Etno-historias del Isoso: Chane y chiriguanos em el Chaco Boliviano (Siglos XVI a XX) | Isabelle Combes

A pesquisadora Isabelle Combés, filiada ao Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA), procura, nesta obra, traçar uma linha histórica de um grupo indígena que ocupa a região do Isoso, na Bolívia. O trabalho de Combés, que ora apresentamos, representa um importante instrumento para o estudo dos povos Guarani, de modo geral, e dos Isoseño de modo particular. A autora, que vive na Bolívia desde 1988, possui uma vasta trajetória de pesquisa acadêmica e de militância em prol dos povos indígenas do oriente boliviano.

Inicialmente a autora se propõe fazer um panorama do processo histórico da ocupação das regiões bolivianas pelos Guarani que, por volta dos séculos XV e XVI, ocuparam o pé da Cordilheira dos Andes e se miscigenaram com os Chané, grupo esse que já habitava aquela região. Ao longo do período colonial esses Guarani/Chané foram genericamente identificados como Chiriguano.

Nesse sentido, são abordados três subgrupos de remanescentes dos Chiriguano: os Ava, os Simba e os Isoseño. Todavia, a ênfase da obra de Combés incide sobre este último subgrupo. No nosso entender, a contribuição mais expressiva da autora, à etnologia dos povos Guarani e Chané, foi perceber que nesse subgrupo Isoseño predomina a herança cultural Chané, muito embora os Isoseño sejam falantes do idioma Guarani. Esse fenômeno é específico do Isoso, pois de acordo com Combés, (p. 32), “el Isoso, más que otras zonas ‘chiriguanas’, mantiene viva su herencia chané”. Essa perspectiva de análise diverge da historiografia que tem posto continuamente os Chané como guaranizados no processo de miscigenação. É evidente, a partir do texto de Combés, que no caso da região do Isoso, o subgrupo Isoseño possui heranças culturais Chané.

Para fundamentar essa proposição que perpassa os demais capítulos, a autora faz um apanhado histórico da batalha de Kuruyuki. Essa batalha se caracteriza pelo fim de uma resistência ostensiva, que teve início em 1559, e durou mais de trezentos anos. O que ocorreu, no dia 28 de janeiro de 1892, foi um massacre dos Chiriguano praticado pelo exército do Estado da Bolívia. A partir da batalha de Kuruyuki vários estudiosos, em diferentes momentos históricos (Nino;1912 – Moreno;1973 – Pifarré;1989), decretaram o aniquilamento deste povo e o fim da etnia.

A crítica que a autora dirige a esses autores é que: “los chiriguanos existem hoy, y que lo hacen saber en voz alta”. A concepção de ocaso, de extermínio e ou de extinção étnica, estaria, segundo Combés, na relação quase dogmática entre a etnia chiriguana e um aspecto do seu modo de vida tradicional, traduzido pela palavra iyambae, que significa “homem sem dono”, suposto ideal de vida entre os Chiriguano. Na linha de análise dos autores que Combés pondera os Chiriguano teriam preferido lutar até a morte, no lugar de se submeteram aos brancos e perderem sua autonomia. Para melhor entender essa discussão Combés (p. 44) apresenta os argumentos dos autores que afirmam: “los chiriguanos murieron ‘antes que esclavos vivir’; desaparecieron ‘en tanto que chiriguanos’, en tanto que iyambae, para no ser esclavos”. A idéia que a autora sustenta é que a batalha de Kuruyuki foi o fim de um tempo, mas em hipótese alguma o fim físico deste povo.

Outro ponto abordado no livro refere-se ao uso ideológico, por parte dos remanescentes dos antigos Chiriguano, da batalha de Kuruyuki que aparece como o mito fundador da Assembléia do Povo Guarani (APG). Para legitimar essa assembléia a própria APG passa a idéia de uma nação Guarani congregada em torno de uma suposta identidade étnica. No entanto, ao longo da história dos povos falantes do idioma guarani, devido à própria natureza da organização social e política, nunca houve uma nação Guarani. Como bem coloca Combés (p. 50), “El discurso contemporâneo de la Asamblea del Pueblo Guaraní y el ‘recuerdo’ de Kuruyuki son ‘mentiras’ o ‘errores’ históricos: nunca existió una unión política del ‘pueblo guaraní’.”

Sendo assim é possível observar a utilização contemporânea de um fato histórico para legitimar a criação de uma organização tal como a Assembléia do Povo Guarani. Nesse sentido, a APG, pautada no mito fundador de Kuruyuki, não passa de uma estratégia política de demonstração de unidade para reivindicar direitos ao governo boliviano

Combés fala sobre as fontes que utilizou para realizar a pesquisa. Essas são documentos, relatos de viagens, como também fontes orais, obtidas através de conversas com Isoseño contemporâneos. Esses documentos, em sua maioria, encontram-se no Archivo y Biblioteca Nacional de Bolívia, em Sucre; no Arquivo Franciscano de Tarija e também no Museu Histórico de Santa Cruz de la Sierra. É importante ponderar que essas fontes foram escritas a partir da ótica do conquistador-colonizador. Estes geralmente eram fazendeiros, missionários, autoridades coloniais, que tinham interesses na dominação e sujeição dos povos indígenas. Já os relatos das viagens de Nordenskiold (1912), Thouar (1887) e Giannecchini (1896), são textos etnográficos ricos em informações quanto às características naturais e culturais de algumas regiões da América do Sul, durante o final do século XIX e início do XX.

O segundo capítulo esboça o processo de colonização da região do Isoso, pelos Chané. De acordo com a autora, a colonização se deu a partir da fuga de alguns Chané da servidão imposta pelos Guarani/Chiriguano. Esse fenômeno evidencia a dominação Guarani e o refúgio, dos Chané, na região do Isoso. A partir desse processo histórico, pode-se entender algumas heranças Guarani, nos povos Isoseño, tais como a língua. Isso indica que quando houve a fuga para a região do Isoso, os Chané já estavam linguisticamente guaranizados.

Portanto, o livro propõe que o fato de os Isoseño falarem a língua guarani, não os torna Guarani, pois suas heranças culturais são muito mais Chané que Guarani. Sendo assim, é possível um questionamento ao posicionamento de Thierry Saignes, importante pesquisador dos povos Chiriguano, quando este defende que as diferenças atuais entre os subgrupos Ava, Simba e Isoseño são insignificantes. Segundo Combés, os Isoseño possuem características culturais distintas dos outros subgrupos Chiriguano, e essas diferenças culturais não podem ser tratadas como insignificantes.

As relações entre a colonização espanhola e o Isoso também são tratadas pela autora no sentido de analisar o processo de ocupação daquela região. As fontes do período que vai do século XVI até 1844, são escassas, talvez pelo isolamento geográfico. Isso possibilita uma interpretação de que essa região vivia à margem da Colônia, no sentido de estar fora dos acontecimentos mais intensos da conquista. Diante disso, a autora se utiliza das informações proporcionadas pelas autoridades coloniais para discutir a ocupação da região e a resistência indígena frente ao processo de colonização a partir das categorias opostas de avá e karai, como também entre tapii e karai. Nessa linha interpretativa, a relação imposta pelos avá aos tapii, quando estes eram vendidos aos espanhóis, como escravos, deixa claro o esforço para evitararem a escravidão de si mesmos, e de preservarem sua essência iyambae.

Para finalizar as discussões propostas no livro, a autora estabelece um tópico denominado: de tapii a guarani e indígena, com a proposta de debater a criação da Assembleia del Pueblo Guaraní (APG). Combés aborda a APG problematizando duas questões relativas à autodenominação dos Chiriguano: 1) os Isoseño ocultam sua herança cultural Chané e assumem uma identidade Guarani que lhes permite participação na APG. 2) via de regras os pesquisadores concebem os Chiriguano como um povo Guarani sem considerarem a bagagem cultural Arawak/Chané presente nesta sociedade. Nesse sentido, a autora evidencia que a APG é uma macro-organização com estratégias para buscar soluções para os problemas comuns aos povos indígenas. Portanto, trata-se de uma aliança política que articula uma unidade étnica entre grupos culturalmente distintos.

Em suma a obra de Isabelle Combés propõe um debate em torno de diversas questões relativas à mestiçagem entre os povos Guarani e Chané, tais como: os diferentes resultados decorrentes do longo contato interétnico, a constituição de identidades étnicas que não coincidem com a bagagem cultural, assim como, o papel de instituições e organização políticas na definição da identidade étnica. Todas essas questões são abordadas a partir das peculiaridades do subgrupo Isoseño, que muitas vezes não são levadas em consideração pelos pesquisadores que não percebem que esses Chiriguano possuem em sua matriz cultural características muito mais Chané do que Guarani. Todavia, em decorrência de estratégias políticas, atualmente, se autodenominam Guarani.


Resenhista

Roseline Mezacasa – Graduanda em História, bolsista PIBIC/UFGD.


Referências desta Resenha

COMBES, Isabelle. Etno-historias del Isoso: Chane y chiriguanos em el Chaco Boliviano (Siglos XVI a XX). La Paz: Fundación PIEB; IFEA, 2005. Resenha de: MEZACASA, Roseline. Revista Eletrônica História em Reflexão. Dourados, v. 2, n. 4, jul./dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

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