos e gosto pelo estudo de história local e nacional.

O penúltimo texto do livro, “Trabalho e educação – o desafio para se construir uma política em rede para formação dos trabalhadores”, é de autoria de Gilmar Pereira da Silva. Levanta pontos relevantes a um trabalho de pesquisa em rede e os desafios que os pesquisadores terão que enfrentar. O autor descreve as bases em que os estudos estão acontecendo no âmbito do Projeto Laborar, que envolve a UFPE, A UFMG e UFPA, bem como as ênfases referentes ao estudo da educação de trabalhadores executado em cada uma dessas unidades e a diversidade metodológica necessária à execução do mesmo.

“O marxismo e a pesquisa qualitativa como referências para investigação sobre educação profissional” é o último texto do livro, de autoria de Ronaldo Marcos de Lima Araujo, que discute e combate uma ideia recorrente nos espaços acadêmicos da incompatibilidade entre pesquisa qualitativa e referencial marxista.

O livro representa, pois, uma importante obra no campo da metodologia de pesquisas sobre políticas de formação de trabalhadores sendo de interessante e proveitosa leitura porque trata as questões metodológicas por dentro dos relatos de estudos e experiências de pesquisadores distintos da área de Trabalho e Educação.

Elinilze Guedes Teodoro – Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Pará, IFPA, Belém, Pará, Brasil. E-mail: [email protected]

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Educação/ Estado e Poder | F. Comparato

A educação ocupa um lugar central no desenvolvimento histórico brasileiro e as decisões tomadas em relação ao sistema de ensino, ao longo dos anos, sempre foram influenciadas a partir de variáveis econômicas, sociais, culturais, e políticas. Fábio Comparato1, em seu livro Educação, estado e poder, originado a partir de três conferências, faz uma análise das diferentes orientações que a educação recebeu ao longo da República, e ressalta que somente conhecendo a sociedade e suas dimensões, será possível ter um claro entendimento do processo educativo. Apesar de passados alguns anos de sua publicação a obra mantêm sua atualidade, servindo de base para resgatar os aspectos que ainda estão presentes na contemporaneidade. Leia Mais

Educação, Formação de Professores e TIC | Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais | 2013

 


Referências desta apresentação

Apresentação. Revista EDaPECI – Educação a Distância e Práticas Educativas Comunicacionais e Interculturais. São Cristóvão, v.13, n.3, 2013. Sem acesso ao original [DR]

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The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education – KAPP (C)

KAPP, Karl M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeiffer, 2012. Resenha de: FARDO, Marcelo Luís. Conjectura, Caxias do Sul, v. 18, n. 1, p. 201-206, jan/abr, 2013.

Este livro, lançado em maio de 2012 e ainda sem tradução para o português, é o primeiro voltado a este recente fenômeno chamado gamificação da educação. Em suas 336 páginas, o autor concentra-se em explicar esse conceito e mostrar métodos e estratégias de como aplicá-lo em ambientes de ensino e aprendizagem.

Kapp é professor de tecnologias instrutivas no Departamento de Tecnologias Instrutivas da Universidade de Bloomsburg, na Pensilvânia. Leia Mais

Língu@ Nostr@ | UESB 2013

Lingu@ Nostr@

Língu@ Nostr@ (2013-) tem como escopo a publicação de artigos inéditos provenientes de estudos que, de alguma forma, estejam na interface entre Gramática e Linguística, preferencialmente aplicados ao ensino da Língua Portuguesa como língua materna. A revista, de periodicidade semestral, aceita submissões em português, espanhol e inglês.

ISSN 2317-2320

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Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro – GONDRA; SCHUELER (ER)

GONDRA, José; SCHUELER, Alessandra. Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro. São Paulo: Cortez, 2008. Resenha de: LIMEIRA, Aline Morais; TEIXEIRA, Giselle Baptista. Repensando a educação no Império: uma síntese provisória e incompleta. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.37 n.2 maio/ago., 2012.

Este livro, que propõe pensar e repensar a educação no século XIX, compõe a coleção Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira, cujo projeto é dedicado aos educadores do país. Integrando o primeiro recorte da série, Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro dá a ver uma reflexão acerca dos projetos e experiências de escolarização a partir de suas relações com Forças, Formas e Sujeitos distintos. Como definem seus próprios autores, a preocupação é possibilitar uma melhor compreensão acerca de outros tempos e do presente, combatendo muitos esquecimentos e problematizando o que já foi narrado sobre aquelas vivências.

Para introduzir o leitor na sua escrita Gondra & Schueler refletem de forma bastante interessante acerca da definição do trabalho do historiador. Com isso, estabelecem as perguntas, exploram as questões, evidenciam os núcleos documentais, apresentam os limites do próprio livro, do período recoberto, da noção apropriada ao termo ‘educação’ e da ideia de Brasil, que são um dos aspectos principais que fundamentam o estudo. Ao mesmo tempo, balizam a proposta de síntese que deu vida ao projeto, e fazem isso problematizando a periodização estabelecida e a forma tradicional de marcar o tempo histórico brasileiro (colônia, império, república). Os autores afirmam-na insuficiente para explicar a complexidade das ações sociais vividas no século XIX, por isso mantêm-se sensíveis ao problema e assumem que a experiência educativa não se encontra “plenamente determinada” (p. 10) por estes marcos de uma história político-administrativa. Neste sentido, refletindo sobre a proposta de “nova síntese”, os autores observaram seu distanciamento em relação a certas reflexões produzidas sobre o século XIX que “pontuam nos manuais de história da educação brasileira” (p. 13) por apresentarem a educação oitocentista marcada pelas representações do atraso.

Nesta operação evidenciam a necessidade de pensar a história em sua historicidade. Diferente do que foi (e é) escrito acerca deste passado, os vestígios e pistas dão a ver embates, projetos, lutas e experiências. Ao cuidar em não reforçar teses generalistas, e evitando anacronismos, apoiaram-se em pesquisas acadêmicas atualizadas e em documentos diversificados que fizeram aparecer a instrução como “[…] um problema geral que mobilizou agentes e estratégias diversas” (p. 14). Com isso, os autores desconstruíram certas representações do Império Brasileiro que ainda ecoam na historiografia educacional.

Explicitando a noção de educação, Gondra & Schueler assumem como válida a compreensão de experiências educativas institucionalizadas e não institucionalizadas, de forma a dar a ver ações do convívio privado, sociabilidades, festas etc. Neste sentido, passam a estar inscritas na análise as iniciativas mantidas tanto pelo Estado como por igrejas, comerciantes, intelectuais, filantropos. É possível notar as referências aos novos estudos de história da educação que romperam com as perspectivas até então hegemônicas, que priorizavam apenas agências centrais na escolarização (o Estado e a igreja). Ao contrário, estiveram preocupados em destacar a existência de diversos outros tipos de processos educativos, formais ou informais. Da mesma forma, para dialogar com a ideia de Brasil também evidenciam outros afastamentos. Os autores apontam que “esta tarefa inacabada” de construir e forjar um país (p. 11) não foi obra atribuída exclusivamente à escola. Ao elaborar um conjunto de monopólios (tributação, moeda, educação escolar, justiça) e a busca por promover a unidade territorial e cultural o Estado pretendeu, portanto, construir uma nação, um Brasil.

Na estrutura do livro os autores nos apresentam suas escolhas acerca dos assuntos direta ou indiretamente relacionados ao tema da educação e os desafios de enfrentá-los em suas complexidades. São quatro capítulos que investigam as formas pelas quais se constitui o Brasil e a escolarização de sua população, as forças que investiram nesta maquinaria e seus modos de investimento, as estruturas da educabilidade e sua organização e os sujeitos destas experiências diversas.

Em Formas do Brasil e Formas da Educação, o primeiro capítulo, Alessandra Schueler e José Gondra deixam ver que a tarefa de pensar as formas de educação no Império implica refletir sobre o processo de construção do Estado Brasileiro. Neste sentido, o capítulo primeiro procurou oferecer um quadro geral das tensões sociais que ajudaram a consolidar o Estado Imperial e seus efeitos na “arena educativa” (p. 15).

Atentos aos movimentos da educação no Brasil daqueles tempos, os autores recuam na história e tecem observações relacionadas ao período colonial, o marcam como aquele em que se experimenta a diversidade de práticas educativas, e, ao mesmo tempo, a reorganização do ensino público oficial, com a reforma pombalina. A partir daí, nas décadas iniciais do século XIX, com a emancipação política de 1822, os processos de escolarização ficaram marcados pelas experiências sociais, culturais, econômicas e políticas de todo país. Eles mostram que a invenção do Brasil foi um projeto político manifesto no incentivo às instituições educacionais, culturais e científicas. Também nos fazem notar que a instrução surge como um dos direitos fundamentais de garantia individual dos cidadãos brasileiros, estabelecido pela constituição que definia a abrangência e os limites da cidadania. Neste caso, os critérios fundamentais para o exercício dos direitos de cidadão, civis e políticos, como observam os autores, passavam pela posse de atributos como liberdade e propriedade, a partir do qual estava excluída a maior parcela da população do Império: os escravos. De acordo com estas hierarquias, o direito à instrução primária, garantido pela constituição aos membros da sociedade política, foi sendo estabelecido sob intensas discussões.

Uma ideia que perpassa toda a obra reside no fato de que os processos de construção das formas de educação escolar no Brasil, no século XIX, não foram uniformes, indiferenciados ou contínuos, e muito menos que estiveram resumidos à ação do Estado. Isso resultou, portanto, na desigualdade de condições educacionais entre as províncias, na profusão de reformas, na complexidade de normas e nas tensões entre diferentes concepções e formas de educação, que foram múltiplas. Em As forças Educativas, segundo capítulo, os autores aprofundam a reflexão, dando visibilidade às principais forças organizadas que atuaram no terreno da instrução: o aparelho do Estado, as forças religiosas e as forças organizadas em sociedades (agremiações, associações, academias, clubes). Este conjunto de atores foi o principal responsável pela emergência dos equipamentos escolares e por uma vasta série de iniciativas de caráter educativo. Elaboram considerações importantes acerca do tenso processo de independência e ao mesmo tempo dos intensos debates sobre o modelo de Estado a ser implementado. No texto, destacam documentos que os deram a ver a forma e a força que o Estado pretendeu assumir para produzir a unidade territorial, cultural, política, social. São ordenamentos jurídicos que pretenderam estabelecer quem deveria frequentar as escolas, quem deveria ensinar, como deveriam ensinar e o conteúdo a ser ministrado.

Em Ação Religiosa evidenciam que a organização desta instância se deu por dentro do aparelho do Estado, numa relação de cumplicidade. Houve inúmeras iniciativas formais e não formais desenvolvidas por diversos grupos de religiosos (católicos, protestantes, espíritas, indígenas, orientais, do mundo árabe, afro-brasileiros), e estas atividades cumpriram papel decisivo na difusão da instrução e a aproximação com o Estado foi uma estratégia eficiente para o sucesso destas iniciativas. Ao tratar da Ação de homens ilustrados: sociedades, academias, grêmios, Gondra & Schueler reforçam a ideia de que a educação no século XIX foi pensada no plural, e que uma das forças que agiram em prol do projeto de educação foi representada pela ação da sociedade civil. No item Educar e instruir: as agremiações como instrumentos de civilização, o leitor observa que, para as elites dirigentes, os ideais e os discursos em prol da civilidade tornaram-se fundamento para uma série de projetos políticos e medidas administrativas que nortearam a constituição do Estado Nacional.

No terceiro capítulo da obra, Formas Educativas, a investigação dá mostras da heterogeneidade das formas educativas nos três níveis de ensino: elementar, secundário e superior. E, ao mesmo tempo, as condições particulares de desenvolvimento de cada um, já que a malha escolar esteve marcada por desigualdades, “como desigual era a própria sociedade” (p. 16). No que se refere às Escolas elementares, alertam que foi no século XIX brasileiro que se processou sua invenção e legitimação, “[…] ainda que iniciativas nesta direção possam ser evidenciadas desde o período colonial” (p. 82). Ao observar os discursos políticos de diferentes províncias brasileiras, dados a ver pelos Relatórios de Presidentes de Províncias (1835 e 1889), Gondra & Schueler apontam para a especificidade que a escola vai adquirindo: são criados estabelecimentos para homens e mulheres livres, escolas noturnas para trabalhadores, escolas de iniciativas privadas, subvencionadas pelo governo, ou mantidas pelo exército e marinha, bem como aquelas destinadas ao atendimento de alunos especiais, os institutos de cegos e de surdos-mudos. Abordando cada uma delas (“Internatos e asilos”, “Colégios e liceus”, “Faculdades e academias superiores”) os autores resumem afirmando que “[…] o princípio da escolarização foi pouco a pouco se capilarizando” (p. 107).

Intitulado Sujeitos da Ação Educativa, o capítulo IV teve o objetivo de apresentar e ressaltar as ações e a diversidade de atores envolvidos no cenário educativo daquele passado: mulheres, homens, negros, escravos, libertos, indígenas, ingênuos, crianças. Como observam os autores, são brasileiros, mas também são imigrantes, naturalizados, são famílias inteiras, são órfãos, abandonados. Em Professoras, recordam a importante atuação jesuítica na educação brasileira. Contudo, alertam que outras formas religiosas (como a dos franciscanos, carmelitas, oratorianos, beneditinos) também estiveram voltadas para as práticas de ensino no período de colonização portuguesa na América.

O que significava ser professor no Império brasileiro? Indagam José Gondra e Alessandra Schueler, e instigam a imaginação do historiador. Ultrapassando o aspecto imaginativo, apresentam um quadro que demonstra o intenso debate inscrito naquele período (e atual), “[…] já que diferentes modelos de formação de professores estavam em pauta” (p. 198). No tópico acerca das Meninas e mulheres, enfatizam a diversidade das experiências históricas vividas por estas personagens que contribuíram com as lutas pela educação formal e pelo direito do público feminino de exercer a docência. Destaca-se, por exemplo, a atuação das mulheres como responsáveis pela educação e instrução dos sujeitos nos espaços domésticos e familiares, e sua paulatina inserção nas salas de aula, em um momento permeado por diferenciações de saberes por questões de gênero.

Nas reflexões acerca dos personagens Negros daquela história, sejam livres, escravos, libertos, os autores evidenciam indícios de suas experiências nos processos educacionais no Brasil do século XIX, afirmando que muitos foram alfabetizados, matriculados em escolas públicas e particulares, bem como estiveram envolvidos com a criação de escolas. Estes vestígios autorizam o questionamento de ideias e teses há muito difundidas na história da educação brasileira: da completa exclusão dos negros dos espaços escolares. De forma semelhante apresentam, em Índios, as medidas estabelecidas pela política indigenista imperial, que tinham como objetivo “integrar” estes indivíduos ao “projeto de construção da nação e do Estado, fomentando o ingresso das populações no mundo do trabalho e a civilização dos costumes” (p. 256). E, ao contrário do que é possível supor, os autores informam que as discussões relacionadas aos indígenas foram intensas, assim como foi intensa a atuação de parte dessa população “diante das políticas ambivalentes do Estado” (p. 260). Já no item que finaliza o quarto capítulo, intitulado Crianças, é apresentado o processo pelo qual a infância passa a fazer parte da cena social. E, entre as medidas inscritas neste movimento da história, está a criação da instituição escolar. Partindo deste pressuposto, os autores deixam evidente o complexo debate existente, bem como a necessidade (também um desafio) de exercitar reflexão a respeito desta idade da vida e das questões que a envolvem.

Chegando ao fim desta leitura, é possível notar que os historiadores da educação cuidaram em apresentar a educação, o poder, a sociedade e o império em sua perspectiva relacional, como fenômenos resultantes da complexidade e da pluralidade dos processos históricos, da ação e das lutas entre forma, forças e sujeitos. Se este é um dos maiores Desafios para a História da Educação, a obra Educação, Poder e Sociedade no Império Brasileiro, torna-se uma ferramenta de reflexão, entre tantas outras, para que seja possível construir novos tempos, outros presentes e novas histórias. Ao mesmo tempo, emerge como uma significativa contribuição para as pesquisas atuais em história da educação brasileira, porque dá conta de trazer à análise a pluralidade das ações educativas, de retirar do silêncio muitos sujeitos sociais e por ser fundamental e ousado o paralelo que seus autores estabelecem com as questões do tempo presente, afinal, o tema educação caracteriza-se mesmo por sua incontornável atualidade. Ainda sim, esta leitura é imprescindível a todos os profissionais da educação do século XXI interessados em refletir mais profundamente sobre suas próprias práticas, que tem deixado de se perguntar somente como ensinar, para interrogarem-se sobre porque e para quem ensinar.

Aline Morais Limeira – Doutoranda em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – História da Educação, Rio de Janeiro. É pesquisadora bolsista da Fundação Biblioteca Nacional, E-mail: [email protected]

Giselle Baptista Teixeira – Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). É professora da Prefeitura de Duque de Caxias e professora substituta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, E-mail: [email protected]

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Jovens e Cotidiano: trânsitos pelas culturas juvenis e pela escola da vida – STECANELA (ER)

STECANELA, Nilda. Jovens e Cotidiano: trânsitos pelas culturas juvenis e pela escola da vida. Caxias do Sul: EDUCS, 2010. Resenha de: ROSA, Marcelo Prado Amaral. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.37 n.2, maio/ago., 2012.

O livro Jovens e Cotidiano é resultante do estabelecimento de elos entre a empiria e a teoria, tendo como objeto de análise a dimensão educacional não formalizada, pautado no diálogo entre a sociologia da educação e a sociologia da juventude, buscando interfaces como forma de compreender os processos informais da socialização juvenil. Tais entrelaçamentos foram possíveis através da ocorrência, ao longo da produção textual, de um diálogo em três dimensões, articulando as vozes dos interlocutores empíricos com os interlocutores teóricos e com os conhecimentos tácitos da própria autora, objeto de estudo e problema de pesquisa do projeto de doutoramento. Ainda, o livro apresenta três dimensões de abordagem que, mesmo integradas, oferecem contribuições originais e individualizadas sem prejuízo algum com relação ao todo, sendo as dimensões: discussão teórica sobre juventude; reflexão metodológica de pesquisa de acordo com a perspectiva etnográfica; e a construção dos itinerários de vida e dos processos identitários da juventude da periferia urbana de um município de porte médio do interior do Rio Grande do Sul. A leitura é recomendada para docentes atuantes em todos os níveis, graduandos e pós-graduandos da área de Ciências Humanas e Sociais e Licenciaturas em geral, além de todos os interessados em conhecimentos sobre os espaços não formais de educação.

A autora da obra, professora Nilda Stecanela, é doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atualmente, é professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), além de professora na Rede Municipal de Ensino de Caxias do Sul. Coordenadora do Observatório de Educação da UCS e do Programa Nossa Escola Pesquisa sua Opinião no Polo Rio Grande do Sul. Atua, principalmente, nas seguintes linhas de pesquisa: Gêneros e processos de socialização; Formação de professores para educação básica; Infâncias, juventudes e processos de socialização e Filosofia e história da educação. É autora e/ou organizadora de outras cinco obras, entre elas, Mulheres e direitos humanos: desfazendo imagens, (re)construindo identidades (2009); Interação com o mundo natural (2007); Construção de conceitos de Ciências (2006); Fundamentos da práxis pedagógica (2005).

A obra em questão se apresenta dividida em nove seções, organizadas de forma exemplarmente didática, a saber: introdução; capítulo 1 – A problemática do estudo; capítulo 2 – Os dilemas conceituais; capítulo 3 – Percursos metodológicos; capítulo 4 – Os percursos juvenis; capítulo 5 – Desafios interpretativos: o que comunicam as palavras sobre o cotidiano?; conclusões; referências; e, por fim, anexos. A obra completa apresenta 368 páginas. Ainda, os autores que inspiraram a forma de escrita do trabalho como um todo foram José Machado Pais e Alberto Melucci, o que proporciona uma escrita densamente descritiva pelos avanços e retrocessos realizados pela autora, além de emocionante, com conexões metafóricas com a poesia de Manuel de Barros, fazendo da exposição despida e ousada da escrita a característica peculiar da obra. Na seção dos anexos ainda são apresentados os perfis dos jovens entrevistados, o que possibilita ao leitor suscitar uma espécie de grau de empatia com os coautores1 do texto.

O primeiro capítulo do trabalho em questão – A problemática do estudo –, tem como objetivo situar sobre os caminhos percorridos para a construção do objeto, intenções e o problema de pesquisa que deram a direção do estudo. Este capítulo encontra-se subdividido em quatro seções.

m Caminhos e motivações para a definição do objeto, é exposta rapidamente a trajetória dentro do curso de mestrado da autora, em que se tem o princípio de um olhar para a dimensão não formalizada da educação a partir de indícios sobre a ausência do diálogo entre as trajetórias juvenis e os conhecimentos escolares. Ainda, aqui, é explicitado os marcos teóricos para o ajustamento focal deste estudo.

Já em Os objetivos, o problema e as hipóteses de investigação, é apresentada a definição do objetivo que norteou o trabalho, sendo “[…] conhecer e compreender as dinâmicas que envolvem os processos educativos não-escolares dos jovens de uma periferia urbana, a fim de possibilitar releitura das práticas educativas escolares” (p. 20), juntamente com a conceituação de periferia. Desta forma, a autora julga prudente o afastamento da escola para compreendê-la, navegando pelos usos temporais e espaciais que os jovens praticam na possibilidade de identificação de como e quais conhecimentos os mesmos constroem nas suas práticas culturais cotidianas. Sobre as hipóteses, a autora afirma categoricamente que não elaborou hipóteses prévias, evitando, assim, o condicionamento das lentes sobre o panorama da pesquisa, adentrando tal cenário munida de intuições.

Na subseção O cenário e os sujeitos da pesquisa, são apresentadas sucintas retomadas históricas da formação e desenvolvimento da cidade de Caxias do Sul e da comunidade O Reolon onde estão localizados os sujeitos da pesquisa, dezoito jovens de ambos os sexos, em situações divergentes em relação à escola, à família e ao trabalho. Para análise detalhada são reconstruídas as trajetórias de quatro jovens (capítulo 5). Em As fronteiras disciplinares, é declarada a característica de interdisciplinaridade do trabalho, tendo como porto seguro a Educação, justificando o entrelaçamento de disciplinas no hiato comunicativo existente entre a Sociologia da Educação e a Sociologia da Juventude. Sobre o distanciamento entre estas duas possibilidades da Sociologia, Abrantes (p. 26) expõe “[…] ocorre um distanciamento entre os “alunos” dos estudos sobre educação e os “jovens” dos estudos culturais, deixando transparecer, em várias situações, que não se está falando dos mesmos atores”. Os principais autores utilizados para a contextura teórica deste capítulo são José Machado Pais, Paulo César Carrano, Juarez Dayrell, Paulo Freire e Alberto Melucci.

O objetivo do segundo capítulo da obra – Os dilemas conceituais – foi contextualizar teoricamente os temas e conceitos implicados no estudo, baseando-se na produção sociológica sobre o assunto. Encontra-se subdividido de acordo com os subtítulos A pesquisa com jovens com base na sociologia do cotidiano, que focaliza a sociologia da vida cotidiana como perspectiva metodológica. Segundo Pais, quando se adota tal ponto de vista como propulsão para o conhecimento, se “[…] condena os percursos de pesquisa a uma viagem programada […] que facultam ao pesquisador a possibilidade de apenas ver o que seus quadros teóricos lhe permitem ver” (p. 31). Ainda, a autora aqui, apresenta como justificativas para adotar essa abordagem metodológica os aspectos de ser este um posicionamento de abertura ao inusitado, afastando-se da “lógica do preestabelecido”, procurando apreender algo que está presente de modo bruto; ao passo que procura transformar o cotidiano em durável admiração ou espanto, centrando sua atenção nos desaterros dos detalhes da vida cotidiana. Nesse capítulo, é colocado à vista o mergulho etnográfico realizado pela autora, visando à potencialização da decifração dos enigmas contidos nos trânsitos dos jovens participantes da pesquisa.

m Para além da hegemonia da forma escolar, os processos educativos não escolares, a autora tece a trama escolar através da história e procura compreender, através da trajetória dos jovens da pesquisa, a questão da exclusão social e escolar provocada tanto por fatores endógenos quanto exógenos à escola. Seguindo no texto, a autora se concentra nos alicerces da crise da escola. Aponta as mutações que a instituição escolar sofreu ao longo do século passado, na qual “[…] a escola passou de um contexto de certezas para um contexto de promessas, situando-se hoje num contexto de incertezas” (p. 43) e a “[…] invasão da escola pelo social, e o social invadido pela escola” (p. 45) e a “[…] nostalgia das representações que acreditam ser possível à escola dar conta de todas essas [qualificação escolar, educativa e de socialização] funções” (p. 48) como pontos nevrálgicos da mutação da escola. Para finalizar esse subcapítulo, concentra cuidados sobre o “saber de experiência feito” (p. 64) através da metáfora escola de borracha.

m A juventude possível reinventada pelas classes populares, a autora aborda as divergentes tipologias de passagem à vida adulta, problematizando, assim, a categoria juventude. Para isso, parte da perspectiva das transições, buscando tramar as culturas juvenis com as correntes teóricas da sociologia da juventude desenvolvidas por José Machado Pais: a corrente geracional e a corrente classista. Ao final, faz uma reflexão sobre a relação entre as biografias padronizadas e as biografias de escolha nos percursos da composição das identidades juvenis em contextos de pressão do cotidiano.

or fim, Nas cronotopias do cotidiano, o rolar das identidades juvenis, a autora encadeia as identidades juvenis com a articulação cronotópica do cotidiano, marcada principalmente pela dessacralização do espaço físico. É destaque nesse capítulo a estruturação dos subcapítulos, pois a leitura dos mesmos pode ser realizada independente da sequência temporal apresentada na obra sem o risco de incompreensões. As principais referências neste capítulo são Alberto Melucci, Rui Canário, Juarez Dayrell, François Dubet, Phillipe Áries, Jaume Trilha, Paulo Freire, Alfred Schutz, José Machado Pais, Pedro Abrantes Maria das Dores Guerreiro, Joaquim Casal, Michel Certeau, Marília Sposito, Gisela Tartuce, Mario Margulis e Marcelo Urresti.

No terceiro capítulo de Jovens e Cotidiano – Percursos metodológicos –, é apresentado os percursos metodológicos da pesquisa, incluindo as posturas assumidas pela autora em relação ao cenário da investigação. Este capítulo encontra-se seccionado em subcapítulos, a saber: Do estudo exploratório aos “inventários dos usos dos tempos”; Vozes que compõem o diálogo: a sociologia da amostra; A arte da escuta na pesquisa com o cotidiano; Da escavação do cotidiano à escovação das palavras: o tratamento dos dados.

No primeiro, a autora descreve suas incursões pela comunidade e imersões nas estratégias de abordagem da pesquisa. No segundo, a autora clarifica aspectos referentes à amostra do estudo. Já no terceiro, os aspectos-chave da escrita recaem sobre a “presença participante” (p. 145) e a “escuta sensível” (p. 146) da autora no cenário da pesquisa. O primeiro aspecto é tomado como um procedimento alternativo frente à impossibilidade de imersão na realidade dos jovens do estudo; o segundo, “evoca a habilidade do observador em perceber e respeitar a fala do outro […]. Para ser sensível, a escuta não deve compreender somente a audição, mas convocar os demais sentidos para perceber os gestos, os silêncios, as pausas, as emoções […]” (p. 146).

Na quarta e última seção, a parte mais densa do capítulo, pois, aqui, a autora organiza e trata os dados da pesquisa. O procedimento adotado para a análise e interpretação das narrativas dos jovens participantes da pesquisa é a análise textual discursiva. Neste subcapítulo, a autora descreve minuciosamente toda a sua trajetória dentro do procedimento adotado, desde a organização do corpus até a produção do metatexto que comunica os resultados a que chegou a pesquisa, tendo como norte a metáfora do mosaico. Neste capítulo, no decorrer da escrita da autora, são destaques os referenciais Alberto Melucci, Howard Becker, José Machado Pais e Roque Moraes.

No quarto capítulo, Os percursos juvenis, a autora apresenta os percursos juvenis por via das trajetórias de quatro jovens da pesquisa, reconstruídas na forma de mosaico. A voz dos interlocutores empíricos é trazida em primeiro plano e, a partir da descrição, são recompostas suas narrativas, orientadas por categorias emergentes na forma de trânsitos, agregando diferentes temporalidades e espacialidades. Assim como os outros capítulos, este também se encontra dividido em subcapítulos, a saber: Trajetórias de Preto: o “Educador do Cotidiano”; Trajetórias de DL: um MC de um grupo de Rap; Trajetórias de Benhur – B-boy de um grupo de Rap e, por fim, Trajetórias de Daiana: a jovem escondida na Caderno de segredos. As trajetórias, expostas aqui, compõem extratos da biografia dos jovens e não tem o objetivo de representar o mundo juvenil, “[…] mas podem representar um mundo juvenil, através dos quais outros casos poderão ser analisados a partir do efeito da reflexividade” (p. 165).

No capítulo Desafios interpretativos: o que comunicam as palavras sobre o cotidiano?, procurou-se informar as categorias que emergiram no campo de investigação, de modo a entrelaçar os sentidos das narrativas dos jovens, estando organizado em “unidades contextuais” (p. 323). A divisão capitular aqui é entre: Trânsitos com a pressão do cotidiano, Trânsitos com as biografias de escolha e Trânsitos com a escola da vida. Neste capítulo também existe a preocupação da autora em expor a incompletude do trabalho perante a gama possível de análises da realidade a partir da realidade. Houve o cuidado em nomear cada jovem participante da pesquisa a partir de suas próprias palavras ou dos significados que elas produziam no entender da autora. As referências base neste capítulo são Alberto Melucci, Rui Canário, Juarez Dayrell, Gisela Tartuce e Mario Margulis.

Nas Conclusões é destaque a tentativa da autora em manter um distanciamento do olhar sobre o conjunto de palavras que compõem o estudo, ou seja, procurou-se um afastamento das peculiaridades da juventude analisada para vislumbrar uma aproximação com o contexto jovem de modo generalizado. Pode-se evidenciar com este trabalho, que a moradia, educação e trabalho são os elementos que mais afetam diretamente o trânsito dos jovens da pesquisa, sendo a escola um dos primeiros recuos ante aos desafios na garantia da sobrevivência. Nesse cenário, de intensa pressão do cotidiano, aparecem como alternativas de descompressão as culturas juvenis, como a música baseada nos ritmos rap e rock e a religião, sendo possível assim vincular a cultura local dentro do contexto de mundo externo à periferia. Analisar as narrativas dos jovens permitiu conhecer as experiências criativas que os mesmos aplicam no seu contexto para viver numa sociedade em mutação. O desafio destes cidadãos é viver em um intenso movimento de reinvenção baseado na aprendizagem que se fundamenta na experiência não escolar, sendo assim possível afirmar que os jovens da periferia aprendem e ensinam, convertendo o conhecimento em ação a partir da ação cotidiana, “[…] relembrando que somos seres incompletos, e que a vida é uma escola […]” (p. 349).

Para finalizar esta resenha, o desafio imposto à autora nesta jornada pelo cotidiano dos jovens foi “compor uma sinfonia” (p. 148) partindo de acordes e notas musicais inaudíveis e talvez até descompassadas quando ouvidas individualizadas. Entretanto, com a regência musical empregada, eclode aqui com toda a dramaticidade, emoção e paixão, sem notas destoantes na partitura ou cacofonia na união do coro, uma composição de melodia harmônica ímpar que ao descer das cortinas se reconhece, através da entonação das palavras e na afinação do arranjo instrumental da orquestra, numa sublime trilha sonora sobre as dimensões não escolares da educação, digna das mais belas óperas.

NotaS

1 Para a autora, os sujeitos da pesquisa são os coautores do trabalho, pois somente através da escuta sensível das palavras dos sujeitos da pesquisa é que foi possível o surgimento de categorias nomeadas com expressões nativas, como pressão do cotidiano e escola da vida (exposição oral).

Marcelo Prado Amaral Rosa – Graduado em Química Licenciatura pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus de Frederico Westphalen. Especialista em Metodologia do Ensino de Química pela Universidade Gama Filho (UGF). Mestrando em Educação na Universidade de Caxias do Sul (UCS), Rio Grande do Sul, vinculado à linha de pesquisa em Educação, Linguagem e Tecnologia, E-mail: [email protected]

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Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação – RAVICH (ES)

RAVITCH, D. Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Trad. de Marcelo Duarte. Porto Alegre: Sulina, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Sara Badra de; MENEGÃO, Rita de Cássia Silva. Educação & Sociedade, Campinas, v.33 no.119 Campinas abr./jun. 2012

Em seu livro Vida e morte do grande sistema escolar americano, Diane Ravitch expõe de forma acessível e detalhada a evolução das reformas de mercado no sistema escolar dos Estados Unidos nas últimas décadas, criticando seus pressupostos ideológicos e denunciando seus resultados, que contribuíram para agravar a crise da educação pública americana.

Como acadêmica e propositora de políticas inserida no aparelho de Estado, a autora analisa as reformas que ela antes endossara com entusiasmo, e que agora passa a criticar diante das evidências de seus resultados. Ravitch é pesquisadora-doutora da Universidade de Nova Iorque. Em 1991, ela aceitou o convite do então secretário Lamar Alexander para ser sua conselheira e secretária-adjunta no Departamento de Educação dos Estados Unidos. Também esteve envolvida como conselheira nos governos Bill Clinton e George W. Bush e participou ativamente de movimentos pelas referências curriculares, responsabilização e escolha escolar.

A primeira edição do livro lançada no Brasil contém agradecimentos da autora, apresentação escrita por José Clovis de Azevedo e mais onze capítulos seguidos das notas com bibliografia e do índice. No primeiro capítulo, “O que eu aprendi sobre a reforma escolar”, Ravitch analisa sua trajetória profissional, os cargos políticos exercidos, os trabalhos acadêmicos desenvolvidos e as soluções outrora defendidas, e como ela foi retirando seu apoio das populares soluções baseadas na lógica do mercado.

No segundo capítulo, “Sequestrado! Como o movimento pelas referências curriculares se transformou no movimento de testagem”, ela expõe como a responsabilização baseada em teste tornou-se o principal motor da reforma escolar, substituindo o movimento pelas referências curriculares. Em “A transformação do Distrito 2”, é descrita a experiência desse distrito, que foi eleito símbolo nacional de como ampliar a escala da reforma, tornando-se uma fórmula a ser transposta para outros sistemas. Os capítulos seguintes, “Lições de San Diego” e “A lógica de mercado em Nova Iorque”, descrevem detalhadamente as experiências que foram influenciadas pelo Distrito 2, explicitando o caráter empresarial das reformas de responsabilização e das políticas organizacionais aplicadas no distrito de San Diego e na cidade de Nova Iorque.

O capítulo seis, “NCLB: testar e punir”, expõe as características e determinações principais da lei federal que selou a era da responsabilização baseada em dados, assumindo um papel de interferência nas escolas locais como nunca antes na história do federalismo americano. Em “Escolha escolar: a história de uma ideia” fica claro que, desde 1980, a questão da “escolha”1 escolar povoa a arena de discussões e propostas para a educação, materializando-se sobretudo nos vouchers e nas populares escolas administradas por concessão.2 No capítulo oito, “O problema com a responsabilização”, Ravitch condensa as críticas, sempre sinalizadas ao longo do livro, às reformas de mercado, mostrando um conjunto de pesquisas e evidências contrárias à responsabilização baseada em teste.

Em “O que a Sra. Ratliff faria?”, a autora recorre à lembrança de sua antiga e inspiradora professora para expor como a lógica da atual reforma desvaloriza o que ela considera ser um bom professor e passa a girar em torno de uma noção específica de “professor eficiente”, explicando como isso afeta nas políticas de gerenciamento dessa força de trabalho. O capítulo dez, “O clube dos bilionários”, explica o funcionamento da poderosa rede de filantropia privada que apoia a reforma, conferindo-lhe enorme fôlego e limitando o alcance das vozes e movimentos de resistência.

Por fim, no último capítulo, “Lições aprendidas”, Ravitch exalta sua posição de defensora da escola pública, conclui que as atuais reformas colocam a educação pública em perigo e sinaliza o que ela acredita que seja uma educação de qualidade e o caminho que se deve percorrer para alcançá-la, deixando claro que não existem “panacéias” ou fórmulas mágicas quando se trata de educação.

A autora adota uma postura sincera e corajosa ao rever suas posições e admitir que as soluções de mercado não estão alcançando as melhorias esperadas no desempenho dos alunos. Os EUA permanecem estagnados em avaliações nacionais (Naep) e internacionais (Pisa).3 Para além dos números, a crítica mais fundamental de Ravitch é que essas soluções de mercado estão erodindo os valores públicos e a própria educação pública, que ela advoga como uma instituição essencial para a democracia e para a constituição de uma nação economicamente forte e repleta de oportunidades.

Ela manteve sua posição em defesa da escola pública e das referências curriculares. Permanece endossando que o sistema educacional defina claramente seus objetivos, através de um currículo rico e coerente que englobe uma formação abrangente, além das habilidades básicas, que têm sido o alvo restrito dos testes atuais. No início do livro, ela analisa como as novas reformas se distanciaram dessa preocupação fundamental com o currículo e passaram a acreditar que mudanças na gestão e na estrutura do sistema seriam prontamente a solução para os problemas da educação. Os princípios empresariais de gestão e contratação de profissionais, escolha, recompensas e punições para incentivar a força de trabalho, decisões e metas baseadas em um bom sistema de dados, passam a ser soluções por si mesmas, negligenciando as dimensões pedagógica e política da educação.

A questão da reforma escolar tem sido politicamente popular nos Estados Unidos desde os anos de 1980. Em 1983, o relatório A Nation at Risk (Anar)4 foi emblemático, pois mostrou em tom direto e incendiário o fracasso do sistema educacional em cumprir seu papel como instituição acadêmica a serviço do desenvolvimento do país. Ao sinalizar a necessidade urgente de mudança, o Anar influenciou o início do movimento pela reforma baseada em referências curriculares. No entanto, devido às controvérsias acaloradas que surgiram em torno do currículo nacional de história, esse movimento ruiu em 1994, sendo substituído por esforços de reforma cujo foco não era mais o que os estudantes deveriam aprender.

O foco das atuais reformas restringe-se à responsabilização baseada em teste, ignorando preocupações essenciais sobre qual educação se espera e como fazer para melhorar as escolas públicas que enfrentam dificuldades. Ao invés de lidar com esses problemas espinhosos, parece mais fácil entregar a administração das escolas à iniciativa privada, sob o argumento de que ela fará melhor do que a administração pública engessada e ineficaz. A criação das escolas administradas por concessão, iniciada nos anos de 1990, representa especialmente essa crença.

Além dessa forma de privatização, os princípios empresariais são injetados no aparelho do Estado, que passa a utilizar um sistema de dados – os testes de múltipla escolha de habilidades básicas dos estudantes – como base para decisões de responsabilização, que envolvem recompensas e punições para escolas e seus profissionais, conforme atinjam as metas de desempenho. A elevação das pontuações dos testes passa a ser o objetivo educacional, representando a medida da eficiência de professores e escolas.

Esquivando-se da questão da produção da desigualdade na sociedade, os reformadores acreditam que professores eficientes sejam capazes de resolver o problema da disparidade de desempenho entre estudantes de diferentes grupos sociais. Equipes constantes de professores eficientes poderiam ser formadas se os administradores pudessem demitir à vontade os ineficientes e vincular o pagamento aos escores dos estudantes. Porém, à medida que o profissional é julgado com base em resultados mensuráveis, sua experiência e qualificações são desvalorizadas. Para alcançar esses objetivos, tenta-se eliminar os sindicatos e a estabilidade do professor, considerados uma barreira à gestão eficaz dos recursos humanos e das condições de trabalho.

A infusão de ideias de mercado na educação pública é acompanhada pela injeção de grandes somas de dinheiro por poderosos empresários e suas grandes fundações, que assumem para si a tarefa de reformar a educação. Assim, a reforma abre suas portas para o domínio de profissionais de diversas áreas, sobretudo do meio empresarial, contribuindo para a desvalorização da profissão docente.

As fundações financiam desde organizações que terceirizam professores5 até escolas públicas, empresas de escolas por concessão, treinamento de diretores de escolas e superintendentes distritais, programas públicos e movimentos políticos que defendam seus interesses de mercado, formando uma rede de filantropia privada que passa a definir a agenda política da reforma educacional dos governos. A filantropia da virada do milênio não arrisca deixar o planejamento das reformas para seus beneficiários; são as próprias fundações que definem o que e como realizar, e quais organizações são apropriadas para suas doações, cobrando um retorno de seu investimento através de medidas concretas de efetividade.

As principais fundações dos EUA – Gates, Walton e Broad – representam juntas uma força além do alcance das instituições democráticas. Por serem organizações privadas, não estão sujeitas à supervisão e revisão do público, o que condena a educação ao capricho dos financiadores e empreendedores e ao sabor da instabilidade do mercado. A definição da agenda de reforma é ideologicamente dominada por esses atores, que desqualificam qualquer posição contrária como avessa à mudança e defensora do engessado status quo.

Ravitch expõe as experiências emblemáticas de dois distritos que capturaram a atenção dos reformadores de mercado, o Distrito 2, da cidade de Nova Iorque, e San Diego. Ansiosos por encontrar um programa de reforma que pudesse alcançar escores de testes mais altos, os reformadores ficaram animados com a estratégia implementada em finais de 1980 no Distrito 2, crentes de que haviam encontrado um molde pronto para ser facilmente imposto por líderes firmes com intuito de atingir resultados rápidos. A reforma do Distrito 2 influenciou posteriormente a reforma de San Diego, em 1998, e da cidade de Nova Iorque, em 2001.

A verticalidade dessas reformas chamava a atenção. O superintendente de San Diego acreditava que mudanças eficazes são impostas rapidamente a partir de um centro gestor, e concentrou-se em demitir professores e diretores que não cumpriam prontamente as ordens centrais, demandar maiores escores nos testes, atacar a burocracia, lutar contra o sindicato dos professores e abrir escolas por concessão.

Em Nova Iorque, o prefeito e seu secretário de Educação foram mais ousados, conseguindo obter em 2002 o controle direto sobre as escolas da cidade. Empenharam-se em promover a “escolha” escolar, através do estímulo às escolas por concessão e às pequenas escolas de ensino médio, e programas de responsabilização envolvendo incentivos e sanções. Em 2007, o Departamento de Educação de Nova Iorque adotou um programa de pagamento por mérito, que oferecia bônus às escolas que atingissem progressos anuais em seus escores de testes.6

Ravitch critica a política verticalizada dessas reformas, que desconsideram a complexidade do processo educacional, cujas mudanças ocorrem de forma incremental, conforme os atores locais se apropriem de significados compartilhados e desenvolvam relações de confiança (cf. Bryk et al., 2010) em suas comunidades profissionais. Além disso, o controle direto sobre as escolas elimina os mecanismos de revisão pública de decisões, necessários em uma democracia para garantir a legitimidade e credibilidade das decisões políticas.

Em 2002, o governo Bush teve força suficiente para aprovar uma nova legislação federal para a educação, a lei No Child Left Behind (NCLB),7 graças ao apoio bipartidário que girava em torno da necessidade de maior responsabilização para as escolas. Essa lei selou a era da responsabilização baseada em dados, que exacerbou a importância dos testes, tornando-os fins em si mesmos. O destino de profissionais e escolas passou a ser decidido com base na pontuação dos estudantes nos testes de habilidades básicas de leitura e matemática.

A lei deixava os estados americanos livres para administrarem seus próprios testes e definirem seus próprios níveis de proficiência. A meta era que todas as escolas e distritos realizassem progressos anuais para cada grupo de estudantes em direção ao objetivo de 100% de proficiência até 2014. As escolas que fracassassem em alcançar o progresso estariam sujeitas a vários graus de sanções, entre os quais seus profissionais poderiam ser demitidos, a escola poderia ser fechada ou (eufemisticamente) “reestruturada”, convertendo-se em escola por concessão. Não há uma estratégia de orientação e apoio para as escolas que necessitem de melhoria. Pressupõe-se que as ameaças de demissão dos profissionais e de fechamento das escolas sejam suficientes para incentivá-los a melhorar. Caso não sejam, acredita-se que a administração privada será mais eficaz em alcançar bons resultados para os estudantes necessitados.

Exigir metas inatingíveis, combinadas à ausência de estratégias de assistência, contribui para aumentar cada vez mais o número de escolas públicas que se encontram em risco de serem fechadas ou transformadas em escolas por concessão, o que representa uma contagem regressiva para a demolição da educação pública. A reforma gera sutilmente um círculo vicioso, à medida que sua programação abala a confiança nas instituições públicas e na profissão docente, embasando mais demanda para privatizar a administração das escolas, assim como para desprofissionalizar a educação.

Os reformadores acreditam que as escolas por concessão, livres da regulamentação estatal, sejam capazes de alcançar melhores resultados e injetar dinamismo e competição no sistema, contribuindo para estimular a melhoria das escolas públicas regulares. Deixar a administração das escolas aberta ao grande fluxo de iniciativas privadas produziria uma saudável variedade no sistema educativo, proporcionando escolha às famílias dos estudantes que não conseguissem progredir nas escolas regulares. Desregulamentação, competição e escolha pareciam soluções óbvias.

O apelo para a criação de escolas administradas por concessão já era forte na década anterior à NCLB, fazendo parte de legislações estaduais e da legislação federal do governo Clinton, e permanece forte no governo Obama, apesar da ausência de evidências que comprovem a superioridade do setor como um todo. As pesquisas não mostram um padrão que permita afirmar que as escolas por concessão sejam melhores em alcançar bons resultados para os estudantes. Só é possível afirmar que a variedade na qualidade dessas escolas é enorme, incluindo desde aquelas excelentes a escolas precárias controladas por pessoas corruptas e incompetentes.

No entanto, não surpreende a insistência dos políticos em adotar esse modelo para a reforma, pois o entusiasmo pelas soluções de mercado e a posição ideológica contrária ao setor público superaram a busca por evidências empíricas. Ravitch sinaliza que o verdadeiro debate sobre as escolas por concessão é ideológico e não será esgotado com a incansável guerra de dados.

Assim como certas escolas públicas regulares, algumas administradas por concessão registram altos escores nos testes padronizados. Esses dados são suficientes para animar os reformadores e a mídia a projetarem uma imagem de sucesso para essas escolas como um todo. No entanto, estudos mostram que, por trás desses dados, existem certas condições que favorecem as escolas administradas por concessão. Elas atraem os estudantes mais motivados, podem dispensar aqueles de baixo desempenho ou que não cumpram seu código disciplinar, além de receberem recursos financeiros adicionais de grandes fundações, o que lhes permite oferecer turmas menores e mais tempo para atividades.

Ao contrário do que previram os defensores da escolha, as escolas públicas não estão melhorando com a competição. Elas acabam recebendo os estudantes de baixo desempenho e fraca motivação, sinalizando uma tendência de queda contínua em seus escores. A privatização das escolas tende a criar um sistema de dois níveis cada vez mais desigual, sem contribuir para encarar o desafio que permanece em aberto, de como educar todos os estudantes.

Ravitch expõe dados do Naep que mostram resultados desanimadores nos anos após a implementação da NCLB. Mais fundamental que isso, ela critica os pressupostos errôneos de como melhorar as escolas e sinaliza as distorções provocadas por eles. Na era da responsabilização, os testes extrapolaram sua função diagnóstica e adquiriram uma dimensão preocupante com propósitos de grandes consequências, sob a crença de que são uma ferramenta infalível capaz de identificar quais profissionais devem ser demitidos ou recompensados e quais escolas devem ser fechadas.

No entanto, por mais bem construídos que sejam, os testes são sempre imprecisos e sujeitos a variações aleatórias, erros humanos ou problemas técnicos. São limitados para medir o conhecimento dos estudantes, e ainda mais limitados para medir a qualidade das escolas e de seus profissionais. Eles podem fornecer importantes informações sobre o progresso das escolas, mas não devem ser utilizados como o único dado a partir do qual decisões importantes são tomadas.

Os testes assumem o poder de responsabilizar as escolas como se seus resultados refletissem apenas o que nelas ocorre e o que seus profissionais fazem para educar os estudantes. Sabe-se, no entanto, que são múltiplos os fatores que afetam o desempenho nos testes. A responsabilização focada nas escolas ignora a parte de responsabilidade dos estudantes e suas famílias, e do poder público em prover condições adequadas de trabalho. Os professores não são responsáveis sozinhos pelo aprendizado dos estudantes, e nem tudo de valor que um professor transmite aos seus alunos pode ser apreendido em um teste padronizado.

Quando as pessoas são pressionadas a satisfazerem medidas limitadas de desempenho, suas ações irão concentrar-se obsessivamente nos aspectos que influenciam estas medidas, negligenciando os outros objetivos da educação e os aspectos qualitativos do trabalho que não podem ser mensurados. A pressão por aumentar os escores dos testes de habilidades básicas pode produzir escores maiores e, ao mesmo tempo, uma educação pior. Professores concentram-se em ensinar aquilo que conta para os esquemas de responsabilização, prestando menos atenção às outras disciplinas e dimensões da formação, além de restringir o ensino a atividades de treinamento para testes (cf., também, Hout & Elliott, 2011; Madaus et al., 2009).

É bem conhecida a ocorrência de truques e atalhos para atingir os resultados desejados, como a manipulação da população testada, ou a diminuição dos níveis de exigência nos testes estaduais. Outra distorção é que os estudantes mais necessitados recebem menos atenção, pois os professores concentram seus esforços nos alunos próximos da média, que demonstrem maiores chances de progredir em curto prazo e elevar a média de desempenho (cf. Neal & Schanzenbach, 2010). Além disso, as escolas passam a competir pelos melhores estudantes e a adotar mecanismos velados de exclusão dos alunos que ameacem reduzir os escores da escola.

Ravitch defende um sistema de responsabilização que avalie as escolas com objetivo de ajudá-las a melhorar. O sistema de avaliação de professores e alunos deveria ser mais amplo que medidas de desempenho em testes padronizados, além de incluir outros atores, como o poder público, igualmente responsáveis pela capacidade das escolas em prover um bom ensino.

Fechar escolas não resolve o problema e ainda contribui para destruir instituições estabelecidas e fragmentar laços de comunidade. A escolha das famílias é que sua escola de bairro seja bem-sucedida; é obrigação do sistema público que todas as escolas o sejam, assim como é obrigação dos gestores buscar soluções reais para as escolas públicas que enfrentam dificuldades.

Decisões importantes de demissão e recompensa não podem ser feitas de forma leviana, baseadas em dados limitados. Demissões são possíveis e necessárias quando se trata de servidores negligentes e descompromissados com a moral do serviço público. Contudo, o julgamento profissional não deve basear-se apenas nos escores dos testes; deve incluir avaliações conduzidas por educadores experientes e formas de assistência da equipe escolar a professores com dificuldade. Os dados são importantes, mas isoladamente não oferecem uma justa medida do trabalho do professor e não podem substituir a avaliação em campo por um profissional experiente na área educacional.

Ravitch defende o fortalecimento da profissão docente, por meio do reconhecimento da importância da experiência e da formação inicial, enraizada na disciplina lecionada e na pedagogia. Além disso, a profissionalização deve incluir um apoio constante em serviço de mentores e colegas.

Ela reforça que os ricos objetivos da educação não sejam reduzidos a pontuações em testes, os quais devem ser apenas um indicador. Quando o teste torna-se objetivo principal vinculado a fortes consequências, ele próprio é invalidado e perdem-se de vista os objetivos essenciais da educação. Ravitch defende a importância de um currículo enraizado nas artes e ciências, que incite os estudantes à busca pelo conhecimento, desenvolva sua cidadania, capacite-os a refletir criticamente sobre questões e a tomar decisões sensatas sobre a própria vida, e contribua para formação do caráter e disciplina.

Para ela, as mudanças organizacionais propostas não irão resolver os problemas da educação, pois o sucesso das escolas depende de múltiplos fatores, como a definição de um currículo sólido, professores bem preparados, materiais, recursos e condições adequadas de trabalho, estudantes dispostos, pais apoiadores, e outros serviços ligados a uma reforma social mais ampla.

Também fica claro que a lógica de mercado não é apropriada para prover educação pública. A competição por clientes, o atendimento ao público de forma diferenciada e a oscilação de oferta fazem parte da esfera do mercado, mas perdem o sentido quando são transpostas para a esfera pública, encarregada de prover direitos sociais que devem ser garantidos a todos, independente do poder político e da posição na esfera produtiva. As esferas pública e privada podem coexistir, mas possuem objetivos de natureza distinta e devem ser regidas de acordo com a lógica coerente com seus objetivos.

Ravitch terminou de escrever o livro em 2009 e a publicação da primeira edição saiu em 2010. Porém, desde o seu lançamento, novas pesquisas e eventos significativos ocorreram na educação americana, fomentando na autora a necessidade de escrever um epílogo, intitulado School and Society (“Escola e Sociedade”), que por enquanto foi acrescentado somente na segunda edição do livro em inglês, lançada em 2011.

Desde o lançamento da primeira edição, surgiram importantes movimentos de resistência de vários grupos organizados, incluindo atores como pais e professores; escândalos emergiram apontando fraudes praticadas em grandes sistemas (como Nova Iorque), antes exaltados pelos reformadores devido aos seus “excelentes resultados”; e importantes pesquisas continuam a demonstrar a incapacidade das políticas de mercado em prover melhor educação para os estudantes, bem como as distorções provocadas por elas.

No entanto, a ebulição desses acontecimentos e de tantas evidências contrárias não foi suficiente para abafar o movimento de reforma empresarial, que adquiriu novo fôlego graças aos investimentos contínuos do setor filantrópico privado, às publicações acaloradas da mídia – como a do jornal Newsweek, sem contar o glamour agora conquistado em Hollywood com o lançamento do documentário Esperando pelo super-homem, em 2010.

Essas narrativas transbordam na exposição de dados para demonstrar o fracasso do sistema escolar público, atribuído à incompetência dos professores e à proteção dos sindicatos. O documentário defende, por meio de recursos dramáticos, que a única solução para as crianças8 é abrir mais escolas por concessão e poder demitir professores à vontade. No entanto, assim como a história do Newsweek, esse documentário baseia-se em meias-verdades, dados distorcidos, exageros e interpretações equivocadas.

Ravitch expõe as diversas falhas dos argumentos expostos nessas narrativas, que tipicamente desconsideram a implicação que a desigualdade social exerce no aprendizado dos estudantes. A pobreza, ela reforça, é um fato, não uma “desculpa” como alegam os reformadores. Ela também denuncia que expor o sindicato como “contrário aos interesses das crianças” é um apelo injusto dos reformadores, ansiosos por reduzir investimento público e privatizar escolas públicas sem enfrentar oposição organizada.

A reforma adquiriu o apoio crucial do presidente Obama e seu secretário de Educação Arne Duncan, com o lançamento do programa federal “Corrida para o topo”9 em 2009, segundo o qual seriam elegíveis para competir pelos fundos federais somente os estados que concordassem em adotar as prescrições do programa. Basicamente, o “Corrida para o topo” estimula a criação de escolas administradas por concessão – ousando ainda mais, prevendo eliminação dos limites para sua criação nos estados – e o uso das estratégias punitivas da NCLB nas escolas de baixo desempenho. Porém, esse programa foi mais longe que a lei, acrescentando que os estados aspirantes ao fundo deveriam concordar em demitir e recompensar os professores com base nas pontuações dos testes dos estudantes.

A publicação deste livro é bem vinda no Brasil, pois permite que façamos uma análise crítica das reformas educacionais em nosso país, tanto nos estados e municípios como na esfera federal.

Em São Paulo, por exemplo, a reforma educacional vem sendo conduzida de acordo com os mesmos pressupostos de mercado. Empresários, grandes empresas e fundações se mobilizam em movimentos e associações, como “Todos pela Educação” e “Parceiros da Educação”, com objetivo de “melhorar o aproveitamento escolar dos alunos”, influenciando e contribuindo com as políticas públicas de educação através de ações de parceria junto à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo e às escolas (envolvendo desde formação continuada de professores/coordenadores, reforço escolar, à elaboração de plano de ação da política educacional e das escolas), além de ações de mobilização em torno de suas diretrizes e de divulgação dos resultados das metas por eles estabelecidas.

O interesse deles é compreensível, uma vez que a educação adquire caráter de urgência e prioridade para o desenvolvimento do novo modo de produção capitalista (cf. Freitas, 1991). A parceria público-privado também se manifesta na forma de arranjo de desenvolvimento da educação (ADE), um regime de colaboração recém-homologado pelo Ministério da Educação, que prevê a coparticipação de estados, municípios e instituições privadas e não governamentais na “melhoria da educação”.

Abriu-se um mercado para a indústria das consultorias, que recebem a responsabilidade de definir projetos de governos – a exemplo do projeto implementado no estado de São Paulo10 e outros (cf. Brooke, 2011) –, elaborar os testes de larga escala e, atualmente, realizar pesquisas encomendadas, financiadas pelos cofres públicos e grupos de executivos e fundações.11

Proliferam projetos e programas que contribuem para a desvalorização e precarização da profissão docente. Estes introduzem nas escolas – por meio dos próprios sistemas públicos, organizações e parcerias entre ambos – “monitores”, “oficineiros”, “tutores”, “trainees“, ou seja, profissionais sem experiência/qualificação docente, contratados temporariamente para atuar com os alunos em atividades culturais, esportivas, artísticas, e de reforço escolar, especialmente em escolas de vulnerabilidade social,12 caracterizando a natureza marginal desses programas. Por trás disso, nota-se a desresponsabilização do Estado em prover professores bem formados na área e em melhorar as condições de trabalho da categoria docente.

O exaltado discurso “professor é tudo”13 não é de valoração, mas de responsabilização, e de acordo com ele a culpa pela defasagem de aprendizagem dos alunos é da ineficiência do professor. Ao invés de se moverem pela lógica da profissionalização docente, os reformadores desvalorizam a formação inicial e defendem que salário e progresso na carreira sejam baseados na produtividade dos professores, medida pelo desempenho de seus alunos nos testes padronizados.

Assim, as reformas empresariais corrompem o “espírito do serviço público” ao atrelar pagamento a variações aleatórias do mercado como nível de produtividade, ao invés de vinculá-lo ao verdadeiro valor do trabalho e aos valores do servidor, como tempo de serviço e qualificação.14 Nesse cenário, valoriza-se a formação em exercício, em sua maioria por meio da EaD, na qual as aulas presenciais são substituídas por um plantão tira-dúvidas com tutores do programa.

Os testes padronizados de habilidades básicas já são bem conhecidos no Brasil em todos os níveis – municipal, estadual e federal15– e alguns servem como base para premiar professores nas redes que implementaram programas de pagamento de bônus.16 Alguns desses programas baseiam-se em outras medidas como taxas de evasão escolar, e até mesmo o que chamam de “avaliação institucional” – que seriam questionários online respondidos pelo corpo profissional e discente sobre vários aspectos de sua escola.17

Vale ressaltar que vários estudos (cf. Hout & Elliott, 2011; Madaus et al., 2009; Neal & Schanzenbach, 2010) já demonstraram a ocorrência de distorções – como avaliações inflacionadas – quando o objetivo da avaliação restringe-se à responsabilização sob a forma de punição e recompensa. Estudo de Marsh et al. (2011) sobre uma das experiências mais consolidadas de implementação de programa de bônus (o caso de Nova Iorque) já demonstrou que o bônus não foi um fator de motivação capaz de gerar mudança nas práticas dos professores e no desempenho dos estudantes, e que a maioria dos professores é motivada por fatores intrínsecos relacionados ao seu desenvolvimento profissional e à aprendizagem dos alunos.

Também já presenciamos no Brasil acalorados discursos em favor da publicização dos dados e exposição dos resultados do Ideb na porta das escolas, como estratégia de pressão para gerar constrangimentos aos “mal classificados” e proporcionar escolha aos estudantes vistos como clientes. Vale mencionar também que algumas instituições públicas aderiram ao contrato de trabalho,18 sob a crença de que o mecanismo de gerenciamento dos recursos humanos do setor privado é mais eficaz que o estatutário com estabilidade. Essa crença desconsidera as características peculiares do serviço público, que preveem uma relação própria com o dinheiro, o tempo e o poder (cf. Supiot, 1995), baseadas no compromisso do servidor com o atendimento ao público.

No Brasil, pressupostos semelhantes aos criticados por Diane Ravitch vêm conduzindo as mudanças em vários sistemas educacionais locais e têm influenciado as propostas de gestores públicos e a opinião da população, atraindo-os às promessas de uma solução rápida para os problemas da educação. A mídia permanece contribuindo incansavelmente para a construção do pensamento hegemônico de que a escola “privada é boa e a pública ruim”, deixando o terreno fértil para a introdução dessas mudanças que creditam à lógica privada a solução óbvia para a ineficácia da educação, apesar da ausência de evidências que comprovem o sucesso dessas políticas nos Estados Unidos.

Os defensores da escola pública devem estar cientes de que a disputa não se encerrará pela apresentação de dados desfavoráveis; mas aponta, sobretudo, para questões sobre que democracia queremos, sobre qual educação se espera construir e para qual tipo de sociedade. Por resgatar o percurso da educação americana, esse livro torna-se leitura indispensável para todos que pretendam compreender e discutir os atuais rumos das políticas educacionais brasileiras.

Notas

1. Modalidade de privatização que incentiva os pais a escolherem a escola de seu filho através de vouchers(ou cheque educação).

2. Na tradução brasileira, o tradutor Marcelo Duarte traduz charter schoolcomo “escola autônoma”. No entanto, optamos por utilizar “escolas administradas por concessão”, pois as escolas charter são escolas públicas operadas privadamente por concessão. São escolas públicas de gestão privada.

3. Naep – Avaliação Nacional do Progresso na Educação, feita pelo Departamento de Educação americano. Pisa – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, feito pela OCDE.

4. Uma Nação em Risco.

5. A exemplo da Teach for America(TFA), uma organização que recruta universitários inexperientes, recém-formados em qualquer área, para lecionar por dois anos em escolas públicas que acolhem estudantes de baixa renda, após receberem um breve treinamento de cinco semanas.

6. O estudo de Marsh et. al. (2010) demonstrou que o programa de bônus de Nova Iorque não foi capaz de gerar mudanças significativas no desempenho dos alunos e nas práticas docentes.

7No Child Left Behind.

8. O documentário acompanha a trajetória de cinco crianças ávidas por escaparem de suas escolas públicas e conquistarem uma vaga em escolas charter, administradas por concessão, mostradas no filme como excelentes. Vale notar que são crianças motivadas, de famílias pobres, porém estruturadas e que valorizam a escola e os estudos.

9. O documentário Race to nowhere(“Corrida para lugar nenhum”), lançado em 2010, faz uma referência irônica a esse programa, representando o lado das vozes contrárias à atual abordagem de reforma.

10. A exemplo da política de bônus para os profissionais da educação do estado de São Paulo, normatizada em 2009.

11. Cesgranrio, CNI, FGV-RJ, FGV-SP, Fundação Itaú Social, Fundação Santillana, Fundação SM, Fundação Victor Civita, IBGE, Ibmec-SP/Insper, Ibope, Inep, Instituto Paulo Montenegro e Instituto Unibanco são exemplos de organizações com as quais são feitas parcerias para realização de estudos e pesquisas, que visam trazer conhecimentos sobre a realidade educacional brasileira.

12. A exemplo da Teach for America(TFA), que chegou ao Brasil (ver matéria veiculada pelo jornal O Globoem 18/07/2010, disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/escolas-municipais-terao-reforco- de-trainees-2977626> (acesso em: 27 fev. 2012).

13. Como exemplo do vídeo do movimento “Todos pela Educação”, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=wVKQ8yMV-l4> (acesso em: 16 abr. 2012).

14. Supiot (1995) define o “espírito do serviço público” como um tipo próprio de moral profissional que inclui relações com o poder, o dinheiro e o tempo essencialmente diferentes das relações da lógica do setor privado. Reivindicações de salário baseadas em critérios de tempo e formação seriam compatíveis com a defesa do “espírito do serviço público”, pois são critérios que reafirmam valores inerentes à pessoa do servidor, e não o valor de mercado da prestação de serviço.

15. A exemplo da Prova São Paulo (municipal), Saresp (estadual) e Prova Brasil (federal).

16. Brooke (2011) sinaliza alguns estados como Pernambuco, São Paulo e Espírito Santo, nos quais o pagamento de bônus foi implementado.

17. A exemplo do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza (vinculado à Secretaria de Tecnologia de São Paulo), que provê formação de nível técnico e superior, além de ensino médio.

18. A exemplo do Centro Paula Souza, que realiza contrato via CLT.

Referências

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RAVITCH, D. Vida e morte do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação. Trad. de Marcelo Duarte. Porto Alegre: Sulina, 2011.         [ Links ]

SUPIOT, A. A crise do espírito de serviço público. Adverso, Porto Alegre, v. 5, n. 7, p. 17-25, 1995.         [ Links ]

Sites

PARCEIROS da Educação. Disponível em: <www.parceirosdaeducacao.org.br>

TODOS pela Educação. Disponível em: <www.todospelaeducacao.org.br>

Sara Badra de Oliveira – Mestranda do Laboratório de Observação e Estudos Descritivos (Loed), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), E-mail: [email protected]

Rita de Cássia Silva Godoi Menegão – Doutoranda do Loed, da Faculdade de Educação da Unicamp, E-mail: [email protected]

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Saúde, trabalho e direito: Uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória – VASCONCELOS; OLIVEIRA (TES)

VASCONCELLOS, Luiz Carlos Fadel de; OLIVEIRA, Maria Helena Barros de (Orgs.). Saúde, trabalho e direito: Uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória. Rio de Janeiro: Educam, 2011, 600p. Resenha de: GOMEZ, Carlos Minayo. Revista Trabalho, Educação e Saúde, Rio de Janeiro, v.10, n.1, mar./jun. 2012.

Este livro está organizado em 12 capítulos que tratam dos seguintes temas: (1) relações saúde, trabalho e direito; (2) exploração do corpo ao longo da história; (3) imperfeição da regra trabalhista referente à saúde; (4) legislação previdenciária e seus significados; (5) ausência da questão da saúde pública no enfoque da Organização Internacional do Trabalho; (6) movimentos de lutas dos trabalhadores pela saúde; (7) importância do aporte do Modelo Operário Italiano para o campo da saúde do trabalhador; (8) diferenciações conceituais entre saúde ocupacional e saúde do trabalhador; (9) construção e institucionalização da área de saúde do trabalhador no Sistema Único de Saúde; (10) a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador; (11) desenvolvimento insustentável e ausência de foco nas relações entre saúde e trabalho; (12) confluência de uma trajetória crítica das relações entre saúde, trabalho e direito para uma práxis educativa.

O próprio subtítulo do livro já anuncia a tônica presente ao longo do conjunto dos capítulos. Farta informação e análises críticas caracterizam esta obra que constitui uma nova vertente no tratamento habitualmente dado pela literatura existente às questões referentes à promoção da saúde dos trabalhadores. O amplo leque de temas abordados configura o texto como um valioso compêndio, apoiado em vastíssima bibliografia, que sistematiza conceitos, processos históricos e oferece compreensão para lacunas nessa área de atuação. Por essa razão, não se pode fazer uma síntese do riquíssimo e diversificado conteúdo da obra. Destacam-se, portanto, apenas alguns aspectos dos assuntos desenvolvidos extensamente nos seus 12 capítulos e que expressam formas diversas de compreensão da problemática da saúde no trabalho.

Apresentam-se de forma muito original as premissas e concepções que regem a formulação de políticas, das estratégias, dos mecanismos operacionais e das práticas dos diferentes atores que lidam com os problemas da saúde dos trabalhadores. Cabe ressaltar a importante contribuição trazida com a introdução da temática do direito à saúde no seu aspecto irrestrito de cidadania plena, típica dos demais direitos civis, econômicos, sociais e humanos fundamentais. Com o intuito de analisar o percurso histórico seguido na regulação das questões relativas a esse direito, realiza-se uma genealogia das instâncias internacionais e nacionais de normatização trabalhista nas sociedades industriais. Contextualiza-se, de forma profícua, a origem dos problemas que levaram à realização do conjunto das convenções relativas ao setor e ao estabelecimento de recomendações a esse respeito. No plano nacional, ressalta-se a importância da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e da Legislação Previdenciária no que se refere à reparação, do ponto de vista financeiro, dos danos provocados pelos efeitos nocivos e fatais das condições de trabalho dos segurados.

Descrevem-se com profusão de detalhes os eventos, correntes ideológicas e movimentos que influenciaram e deram origem à criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como organismo internacional reconhecido como regulador do mundo do trabalho. Destaca-se, particularmente, o panorama institucional, histórico e conjuntural que conduziu à constituição desses espaços de negociação, como as ameaças das greves e dos movimentos revolucionários. Entre os exemplos citados de negociação estão: a delimitação da jornada de trabalho, a proposta de tripartismo, os acordos internacionais para normatizar o trabalho infantil e da mulher, o trabalho noturno e a exposição a agentes químicos como chumbo e fósforo. A OIT também trouxe para si a responsabilidade de regulação internacional da saúde como componente da preservação da força de trabalho, mas fora do âmbito da saúde pública. Ao fazê-lo, acaba desonerando outras instâncias internacionais, inclusive a Organização das Nações Unidas (ONU), que na Declaração dos Direitos Humanos não incorpora essa perspectiva. Essa ausência também se nota na própria atuação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Os autores ressaltam, porém, que o Brasil foi um dos poucos países a inserir o tema da saúde do trabalhador na Constituição, como direito de cidadania e dentro dos princípios estruturantes do Sistema Único de Saúde (SUS).

O livro descreve os movimentos de luta pela saúde, seja de forma implícita na conquista de reivindicações econômicas e de mudanças nas relações de trabalho ou, de forma explícita, quanto aos riscos à saúde. Merece destaque a farta documentação reunida sobre a atuação do movimento sindical brasileiro ao longo do processo de industrialização e dos diversos governos. E, especificamente, a luta pela saúde a partir do final da década dos anos 1970, em que a experiência italiana de combate à nocividade nos ambientes de trabalho exerceu notável influência na construção do pensamento das diretrizes operacionais a respeito.

Nesse sentido, os autores ressaltam a contribuição do Departamento intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (DIESAT) como uma grande referência de ação sobre bases intersetoriais e interdisciplinares para a saúde do trabalhador do ponto de vista da saúde coletiva. Apresentam-se também as lutas nas indústrias paulistas como ações pioneiras frente à negligência das empresas em relação à exposição a determinados agentes químicos e físicos. Os autores referem as várias mobilizações do movimento sindical nas últimas décadas do século XX em prol da saúde e dão realce aos desafios atuais e à fragilidade da sua atuação, entre outros motivos, por sua cooptação pelo Estado.

Uma parte considerável do conteúdo do livro é dedicada a analisar o processo de institucionalização dos instrumentos de proteção à saúde do trabalhador no SUS, as propostas de desenvolvimento de ações no nível nacional e a criação de instâncias intersetoriais e interministeriais, inclusive das que dizem respeito ao controle social. Os autores tecem considerações sobre os avanços conseguidos com os diplomas legais de saúde que legitimaram a área no cenário institucional, histórico e conjuntural. Avaliam, criticamente, que tais avanços não redundaram em ações efetivas e permanentes, pois não foram inseridos na formulação de políticas setoriais e nem como componentes do desenvolvimento sustentável. É mencionada uma série de entraves no percurso histórico de implementação da Política de Saúde do Trabalhador, em que progressos e retrocessos, ingerências políticas e conflitos corporativos entre o setor Saúde, do Trabalho e da Previdência social são a tônica. Os autores enfatizam que são vários os sinais reveladores de tais limitações como é o caso dos sistemas deficientes de informação e notificação de agravos, da reduzida atuação da vigilância, da débil articulação intra e intersetorial e da insuficiente capacitação de profissionais.

Destaca-se e, ao mesmo tempo, é questionada a criação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast), uma das iniciativas recentes mais significativas para a institucionalização do tema de saúde dos trabalhadores no SUS. Considera-se que essa iniciativa, implantada formalmente em todos os estados do território nacional e estruturada por meio de centros de referência municipais e regionais, teria maior efetividade se, de fato, fosse orientada pelo paradigma sistêmico e holístico da concepção de rede. Entretanto, ressente-se da falta de comunicação entre os centros e escassas articulações no interior do SUS e com outros setores, ao que se alia uma concepção eminentemente assistencialista em saúde do trabalhador.

O foco central da reflexão crítica sobre a natureza dos avanços e das grandes limitações diagnosticadas se localiza na crônica ausência de respostas do Estado às legítimas demandas trazidas pelos movimentos sociais organizados e pelos próprios técnicos das instituições e serviços sobre os problemas de saúde do trabalhador. A conclusão é que, hoje, tanto o setor saúde como o do trabalho e da previdência estão muito aquém do enfrentamento dos determinantes dos agravos relacionados ao trabalho.

Em síntese, são muitos os méritos deste livro que realiza uma viagem instigante por vários terrenos teóricos e práticos, levantando questões e apontando debilidades no campo do direito e da saúde do trabalhador. Oferece, ainda, fundamentada crítica sobre ausência de compromissos efetivos em pontos e áreas cruciais, dando relevância a vários avanços conquistados.

Carlos Minayo Gomez – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. E-mail: [email protected]

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[MLPDB]

História inacabada do analfabetismo no Brasil – FERRARO (RBHE)

FERRARO, Alceu Ravanello. História inacabada do analfabetismo no Brasil. São Paulo, SP: Cortez, 2009. Resenha de: RESENDE, Márcia Aparecida. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 1 (28), p. 243-250, jan./abr. 2012.

A presente obra faz parte de uma coleção da Editora Cortez dedicada à educação pública no Brasil – a “Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira”, que apresenta duas séries temáticas envolvendo educação e escolarização nas pesquisas em história da educação. Alceu Ravanello Ferraro, doutor em ciências sociais, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dedicou-se, desde os anos de 1980, à pesquisa sobre analfabetismo e escolarização em perspectiva sociológica, tendo publicado inúmeros artigos em periódicos da área da educação, como também capítulos de livros. Ainda atua como pesquisador do CNPq em universidades do Rio Grande do Sul.

É com base nos indicadores do estado e da situação educacional, obtidos por meio dos censos demográficos e das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), feitos pelo IBGE, que o autor desenvolve seu estudo na referida obra, resguardando as limitações inerentes a indicadores obtidos por meio de censos demográficos que se baseiam em respostas tipo “sim” ou “não” que as próprias pessoas entrevistadas concedem às perguntas “sabe ler e escrever?” e “sabe ler e escrever um bilhete simples?”. Contudo, a informação censitária sobre a capacidade de saber ou não ler e escrever é a única característica educacional pesquisada para toda a população, desde o primeiro recenseamento nacional realizado no Brasil em 1872, permitindo traçar a trajetória de longo prazo do estado da educação brasileira. O autor fez a opção por trabalhar com taxas de analfabetismo para a população de 5 anos ou mais, por ser o único indicador comparável que pode ser construído desde o primeiro até o último censo demográfico, já que os censos de 1872, 1890 e 1900 levantaram dados para toda a população a partir de zero ano de idade.

Embora possa parecer, inicialmente, o estudo não se circunscreve à metodologia quantitativa de investigação, porque o autor trata as estatísticas como objeto de investigação, de questionamento, e não como algo dado. Assim também em relação às leis de reforma eleitoral, que suscitaram intensos debates sobre o voto dos analfabetos, Ferraro dedicou-se à análise dos discursos como forma de compreender os resultados em relação aos processos de alfabetização e escolarização.

Diante da reflexão sobre a pertinência ou não de ainda hoje se ocupar do analfabetismo absoluto, Ferraro (2009, p. 24) entende que “[…] este é o único indicador que permite traçar a trajetória secular do estado da educação no Brasil”. O analfabetismo absoluto refere-se à incapacidade de ler e escrever, enquanto processo de decodificação e codificação do sistema de escrita. A partir dos anos de 1950, o questionários do censo passaram a indagar se a pessoa era capaz de “ler e escrever um bilhete simples”, evidenciando uma preocupação com a prática social da escrita. Ferraro destaca a ênfase dada pela Unesco, desde 1970, ao conceito de “analfabetismo funcional”, que é a incapacidade de uma atuação eficaz do sujeito em sua comunidade, no que se refere aos usos da leitura, da escrita e da aritmética.

Nesse sentido, percebe-se uma visão ampliada do conceito de alfabetização, o que Ferraro define como “critério mais rigoroso de analfabetismo” (idem, p. 23), fazendo com que o número absoluto de analfabetos no Brasil seja duplicado. É o que ele caracteriza como “um novo tipo de analfabetismo”, associado às exigências do mundo industrializado em fins do século XIX, que estabelece padrões de distinção cultural e social pelo domínio ou não de certas capacidades vinculadas ao universo da leitura e da escrita. A esse respeito, Cook-Gumperz (2008, p. 13) afirma que “[…] a alfabetização é um fenômeno socialmente construído, e não a simples capacidade de ler e escrever”, acrescentando ainda que a literatura dos anos de 1990 trata de uma “multiplicidade de alfabetizações”, e passamos a compreender que a alfabetização tem muitas facetas” (idem, p. 14).

A obra está organizada em oito capítulos, que possuem relativa autonomia, podendo ser lidos e compreendidos de maneira independente. No primeiro, o autor problematiza a temática do analfabetismo na virada do milênio, mostrando que este ainda é um desafio do novo século. No segundo capítulo, é feito um retrospecto sobre o analfabetismo no Brasil, enquanto no terceiro o autor aborda a sua construção social como uma questão nacional e política. O quarto capítulo traz uma análise quantitativa do analfabetismo de 1872 a 2000, apontando o crescimento vertiginoso do número absoluto de analfabetos. No quinto capítulo, Ferraro aborda criticamente o Mobral como um projeto educacional do Regime Militar que cumpriu a função de difundir a ideologia oficial. Já o sexto capítulo trata do analfabetismo em uma perspectiva regional, apontando para o fenômeno das desigualdades. O sétimo capítulo procura responder a questão “quem são os analfabetos?”, analisando as relações de raça, classe social e gênero. Por fim, no oitavo capítulo, o autor discute a relação entre escola e analfabetismo, mostrando que este ainda é um fenômeno produzido pelos processos de exclusão na escola.

Inicialmente, Ferraro apresenta um breve diagnóstico quantitativo do analfabetismo no Brasil, no final do século XX e início do século XXI , tendo por base o censo 2000 e a Pnad 2005. De início, ele chama a atenção para o fato de que o número de analfabetos, em fins do século XX e começo do XXI, é preocupante: mais de 18,8% milhões de pessoas na população de 8 anos ou mais, segundo dados do IBGE, de 2000. Para se compreender melhor as dimensões desse número absoluto apontado pelo censo, é necessário analisar a distribuição regional do analfabetismo que, segundo o autor, ajuda a construir um significado social e político acerca da questão.

Considerando a dimensão regional, os dados apontam para uma acentuada desigualdade entre as unidades da federação, que o autor organiza em quatro grupos. O grupo 1, estados do Nordeste mais o Acre, reúne as taxas mais elevadas, superiores a 20%. Somente os estados da Região Nordeste somam 52,7% dos analfabetos no país. O grupo 2, Amazonas, Pará e Tocantins com taxas de 17,2 a 15,3%. O grupo 3, que compreende Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amapá, Roraima, apresentou variações de 12% a 10,1%. Já o grupo 4, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, as taxas mais baixas do país, de 8,6% a 5,2%. Pelo que se vê através dos dados, o fenômeno do analfabetismo no Brasil, no ano de 2000, mostra-se com uma forte desigualdade regional.

Na tentativa de compreensão da gênese da desigualdade regional, o autor faz uma análise da história quantitativa do analfabetismo. Assim, o primeiro censo, de 1872, revela uma taxa de 82,3% (para pessoas de cinco anos ou mais), o que no censo de 1890 se mantém, com um índice de 82,6%, demonstrando que a escolarização, até o final do Império, não tivera força para se instaurar como medida prioritária do Estado. A esse respeito Faria Filho (2007, p. 135) explica que a presença do Estado era muito pequena e pulverizada e que os investimentos feitos na instrução primária pelas províncias eram insuficientes para se alcançar os resultados desejados, embora houvesse um intenso debate em torno da necessidade de escolarização da população.

Sendo verdade que o Brasil ocupava, em fins do século XIX, a posição de “campeão mundial do analfabetismo”, como destaca Ferraro, também é fato que “[…] nem a própria escola tinha um lugar social de destaque, cuja legitimidade fosse incontestável” (idem, p. 135-136). Mas, para Ferraro, a instrução primária, que era uma necessidade fundamental do povo, foi pouco cuidada pelo Império, que “estava longe de corresponder a tão boa vontade”, citando Holanda (apud Ferraro, 2009, p. 126).

No período recenseado, 1872 a 1890, ocorre em todo o país uma generalização do analfabetismo, com pequenas variações nas taxas das províncias, não existindo, segundo o autor, qualquer disparidade acentuada entre as províncias, exceto os casos da província do Rio de Janeiro (sede da corte e da burocracia estatal) e das províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que apresentaram taxas mais baixas no censo de 1890, o que Ferraro explica como decorrente da imigração europeia, que implantou o sistema de propriedades familiares, e não do trabalho assalariado.

No esforço de compreender a gênese do processo de regionalização do analfabetismo, Ferraro analisa o censo de 1920, uma vez que no censo anterior (1900) houve uma subestimação do analfabetismo nas muitas unidades da federação e, por conseguinte, no país como um todo, em função do sub recenseamento de extensas áreas rurais.

No comparativo com os censos de 1872 e 1890, o censo de 1920 revela queda nos índices de analfabetismo chegando a 71,2%, porém com elevação da diferença entre a taxa mais alta (Piauí, 85,9%) e a mais baixa (Rio de Janeiro, 53,4%), o que já aponta para a desigualdade regional, sendo que as dez posições mais elevadas eram ocupadas pelos estados do Nordeste mais o estado de Goiás. Um grupo variando de 68,8% a 64,7% abaixo da média nacional, que abrange a Região Norte, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, apresentou queda acelerada em relação aos censos anteriores, enquanto Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul continuaram se destacando com taxas bem mais baixas, 53,4% e 53,8%, respectivamente.

No período de 1920 a 1960, as taxas de analfabetismo no país continuaram em queda, passando da média de 71,2% para 46,7% entre pessoas de 5 anos ou mais. Contudo, a configuração regional mudou com a elevação dos índices nos estados e territórios da Região Norte, em função da crise da borracha na década de 1940/1950, e com o destaque para os estados de São Paulo, Santa Catarina e o novo Distrito Federal, que vieram juntar-se ao Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul nos índices de melhores taxas de alfabetização. A explicação para isso, segundo Ferraro, é a incorporação dos imigrantes europeus no sistema produtivo, na forma de propriedade familiar, principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, diferentemente do sistema assalariado. O caso do novo Distrito Federal explica-sepela concentração da população urbana no setor terciário. O caso de São Paulo é diferente: manteve altos índices de analfabetismo nos períodos anteriores, embora tivesse uma economia forte garantida pelo café, configurando-se como centro econômico do país desde meados do século XIX, com uma sociedade latifundiária e escravocrata. O autor defende que o surto industrial e o crescimento urbano, posterior à crise do café, contribuíram para a redução das taxas de analfabetismo no estado de São Paulo.

Na configuração regional do analfabetismo, os censos de 1960 a 2000 revelam um sucessivo agravamento da desigualdade entre os estados, com uma distância significativa entre o Nordeste-Norte e o Sudeste-Sul, o que reforça seu caráter histórico e social.

Segundo os estudos feitos por Ferraro, pode-se concluir que há uma associação estreita entre analfabetismo e latifúndio, uma vez que as taxas mais baixas de analfabetismo registraram-se em regiões coloniais, onde predominou a pequena propriedade familiar.

Nesse sentido, Kreutz (2007, p. 348) em sua pesquisa sobre escolas étnicas ou escolas elementares de imigrantes, no período de 1820 a 1939, afirma que:

Parte dos imigrantes provinha de forte tradição escolar em seu país de origem, era alfabetizada e cônscia da importância da escola, porém, não encontrando escolas públicas nem muitas perspectivas para verem atendido seu pleito, os imigrantes puseram-se a organizar uma rede de escolas comunitárias.

A regionalização do analfabetismo nos parece também relacionada com a forma desigual com que se desenvolveu o processo de escolarização primária no Brasil, conforme estudo de Faria Filho (2007, p. 139), que aponta, no final do século XIX, a “[…] existência de sistemas provinciais, e posteriormente estaduais, sistemas de ensino cuja complexidade era bastante variada, apesar da ausência de um sistema nacional de ensino centralizado […]”.

Na análise da trajetória histórica do analfabetismo, Ferraro discute as origens do fenômeno como uma questão pública nacional estreitamente ligada ao processo eleitoral. No processo de reforma eleitoral, coloca-se em debate o voto dos analfabetos por meio dos projetos Sinimbu e Saraiva. O autor pesquisou os Anais da Câmara dos Deputados referentes aos anos de 1878 a junho de 1880, concluindo que houve retrocesso para a cidadania com a exclusão do direito dos analfabetos ao voto. A Lei Saraiva, lei n. 3.029, de 9 de janeiro de 1881, reduziu a cerca de 1/8 o número de eleitores: “Uma lei que acarretou um enorme retrocesso político em termos da própria doutrina liberal” (Ferraro, 2009, p.80). Outro aspecto de grande relevância se coloca nesse debate, que diz respeito ao que Rui Barbosa denominou como “vilipêndio” que se sobrepôs e aderiu aos analfabetos como uma segunda pele, marcando-os como portadores da cegueira, da ignorância, da incapacidade e da periculosidade decorrentes da condição de analfabetismo.

Ferraro lembra Paulo Freire que, em 1968, denunciava a persistência dessa visão “distorcida” acerca do analfabetismo, quase oitenta anos após a Lei Saraiva. Paulo Freire (2007, p. 15) critica a visão ingênua que encara o analfabetismo “ora como ‘erva daninha’ […] ora como enfermidade […] ora como uma ‘chaga’ deprimente a ser ‘curada’, […] como a manifestação da ‘incapacidade’ do povo de sua ‘pouca inteligência’, de sua proverbial preguiça”.

Dessa forma, Ferraro evidencia a mudança de significado que ganhou o termo analfabetismo com a conotação fortemente negativa atribuída aos analfabetos, desde fins do século XIX. Por isso uma questão foi levantada pelo autor e discutida no sétimo capítulo, “quem são os analfabetos?”, o que exigiu o esforço de uma análise da interrelação de classe, raça e gênero na produção das desigualdades, mostrando que os efeitos de cada uma dessas dimensões precisam ser considerados na sua especificidade.

Encerrando, o autor esclarece porque a história do analfabetismo é inacabada, ou seja, houve um processo de reprodução do analfabetismo, visto que a universalização da alfabetização não correspondeu às expectativas ao longo do século XX, sendo que novos contingentes de analfabetos foram surgindo ano a ano. Então, “[…] não basta superar a exclusão da escola mediante a expansão e até a universalização do acesso. Importa transformar a lógica de exclusão que historicamente veio regendo o processo de escolarização das camadas populares” (Ferraro, 2009, p.195).

Com a investigação realizada, Ferraro deixa importante contribuição para se avançar na reflexão sobre o analfabetismo como um problema nacional, que assume o significado simbólico, representando o fracasso da escola e da própria sociedade. A historicidade mostra que a questão é muito mais complexa e vai além dos números; o analfabetismo tem raça, gênero, classe social e território bem definidos, continuando como uma história inacabada e um objeto a ser ainda muito investigado.

Assim, a obra pode contribuir para a compreensão crítica do analfabetismo como uma questão política de universalização da alfabetização, que deve ser pensada considerando a regionalização das desigualdades das oportunidades nas diferentes unidades da federação, em função de questões políticas e econômicas. É uma leitura necessária a todos que se interessam pela educação de nosso país, especialmente pela superação da lógica da exclusão na escola, que ainda não foi resolvida, mas que pode estar silenciada pelos discursos e números da pretensa universalização do acesso à escolarização. Dessa forma, a história do analfabetismo, da maneira como foi abordada por Ferraro, aponta para a necessidade de se repensar a própria história da escola pública no Brasil, que, com seus avanços e fracassos, não deu conta de universalizar as oportunidades de alfabetização e apagar o estigma que marca a vida dos analfabetos no país.

Referências

Cook-Gumperz, J. et al. A construção social da alfabetização. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Faria Filho, L. M. Instrução elementar no século XIX. In: Lopes, E. M. T.; Faria Filho, L. M.; Veiga, C. G. 500 Anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 135-150.

Freire, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

Kreutz, L. A educação de imigrantes no Brasil. In: Lopes, E. M. T.; Faria Filho, M.; Veiga, C. G. 500 anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 347-370.

Márcia Aparecida Resende – E-mail: [email protected]

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Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau-Ponty – PAVIANI (C)

PAVIANI, Jayme. Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau-Ponty. Caxias do Sul: Educs, 2010. Resenha de: SABBI, Caros Roberto. Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 1, p. 241-245, jan./abr, 2012.

Nas dobras do tempo, tal qual um legítimo pontifex,1 Paviani liga mais de dois mil e trezentos anos que separam um dos expoentes da filosofia, senão o maior – Platão – ao filósofo fenomenólogo francês Merleau-Ponty na sua obra Filosofia, ética e educação: de Platão a Merleau- Ponty.

O primeiro, representando a Academia, criada por ele próprio em 387 a.C., num olival situado no subúrbio de Atenas, enquanto o segundo, em 1952, ganhou a cadeira de Filosofia no Collège de France. De 1945 a 1952, Merleau-Ponty foi coeditor (com Jean-Paul Sartre) da revista Les Temps Modernes. Leia Mais

Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva – BERTUSSI; OURIQUES (ES)

BERTUSSI, Guadalupe Teresinha; OURIQUES, Nildo (Coord). Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. São Paulo: Cortez, 201. 453p. Resenha de: KRAWCZYK, Nora. Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. Educação & Sociedade, Campinas, v.33 n.118  jan./mar. 2012.

A professora Guadelupe Teresinha Bertussi acaba de trazer ao Brasil um projeto editorial que deu origem à publicação, pela editora Cortez, do Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva, coordenado por ela e pelo professor Nildo Ouriques. Tem como predecessor a publicação de sete anuários mexicanos de educação, de enorme sucesso editorial. O êxito desse projeto editorial incentivou a professora Guadelupe a trazê-lo ao Brasil, sendo alocado no Instituto de Estudos Latino-Americanos (Iela), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Anuário educativo mexicano: visión retrospectiva, editado anualmente, desde 2001, pela Universidade Pedagógica Nacional (UPN), do México, inicia um modo de fazer “história do presente”, nas palavras de Guadelupe, que vai além dos limites nacionais, para chegar agora a nosso país. O objetivo que acompanha esta produção há mais de dez anos no México, e agora no Brasil, é “oferecer ensaios que analisam, os principais problemas, propostas, realizações, sucessos e fracassos que o sistema educativo vem enfrentando nos últimos anos, e que tenham sido registrados nas notícias publicadas pelos principais periódicos do país” (Garcia, 2004, p. 158).

Segundo Guadelupe, sua condição de brasileira-mexicana1 e seu interesse constante pela realidade educacional de ambos os países levaram-na a propor este projeto ao Iela. O Anuário tomou como fonte primária as notícias sobre educação veiculadas no ano de 2008 pelos jornais on-line existentes no país. Coletadas diariamente, essas fontes foram organizadas por temas num banco de dados, que pode ser consultado com acesso gratuito. Posteriormente analisadas por especialistas, resultaram na publicação do Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva.

Um anuário pode ser pensado como uma publicação anual, mas também e principalmente – e este foi o desafio da professora Guadelupe – como o registro de um momento histórico e uma importante fonte de estudo do cenário educacional brasileiro. O ano que este Anuário registra, em 2008, é significativo na política educacional brasileira: tinham-se passado seis anos do Governo Lula; cumpriam, aproximadamente, um ano de existência o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), o Programa Brasil Profissionalizado, o Ensino Médio Integrado, o Ensino Médio Inovador, ações afirmativas nas universidades federais – todos eles impulsionados pelo governo federal. Outros programas, implementados há pelo menos quatro anos, tais como: o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), continuavam sendo aspectos importantes de debate. Também outros atores sociais tomavam maior visibilidade na arena político-educacional: o movimento Educação para Todos, o Observatório da Educação, entre outros.

Ao mesmo tempo, no cotidiano escolar também se renovavam situações conflitivas – indisciplina ou violência; laicidade versus luta pela hegemonia religiosa na escola pública; condições de trabalho docente e qualidade do ensino; as TIC e as mudanças nos processos educativos. Podemos dizer que estávamos diante de um cenário educacional em que conviviam velhos e novos problemas, velhos e novos desafios, em todos os níveis de ensino.

Esses e outros temas que repercutiram nas matérias dos jornais brasileiros ao longo de 2008 são analisados por especialistas na área, no Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva. Uma obra desse porte nos obriga a refletir sobre o que significa que um tema tenha grande repercussão na mídia. Ela dá uma conotação valorativa à realidade existente e coloca assuntos em pauta nas conversas no lar, no trabalho ou entre amigos.

Segundo Thompson (2002), a mídia cria, para a esfera política, um capital simbólico que é a credibilidade, ou a destruição dela, sobre determinada ação, situação social ou personagem público. A constatação dessa influência na formação de opinião pública a respeito de temas de interesse comum, na esfera da ação política e privada, levou a mídia a ser definida como o quarto poder.

A educação nunca foi um tema especialmente relevante nos meios de comunicação de massa, porém, a partir da década de 1990, quando a reforma da educação sob uma perspectiva sistêmica passou a formar parte da agenda da maioria dos governos dos países no Ocidente, ela também veio aocupar, aos poucos, maior espaço na mídia. Isso se deve a vários fatores, um deles é o fato de essa reforma educacional no Brasil fazer parte de uma tendência internacional de reforma da gestão do espaço público e do papel do Estado, que precisava do convencimento Nora Krawczyk da sociedade; outro é a retomada da sobrevalorização da educação como potencial de empregabilidade, mobilidade social e competitividade do mercado nacional no âmbito internacional.

Por último, mas não menos significativa, a importância que toma, nas últimas décadas, a informação, com vista à orientação e ao controle da ação social e política. Isto é, hoje a mídia pode ser considerada um dos dispositivos de regulação2 social da educação, que difunde um tipo particular de informação, de conhecimento.

Ao mesmo tempo que a mídia põe em evidência momentos de problematização pública de determinado tema, ela mesma também problematiza, seleciona e põe em circulação determinadas informações e pontos de vista, chamando a atenção da população e buscando sua adesão.

Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva é composto por 20 artigos, organizados em três partes: “Ano de 2008: a educação nacional em questão”; “Novos contornos da educação brasileira”; e “O tempo presente da educação escolar”. A escrita desses artigos conta com a colaboração de José Marcelino de Rezende Pinto; Roberto Leher; Gaudêncio Frigoto; Luiz Antônio Cunha; Vânia C. Mot a; Luiz Araújo; Carmen Sylvia Vidigal Moraes e Celso João Ferreti; Maria Ciavata e Marise Ramos; Angela C. de Siqueira; Maria Teresa Esteban; Marcelo Badaró Mat os; Eliete Ávila Wolff; Gilvan Müller de Oliveira, Erni J. Seibel; Dalila Andrade Oliveira e Ada Ávila Assunção; Regina Leite Garcia; José Sérgio Carvalho; Francisco José da Silveira Lobo Neto; Flávia Schilling e Silene de Moraes Ares Freire.

É, sem dúvida, uma literatura bastante interessante para estudiosos e “curiosos” da situação educacional atual em nosso país. E, para finalizar, gostaria de recuperar a lembrança – presente na página 430 deste Anuário – de uma afirmação de Eric Hobsbawm no prefácio a A era dos extremos (1995): ao referir-se às fontes que lhe foram imprescindíveis para compreender o seu presente, destaca, entre outros, a imprensa diária ou os periódicos. O Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva oferece-nos não apenas um registro dos artigos divulgados pelos jornais disponibilizados pela internet – que em si mesma é uma fonte de estudo de extrema importância -, como também, e principalmente, a análise deles de forma independente, crítica e contextualizada numa realidade concreta.

Notas

  1. 1. Guadelupe é uma professora brasileira radicada no México desde 1974.
  2. 2. Com o termo “regulação”, refiro-me à dimensão do fenômeno definido por Barroso (2006, p. 13) como “(…) um processo activo de produção de ‘regras de jogo’ (Reynaud, 1997 e 2003) que compreende, não só, a definição de regras (normais, injunções, constrangimentos, etc.) que orientamo funcionamento do sistema, mas também o seu (re)ajustamento provocado pela diversidade Anuário educativo brasileiro: visão retrospectiva de estratégias e acções dos vários actores, em função dessas mesmas regras. De acordo com esta abordagem, num sistema social complexo (como é o sistema educativo) existe uma pluralidade de fontes, de finalidades e modalidades de regulação, em função da diversidade dos actores envolvidos, das suas posições, dos seus interesses e estratégias”.

Referências

BARROSO, J. (Org.). A regulação das políticas públicas de Educação. Lisboa: Educa, 2006. p.13.         [ Links ]

GARCIA, R.L. Entre_vista Guadelupe Terezinha Bertussi e o Anuário da Educação do México. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 25, p. 156-176, jan.-fev.mar.-abr. 2004.         [ Links ]

DELVAUX, B. Qual é o papel do conhecimento na acção pública?. Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, n. 109, p. 959-985, set.-dez. 2009.         [ Links ]

HOBSBAWM, E. A era dos extremos. O breve século XX, 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 9.         [ Links ]

THOMPSON,J.B. O escândalo político: poder e visibilidade na era da mídia. Petrópolis: Vozes, 2002.         [ Links ]

Nora Krawczyk – Doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). E-mail: [email protected]

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Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis – DAUSTER et al. (REi)

DAUSTER, T.; TOSTA, S. P.; ROCHA, G.(Org.). Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis. Rio de Janeiro: Lamparina, 2012. Resenha de: SANTIAGO, Flávio. Revista Entreideias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 117-122, jan./jun. 2012.

A obra em destaque traz como temática principal a articulação entre os estudos da antropologia e educação, apresentando, através de experiência etnográficas, os encontros entre os aportes de ambas as ciências. Os autores e as autoras unem esforços no sentido de possibilitar a compreensão do significado da antropologia enquanto ciência que contribui para o entendimento dos processos educativos para além dos limites físicos da escola. Nesse sentido, tratam de questões como pluralidade cultural, discriminação e outras temáticas relevantes no campo pedagógico, explicitando as relações existentes entre a antropologia e a educação enquanto um desafio e uma necessidade de ambos os campos frente a princípios e práticas especificas destinadas a sujeitos concretos que por sua vez, são também portadores de singularidade e especificidades.

A atual relação existente entre antropologia e educação tem por meta responder às questões postas pela cultura no tempo presente, procurando o reconhecimento da diversidade social e cultural de diferentes grupos, possibilitando a abertura de um debate, reflexão e intervenção, que acolhe desde o contexto cultural da aprendiza¬gem, os efeitos sobre as diferenças culturais, raciais, étnicas e de gênero, até os sucessos e insucessos do sistema escolar em foco na ordem social em mudança. (GUSMÃO, 2011) A partir deste contexto conceitual pesquisadores/as e professores/as, com base em pesquisas etnográficas, são provocados a escrever ensaios que apresentem processos de sensibilização para a compreensão de outras formas de representação, classificação e organização do cotidiano, promovendo um exercício prático da interfase do encontro entre a antropologia e a educação.

Raúl Iturra inicia o livro com o capítulo “A epistemologia da infância: ensaios de antropologia e educação” desenvolvendo uma análise sobre a infância, a partir das relações sociais e da cultura a qual a produz, observando os processos de formações conceituais que baseiam as teorias sobre a infância. Segundo Iturra, epistemologia não são apenas um debate filosófico da origem inata, racional, empírica e dialética do saber dos conceitos e da realidade e seus fatos, trata-se de uma metáfora teórica de acadêmicos que devem lembrar as formas e maneiras que essa realidade é organizada e como é aprendida e transmitida entre gerações. A partir desta premissa, Iturra faz seu estudo da infância e da criança, verificando o direito canônico que é um documento que “educa” moralmente as relações e julga as formas em que o individuo deve se comportar na sociedade. Vale lembrar que as leis sociais surgiram desse documento. Com isso, as relações, a maneira que as crianças estão na sociedade são reflexos da maneira que os adultos as enxergam e julgam como elas têm que ser e estar na sociedade.

Para Iturra, a infância recebeu sua epistemologia conforme a cultura a qual vive e que toda criança nasce sobre os signos desta cultura, não se constituindo somente como um indivíduo isolado, mas sim sendo a síntese de sua ancestralidade, assim como mais tarde será também dos seus descendentes.

Gilmar Rocha nos apresenta a importância dos estudos de Margaret Mead, que percebe os processos de alteridade como forma de aprendizagem para o campo da antropologia e da educação. Para o autor, as etnografias de Margaret Mead são mais do que descrições dos costumes de povos primitivos, como sugere o sentido comum da palavra; são também vias de acesso à cultura do outro, às suas visões de mundo, e aos seus sistemas de significados. Do ponto de vista pedagógico, elas fornecem modelos alternativos de experiências para problemas relativamente semelhantes vividos nos Estados Unidos e nas sociedades contemporâneas. Se Mead elegeu a educação como um caminho possível para se aprender, e aprender com a cultura do outro, no sentido inverso, descobrimos em suas etnografias um caminho fecundo capaz de nos levar a pensar sobre nós mesmos e sobre nossa cultura educacional. No capítulo: Aprendendo com o outro: Margaret Mead e o papel da educação na organização da cultura, Rocha discute a importância dos estudos de Mead para o campo da antropologia e da educação.

Para Mead a educação utiliza uma metodologia que permite penetrar na cultura e na personalidade de uma sociedade e serve como instrumento de “engenharia social” a serviço da construção do caráter nacional.

Em seguida, Tânia Dauster, no capítulo “Escrever: formação e identidade num universo de escritoras”, faz um mapeamento dos processos de formação, construção de identidades e representações práticas de escritas de oito escritoras. A autora faz entrevistas em diferentes locais e ouve desde a vida pessoal das autoras até as suas publicações, desenvolvendo seu estudo a partir da metodologia etnográfica.

Lucilena Ferreira apresenta no capítulo “Sinal fechado: representações e práticas de leituras de alunos do ensino médio de uma escola pública carioca” um estudo etnográfico das representações e práticas de leitura de alunos do ensino médio de uma escola pública do Rio de Janeiro, tendo como foco, a influência do ensino de língua e literatura na relação dos alunos com a leitura. A abordagem teórica utilizada tem como base os trabalhos de Roger Chartier, na perspectiva da história cultural, que conceitua as identidades como esquemas construídos de classificação e julgamento que organizam a apreensão do mundo, sendo sempre determinadas pelos interesses dos grupos que as geram.

Ricardo Viera no capítulo “Do lar à escola: a hegemonia das práticas escolares e a antropologia da educação em Portugal” apresenta a importância da antropologia para a compreensão de processos educativos e faz uma exposição do desenvolvimento da antropologia da educação em Portugal, com particular relevo para os de Raúl Iturra.

Na perspectiva de Viera a antropologia da educação deverá alertar e sensibilizar professores, agentes educativos, políticos e sociedade civil para a necessidade de construção de pedagogias devidamente contextualizadas, capazes de permitir o sucesso escolar para todos. Viera se aproxima muito ao pensamento de Gusmão (2011), quando afirma que existem grupos que devem ser reconhecidos em sua diversidade sociocultural, distinguindo qualitativamente as diferenças, ou seja, levar o olhar bem longe e tão profundo, de modo que se compreendam as propriedades do que é diferente, ou seja, a natureza do que seja diferente e o que constitui a diferença.

Viera apresenta as singularidades das crianças, demonstrando o processo pelo qual elas constroem e reconstroem o mundo. Salientamos que este processo não se trata de uma cópia, mais sim de uma reinterpretação do mundo, a qual se constroem a partir dos referenciais culturais de cada criança. A criança não é socializada num único contexto cultural.

Alexandre Barbosa Pereira, no capítulo “Jovem e ritual escolares” com base em uma pesquisa etnografia realizada no interior de escola pública, busca evidenciar as múltiplas relações empreendidas pela juventude contemporânea no ambiente escolar, abordando a questão do ritual como dispositivos de transmissão e perpetuação de conhecimentos. Em sua experiência etnográfica, Viera percebe que existe uma grande tensão entre a lógica dos docentes e a dos estudantes, a primeira prezando mais ordem as regras das instituições escolares e a disciplina, a segunda se pauta mais pela divisão, a gozação e a busca de quebrar regras institucionais. Um ponto fundamental para a compreensão destas tensões situa-se na questão da autoridade: Como se impor, como se fazer ouvir, como chamar a atenção e como motivá-la, essas eram as indagações mais levantadas pelos professores em sua tarefa de ensinar os jovens e inquietos alunos.

Em seguida no capítulo “Pelos mares da baía de Ilha Bela”, Anderson Tibau escreve um ensaio metodológico e etnográfico acerca do seu encontro com os professores e estudantes de ilha bela. O itinerário de formação de um pesquisador é repleto de desafios, surpresas, aspectos extraordinários, solidão, muitas situações de contato. Nadando a favor da corrente das experiências da cultura. Dentro desse processo metodológico, o olhar e o ouvir estão para a percepção assim como o escrever está para o pensamento. A investigação empírica pode ser dividida em duas etapas: a pri-meira seria o próprio trabalho de campo “a atividade in loco”, e a segunda corresponderia à escrita a distância dos fatos observados, o plano do discurso. No trabalho de campo, Tibau utiliza a fotografia como uma forma etnográfica de observação da cultura estudada. A fotografia é concebida como representação da realidade e suporte às anotações do diário de bordo, o que favorece a construção de uma narrativa visual que seja eficaz e contenha informações interpretativas acerca de uma determinada realidade. No capítulo seguinte “Cultura e cor na escola”: uma etnografia com adolescentes negros de elite, Sandra Pereira Tosa e Pollyanna Alvez apresentam uma etnografia realizada com adolescentes negros de elite, alunos do ensino médio de uma escola da rede particular do município de Belo Horizonte.

O estudo teve como objetivo central, compreender o processo de construção da identidade de adolescentes negros de elite. Identidade étnica como um caso particular de identidade social, sendo ela própria uma ideologia e uma forma de representação coletiva. Objetivou-se também compreender o sentido de pertença num jogo dialético entre a semelhança e a diferença – a identidade contrativa que abrange semelhança e diferença nos tempos com o/a ou outros/as. Para as autoras, a construção de etnografia na educação ou em qualquer outro campo, requer a realização de três atos de conhecimento, não necessariamente subsequentes, mas na maior parte do tempo integrados: dos saberes das antropólogas que lá chegarem, ou do olhar; dos saberes dos nativos com os quais convivemos e dialogamos, ou do ouvir; dos saberes resultantes desse encontro etnográfico, ou do escrever.

As autoras concluem com a pesquisa etnográfica, que as representações sociais em relação aos negros são carregadas de estereótipos negativos, sobretudo no que se refere sua corporeidade. O sentimento de pertencimento a uma identidade étnico-racial implica a aceitação de uma origem e a recusa do branqueamento, impregnada de valores eurocêntricos, como ocorreu no caso brasileiro. Por fim, o último capítulo “Educação quilombola entre saberes e lutas”, escrito por Neusa Gusmão e Márcia Lúcia de Souza, apresenta educação quilombola como uma demanda social que se insere nas políticas públicas brasileiras, se constituindo como uma luta por igualdade nas diferenças. Para as autoras pensar a educação quilombola seria buscar uma escola para a diversidade, em que professores e gestores tivessem em sua formação condições para o trabalho pedagógico com toda e qualquer expressão da diversidade cultural.

O conjunto de capítulos que compõe o livro Etnografia e educação: culturas escolares, formação e sociabilidades infantis e juvenis nos permite uma reflexão sobre as múltiplas interfaces entre a educação e a antropologia, possibilitando através dos aportes metodológicos de experiências etnografias, perceber as diferentes construções sociais relativas à cultura e ao processo de diferenciação dos indivíduos. Esse olhar antropológico voltado para o campo da educação permite uma ampliação de sentidos na medida em que as relações sociais na escola, os processos de transmissão de saberes no cotidiano, a formação de docentes atravessam as fronteiras dos espaços e das práticas educativas formais e não formais.

Referências

GUSMÃO, Neusa M. M. Antropologia, diversidade e educação: um campo de possibilidades., São Paulo, v. 10, p. 32-45, 2011.

Flavio Santiago – E-mail: [email protected]

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Educação e reforma: o Rio de Janeiro nos anos 1920- 1930 – VIDAL (HH)

VIDAL, Diana Gonçalves (org.). Educação e reforma: o Rio de Janeiro nos anos 1920- 1930. Belo Horizonte: Argvmentvm; São Paulo: CNPq: USP, Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação, 2008, 176 p. Resenha de: SHUELER, Alessandra Frota Martinez. Novas perspectivas sobre as reformas educacionais no Rio de Janeiro (1920-1930). História da Historiografia. Ouro Preto, n. 7, p. 312-317, nov./dez. 2011.

Comemorar onze anos de existência do NIEPHE – Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (Universidade de São Paulo), eis o objetivo do livro Educação e reforma: o Rio de Janeiro nos anos 1920- 1930, organizado por Diana Gonçalves Vidal. Publicada pelo núcleo com recursos do CNPq, em parceria com a editora Argvmentvm, a obra reúne um conjunto de artigos resultantes da produção acadêmica, das práticas de investigação e das reflexões teórico-metodológicas elaboradas no âmbito do grupo de pesquisa, por professores e estudantes de graduação e de pós-graduação.

É possível observar a densidade do investimento de pesquisa realizado pelo NIEPHE e a articulação das propostas de investigação desenvolvidas e concretizadas ao longo dos onze anos de existência. No campo da história da educação, os integrantes do grupo, sob a coordenação de Diana Vidal e Maurilane Biccas, agregaram-se não somente em torno de temáticas, temporalidades ou de interesses afins. Sobretudo, compartilharam e produziram problemas de pesquisa e questões teórico-metodológicas. O próprio processo de constituição do NIEPHE, como grupo de investigação em História da Educação, sua trajetória, diversidade, produção e contribuições para o campo, é ricamente narrado na introdução pela coordenadora e organizadora da coletânea, Diana Gonçalves Vidal.

Na apresentação, a autora expõe como o seu trabalho inicial com o acervo pertencente ao Arquivo Fernando de Azevedo (Instituto de Estudos Brasileiros/ USP) foi importante para a emergência de perguntas e do interesse historiográfico sobre a gestão carioca do escolanovista. Na análise de documentos diversos (leis, relatórios, programas de ensino, impressos em geral, entre outros), integrantes do acervo documental da reforma azevediana, observava-se a força do tom renovador, a intenção de modernizar e transformar a realidade, a cultura das escolas do Rio de Janeiro. O tom reformista conjugava-se com o diagnóstico sobre o atraso, sinalizando o estado deplorável do ensino na cidade nos anos que o antecederam. Diante das tradicionais casas de escola, geralmente, alugadas e consideradas inespecíficas para o trabalho de ensinar, uma das tarefas do diretor geral da Instrução Pública se consubstanciava na construção de prédios escolares próprios, modernos e adaptados aos fins do ensino.

Não por acaso, esse modo de construir a memória educacional tem estado reiteradamente presente na historiografia da educação brasileira. As décadas de 1920 e 1930, contemplando o período de maior efervescência e impacto das reformas estaduais, chamadas de escolanovistas, foram consideradas por seus próprios agentes como marcos de origem. Momento de grande empreendimento público e social em prol da educação, os anos de 1920 e 1930 foram identificados com as luzes e a modernidade, em detrimento das sombras, e das tradições, dos primeiros anos de instabilidade republicana e do período imperial, prescritos como tempos de ausências no que tange à educação e aos processos de escolarização. Tal chave interpretativa, que ainda pode ser lida em manuais de história da educação consumidos por professores em formação, nos cursos de graduação (licenciaturas) e nas escolas normais, é problematizada pelo conjunto de artigos da coletânea. Neles, os autores analisam, sob variadas perspectivas e a partir de diversas fontes documentais, as realizações da reforma educacional, atentando, porém, para o complexo processo de construção de representações culturais e sociais, bem como para a construção de uma determinada memória sobre a administração azevediana.

Os eixos de investigação que orientaram as pesquisas desenvolvidas no NIEPHE fertilizaram e mobilizaram intensamente o campo da história da educação brasileira. Participando ativamente do debate no interior da produção historiográfica em educação, o grupo contribuiu, entre outros aspectos, para a construção de abordagens centradas na cultura e nas práticas escolares, compreendendo que, na cultura escolar, há sempre um espaço de negociação “entre o imposto e o praticado, e, mesmo, de criação de saberes e fazeres que retornam à sociedade, seja como práticas culturais, seja como problemas que exigem regulação no âmbito educativo” (VIDAL; BICCAS 2008, p. 25). Nela, se pode perceber como foram constituídas as práticas escolares que “são modos de estar no mundo, de compreender a realidade e de estabelecer sentidos, partilhados social e historicamente” (VIDAL; BICCAS 2008, p. 25). Conhecer as práticas demanda o manuseio de documentos escolares, elementos que não são encontrados com facilidade como cadernos, diários e exames, por exemplo, que podem fornecer pistas dos assuntos ensinados em sala de aula, e ainda, a mobília e todo o conjunto de objetos e artefatos que fazem parte do universo escolar. Assim, o trabalho com os detalhes “permite reconhecer o passado na sua singularidade” (VIDAL; BICCAS 2008, p. 28) e a ampliação da abordagem “possibilita perceber permanências e avaliar mudanças” (VIDAL; BICCAS 2008, p. 28).

Outra categoria de análise problematizada pelo grupo, a de estratégias de escolarização, pode ser destrinchada em dois conceitos: escolarização, como empreendimento, principalmente, do Estado, mas também de movimentos sociais, indivíduos ou grupos específicos (operários, negros, imigrantes e outros); e estratégia, inspirado em Michel de Certeau (1994), que produz o “lugar de poder” pelo estrategista, que, por sua vez, busca exercer seu potencial de dirigir e regular as relações externas. Tais dispositivos analíticos têm permitido ao NIEPHE perscrutar a história da escola elementar, compreendendo essa instituição social nas suas regularidades e dessemelhanças históricas, em uma ampla perspectiva.1 O texto inicial assinado por Vidal e Biccas é de leitura fundamental para a compreensão do conjunto dos artigos reunidos em Reforma e educação, pois apresenta uma diversidade temática e de diferentes abordagens teóricas vistos nos artigos, que constituem produtos de teses, dissertações e monografias resultantes de pesquisas de iniciação científica, e apresentam um ponto de partida comum, ou seja, buscam realizar uma análise minuciosa das reformas educativas ocorridas nas décadas de 1920 e 1930, na cidade do Rio de Janeiro, 1 Para Vidal e Biccas, a escola elementar reuniu diversas denominações na história educacional brasileira: “aulas régias de primeiras letras, aulas nacionais de primeiras letras, escolas de primeiro e segundo graus, escolas primárias, escolas modernas, escolas de imigrantes, grupos escolares, escolas isoladas, dentre outras” (VIDAL; BICCAS 2008, p. 31).

então Distrito Federal. Tais reformas, geralmente identificadas como ícones de modernização e de renovação educacionais na sociedade brasileira, também foram reconhecidas pela apropriação, circulação e difusão de ideais e movimentos pedagógicos, políticos e filosóficos que, embora heterogêneos, foram denominados escolanovismos ou Escola Nova. Partindo dessa problemática central, os estudos, em sua maior parte, conferem destaque às relações entre educação e reforma, especialmente, ao período da administração de Fernando de Azevedo (1927-1930).

A seguir, o texto “A reforma de Fernando de Azevedo em artigos de imprensa e sua ação política na Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal (1927-1930)”, de André Luiz Paulilo aborda as estratégias políticas utilizadas por Fernando de Azevedo visando conferir legitimidade a sua ação frente ao cargo que acabara de assumir. O autor demonstra como as propostas do escolanovista emergiram do acompanhamento, e da apropriação estratégica, dos debates públicos sobre a educação escolar, difundidos nos periódicos cariocas.

Apenas para citar um exemplo, mencionamos a ocasião em que Azevedo, recorrendo ao artigo de Barbosa Vianna, veiculado no Jornal do Brasil, lança mão de seus argumentos para defender a necessidade de reduzir o número de professores da Escola Normal. Dessa forma, se apropriava do discurso da imprensa “também para produzir convencimento” (PAULILO 2008, p. 50) sobre suas proposições e reformas. Os jornais eram utilizados também como veículo de emissão do ideário, das notícias e dos feitos de sua gestão, bem como funcionavam como espaço de contestação, diálogo e discussão a respeito da política educacional azevediana. O artigo permite observar as estratégias políticas da administração pública de ensino, que se utilizou da imprensa como instrumento para “responder críticas e esclarecer problemas administrativos” (PAULILO 2008, p. 54), mas também como instrumento de divulgação dos empreendimentos reformistas de Azevedo.

Acompanhando a análise anterior, a reforma Fernando de Azevedo é analisada a partir da produção de um rico acervo fotográfico por Rachel Duarte Abdala, em “A fotografia além da ilustração: Malta e Nicolas construindo imagens da reforma Fernando de Azevedo no Distrito Federal (1927-1930)”. A imagem impressa, como documento monumental de uma política educacional, foi representada por Azevedo como registro da verdade, a verdade da reforma.

Por isso, tanto Augusto Malta, fotógrafo da prefeitura do Rio de Janeiro, quanto Nicolas Alagemovits, contratado para retratar artisticamente as obras empreendidas pela reforma azevediana, foram agentes fundamentais para captar, e fazer aparecer, as ações públicas, inclusive as construções dos novos prédios escolares. Para a autora, enquanto as fotografias de Malta se caracterizavam pela construção em ação, as de Nicolas, tinham cunho mais artístico, na medida em que realçavam o contraste entre as luzes, os enquadramentos oblíquos, as diagonais, recriando “a dimensão do real na representação fotográfica” (ABDALA 2008, p. 102). Desse modo, Fernando de Azevedo percebeu “o potencial do recurso fotográfico” (ABDALA 2008, p. 106) para conferir visibilidade à reforma educacional carioca e para construir representações sobre suas próprias ações.

O impacto social e as representações em disputa sobre tal reforma educacional foram problematizados por José Claudio Sooma Silva, no artigo “A reforma Fernando de Azevedo e o meio social carioca: tempos de educação nos anos 1920”. No trabalho, o autor se pergunta sobre os modos pelos quais a população do Rio de Janeiro lidava com o “tempo acelerado” das reformas, que aglutinava não apenas novas construções escolares na cidade, como novas formas de organização dos espaços urbanos e dos tempos sociais. O desejo de formar o cidadão, como projeto norteador da intervenção azevediana, tinha de lidar com as diversas práticas culturais presentes na cidade, incluindo as escolares. Silva interroga-se sobre as apropriações e as possíveis recepções da reforma educacional no âmbito das escolas. Aponta também para a existência de tensões entre as estratégias de renovações normativas das práticas educativas, presentes na legislação, e as práticas e saberes escolares preexistentes. Com isso, o autor recupera tentativas reformadoras anteriores, em especial aquelas realizadas na gestão de Antonio Carneiro Leão (1922- 1926). Os tempos escolares, desde o início da década de 1920, passaram por variadas modificações: nos horários de entrada e saída, nas divisões dos turnos e nos programas de ensino, entre outros. Lidar com o novo tempo escolar, que tensionava e concorria com outros tempos sociais, não era tarefa fácil. Muitas famílias resistiam ao tempo escolar imposto, como é possível observar pelos debates divulgados nos periódicos cariocas.

Focando as relações sociais de gênero, Rosane Nunes Rodrigues analisa as reformas educativas cariocas com destaque para a inserção dos saberes ditos domésticos e as representações do feminino na cultura escolar, em “A escolarização dos saberes domésticos e as múltiplas representações de feminino – Rio de Janeiro – 1920 e 1930”. A autora levanta questões sobre as práticas escolares que contribuíram para a construção de determinadas representações sobre a mulher. Ao ressaltar que a reforma educacional proposta por Azevedo também incluía o ensino profissional, objeto priorizado no estudo, a autora argumenta como essa política estava preocupada em “ocupar-se intensivamente da formação moral e intelectual do operário” (RODRIGUES 2008, p. 65). Com isso, no caso das mulheres, não bastaria que as moças recebessem o conhecimento técnico de sua futura profissão, mas que fossem educadas a se afastarem das “futilidades” e hábitos pouco saudáveis, como o uso de cigarros, compras em excesso e a circulação livre pela cidade. Os saberes domésticos, transformados em conhecimentos escolares, contribuíram para a formação de um modelo idealizado de mulher, que conduziria de forma disciplinada e honesta seu lar.

A temática disciplinar também pode ser vista no último artigo, “Por uma cruzada regeneradora: a cidade do Rio de janeiro como canteiro de ações tutelares e educativas da infância menorizada na década de 1920”, de Sônia Câmara. As ações disciplinadoras direcionadas à infância, na década de 1920, foram temáticas enfrentadas pela autora, que nos mostra como as iniciativas jurídicas, formuladas a partir da Lei Orçamentária Federal de 1921, e, posteriormente, o Código de Menores de 1927, propunham-se a alcançar a infância abandonada da capital. Com as mudanças na cidade e na educação, a infância pobre, desprovida de sorte, delinquente, deveria ser alvo de “intervenções científicas e racionais” para se tornar higiênica, saudável e disciplinada, de acordo com um discurso moral que apostava na infância como investimento para o progresso. Favoráveis a tais discursos, os juristas posicionaram-se como “arautos de um novo tempo” (CAMARA 2008, p. 152). Uma figura se sobressairia naquele momento, a saber, o juiz Mello Mattos, que trabalhou por configurar e atribuir uma nova feição à política judiciária de atendimento à infância carioca.

Política de forte caráter disciplinar, dirigida ao controle da infância, mais do que ao cuidado e/ou à proteção, conforme a perspectiva analítica privilegiada pela autora.

Após leitura acurada podemos dizer que a coletânea Reforma e educação nos presenteia com uma perspectiva ampliada sobre a complexidade dos movimentos de mudança educacional ocorrida nas décadas de 1920 e 1930.

Os pesquisadores, autores vinculados a um consolidado grupo de pesquisa, lidaram com uma diversidade de temáticas, categorias, questões e problemas teórico-metodológicos, manejando com competência uma documentação ampla, dispersa e variada, com destaque para periódicos, revistas, leis, programas curriculares, acervos institucionais e fotográficos. Em seu conjunto, essa documentação é interrogada, analisada a partir de uma operação historiográfica que é orientada pelas escolhas do historiador, pela busca de olhar, sob novos aspectos, antigos objetos, velhos documentos. Trouxeram à luz disputas, tensões, estratégias, apropriações e recriações a que são submetidas às reformas na experiência educacional, no espaço das escolas, nas práticas sociais e culturais. As reformas e as lutas educacionais dos anos de 1920 e 1930 surgem em seu movimento. Mas, nem por isso, silenciam ou apagam a história, a memória e as práticas educativas, escolares ou não escolares, de outros tempos históricos, com as quais convivem, dialogam, se hibridizam.

Referências

CERTEAU, M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.

Alessandra Frota Martinez de Schueler – Professora adjunta Universidade Federal Fluminense [email protected] Rua Visconde do Rio Branco, 882, Campus do Gragoatá, Bloco D – Gragoatá 24210-350 – Niterói – RJ Brasil Ariadne Lopes Ecar Mestre Universidade do Estado do Rio de Janeiro [email protected] Rua São Francisco Xavier, 524, 12º andar – Maracanã 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ Brasil

 

 

 

 

 

 

 

Platão & a educação – PAVIANI (C)

PAVIANI, Jayme. Platão & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.1. Resenha de: RECH, Gelson Leonardo. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 3, Set/dez, 2011.

A obra Platão & a educação, do professor Jayme Paviani, é uma obra na qual o autor articula o pensamento educacional de Platão, um dos filósofos mais importantes do Ocidente. O livro integra a coleção “Pensadores & Educação” da Editora Autêntica com o objetivo de apresentar as ideias de renomados e significativos autores do pensamento educacional.

O livro, de caráter introdutório à leitura de Platão sob a perspectiva educacional, está organizado em 17 pequenos capítulos nos quais se articulam os diversos diálogos de Platão percorrendo as relações desses com a questão educacional e, no fim é completado por mais quatro capítulos com “Comentários aos Diálogos” (Ménon, Protágoras, República e Leis) seguido de “Textos Selecionados” que abordam a temática educacional, além de uma rica e sintética “Terminologia” e “Cronologia” que situam sobretudo os neófitos. A despeito da ressalva do próprio autor sobre a “falta de tempo para me dedicar melhor aos detalhes” (p.8), temos uma publicação acessível a estudantes dos cursos de licenciatura, a pesquisadores e professores, com esmerada redação que busca, além de apresentar o pensamento do filósofo, estabelecer relações com a atualidade – traço digno de nota – dirigindo-se a todos que queiram iniciar a leitura de um clássico da filosofia. Leia Mais

Línguagem e comunicação – PAVIANI (C)

PAVIANI, Neires Maria Soldatelli. Línguagem e comunicação. Caxias do Sul: Educs, 2008. Resenha de: ROSA, Marcelo Prado Amaral. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 2, Maio/Ago, 2011.

O livro Linguagem e educação é uma produção textual vinculada a projetos de pesquisa que possuem temática dirigida a considerações sobre leitura e gêneros discursivos, aspectos socioculturais e regionais da linguagem. A organização em forma de livro visa a alcançar a homogeneidade temática, pois alguns desses ensaios já foram publicados, na íntegra ou parcialmente em revistas especializadas. É destinado diretamente aos docentes do Ensino Fundamental e do Médio e, do mesmo modo, para acadêmicos de cursos de graduação em licenciaturas e de programas de pós-graduação.

A autora da obra, professora Neires Maria Soldatelli Paviani, é Doutora em Educação, na área de Metodologia de Ensino, pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar-SP). Atualmente, é professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS), vinculada às linhas de pesquisa educação, linguagem e tecnologia. Tem experiência na área de Linguística, com ênfase em Sociolinguística e Dialetologia, atuando principalmente nos seguintes temas: professor de Português, situações de bilinguismo, formação do professor. É autora e coautora de outras sete obras, entre elas, Universo acadêmico em gêneros discursivos (2010), Práticas de linguagem: gêneros discursivos e interação (2009) e Linguagem e práticas culturais (2006).

A obra em questão se apresenta dividida em oito capítulos estruturalmente independentes, podendo cada texto ser usado de forma individualizada sem prejuízo nenhum de compreensão por parte do leitor; ao mesmo tempo, são textos que podem vir a se complementar.

Os capítulos da obra são: (i) “Situações de bilinguismo e variação linguística no ensino”; (ii) “Estudos sociolinguísticos e valores”; (iii) “Estigma social da pronúncia no ensino do Português”; (iv) “Linguagem literária e os saberes”; (v) “A função do professor e o ato de ler do aluno”; (vi) “A leitura na formação científica do profissional”; (vii) “O meio cultural na formação do leitor”; e (viii) “A linguagem do teatro e a educação”. A obra completa apresenta 129 páginas.

O primeiro capítulo, “Situações de bilinguismo e variação linguística no ensino”, que contém os seguintes subtítulos: i.i) conceito de língua; i.ii) variação linguística; i.iii) noções de norma e (dialeto) padrão; i.iv) situações de bilinguismo; i.v) comunidades bilíngues e tipos de bilinguismo; i.vi) intereferências, empréstimos e influências de bilinguismo; e i.vii) referências, tem como base um estudo realizado no município de Flores da Cunha – RS, uma vez que esta localidade é caracterizada por apresentar diferentes modos de composição da fala bilíngue. Ainda apresenta como objetivo principal as definições operacionais dos seus tópicos secundários acima expostos. Procuro, assim, mencionar aqui diferenças, identidades e outras operações analíticas e interpretativas no desenvolvimento da temática. Tais definições se evidenciam como de suma importância devido à diversidade de pontos de interpretação, que os conceitos tratados neste estudo podem vir a ter.

Assim, o redimensionamento de conceitos gerais e amplos, como no caso de língua e de conceitos mais específicos, como de bilinguismo, podem vir a mostrar variedade ou graus de bilinguismo social, estando entre as principais referências utilizadas para as construções teóricas os textos de Câmara Júnior, Saussure, Titone, Savedra e Heye.

O objetivo do segundo capítulo, “Estudos sociolinguísticos e valores”, com os subtítulos: ii.i) “Interdisciplinaridade da sociolingüística”; ii.ii) “Definição de sociolingüística, segundo Berruto”; ii.iii) “Objeto e campos de ação da sociolinguística, conforme Berruto”; e ii.iv) “Referências”, é verificar que aspectos sociolinguísticos e culturais estão inter-relacionados na variedade do Português falada em uma região de descendentes de imigrantes italianos (Nordeste do Rio Grande do Sul). A importância deste estudo vem ao encontro de aspectos que nem sempre, nas diferentes pesquisas linguísticas, se dão conta da língua como um fenômeno global, fazendo com que a língua deixe de ser vista como prática cultural. Nesse capítulo também é abordado, de forma muito bem-amarrada com a história da própria sociolingüística, a questão da importância interdisciplinar da sociolinguística e que, devido a esse aspecto, é possível a realização de estudos sobre fenômenos culturais extralingüísticos, que interferem e influenciam no uso da língua e não somente dos aspectos linguísticos em si. As principais referências neste capítulo são Labov, Santos, Tarallo e Berruto.

No terceiro capítulo do livro em questão, “Estigma social da pronúncia no ensino do Português”; é tratada a questão da importância da pronúncia (sotaque de uma língua) sobre a perspectiva da atuação do Professor no ensino de português em situações de bilinguismo e em grau relativo (falantes que falam línguas de imigrantes, ou que não falam, mas entendem). Para ilustrar a situação da abordagem desse capítulo, são apresentados trechos de depoimentos de professores do Ensino Fundamental de uma região colonizada por imigrantes italianos, o que traz para o texto um sentido de empatia com o público-alvo da região onde está localizada a Universidade de Caxias do Sul. É notória, nesse texto, a relevância desses aspectos para a comprovação de que o ensino de Língua Portuguesa deve ter suas peculiaridades em regiões marcadas pela imigração, pois o bilinguismo é um traço antropológico que vai além do mero “erro de pronúncia lingüística”. Vale destacar os textos de Bisol, Câmara Júnior, Titone, Mescka e Weinreich, que compõem o quadro referencial deste capítulo.

O quarto capítulo “Linguagem literária e os saberes” versa sobre o fato de a literatura ficcional servir de momento de aprendizagem para o leitor, devido à sua característica primeira de entretenimento. O texto expõe, de forma clara e simples (sem ser simplória), a relação entre literatura ficcional, saberes e vida acadêmica. A autora afirma categoricamente que “o ato de ler obras literárias é algo fundamental para as funções sociais e profissionais, pois amplia a visão e a compreensão dos problemas do homem e do mundo”. (p. 69). Nesse capítulo, friso a diferenciação entre leitura técnica e literária, dada pela autora, via palavras de Giannetti. Existe ainda o cuidado da autora em não mascarar, nem tampouco sobrepor um tipo (ficcional) de leitura sobre outro tipo (técnico), deixando claros os saberes que cada leitura proporciona ao leitor. Para ilustrar as experiências trazidas pela leitura literária, a autora ilustra com depoimentos informais de leitores. Ainda é destaque, juntamente com Giannetti na construção teórica, os autores Barthes, Bourdieu e Merleau-Ponty.

Na sequência, no Capítulo 5, “A função do professor e o ato de ler do aluno”, com os subtítulos: v.i) “Nos bastidores: as providências”; v.ii) “As expectativas do público”; v.iii) “Primeiro ato: sala de aula”; v.iv) “Segundo ato: aplicação (é fazendo que se aprende)”; v.v) “Desce a cortina: aplausos”; e v.vi) “Referências”, a autora, fazendo uma analogia com a linguagem teatral, trata especificadamente sobre o ato de selecionar textos e como trabalhá-los com finalidades didático-pedagógicas. Por meio das palavras de Braga e Silvestre, a autora traz para a conversa a identificação generalista e vaga da intencionalidade na seleção de textos. Dessa forma, são apresentadas, no texto, questões norteadoras que servem para o esclarecimento de decisões sobre ações de leitura. Nesse capítulo, ainda, enfatiza como é importante que o professor tenha consideração com as expectativas do público-alvo para quem é destinada a escolha das leituras, pois é preciso criar condições favoráveis de leitura ao leitor, para que a experiência de leitura textual seja agradável, prazerosa, enfim que a leitura não seja um mero exercício, uma vez que “o papel do professor é semelhante àquele que pretende acender uma fogueira” (p. 84) que, uma vez acesa, queima sozinha. Ainda, no decorrer da leitura, são apresentadas atividades de leitura em três etapas que podem vir a auxiliar as atividades dos docentes, desde que processadas de forma integrada.

Nesse capítulo, são destaques as referências a Braga e Silvestre, Freire, Martins e Merleau-Ponty. Já no texto do Capítulo 6, “A leitura na formação científica do profissional”, com os subtítulos: vi.i) “Como transformar o estudo da língua em modos de formação”; e vi.ii) “Referências”, o foco de abordagem da autora recai sobre a necessidade de atribuições de sentido ao que se ensina e de sensibilidade no ato de ensinar, pois a leitura é uma atividade social que possibilita o desenvolvimento e o amadurecimento da criticidade e da criatividade. Nas palavras de Martins (1993, p. 102), o professor “precisa mostrar ao aluno que ler significa inteirar-se do mundo, sendo também uma forma de conquistar autonomia, de deixar de ler pelos olhos de outrem”. Mais ao fim do texto, são expostas de forma sutil as teorias de argumentação, aspecto que saliento como valioso no texto devido à sua importância, uma vez que a língua é, por excelência, comunicação. Entre as referências usadas pela autora para a construção do texto, destacam-se os estudos de Duranti, Paviani, Perelman e Oldrechts-Tyteca, Silva e Toulmin.

Em “O meio cultural na formação do leitor”, Capítulo 7, cujos subtítulos são: vii.i) “O meio cultural e a leitura”; vii.ii) “Leitura e aspectos socioculturais”; vii.iii) “Uma fotografia sociolinguística”; vii.iv) “Considerações finais”; e vii.v) “Referências”, tem como importantes as influências que o meio cultural exerce sobre os hábitos de leitura como prática cultural, partindo de dados coletados entre estudantes ingressantes no Ensino Superior. Os dados foram coletados no ano de 2002 (Tear1), aprendizes matriculados na disciplina de Língua Portuguesa Instrumental, da Universidade de Caxias do Sul, totalizando uma amostra composta por 144 alunos. Os instrumentos para obtenção dos dados foram: um questionário socioeconômico e cultural e um teste de leitura em que se verificou: dominância explicativa e argumentativa de gêneros textuais, respectivamente, reportagem e editorial. Os dados revelam que a família desses ingressantes é de etnia italiana, em sua maioria, não passando de 15% os pais que possuem formação em curso de nível superior. Sobre o incentivo à leitura, o dado levantado de maior destaque é o fato de a figura da mãe ser a grande incentivadora, ficando em segundo plano a escola. Os referenciais de destaque nesse trabalho são Bourdieu e Marcuschi, além de outros.

No oitavo, e último capítulo da obra em questão, “A linguagem do teatro e a educação”, com os subtítulos: viii.i) “Experiência humana”; viii.ii) “Atividade educativa”; e viii.iii) “Referências”, em forma de relato, são abordados as consequências e os resultados de uma experiência teatral como atividade educativa, que, por aproximadamente uma década, foi realizada em uma escola. Essa experiência lúdica tem, em sua essência, objetivos pedagógicos (expressão e comunicação) mais que objetivos técnicos e profissionais relacionados ao teatro. A autora toma o cuidado de examinar que atenção é dada ao tipo de texto para a peça teatral, devendo esse ser adequado às peculiaridades do grupo e da escola. Ao final do texto, é ratificado o emprego do teatro na escola como recurso potencial e acessível para que o aluno venha a “perceber e a expressar a si mesmo o mundo que o rodeia”. (p. 127). A referência usada nesse capítulo é Montenegro.

Os textos que compõem o livro Linguagem e educação apresentam como características de escrita a clareza e a preocupação de servirem de subsídios diretos para a prática pedagógica, o que pode ser atestado pela ordem dos textos que basicamente se dirigem da teoria para a prática em sala de aula. Ainda: enfatizo a importância do livro com base na ampliação dos fundamentos e conceitos que se circunscrevem à área educacional, a partir, especificadamente, de aspectos relacionados à linguagem, à educação, à leitura, à literatura, à variação linguística, à sociolinguística, entre outros. Com base na análise geral do livro, evidencia-se o imbricamento existente e que a autora clarifica entre linguagem e pensamento, interação, expressão corporal, o outro, com as origens e com o mundo que nos cerca, implicando, de tal maneira, o entendimento do ser humano como um ser social. Assim, justifica-se a frase de Guimarães Rosa, que serve de epígrafe à obra: “A linguagem e a vida são uma coisa só”.

Devido ao supraexposto, é reiterada aqui a recomendação da leitura deste livro por professores, acadêmicos de cursos de graduação em licenciaturas e acadêmicos de Pós-Graduação vinculados à linha de pesquisas da área de educação, linguagem e tecnologia, devido ao fato de essa obra se apresentar como geradora de ideias, de propor soluções de problemas ou de instigar a leituras complementares e diálogos.

Marcelo Prado Amaral Rosa – Licenciado em Química pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI), campus de Frederico Westphalen/RS. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: [email protected]

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Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais – MACHADO (C)

MACHADO, A. R. et al. Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais. Campinas: Mercado das Letras, 2009. Resenha de: BONES, Vanessa Elisabete Urnau. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 2, Maio/Ago, 2011.

Há algumas décadas, novas práticas para o ensino de língua estão sendo estudadas por pesquisadores de todo o mundo. Didáticas arcaicas e descontextualizadas estão, aos poucos, sendo deixadas de lado para dar espaço ao ensino de língua envolto nos gêneros textuais. É com essa proposta de ensino que a Professora Lília Santos Abreu-Tardelli, Doutora e Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (Lael) pela PUC-SP, juntamente com a Professora Vera Lúcia Lopes Cristovão, pós- Doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela mesma universidade, organizaram o livro Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais, que reúne textos da autora Anna Rachel Machado e colaboradores.

Lançado em agosto de 2009 pela Editora Mercado das Letras, integrando a Coleção Idéias sobre Linguagem, visa a divulgar as abordagens teóricas e metodológicas mais atuais, bem como propalar trabalhos de qualidade. O livro Linguagem e educação possui 184 páginas, divididas em dez partes, que traçam a caminhada de Machado pelo interacionismo sociodiscursivo, a partir de recortes de artigos escritos ao longo de 15 anos de pesquisa.

Pioneira do interacionismo sociodiscursivo no Brasil, de acordo com Abreu-Tardelli e Cristovão, primeiras orientandas, organizadoras e responsáveis pela apresentação dessa obra, a Tese de Doutorado de Machado, defendida em 1995 no Programa de Pós-Graduação de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC-SP, com orientação * da Profª Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães em co-orientação com Jean-Paul Bronckart, é o primeiro trabalho escrito em nosso país sobre essa abordagem metodológica. Atualmente é professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Lael da PUC-SP, autora, coautora, organizadora e tradutora de vários livros, dentre os quais se destaca O diário de leituras: a introdução de um novo instrumento na escola (1998); é coautora de Planejar textos acadêmicos (2005) e de Trabalhos de pesquisa: diário de leitura para a revisão bibliográfica (2007); organizou o livro O ensino como trabalho (2004), co-organizou Gêneros textuais e ensino (2002), Atividades de linguagem, discurso e desenvolvimento humano (2006) e O interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas (2007). Foi a tradutora do livro Atividades de linguagem, textos e discursos de Bronckart (1999).

Resultado de anos de pesquisa, o livro Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais apresenta, em seu primeiro capítulo, um texto de Machado em coautoria com a Professora Dra. Ana Maria de Mattos Guimarães. Intitulado “O interacionismo sociodiscursivo no Brasil”, esse capítulo trabalha diacronicamente com o contexto sóciohistórico- cultural do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD) no Brasil.

Para isso, as autoras iniciam retomando os fatos políticos do cenário brasileiro desde a década de 60 (séc. XX) até o governo Fernando Henrique Cardoso, juntamente com as alterações educacionais ocorridas nesse período. Essa caminhada permite que o leitor se situe historicamente e entenda de modo claro como se deu o primeiro contato das pesquisadoras Profª. Dra. Roxane H. Rojo e Maria Cecília C.

Magalhães com as teses do ISD e a posterior aceitação dessas teses no cenário educacional brasileiro. A criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) também é comentada por Machado e Guimarães, ao mesmo tempo que chamam a atenção para algumas incoerências bibliográficas neles contidas. Ainda nesse capítulo, as autoras propõem um diálogo sobre a expansão institucional das ideias do ISD no Brasil e os rumos das pesquisas desenvolvidas, pela menção feita aos grupos de pesquisa existentes em Programas de Pós-Graduação brasileiros. Embora seja extensa a listagem dos grupos de pesquisa, a alusão a eles é vista de maneira positiva, pois permite que estudiosos e pesquisadores do quadro do ISD no Brasil visualizem com mais facilidade possibilidades de parceria e de ampliação de suas pesquisas.

Em seu segundo capítulo, denominado “Colaboração e crítica: possíveis ações do linguista na atividade educacional”, Machado trabalha com os termos linguística e ensino. De forma resumida, a autora comenta, inicialmente, algumas concepções de linguística na visão tradicional e, posteriormente, recorre ao ISD, mais especificamente aos estudos de Bronckart (2004), para ampliar a noção e abrangência dos termos estudados. Com a pretensão de ampliar a visão do papel do linguista, Machado passa a trabalhar com o conceito de atividade educacional ao invés de ensino, já que, para a autora, o trabalho do linguista não deve se restringir ao provimento de materiais pertinentes ao estudo de línguas, mas de todas as disciplinas, visto que é via textos que os conhecimentos são mobilizados. Para que o leitor visualize outras possibilidades de trabalho do linguista, a autora apresenta eficazmente uma análise crítica e analítica de documentos dos PCNs que contêm a transposição didática de alguns estudos de Bakhtin e dos autores genebrianos Dolz e Schneuwly e enfatiza a importância do linguista não só na produção de materiais, mas também na análise de processos já efetivados.

Seguindo com uma linha de textos interessantes para professores, estudiosos, simpatizantes e iniciantes no quadro do ISD, o terceiro capítulo apresenta o texto “Diários de leituras: a construção de diferentes diálogos na sala de aula”. Nele, a autora esboça sua indignação diante das críticas feitas aos professores que são, de acordo com parte da sociedade e gestores governamentais, os responsáveis pelo baixo desempenho dos alunos nos testes de desempenho de leitura. Com o objetivo de sugerir uma alternativa inovadora e eficaz para melhorar esse índice, Machado expõe os resultados de uma pesquisa que durou mais de dez anos e que se baseou na produção de diários de leitura. Para isso, a autora elenca as características do gênero diário de leitura, analisa o processo de leitura e compreensão na esfera escolar, aponta à necessidade de revisão da concepção tradicional, que considera a leitura como um processo individual e solitário. Ainda: traz algumas dicas que orientam a produção, a discussão e a avaliação dos diários de leitura, bem como descreve e exemplifica alguns fenômenos observados em diários de leitura, elaborados a partir de experiências didáticas. Salienta-se, aqui, a seriedade das pesquisas realizadas por Machado, afinal esse artigo não é o resultado precoce de uma experiência, mas comprova a validade de anos dedicados à pesquisa do gênero diário de leituras.

Sendo esse livro uma coletânea de textos de Machado, publicados em diferentes meios de divulgação científica (livros e revistas), percebese, por vezes, a recorrência da sua base teórica. Nesse sentido, o Capítulo 4, que se intitula “Uma experiência de assessoria docente e de elaboração  de material didático para o ensino e a elaboração de textos na universidade”, se baseia no relato de uma experiência de assessoria docente com o objetivo de modificar o ensino de produção textual no meio universitário, retomando o conceito de ISD, gênero textual, transposição didática e sequência didática, ancorado, em grande parte, nos estudos de Bakhtin (1953), Bronckart (1997), Schneuwly (1994) e Dolz e Schneuwly (1999), referenciados em sua completude, na última parte desse livro. Embora a recorrência teórica aconteça, é importante ressaltar que, em cada texto, Machado traz novas informações e se detém sempre em um aspecto distinto. Dessa maneira, nesse capítulo, a autora trabalha com a construção de uma sequência didática e os aspectos que a envolvem em uma situação de assessoria docente e finaliza enfatizando “o valor e a preocupação contínua que se deve ter com a verdadeira escuta do outro”. (MACHADO, 2009, p. 120).

Intitulado “A construção de modelos didáticos de gêneros: aportes e questionamentos para o ensino de gêneros”, o quinto artigo de Machado, em coautoria com Cristóvão, trabalha com alguns problemas encontrados nas práticas de transposição didática dos gêneros textuais.

Como forma de superar esses problemas e de auxiliar professores na construção do modelo didático de gênero, as autoras elencam algumas pesquisas e as dividem de acordo com a “capacidade” que o professor deseja trabalhar. Pode-se observar que, além de sugerir publicações didáticas com suporte na construção de modelos didáticos de gêneros, esse texto incentiva professores a construírem seus próprios modelos, afinal, a construção do quadro teórico-metodológico do ISD acontece coletivamente.

Na sequência, no livro aqui resenhado, encontramos o último artigo de Machado, denominado “Um instrumento de avaliação de material didático com base nas capacidades de linguagem a serem desenvolvidas no aprendizado de produção textual”. Nesse texto, a autora discorre sobre a reestruturação dos cursos e do ensino de leitura e produção textual, relaciona algumas pesquisas sobre os gêneros e a elaboração de novos materiais didáticos que visam a atender a essas modificações e analisa três sequências didáticas, que trabalham com o gênero textual resenha crítica. É interessante enfatizar que, no decorrer dessa leitura, Machado nos faz, involuntariamente, refletir sobre a qualidade dos materiais didáticos disponíveis no mercado editorial e a necessidade de contextualização das atividades neles presentes, auxiliando, dessa forma, na construção do senso crítico não só dos professores, mas também dos produtores desses materiais.

Nesse sentido, de modo geral, aponta-se que a metodologia utilizada pela autora na escrita dos artigos comprova a validade de seus estudos, afinal, a relação feita entre as bases teóricas e as práticas didáticas experienciadas pela autora, além de ilustrar e esclarecer alguns aspectos teóricos, dá mais credibilidade aos artigos que compõem o livro, pois não são teorias e suposições postas no papel, mas experiências vividas e divulgadas com o intuito de auxiliar na renovação do cenário educacional brasileiro.

Sendo Anna Rachel Machado uma figura respeitada no cenário dos estudos do ISD no Brasil, a presente coleção de textos de sua autoria e em coautoria tem o posfácio assinado por Joaquim Dolz, importante pesquisador sobre o desenvolvimento da linguagem, ensino e aprendizagem de línguas em situação escolar. Dolz, que é Doutor em Ciências da Educação, colaborador científico no Departamento de Instrução Pública do Cantão de Genebra e Professor na Universidade de Genebra, ao escrever o posfácio dessa obra, não poupou elogios à originalidade dos textos de Machado e à importância dessa autora na divulgação dos pressupostos teórico-metodológicos do ISD no Brasil.

O renomado autor também deixa explícito que o livro Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais merece destaque, pois possibilita um diálogo coletivo entre instituições brasileiras e pesquisadores internacionais, que se dedicam a questões relativas ao desenvolvimento da linguagem e da educação.

Assim, a partir das considerações levantadas no decorrer desta resenha, é possível dizer que o livro Linguagem e educação: o ensino e a aprendizagem de gêneros textuais possui um valor imensurável, haja vista desenvolver sistematicamente o percurso do ISD no Brasil e auxiliar estudiosos e simpatizantes dessa abordagem teórico-metodológica no entendimento de conceitos básicos e na criação do senso crítico ante publicações dessa ordem.

Vanessa Elisabete Urnau Bones -Licenciada em Letras pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: [email protected]

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Educação em Geografia | Unicamp | 2011

Educacao em Geografia

A missão da Revista Brasileira de Educação em Geografia (Campinas, 2011-) é tornar-se um importante veículo de divulgação científica de pesquisas sobre a Educação em Geografia no Brasil e no exterior, sobretudo em países ibero-americanos, incentivando e fomentando práticas e reflexões realizadas em espaços formais e não formais de educação.

Seu público alvo são: i) Pesquisadores de Educação em Geografia do Ensino Superior (professores, alunos de pós-graduação stricto sensu, lato sensu e alunos de graduação); ii) Professores-Pesquisadores da Educação Básica e, iii) Professores e demais participantes de espaços-não-formais de educação. A Revista privilegiará em suas publicações, sempre que possível, a abrangência nacional no que diz respeito à origem de seus autores.

A revista tem como objetivo publicar, disseminar e promover gratuitamente o intercâmbio nacional e internacional de pesquisas e prática educacionais ligadas a Educação em Geografia em diferentes níveis de educação formal e não formal, valorizando os diferentes recortes temáticos e teórico-metodológicos de investigação.

Periodicidade contínua

ISSN: 2236-3904

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Do meb à web: o rádio na educação – PRETTO; TOSTA (ES)

PRETTO, Nelson de L.; TOSTA, Sandra P. (Orgs). Do meb à web: o rádio na educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. Resenha de: REIS, Magali. “Radinho de pilha”: sintonia fina entre educação e comunicação. Educação & Sociedade, Campinas, v.32 n.114 jan./mar. 2011.

Os fios da trama que unem os estudos que compõem o livro são tecidos por José Peixoto Filho, já no primeiro ensaio, ao recuperar a experiência do Movimento de Educação de Base (MEB) e suas contribuições para a educação popular. O meb surgiu no âmbito das mudanças em curso no país, durante a década de 1950, como uma das possibilidades educativas que buscavam soluções para os problemas enfrentados pela população pobre. No âmbito das mudanças no cenário político e econômico, confluíram interessas e alianças entre o poder público e a hierarquia católica para que ações efetivas fossem realizadas, com os segmentos mais carentes da sociedade.

Segundo Peixoto Filho, o MEB realizou um amplo espectro de trabalho no campo da educação popular, na alfabetização de jovens e adultos e na mobilização social dos trabalhadores rurais. Na prática, prossegue o autor, a educação popular desenvolvida pelo Movimento, entre 1961 e 1966, empregou técnicas, métodos e recursos, simples e artesanais, porém criativos e inovadores para a época, visando à comunicação com a população do campo. Porém, um aspecto que chama a atenção é que o meb teve como instrumento pedagógico básico o rádio, que possibilitou ao mesmo tempo o uso de técnicas de comunicação associadas com atividades presenciais, realizadas em sala de aula nas comunidades. A utilização do rádio deu-se por sua abrangência, possibilitando chegar a regiões mais distantes do país, utilizando para tanto recursos da tradição oral.

Ainda que tenha sido esta uma experiência bem sucedida de educação popular, permanece pouco estudada e pouco difundida no meio acadêmico. Portanto, o mérito da obra é colocar em evidência a díade novas-e-velhas tecnologias que, combinadas, podem redundar em uma experiência educativa contemporânea e promissora.

Assim, o uso de diversas formas de expressão, em meados do século passado, por profissionais de rádio, sejam eles programadores, locutores, escritores e produtores de programas, abriu caminhos para a construção de novas linguagens pedagógicas e didáticas, ainda pouco assimiladas pela estrutura escolar brasileira, em especial a pública.

O rápido avanço no desenvolvimento e aprimoramento das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) coloca em relevo um universo de possibilidades para a comunicação entre populações distintas, antes inimagináveis, desafiando as ciências sociais e humanas com a abertura de campos de indagação que oferecem oportunidades de pesquisa e aplicação num universo que se renova a cada momento.

A coexistência do rádio hertziano e do analógico configura-se como um universo em que a comunicação se amplia de forma inexorável. Cria-se assim um conjunto de possibilidades trazidas pela era digital, abrindo caminhos para inovações pedagógicas do meb à web, a fim de buscarmos não apenas a compreensão dos novos contextos nos quais se inserem as tecnologias, mas o entendimento de fato das possibilidades das rádios na web.

O livro está organizado em doze capítulos, que apresentam ao leitor uma gama de pesquisas de alta qualidade teórico-metodológica e que reúnem uma diversidade de pesquisadores de diferentes origens, expressando a pluralidade de pensamento, orientação teórica e experiências vivenciadas com o fenômeno radiofônico, nacionais e internacionais.

Estudos comparados entre Brasil, Portugal e Espanha mostram a relação entre a educação contemporânea e a rádio na web, como importante apoio didático, combinando aulas, debates e formação on-line. Seguindo esta linha de pensamento, destaca-se na obra o artigo de Marcelo Mendonça Teixeira, Juan José Perona Paez e Mariana Gonçalves Daher Teixeira, que analisam a rádio web universitária como modalidade educativa e audiovisual em contexto digital, especialmente o caso da Espanha e Portugal, com duas experiências marcadamente bem sucedidas desenvolvidas pela Radio Universitária do Minho (RUM), em Portugal, e pela Radio uned (Universidade Nacional e Educação a Distância), na Espanha. Os autores enfatizam o baixo custo das rádios universitárias, comparado com outros meios. Neste mesmo artigo, destaca-se ainda a distinção entre diferentes modalidades de rádio educativa, tais como: emissoras de centros educativos, emissoras formativas, socioinformativas, programas educativos e “edu-webs” radiofônicas, as quais se configuram de forma bastante diferenciada das chamadas rádios comerciais ou generalistas.

As rádios comunitárias, objeto da atenção de Lílian Mourão Bahia, também cumprem um papel específico que, segundo a autora, tem fundamental importância na construção e no exercício da cidadania. A programação das rádios comunitárias em geral chama a atenção para temáticas de interesse da coletividade e inserem a comunidade no contexto dos municípios onde atuam. De tal modo, a relação estabelecida entre emissora comunitária e a própria comunidade é caracterizada pelo dinamismo da localidade, respeitando os sujeitos sociais locais e oferecendo oportunidades de aprender com as vivências de cada grupo social.

Aparentemente mais democrática que o aparelho hertziano, a web rádio é interessante, porém ainda exige um aparato tecnológico mais caro, isto é, o computador, como também requer certo domínio do software, algo inatingível para a maioria da população brasileira ou, dito de outro modo, ainda não há nada como o bom e velho radinho de pilha, cujos custos tendem a ser muito menores, embora do ponto de vista geográfico seja menos abrangente que a web, que permite ouvir a programação nacional e internacional de qualquer ponto fixo. O rádio convencional, neste aspecto, é limitado a frequência das ondas. Porém, distingue-se de outras tic pelo despojamento do sujeito frente ao aparelho, prendendo-o apenas pelo imaginário, uma vez que a programação pode ser ouvida em qualquer lugar, sem a necessidade de interromper tarefas cotidianas, proporcionando, não obstante, ao sujeito a reflexão, a formação de imagens mentais e o exercício da criatividade.

O que está em evidência no conjunto de artigos que compõem a obra, contudo, é o caráter educativo da radiodifusão, sua vertente mais democrática, de um lado, e seu potencial revolucionário, de outro. Seu potencial transgressor possibilita uma educação capaz de apontar caminhos para a superação das desigualdades sociais, oferecendo uma possibilidade de coesão social, articulada, obviamente com outras políticas públicas que visem a população historicamente excluída da apropriação de bens sociais e direitos que lhes são continuamente expropriados, em favor de um só grupo social, isto é, aquele que conduz a economia, a política e a cultura do país, agindo em seu próprio favor.

Indico a leitura desta obra para aqueles que têm em mente que a educação não ocorre apenas nos espaços restritos da sala de aula, mas também no campo, na lavoura, no canteiro de obras. Esse é o potencial eminentemente transgressor do rádio, que, no entanto, é pouco teorizado na pesquisa e pouco utilizado como componente didático nas escolas.

Olhar e ouvir o rádio de outra maneira, compreendendo-o como ferramenta complementar à educação formativa e informativa das pessoas, este é o desafio que a obra nos coloca. Não deixem de ler!

Magali Reis – Doutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). E-mail: [email protected]

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