Práticas de pesquisa em história | Tania Regina de Luca

Este livro, de autoria de Tania Regina de Luca, foi publicado pela Editora Contexto em 2020, fazendo parte da coleção História na Universidade, que traz uma visão geral e didática sobre pontos-chave da disciplina. A autora é mestre e doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professora de cursos de graduação e pós-graduação em História da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Diante do desafio que é elaborar pesquisas em História, a pesquisadora se propõe a traçar os caminhos da produção do conhecimento historiográfico, norteando estudantes de graduação e demais interessados na área.

Com uma abordagem elucidativa, o universo da investigação em História é conduzido através da interlocução com renomados pensadores. Em cada capítulo, há uma epígrafe que convida o leitor a refletir sobre o tema abordado. Assim, de Marc Bloch a Marte Mangset e Emmanuelle Picard, é possível conhecer ou reencontrar os notáveis intelectuais do campo. Leia Mais

O norte do Rio de Janeiro no século XVI: à luz da história mundial e da eco-história

O movimento histórico de estruturação e institucionalização da História Ambiental, iniciado em meados da década de 1970, traz transformações importantes no campo historiográfico. A abordagem ecológica insere no trabalho do historiador novos modelos interpretativos para o estudo dos comportamentos sociais, do local ao global. O Norte do Rio de Janeiro no Século XVI à luz da história mundial e da eco-história, apresenta-se como um exemplo de trabalho sobre as contribuições metodológicas que ambas as abordagens podem proporcionar para o estudo da História.

A leitura do texto mostra-se um exercício para a compreensão do que se propõe a história ambiental. O conhecimento sobre as produções humanas e os processos de territorialização abarcam as interações entre homem e natureza e a construção de ambientes equilibrados ou não entre eles. Os elementos que formam o meio em que os seres humanos se apropriam interferem em seus comportamentos, suas ações coletivas, suas produções materiais e culturais, atribuindo ao mundo natural influência significativa para o entendimento das civilizações. Leia Mais

Ética Prática | Peter Singer

Peter Singer é filósofo e professor em Princeton e Melbourne, seu livro, Ética Prática, é considerado um clássico no assunto. A primeira edição é de 1993 e desde então vem causando muita comoção devido às suas opiniões polêmicas. Para a quarta edição, o autor revisou todos os capítulos e adicionou um sobre as mudanças climáticas. Segundo o próprio Singer (2018, p. 38), “este livro pode ser entendido como uma tentativa de indicar de que maneira um utilitarista preferencial coerente lidaria com uma série de problemas polêmicos”. O objetivo, portanto, é o de ponderar filosoficamente desde questões cotidianas até assuntos mais polêmicos, como aborto, eutanásia, igualdade, estatuto moral dos animais, responsabilidade com os pobres e o meio ambiente, etc.

É importante entender a posição defendida pelo autor, que é a do utilitarismo preferencial, apesar de levar em consideração outras posições ao longo de suas argumentações. O utilitarismo é um tipo de consequencialismo, ou seja, “não partem de regras morais, mas de objetivos. Avaliam a qualidade das ações mediante uma verificação do quanto elas favorecem esses objetivos” (Ibid, p.21). A visão ainda se difere do utilitarismo clássico hedonista de Bentham e Mill, pois leva em conta uma igual consideração das preferências e interesses dos que são afetados por uma ação. O autor ressalta a distinção feita por R.M. Hare entre os planos de raciocínio moral (crítico) e o intuitivo, melhor adequado no uso cotidiano, onde “é melhor adotarmos alguns princípios éticos amplos e não nos desviarmos deles” (Ibid, p.128), princípios assegurados por experiências passadas, clássicos. Seguindo um conjunto de princípios intuitivos bem escolhidos, não é preciso tentar calcular consequências a cada decisão que fazemos. Leia Mais

Dicionário de Ensino de História | Marieta de Moraes Ferreira e Margarida Maria Dias de Oliveira

Composto de 38 verbetes, o Dicionário de Ensino de História é produto de um conjunto de profissionais que atuam junto aos programas de pós-graduação, em especial, do Mestrado Profissional de Ensino de História, o ProfHistória. Como destacado pelas coordenadoras, esse material foi “Elaborado visando subsidiar pesquisadores e professores nas suas variadas atuações de construção do conhecimento histórico” e acrescenta que ele “[…] objetiva chamar a atenção de pesquisadores de outros campos para as especificidades da historiografia, teóricos e áreas de diálogos do ensino de história” (FERREIRA; OLIVEIRA, 2019, p. 10).

Tende-se a acreditar que o dicionário é um material cuja finalidade é expressar o sentido de determinados termos. Entretanto, a dimensão enciclopédica do mesmo, ao menos em algumas áreas, já não é o mesmo. Não é de hoje que a produção desse tipo de material caiu no gosto dos historiadores. Temos como exemplos, alguns emblemáticos, a produção de Jacques le Goff e Jean Claude Schmitt, Dictionnaire Raisonné de l’Occident medieval, o recente Dicionário da escravidão e liberdade, organizado por Lilian Moritz Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes, ou ainda, o Dicionário Crítico de Gênero, organizado por Ana Maria Colling e Losandro Antonio Tedeschi. O dicionário que é objeto dessa resenha, não se distancia dos que foram citados, a não ser por sua temática, o ensino de história. Leia Mais

Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo | Anita Leocadia Prestes

Publicado em abril de 2017, quando completam 75 anos da morte de Olga Benário, o livro Olga Benário Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo não é o primeiro trabalho em que a historiadora Anita Leocadia Prestes se dedica ao reconhecimento da história de luta que é herdeira, possuindo sólida bibliografia publicada sobre o trabalho e a vida política de Luiz Carlos Prestes, com quem dividiu por décadas, para além dos laços de sangue, a trajetória de luta pela causa comunista.

Nesse novo trabalho a autora se dedica à história de sua mãe, Olga Benário, militante comunista assassinada pelo governo nazista, após sofrer anos de prisão e trabalho forçado em campos de concentração. Anita Prestes nos apresenta a história de luta e resistência da jovem Olga, acessível por meio da documentação organizada em oito dossiês da Gestapo, que somam cerca de duas mil páginas sobre a prisioneira Olga Benario (Processo Benario). O dossiê em questão abarca o período de cerca de seis anos em que Olga esteve sob custódia da Polícia Secreta Alemã. A obra de Anita Prestes é resultado da pesquisa a essa documentação, digitalizada e disponibilizada para consulta pública desde 2015 por meio do Projeto Russo-Alemão para digitalização de documentos alemães nos arquivos da Federação Russa. Leia Mais

História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna | Jonathan Conlin

O livro “História de duas cidades: Paris, Londres e o nascimento da cidade moderna”, de Jonathan Conlin, é fascinante. O historiador americano, radicado na Grã-Bretanha e reconhecido por pesquisas na área de museologia, utiliza uma abordagem que combina erudição, criatividade, pesquisa documental e imaginação histórica para analisar o desenvolvimento das cidades modernas a partir da Paris e da Londres dos séculos XVIII e XIX – ou seja, a chance de sermos tomados de surpresa nos mantêm alertas ao longo do livro.

A obra é dividida em seis capítulos – elaborados de modo a nos darem a sensação de um passeio – sobre a Paris e a Londres dos séculos XVIII e XIX. A partir de periódicos, documentos oficiais, memórias, relatos de viajantes, ilustrações, obras literárias, entre outros, Conlin analisa a relação entre metrópole, arquitetura e indivíduos, esquadrinhando seis distintos territórios da vida urbana parisiense e londrina: o lar, a rua, o restaurante, o music hall, o submundo noturno e o cemitério. Leia Mais

“Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A Trajetória Esportiva de Duda | Suellen dos Santos Ramos

Ao falar sobre biografias são escassas as obras que abordam as mulheres no meio esportivo, mais raras ainda são aquelas que abordam o futebol de mulheres. No país do futebol as histórias das mulheres futebolistas passam a margem dos grandes salários, dos espaços midiáticos e do grande número de competições disponíveis. No entanto, a grandeza de suas trajetórias é o que fizeram e fazem a construção histórica do futebol de mulheres no Brasil.

A obra de Suellen do Santos Ramos e Silvana Vilodre Goellner intitulada “Sabe aquele gol que o Pelé não fez? Eu fiz”. A trajetória esportiva de Duda” focaliza a história da ex-atleta de futebol Eduarda Maranghello Luizelli, um nome de referência do futebol de mulheres no Rio Grande do Sul. Ao narrar a trajetória de Duda a obra contribui para reconstruir a história do futebol praticado pelas mulheres no Sul do Brasil. Leia Mais

How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism | Alexander Anievas e Karem Nisancioglu

Infelizmente ainda não publicados no Brasil, os sociólogos Alexander Anievas (professor das universidades de Oxford e Connecticut) e Kerem Nisancioglu (professor da School of Oriental and African Studies da University of London) vêm construindo, nos circuitos acadêmicos da Inglaterra e dos EUA, uma consistente trajetória de pesquisas voltadas para a área das relações internacionais. Sua produção se destaca não apenas pela problematização consistente das teses mais conhecidas das perspectivas eurocêntricas e/ou neoliberais, mas especialmente pela reavaliação e contestação rigorosas de ortodoxias pertencentes à própria matriz teórica a que se filiam os autores: o marxismo.

Essas características se apresentam de maneira acentuada em sua última obra, How the West came to rule: the geopolitical origins of capitalism, publicada pela Pluto Press em 2015, em Londres. O objetivo central do livro é analisar como os povos não-europeus contribuíram para o desenvolvimento do modo de produção capitalista na Europa Ocidental e sua expansão planetária, por meio de uma perspectiva de long durée que tem como ponto de partida o fortalecimento do Império Mongol no século XIII e se encerra na Revolução Francesa de 1789, passando pela expansão do Império Otomano, pela chegada dos europeus à América, pelas chamadas revoluções burguesas clássicas e pela colonização holandesa no sudeste asiático. Anievas e Nisancioglu procuram mostrar como esses elementos aparentemente desconexos se inter-relacionam e formam processos nos quais os não-europeus aparecem não apenas como colonizados, mas como forças ativas e essenciais para a constituição da economia capitalista europeia. Leia Mais

O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus | Cristiane Lopes da Mota

Nos últimos anos o Brasil vem passando por uma série de mudanças políticas e manifestações públicas pedindo o retorno da ditadura ou de governos militares. Ainda que estarrecido com tais ações, estes acontecimentos nos permitem refletir e produzir novos estudos sobre o tema e pensar como estes estão chegando ao dito grande público.

Nessa perspectiva, lançado em 2016, resultante de sua dissertação defendida em 2013 na Universidade Estadual da Bahia (UNEB), o estudo da historiadora Cristiane Mota, O golpe de 1964 e suas reverberações em Santo Antônio de Jesus, traz significativas contribuições para se pensar o quanto o período influenciou diretamente na conjuntura política e social do município baiano referido, além de uma reflexão sobre nosso atual momento político. Leia Mais

O homem que amava os cachorros | Leonardo Padura

O livro de Leonardo Padura é uma daquelas obras de ficção que tem o poder de apequenar o historiador/leitor, pela sua narrativa de tirar o fôlego. Só mesmo uma obra despretensiosa quanto à História ciência poderia navegar tão livremente pelos personagens e contextos históricos. A narrativa, todavia, prende o leitor justamente pelo que traz de história e pelo respeito à história acontecimento, a história dos personagens entrelaçada no contexto em que se encontravam.

O respeito à história é garantido no que para o historiador é algo fundamental: no trato com as fontes bibliográficas e documentais, algo que consumiu do autor mais de cinco anos de trabalho, a colaboração de diversas pessoas em Cuba, no México, na Espanha, na Rússia, na França, na Dinamarca, no Canadá e na Inglaterra. Isso garantiu – conforme Padura em nota de agradecimento ao final do livro – a “fidelidade possível (…) aos episódios e à cronologia da vida de Leon Trotski” e uma “presença esmagadora da história em cada uma de suas páginas” (p.587), mesmo tratando-se de um romance. Leia Mais

Nobrezas do Novo Mundo: Brasil e ultramar hispânico, séculos XVII e XVIII | Ronald RAminelli

A obra de Ronald Raminelli ajuda a entender um pouco mais o universo da América portuguesa e espanhola. Tecendo seu livro em duas partes, Raminellli apresenta discussões acerca da heterogeneidade das nobrezas do Antigo Regime, ou seja, o estamento nobre da sociedade em que, de acordo com o autor, exibe distinções e aproximações entre Metrópole e Colônia. Isto se dá, especialmente quando Raminelli analisa o envolvimento de chefes indígenas e negros frente às Ordenanças Militares, comparando, entre outros pontos, a percepção nobiliárquica de enobrecidos hispânicos coloniais e enobrecidos portugueses da Colônia.

Raminelli nessa obra apresenta um balanço historiográfico da pesquisa dos enobrecidos das possessões americanas, e em suas considerações reflete acerca de crioulos e mazombos, os quais almejam ingressar no estamento nobiliárquico da sociedade hispânica, em especial na hierarquia nobre do Vice-reino de Peru e Vice-reino da Nova Espanha. Quanto à América portuguesa, o autor intenta estudar os índios e mulatos e suas tentativas de obter, por meio de algumas guerras entre Portugal e Holanda no litoral colonial, algumas ascensões sociais e possíveis privilégios das ordenações. Leia Mais

Tempos diferentes, discursos iguais: a construção do corpo feminino na história | Ana Maria Colling

Um livro que me causou um sentimento de coletividade: todas as mulheres precisavam ler, o pequeno, mas denso, objeto dessa resenha. E todos os homens também o deveriam fazer. Sei que uma utopia faz parte dessas afirmações, mas o que esperamos senão uma realização utópica de nossas relações?

Ana Maria Colling escreveu, com base teórica foucaultiana, uma história da construção do corpo feminino, os discursos e verdades que subjetivaram o feminino que conhecemos e vivenciamos em nossa sociedade ocidental. Leia Mais

Viagem a bordo das Comitivas Pantaneiras | Débora Alves Pereira

Débora Alves, jornalista, mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional pela Uniderp – Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal –, trabalha no SBT MS desde dezembro de 2001 exercendo a função de repórter desde outubro de 2013 e é editora e apresentadora do jornal SBT MS 1º Edição da mesma emissora. Dentre os seus principais destaques em premiações está o prêmio de Melhor Vídeo Étnico Social no II Festival Social Latino Americano de Cisne, Vídeo e TV com a produção do vídeo Conceição dos Bugres em 2001.

O livro intitulado Viagem a bordo das Comitivas Pantaneiras (2014) é resultado do desenvolvimento de sua pesquisa no Mestrado de Meio Ambiente da Uniderp (hoje pertencente ao grupo Anhanguera). Composto de 192 páginas intercaladas de textos e imagens que buscam retratar a realidade das comitivas pantaneiras e o meio ambiente em que estão inseridas. Leia Mais

Mobilidade discursiva: o periodismo político em Goiás | Cristiano Alencar Arrais

O período conhecido na história do Brasil como República Velha é recheado de acontecimentos e fatos que perpassam por uma prática oligárquica de governo. Nessa prática, a questão social é tratada como caso de polícia: greve dos trabalhadores ressoando de sul a nordeste, predomínio agrário na economia nacional, esquema político de continuísmo e manutenção de poder, e assombro da instabilidade econômica mundial. Estes fatores, além da disputa pelo controle do país, concentrada nas regiões Sul e Sudeste, somados à insustentabilidade do modelo liberal, deram vazão ao sentimento que culminou na Revolução de 1930.

Apesar do foco central dos olhares estarem inclinados para o que acontecia nos estados do Sul e do Sudeste, a força desse clima reverberava em todos os entes da federação. Em Goiás, a situação política que há quase duas décadas encontrava- se sob a chefia dos Caiados, tinha no seu bojo uma oposição que avistava no momento revolucionário, a oportunidade para a tomada de poder, e a renovação política no estado. Todavia, este movimento encontrou um governo de situação forte sustentado por uma política de acordos e alianças direcionada a manutenção de poder dos coronéis, que suprimiu os revoltosos, prendendo seu líder, Pedro Ludovico, que só foi solto após a notícia de que a revolução triunfara no eixo político brasileiro. Leia Mais

Desenvolvimento, inovação e sustentabilidade: contribuições de Ignacy Sachs | Carlos Lopes

Desenvolvimento, inovação e sustentabilidade: contribuições de Ignacy Sachs atualiza sobre o pensamento do economista e situa o leitor quanto às políticas públicas de promoção do desenvolvimento sustentável elaboradas por bancos de desenvolvimento como o BNDES-Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Por meio da exposição das obras e experiência de Ignacy Sachs, os autores argumentam a respeito da ação do Estado na distribuição equitativa de recursos e na geração de emprego e renda frente a um cenário de reflexão acerca da indústria no Brasil. Questões indispensáveis para os historiadores e historiadoras que problematizam as relações entre homem, sociedade e natureza neste início de século.

Ignacy Sachs é exemplo de uma geração de intelectuais que formaram a comunidade técnico-científica do mundo pós-segunda guerra. Polonês, formado em economia no Brasil, doutorado na Índia, integrante do Ministério das Relações Exteriores na Polônia socialista, acolhido pela EHESS- École des Hautes Études en Sciences Sociales após exílio -instituição na qual criou o Centro de Pesquisas sobre o Brasil Contemporâneo, interlocutor das questões ambientais perante as Nações Unidas. Seu cosmopolitismo contribuiu para a formulação do conceito de ecodesenvolvimento em um período que gestou o debate acerca da manutenção dos recursos naturais e a decorrente inflexão da teoria do desenvolvimento. Leia Mais

Entre a cruz e a foice: Dom Pedro Casaldáliga e a significação religiosa do Araguaia | Mairon Escorsi Valério

Dom Pedro Casaldáliga é, sem dúvida, uma das personagens mais importantes da história da Igreja Católica brasileira e do conflito entre a instituição e o regime autoritário que se instaurou no Brasil em abril de 1964. Adepto à Teologia da Libertação, o bispo catalão se tornou a personificação de um novo ideal de cristão católico; este assumiria um compromisso ético com a justiça social e com a promoção humana, visto que os dois objetivos seriam a antecipação do Reino de Deus na terra. Diante da radicalização vivida pelo país nas décadas de 1960-1970, o projeto político-pastoral da prelazia mato-grossense entrou em conflito com o plano de integração nacional fomentado pelo governo militar que buscava, através do desenvolvimento das grandes fazendas agropecuárias, colocar a região Centro-Oeste no mapa do capitalismo brasileiro.

Nascido no ano de 1928 em Balsareny, pequena cidade da província de Barcelona, o jovem religioso Claretiano chegou à São Félix do Araguaia em julho de 1968. Em pouco tempo, Casaldáliga se tornou a mais importante figura na defesa dos camponeses e indígenas contra os grandes latifundiários e o empreendedor da solidificação da presença do catolicismo na região. Após sua sagração episcopal, em 1971, ganhou ainda mais destaque pela radicalidade com que denunciava as injustiças e pelas inúmeras vezes em que esteve em risco iminente de ser expulso do país ou assassinado por pistoleiros da região a mando de grandes fazendeiros. Leia Mais

Histórias de abandono: infância e justiça no Brasil (década de 1930) | Silvia Maria Fávero Arend

As duas últimas décadas do século XX, no Brasil, marcam um aumento significativo de estudos no campo da infância e da juventude, em diversas áreas das Ciências Humanas. Histórias de abandono é uma contribuição imprescindível ao campo no âmbito da História, narrando com sensibilidade as transformações, na vida das famílias pobres, decorrentes da implantação do Juizado de Menores em Florianópolis, na década de 1930. Utilizando uma vastidão de fontes documentais, com centralidade nos Autos, relatórios e ofícios produzidos por este Juizado, Silvia Maria Fávero Arend analisa sob a perspectiva de diferentes personagens o cenário social da Florianópolis do período, e nele, como viviam meninos e meninas sob os auspícios do abandono.

O livro foi produzido sob a forma de tese de doutoramento em História, estando dividido em cinco capítulos. O primeiro, chamado “Na cidade os primeiros parentes são os vizinhos”, decorre sobre a territorialidade espacial, étnica e de classe, dos meninos e meninas que ingressaram no programa social assistencial executado pelo Poder Judiciário. A historiadora demonstra que as transformações urbanas de caráter civilizatório, ocorridas na cidade nas primeiras décadas do século XX, bem como o movimento migratório de famílias rumo à Capital catarinense, fosse pela busca de emprego, fosse seguindo os passos da parentela, em caráter temporário, acabou originando todo um grupo de pessoas que não estava inserido nas redes tradicionais de auxílio da cidade. A partir deste dado são narradas as experiências migratórias, as condições de moradia e as formas de inserção social dos descendentes de açorianos e madeirenses, dos afrodescendentes e das famílias recém-chegadas à cidade, grupos cujas crianças são protagonistas dos Autos emitidos pelo Juizado, entre os anos de 1936 e 1940. Leia Mais

Alcântara: alma e história | Albani Ramos e Sebastião Moreira Duarte

A cidade de Alcântara, no Maranhão, é um playground literário onde escribas dos mais variados jaezes se exercitam, percorrendo, como numa prova de obstáculos, uma sucessão de lugares comuns cristalizados pela tradição. São marcos obrigatórios que se tem considerado como etapas inescapáveis a qualquer trabalho que se dedique à cidade, quer físicos (o pelourinho, os “palácios do Imperador”, as Igrejas e capelas, as ruínas), quer “imateriais” (a religiosidade peculiar, a cultura local, as “festas tradicionais” e uma certa forma decadentista de observar a trajetória da cidade no tempo). Aos olhos destes literatos, Alcântara oferece um percurso narrativo canônico que, à maneira de um mote clássico, tem estações obrigatórias e paradas predeterminadas, restando ao escritor se destacar pela forma como percorre esses trajetos. Há pontos em comum a quase todos estes atletas das letras: a perspectiva estrangeira, a ótica elitista e urbana e o fato de serem incapazes de superar os preconceitos que a tradição erigiu, noções inconscientes que lhes aparecem como sussurros das ruínas.

Retomemos aqui considerações fecundas presentes num texto essencial a todos os que desejam compreender o Maranhão: Alfredo Wagner Berno de Almeida demonstra que há cerca de 200 anos uma geração de intelectuais produziu a noção de que a região viveu tempos de fartura num passado distante e idílico, em vias de desaparecer, e que se vive num presente marcado pela ruína e decadência. Atrelada a essas representações da trajetória da região vem a ideia de que é necessário conceber e praticar medidas de recuperação, saneamento e regeneração, que reconduzam àquela mítica situação ideal do passado. Leia Mais

O Erotismo | Georges Battaille

“Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer”. Este axioma de Italo Calvino (2007: p.11) baliza com precisão o que a obra L’Erotisme, de Georges Bataille, que veio a lume pela primeira vez em 1957, significou e ainda significa para os estudos de gênero, sexualidade, história da arte e das religiões. O objeto de pesquisa é o erotismo e o seu funcionamento na sociedade, tema do qual o autor jamais se afastou, haja vista as muitas obras publicadas, como História do olho (1972) e Acéphale (1936-1939), para citar apenas algumas. Pode-se afiançar que a obra batailliana busca explicitar uma série de tabus da sociedade, do incesto ao homicídio, tendo como ponto de partida as experiências humanas.

Georges Bataille nasceu em Billom, França, em 1897. Data e lugar não são apáticos ao itinerário do pensador. Nascer na França em 1897 significava, para muitos, estar fadado a combater na Primeira Guerra Mundial dezessete anos depois. Com Bataille não foi diferente, e o autor não esconde esse fato. Já no prólogo de O erotismo, ele atesta que os escritos foram elaborados “entre a guerra”, num “mundo abandonado”, em que os homens viviam “como espectros” (p. 30). Leia Mais

Cuba e a Eterna Guerra Fria: mudanças internas e política externa nos anos 90 | Marcos Antonio da Silva

Cuba, certamente, enquadra-se entre os países-chave para se entender parte da história do século XX. Mesmo sendo uma pequena Ilha do Caribe, este país, a partir da ruptura com a ditadura de Fulgencio Batista, em janeiro de 1959, transformou-se em um dos principais agentes políticos mundiais, em especial para a América Latina e demais regiões periféricas do capitalismo.

Neste seu trabalho, Marcos Antonio da Silva demonstra como Cuba teve protagonismo nas relações internacionais durante as décadas de 1960-70-80. E isso tanto do ponto de vista cultural quanto do político-militar. Entretanto, apesar dessa sua força, a Ilha possuía um elemento de fragilidade para a sua organização social: o aspecto econômico. Em grande medida, será essa situação de debilidade econômica que criará para os cubanos um vínculo de dependência em relação à URSS. A partir da década de 1990, com a crise soviética, ocorre uma radical mudança nas relações exteriores de Cuba, forçando-a para uma postura mais diplomática. E é essa transformação o eixo central do livro. Leia Mais

Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba | Marta Philp

“Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba” nos invita a reconstruir un período específico de la historia argentina: la etapa 1969 – 1989, desde un lugar determinado: Córdoba. Es éste ya uno de los puntos a destacar de la obra. Efectivamente, con la valiosa perspectiva de quienes investigan las historias provinciales; como alternativa y complemento al gran relato de la historia nacional, la autora aborda las relaciones entre historia, memoria y política, centrando el análisis en las conmemoraciones y homenajes. Éstos constituyen una vía particularmente rica para analizar cómo el poder político construye su legitimación mediante los usos y significaciones atribuidos al pasado.

Escrita en un lenguaje claro, sólido; “Memoria y Política en la Historia Argentina Reciente: una lectura desde Córdoba” aborda una temática aún conflictiva para la mayoría de los argentinos, cuyo tratamiento es considerado campo de abordaje por historiadores y periodistas; y todavía se halla en pleno proceso de construcción desde lo metodológico y lo analítico. De allí que, pese a ser una obra de buena lectura, una comprensión cabal apunte a entendidos. Leia Mais

Dourados e a democratização da terra: povoamento e colonização da Colônia Agrícola Municipal de Dourados (1946-1956) | Maria Aparecida Ferreira Carli

Convidado especial do 13º Congresso Internacional da Rede Mundial de Renda Básica que foi realizado em 2010 na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo, o historiador Luis Felipe de Alencastro proferiu uma brilhante palestra sobre as implicações históricas das desigualdades sociais brasileiras. Além da ênfase, como não poderia deixar ser, à questão da escravidão, Alencastro tocou em um dos temas mais polêmicos da história do Brasil: a alarmente injustiça social na distribuição de terras em nosso país.

O historiador iniciou suas reflexões chamando atenção do público ouvinte para o fato de a Lei de Terras ter sido aprovada pelo parlamento do Brasil apenas três semanas após a proibição do tráfico negreiro. Para Alencastro, não há nenhuma coincidência nesse fato, mas sim a comprovação de que a lei número 601 de 18 de setembro de 1850 era a base de uma política que tinha como objetivo preparar o país para receber imigrantes que iriam substituir a mão-de-obra escrava. O papel dessa regulamentação das terras públicas era, mediante um novo contexto vivido pela nação, impedir que os imigrantes recém-chegados pudessem vislumbrar a possibilidade de possuir propriedades rurais, garantindo, desse modo, a força de trabalho necessária para a produção nos grandes latifúndios do país. Leia Mais

As Famílias Principais: redes de poder no Maranhão colonial | Antonia da Silva Mota

Em março de 1743 as autoridades do Senado da Câmara de São Luís, falando em nome dos “moradores”, suplicavam ao Rei que anulasse um privilégio concedido ao irlandês Lourenço Belfort. Este imigrante, que há pouco investira 10 mil cruzados na construção de uma fábrica capaz de processar 8 mil couros por ano em São Luís, havia sido agraciado com o monopólio do comércio de couros. O pedido do privilégio para Lourenço Belfort havia sido encaminhado ao Rei pelo próprio Governador e Capitão General do Maranhão, João de Abreu de Castelo Branco, em outubro de 1741. Em sua petição, Castelo Branco argumentava que tal medida teria o poder de estabelecer um controle maior sobre a circulação do couro na região, coibindo o roubo de gado. Os camaristas, no entanto, suspeitavam que a medida tivesse outras finalidades, o que explicitaram em uma argumentação enviada ao Rei:

A proibição que pertende o dito Lourenço Belfort, para que do Maranhão se não embarquem couros para esta cidade he muito prejudicial aos direitos de Vossa Magestade, e a liberdade do comercio, e se deles tem necessidade para sua fábrica, os pode comprar a seus donos. […] O intento deste Belfort será talvez com este privilégio, ser senhor de toda a courama, que houver, e como seja só a comprallas, os haverá por pouco mais de nada.1 Leia Mais

Nazi Germany and the Jews, 1933-1945 | Saul Friedländer

Saul Friedländer, catedrático de História da Universidade da Califórnia em Los Angeles, tem se dedicado, há tempo, ao estudo da História Contemporânea e, em particular, à Alemanha nazista e a perseguição aos judeus. Ganhador de diversos prêmios, o historiador nascido na década de 1930 em Praga, em família judia de idioma alemão, viveu a infância na França e enfrentou a ocupação. Após a Segunda Guerra (1939-1945), imigrou para Israel e desde o final da década de 1980 é professor na Califórnia. Este volume é uma versão resumida do original que ganhou o prêmio Pulitzer, resultado do belo trabalho de Orna Kenan, e que permite o acesso mais amplo à obra.

Logo na introdução de Kenan, o leitor é apresentado à tese de Martin Broznat, do Instituto de História Contemporânea de Munique, de que até o final da guerra a população alemã nada sabia sobre a Solução Final (o extermínio de judeus e outros povos) e que deveria ser considerado um período normal da História alemã e europeia. Friedländer questionou a noção de normalidade e apontou que o antissemitismo era popular (völkisch) e, para isso, examinou, em detalhe, a documentação referente ao período em que o nazismo controlou o estado alemão, a partir de 1933. Fica claro que as restrições aos judeus foram crescentes, atingindo, também de maneira cada vez mais intensa, os chamados mestiços (Mischlinge), como quando em 15 de abril de 1937 os doutorandos de sangue judeu não poderiam defender suas teses. A radicalização, contudo, ocorreu a partir de 1938, com a anexação da Áustria e o estabelecimento de um modelo de ação contra os judeus que antevia a solução final. A Noite dos Cristais e a intensificação à perseguição foram consequências imediatas. Leia Mais

(Des)medidos – A revolta dos quebra-quilos (1874- 1876) | María Verónia Secreto

Quebra-quilos – termo usado para designar revoltas que acometeram diversas localidades em oito províncias brasileiras (sete delas no Nordeste do país) nos anos de 1874 a 1876 – foi a última grande revolta do Período Imperial, e teve como protagonistas os pobres-livres das regiões rurais: sertanejos, criadores de gado, agricultores de subsistência. Apesar do nome pelo qual ficou conhecida, a resistência à introdução do sistema métrico era apenas um entre vários motivos das manifestações.

A autora identifica e evidencia as “camadas interpretativas” que recobriram o movimento dos quebra-quilos, desde os primeiros registros sobre ele. As autoridades provinciais e os letrados contemporâneos à revolta impingiram um colorido supersticioso e ignorante às manifestações, e creditaram-nas à influência de “agentes externos”; os historiadores regionais, muito concentrados em seus universos locais, deixaram de enxergar o movimento em sua magnitude completa. A autora indica ainda o erro recorrente e bastante comum, presente em trabalhos mais recentes, de se considerar tais manifestações como meros “espasmos” sociais, desarticulados de qualquer contexto mais profundo. Leia Mais

O poder da arte | Simon Schama

No ano de 2006, a rede televisa BBC de Londres produziu uma série de documentários sobre arte com a coordenação do professor de História da Arte da Universidade de Columbia em Nova York: Simon Schama. Envolvendo dramatizações e uma proposta de atingir o grande público, a série trazia momentos e obras de oito artistas modernos e contemporâneos: Caravaggio; Bernini; Rembrandt; David; Turner; Van Gogh; Picasso e Rothko.

O livro O poder da Arte, ora resenhado, surge como fruto direto do sucesso destes documentários. O próprio autor esclarece que no texto foi possível aprofundar e apresentar questionamentos que não cabiam no documentário, pois a linguagem televisa segue seus próprios cânones, que diferem da escrita, a começar pelo tempo que um programa ocupa numa grade de televisão, o que faz com que seja sempre necessário estabelecer cortes e omitir passagens no tema a ser documentado. O livro toma da sua versão televisiva, o ritmo e a cadência de personagens que aparecem nos oito programas. Alguns acréscimos são realizados nas análises, como a discussão sobre a Cabeça de Medusa, tela montada em madeira de autoria de Caravaggio datada de 1598-1599, que ilustra a capa da edição brasileira. Leia Mais

O historiador e seu tempo: encontros com a história | Antônio Celso Ferreira, Holien Gonçalves Bezerra, Tania Regina de Luca

O livro em pauta dá continuidade à série de encontros com a história, organizada pela Anpuh nas universidades do estado de São Paulo, em que já foram publicadas: Encontros com a História (1999) e Encontros com a História n. 2 (2001). A obra é resultado do XVIII Encontro Regional de História, realizado entre os dias 24 e28 de julho de 2006, na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Assis. Ela reúne parte das conferências e mesas-redondas ali apresentadas, totalizando 13 textos.

No texto de abertura, Antonio Celso Ferreira discute por que os historiadores estariam às voltas com um período, no qual ficariam sem tempo ‘de fazer’ pesquisa e escrever, tanto quanto ‘sem tempo’ para ser apreendido na pesquisa histórica, pois, as categorias: passado, presente e futuro estariam cada vez mais voláteis. Para demonstrar esse problema, detém-se nos modos de produção, nos sujeitos e práticas e nos produtos, mercado, valor. No primeiro item, demonstra como os estudos históricos, do século XIX para o XX, teriam passado da arte (por estar intimamente ligados a um processo artesanal de produção) para uma indústria cultural; de um vínculo duradouro no trabalho universitário para um contrato provisório; de um conjunto de horas vagas para um tempo exíguo de produção e descanso; e da erudição à versatilidade (dada a cobrança atual de produção em larga escala). Leia Mais

O Crime do Restaurante Chinês – Carnaval, Futebol e Justiça na São Paulo dos anos 30 | Bóris Fausto

Considerações iniciais

Há no panorama teórico da historiografia uma intensa discussão conceitual, que tem sido descrita como uma disputa entre paradigmas rivais (CARDOSO, 1997: 3). De um lado, aqueles que embasam seus esforços numa ótica iluminista, o que significa acreditar na capacidade da razão humana em descobrir e ordenar as forças em atuação no universo. Entre estes, ainda de acordo com Cardoso, podem ser enquadrados os marxistas, positivistas e mesmo aqueles ligados à “Nova História”. Trabalhos realizados a partir dessas diretrizes tendem a buscar uma visão holística do processo histórico, agregando os fenômenos sob explicações totalizantes.

Na outra ponta estão aqueles que abandonam tentativas generalizantes de explicação, enfatizando a singularidade dos objetos e a impossibilidade de reuni-los sob uma mesma rubrica sem que se percam suas qualidades fundamentais. A esses se atribui a filiação a certo “paradigma pós-moderno”. O movimento tendencial parece apontar para a ascensão da ótica pós-moderna em detrimento do paradigma iluminista. Leia Mais

A natureza dos rios: história, memória e territórios | Gilmar Arruda

O livro organizado por Gilmar Arruda figura entre os mais recentes estudos sobre as relações entre história, espaço e natureza ao examinar as interações entre as sociedades e o meio ambiente. O livro procura mostrar que os rios também fazem parte da natureza e, portanto, devem ser objeto para os pesquisadores que colocam em pauta as questões ambientais, entre outras. Desse modo, A natureza dos rios: história, memória e territórios, reúne textos de historiadores, sociólogos e antropólogos que exploram algumas possibilidades de estudos sobre os rios.

A coletânea é composta por uma apresentação feita pelo organizador e por mais oito textos que discutem como as concepções e as ações humanas sobre as águas dos rios conseguiram transformar o território, a memória e a história. Os conflitos e as disputas pelo domínio do espaço natural, os impactos da modernização tecnológica, o contato com as populações ribeirinhas, as formas de utilização e alteração das águas são alguns dos temas presentes no livro e que nos ajudam a desvendar a “natureza dos rios” e seus significados ao longo desses processos. Ao abordar tais temas, os autores utilizaram relatórios de expedições, correspondências de engenheiros e autoridades políticas, mapas e obras publicadas no final do séc. XIX e início do séc. XX. Tais fontes são importantíssimas ao revelar como é possível entender melhor a relação entre história e natureza, sociedades e meio ambiente, tendo os rios como foco central. Leia Mais

História da infância em Pernambuco | Humberto Miranda e Maria Emília Vasconcelos

Desde a tradução do livro História social da infância e da família de Philippe Ariès para o Brasil, na década de 1980, historiadores e historiadoras em todo o país intensificaram suas pesquisas em torno desta temática. A escolha da infância como novo “objeto de pesquisa” deu-se devido à intenção de alguns pesquisadores/as compreender como se construíram múltiplas infâncias na territorialidade que compreende o Brasil, atentando-se para as especificidades locais e regionais. Neste sentido, o estudo dos discursos dos operadores do direito, pedagogos, psicólogos, médicos, etc., enfim, uma miríade de técnicos, foram de fundamentais para compreender como a sociedade brasileira forjou seu ideal de infância. Estes discursos buscavam apontar um lugar social para a infância e a criança na modernidade, e suas discussões de maneira geral, concentravam-se entorno de arquétipos infantis: a criança problema, a criança aluno, a infância desamparada ou desvalida. Sempre com caráter intervencionista estes profissionais tentaram – e ainda hoje tentam – solucionar os ditos “problemas” partindo do pressuposto da existência de uma criança/infância universal, esquecendo-se de que este período da vida é social e historicamente construída – caleidoscópica.

Indo de encontro às novas perspectivas teóricas sobre os estudos da criança, onde a visão adultista é colocada de lado, o livro, História da Infância em Pernambuco da editora UFPE, condensa um apanhado de discussões sobre as crianças e suas diferentes infâncias, realizadas durante o Simpósio Memórias da Infância, no qual pesquisadoras e pesquisadores apresentaram seus trabalhos, propondo novas abordagens e olhares para a realização de uma história da infância brasileira. Leia Mais

O Desafio Biográfico: escrever uma vida | François Dosse

O historiador francês, François Dosse tornou-se reconhecido em seu meio como um analista da situação intelectual francesa no século XX e especialmente como crítico da chamada Nouvelle Histoire, ou também conhecida como terceira geração da Escola dos Annales. As concepções de Dosse a respeito dessas temáticas podem ser lidas em muitas de suas obras publicadas no Brasil, tais como: “A História em Migalhas: dos Annales à nova história” (1994), “História do Estruturalismo” (1994), “A História a prova do tempo: da história em migalhas ao resgate do sentido” (2001), “Império do Sentido: a humanização das ciências humanas” (2003), entre outras. Em seu “Desafio Biográfico: escrever uma vida” esses temas não deixaram de ter lugar, mas agora diluídos em outros objetivos, quais sejam: analisar historicamente as produções biográficas, inserindo as mais diferentes publicações em seus contextos de produção, verificar os momentos de maior ou menor intensidade na escrita de biografias e como o historiador profissional relacionou-se com o biográfico pelo menos durante o decorrer dos últimos dois séculos.

Dosse intenta construir uma espécie de panorama histórico das produções biográficas, demonstrando assim, as diferentes concepções a respeito dessa forma de escrita durante o tempo. Para tanto, recorre a uma divisão metodológica das biografias, traçada por ele próprio. Assim sendo, as primeiras obras datadas da antiguidade clássica até a modernidade passam a integrar a idade heróica. Posteriormente, as biografias produzidas durante o século XX, por suas características singulares são denominadas modais. E por fim, as biografias que expressam a heterogeneidade e a multiplicidade de identidades da contemporaneidade pertencem à era hermenêutica. Leia Mais

Política, cultura e classe na Revolução Francesa | Lynn Hunt

Originalmente lançado em 1984, mas publicado no Brasil apenas em 2007, o estudo da historiadora norte-americana Lynn Hunt intitulado Política, cultura e classe na Revolução Francesa oferece não apenas pertinentes contribuições ao exame de um dos eventos mais estudados da história mundial, como também apresenta uma original abordagem da política, vista de maneira indissociável das práticas culturais e sociais.

Quando Hunt começou a pesquisa que daria origem ao livro, esperava demonstrar a validade da interpretação marxista, ou seja, de que a Revolução Francesa teria sido liderada pela burguesia (comerciantes e manufatores). Os críticos dessa visão (chamados de “revisionistas”), afirmavam, ao contrário, que a Revolução havia sido liderada por advogados e altos funcionários públicos. Procedendo a um minucioso levantamento de dados sobre a composição social dos revolucionários e suas regiões de origem, Hunt esperava encontrar maior apoio à Revolução nas regiões francesas mais industrializadas. Contudo, ela constatou que as regiões que mais industrializavam não foram consistentemente revolucionárias, e havendo de ser buscados outros fatores para tais comportamentos como os conflitos políticos locais, as redes sociais locais e as influências dos intermediários de poder regionais. “Em suma, as identidades políticas não dependeram apenas da posição social; tiveram componentes culturais importantes” (HUNT, 2007:10). Leia Mais

A Misteriosa Chama da Rainha Loana: romance ilustrado | Umberto Eco

A pesquisa de Yambo para recuperar sua memória é um passeio pela construção de sua “visão de mundo”, entrelaçada com a história da Itália, entre 1930 e 1990, que corresponde à própria idade de Yambo. Yambo é o protagonista do romance ilustrado, assim anunciado, de Umberto Eco.

A história do personagem que, após um acidente vascular cerebral, tenta recuperar sua memória emocional, é um mergulho nas mais variadas fontes. Pode-se dizer que se trata de um trabalho de historiador, camuflado pelo romance, que transborda pelo excelente autor que é Umberto Eco. Leia Mais

Os dentes falsos de George Washington: um guia não convencional para o século XVIII | Robert Darnton

Na verdade, tudo o que se refere ao século XVIII é estranho, quando examinado em detalhe (DARNTON, 2005: 8).

Para Robert Darnton, o século XVIII é bem mais estranho do que imaginamos corriqueiramente. Seus personagens, e suas formas de agir e pensar, conforme argumenta, nos fariam ter uma sensação de estranhamento abissal. Após publicar um grande número de livros sobre o século XVIII, em parte já traduzidos no Brasil, como: Boemia literária e revolução (1987), O lado oculto da revolução (1988), O grande massacre de gatos e outros ensaios (1988), O beijo de Lamourette (1990), Edição e sedição (1992), O Iluminismo como negócio (1996), Os best-sellers proibidos da França pré-revolucionária (1998) e Democracia (2001), o autor apresenta um guia, segundo ele nada convencional, para se entender o século XVIII, ou melhor, parte dele e de seus temas.

Neste livro, Os dentes falsos de George Washington (2005), em suas palavras, procurou oferecer um guia “para o século XVIII, não para todo esse período (o que exigiria um tratado em vários volumes), mas para alguns de seus recantos mais curiosos e singulares, e também para seu tema mais importante, o processo do Iluminismo” (DARNTON, 2005: 9). Para tanto, o autor expos relatos de campo, de parte de suas pesquisas, embora não dando um mapa completo do século XVIII, mas se concentrando em alguns de seus temas, como: “conexões franco-americanas, a vida na República das Letras, modos de comunicação e, por fim, formas de pensamento peculiares ao Iluminismo francês” (DARNTON, 2005: 10). Neste percurso sua tese “não é de que o século XVIII era estranho em si mesmo […] mas de que é, sim, estranho para nós”, em função das profundas transformações históricas que se deram do passado ao presente e, nesse sentido, preocupou-se em “abrir linhas de comunicação com o século XVIII e, ao segui-las até suas origens, compreender o século ‘como ele realmente era’, em toda a sua estranheza” (DARNTON, 2005: 14). Leia Mais

Dourados: memórias e representações de 1964 | Suzana Arakaki

No livro, originário de sua dissertação de mestrado, a autora trata das conjunturas que levaram ao regime militar em 1964 e as reviravoltas políticas que foram geradas pela euforia do movimento no antigo sul do estado de Mato Grosso, especialmente a cidade de Dourados e a região da Colônia Agrícola Nacional de Dourados (CAND), lugares grandemente influenciados pela ação do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). O contexto por ela analisado tem como recorte temporal a década de 1960, desde os primeiros momentos do governo de Jânio Quadros, concentrando especialmente na posse e governo de João Goulart (o Jango), destacando suas indefinições político-partidárias, até o golpe derradeiro com o Golpe e a tomada do poder pelo militares.

Para a elaboração do seu texto a autora vai fazer uso de notícias veiculadas no jornal douradense “O Progresso”, deixando clara a postura de direita assumida pelo mesmo e o apoio dado à derrubada do Governo Goulart, tendo como figura de destaque na propagando da pseudo-revolução o proprietário do jornal e deputado Weimar Gonçalves Torres. Em seguida ela não deixa de salientar a decepção que acometeu o mesmo deputado, assim como tantas outras pessoas da região com os resultados das ações dos militares. Para se utilizar dos jornais como fonte de sua pesquisa a autora elabora um pequeno histórico dos periódicos locais. Leia Mais

Um historiador fala de teoria e metodologia: ensaios | Ciro Flamarion Cardoso

Produzida pelo professor/pesquisador Ciro Flamarion Cardoso, Um historiador fala de teoria e metodologia: ensaios, nos fornece uma ampla discussão no que se refere à teoria da História. Ao dialogar com diferentes tendências historiográficas, o autor promove uma série de debates em torno da questão de como se “fazer História”.

Com sua postura marxista, acredita que a História só possa ser interpretada através das condições materiais que compõem cada sociedade e não pela consciência, linguagem ou religião que cada uma possui. Apóia as primeiras gerações dos Annalles por privilegiarem as estruturas e a longa duração, refutando veementemente o positivismo por restringir-se apenas à história factual e a curta duração. Leia Mais

As cidades no tempo | Margarida Maria CArvalho, Maria Aparecida de S. Lopes e Susani Silveira Lemos França

A história das cidades é vista, desde os tempos antigos, como uma analogia da vida humana. Já no final do período clássico grego, surgem biografias de Atenas, Esparta, Tebas etc. A homologia traçada entre as fases da vida humana – como nascimento, vida e morte – e o processo de formação, desenvolvimento e decadência da cidade é perceptível ainda nas biografias de Plutarco, escritas no primeiro século de nossa era. Não obstante, a teoria evolucionista de Charles Darwin reforça as concepções dos fisiocratas modernos, os quais despontam com a visão de ascensão e queda de um sistema citadino como algo natural, construindo-se, assim, uma espécie de símile entre a sobrevivência dos mais aptos na natureza e as cidades mais preparadas para dominar as demais.

A complexidade desses pensamentos revela a acepção de domínio natural de uma cidade sobre as outras, pautada, na maioria dos casos, em sua distinção econômica, política, religiosa ou literária. Nesse sentido, deparamo-nos com a noção de singularidade sustentando a criação de uma cidade-modelo e excluindo as diferenças sob o argumento da unidade administrativa. Ora, vemos através da história o quanto essa concepção de singularidade nos conduz à intolerância, refletida nas tentativas de eliminação da diversidade cultural. Leia Mais

Reconstrução do Passado – Teoria da História II: os princípios da pesquisa histórica | Jörn Rüsen

É inconteste que o grosso calibre do arsenal historiográfico estrangeiro importado pelo mercado editorial brasileiro é constituído por pesquisas oriundas da historiografia francesa, nossa maior referência em se tratando de estudos históricos. Entretanto, as reflexões historiográficas originárias na atmosfera intelectual alemã também encontram grande receptividade dentre os historiadores brasileiros, prova disso é a retumbante proliferação dos trabalhos de Jörn Rüsen no Brasil. Nos últimos anos, a editora da Universidade de Brasília, através do professor Estevão de Rezende Martins, propiciou à nossa comunidade acadêmica a tradução, para a língua portuguesa, da vigorosa trilogia de Jörn Rüsen, denominada de Grundzüge einer Historik (Esboço de uma teoria da história), composta pelas obras: Historische Vernunft (Razão Histórica)1 , publicada no Brasil em 2001; além de Rekonstruktion der Vergangenheit (Reconstrução do Passado)2 e Lebendige Geschichte (História Viva)3 , estas derradeiras oferecidas ao público brasileiro em 2007.

Tencionando atualizar a tradição intelectual da Historik e desenvolvendo profundos estudos sobre os trabalhos teóricos de Droysen, Rüsen vem dedicando-se à reflexão sobre os princípios que fundamentam o pensamento histórico, dando ênfase aos processos históricos de formação da moderna ciência da história e à apropriação do conhecimento histórico no contexto da vida social, naquilo que cunhou como “função didática da história”. Por intermédio do construto teórico denominado de “matriz disciplinar”, Rüsen apresenta um sistema de teoria da história, cuja amplitude reside na análise dos complexos problemas que envolvem a prática profissional dos historiadores: desde o polêmico vínculo entre conhecimento histórico e vida humana prática, até a complexa relação entre pesquisa e escrita da história. Leia Mais

Amazônia e Defesa Nacional. | Celso Castro

Após o regime militar brasileiro (1964-1984), a Amazônia ganhou importância nas discussões sobre defesa nacional, com destaque para o projeto Calha Norte em 1985 e na década seguinte o Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia). Tal livro pretende contribuir com os estudos sobre Amazônia e defesa nacional no meio acadêmico civil. Com a nova realidade e as novas posturas estratégicas sul-americanas (como uma maior presença e interferência dos Estados Unidos e as atenções voltadas para a Amazônia internacional, assim como a diminuição das preocupações estratégicas brasileiras com a Argentina), torna-se necessário mais estudos abrangendo tais temas, principalmente devido à importância atribuída à região amazônica.

No primeiro capítulo (As Forças Armadas Brasileiras e o Plano Colômbia), João Roberto Martins Filho disserta como a questão sobre defesa da Amazônia ganhou força após o final da Guerra Fria e a criação no Brasil do Ministério da Defesa em 1999, mesmo ano da implantação do Plano Colômbia. O autor afirma que o Brasil se viu obrigado a voltar suas preocupações para a defesa das fronteiras e aos conflitos em território colombiano. A postura do Ministério da Defesa reafirmou a não-interferência brasileira no combate ao narcotráfico na Colômbia, fato esse que passou a ser visto pelas autoridades brasileiras como um assunto de segurança e não mais de defesa, pois o tráfico de entorpecentes é encarado no Brasil como um problema interno, de responsabilidade policial e não militar, não cabendo a outros países intervir nesse tipo de assunto. Tal decisão ganhou força principalmente devido aos interesses e pressões norte-americanos para que o Brasil reconhecesse as guerrilhas colombianas como grupos terroristas e realizasse ações militares em território colombiano. Leia Mais

A Redução de nuestra Señora de la Fe no Itatim: entre a cruz e a espada | Neimar Machado de Sousa

Mesmo que a região Sudeste concentre atualmente mais de 60% das pesquisas de mestrado e doutorado produzidas em História, vem chamando a atenção o aumento quantitativo e qualitativo de pesquisas desenvolvidas junto aos novos programas de Pós- Graduação em outras regiões do país, como é o caso da região Centro-Oeste. São estudos que, além de tratarem de temas pouco notados (e aparentemente ‘esquecidos’) pelos pesquisadores dos ‘grandes centros’, estão permitindo a revisão de inúmeros aspectos regionais, visitados até então apenas por ‘memorialistas’.

Fruto direto desse desenvolvimento é o programa de Pós-Graduação em História, nível mestrado, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS, da atual UFGD), Campus de Dourados (CPDO), em funcionamento desde 1999, onde Neimar Machado de Sousa apresentou como dissertação de mestrado a pesquisa A Redução de nuestra Señora de la Fe no Itatim: entre a cruz e a espada, sob a orientação do Prof. Dr. Eudes Fernando Leite, no ano de 2002, e foi publicada dois anos após a defesa, pela editora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), da cidade de Campo Grande/MS. Leia Mais

Etno-historias del Isoso: Chane y chiriguanos em el Chaco Boliviano (Siglos XVI a XX) | Isabelle Combes

A pesquisadora Isabelle Combés, filiada ao Instituto Francés de Estudios Andinos (IFEA), procura, nesta obra, traçar uma linha histórica de um grupo indígena que ocupa a região do Isoso, na Bolívia. O trabalho de Combés, que ora apresentamos, representa um importante instrumento para o estudo dos povos Guarani, de modo geral, e dos Isoseño de modo particular. A autora, que vive na Bolívia desde 1988, possui uma vasta trajetória de pesquisa acadêmica e de militância em prol dos povos indígenas do oriente boliviano.

Inicialmente a autora se propõe fazer um panorama do processo histórico da ocupação das regiões bolivianas pelos Guarani que, por volta dos séculos XV e XVI, ocuparam o pé da Cordilheira dos Andes e se miscigenaram com os Chané, grupo esse que já habitava aquela região. Ao longo do período colonial esses Guarani/Chané foram genericamente identificados como Chiriguano. Leia Mais

História do tempo presente | Gilson Pôrto Júnior

A obra História do tempo presente, organizada por Pôrto Jr.1 contempla dezessete capítulos cujo tema central perpassa as considerações da História do Tempo Presente (HTP) na educação brasileira e na escrita da História por historiadores. Os demais autores são também professores nacionais e internacionais. Esta obra a ser resenhada apresenta como tema central o ensino da História no e do Tempo Presente. Ela é introduzida pela apresentação da HTP, seguida de contribuições teóricas, passando para a terceira parte na qual se expõe considerações sobre o professor pesquisado, levando a seguinte referente à pesquisa e ensino de História do Tempo Presente e fechando o trabalho com uma parte dedicada a História e Historiografia e seus debates em torno do presente.

O professor de História precisa despertar no aluno o interesse de desenvolver pesquisas que envolvem a HTP. Esta recente abordagem no campo da História, iniciada nos anos 70, portanto situada na História Contemporânea, despertou o interesse da Escola do Annales para as lições de uma história do presente. A partir daí os estudos, seja social ou político tomaram a história de um passado recente como base para suas interpretações. Leia Mais

Sete mitos da conquista espanhola | Matthew Restall

O autor Matthew Restall, professor da Universidade da Pensilvânia, procura, em seu livro, desconstruir sete mitos consolidados sobre o processo de descoberta e conquista da América e povos nativos. Para realizar essa tarefa, utilizou-se de registros escritos realizados por espanhóis que participaram do processo de conquista, cartas de religiosos, biografias, filmes produzidos sobre o tema, relato de pensadores do século XVIII, abordagens historiográficas contemporâneas, enfim, uma gama de fontes históricas. Restall desmonta inúmeras “verdades” relacionadas ao processo de dominação ibérica sobre a América ao propor-se a comparar duas formas de descrever o que se passou: uma criada no decorrer do processo de dominação, e a outra, formulada em arquivos e bibliotecas em séculos posteriores, ou seja, confrontando explicações sobre a conquista formuladas ao longo dos séculos XVI ao XX. Sugere algumas outras interpretações, as quais afirma também não serem infalíveis e eternas, o que não significa, segundo ele, que não possam revelar algo de verdade.

No primeiro capítulo denominado Um punhado de aventureirosO mito dos homens excepcionais o autor questiona a idéia de que um pequeno número de homens “notáveis” teria conquistado a América e subjugado milhões de nativos. Restall argumenta que a necessidade de permissão real e de um contrato estabelecido entre a Coroa e o conquistador para a exploração do Novo Mundo estimulou a escrita de cartas, nas quais os colonizadores superestimavam suas atividades e feitos nas novas terras. Exaltando a si mesmos por meio das “Probanzas”, uma espécie de prestações de contas enviadas à Coroa, os colonizadores criaram o mito de homens grandes, corajosos e desbravadores, prontos a vencerem qualquer obstáculo. Religiosos, biógrafos e cronistas ajudaram a confirmar o mito em seus relatos. Segundo o autor, esses homens eram, em sua maioria, despreparados, mal treinados, insuficientemente armados e famintos, que fizeram da aliança com outras nações nativas suas aliadas para a sobrevivência e vitórias em batalhas. Leia Mais

Michel Foucault: uma história da governamentalidade | Kleber Prado Filho

Mesmo não sendo necessária – e nem sequer desejável – a classificação de Michel Foucault nos muitos compartimentos que compõe as ciências humanas, seu trabalho pode ser entendido como um “passador de fronteiras”, que acaba por apoiar inúmeras reflexões nas mais interessantes óticas e nas mais diferentes áreas de estudo e pesquisa.

É neste contexto que se encontra a obra de Kleber Prado Filho – resultado de atividade de pós-doutorado junto ao Programa de Pós-Graduação em História da UNICAMP. Trata-se de um estudo realizado em um contexto que pode ser classificado como “multidisciplinar”, pois, encontra-se imerso na própria história acadêmica de seu autor: graduado em psicologia, doutor em Sociologia, além de ter desenvolvido atividades junto ao programa de pós-graduação em História na UNICAMP. Leia Mais

El Argentino Despertar de las Faunas y de las Gentes Prehistóricas: Coleccionistas, estudiosos, museos y universidad en la creación del patrimonio paleontológico y arqueológico nacional (1875-1913) | Irina Podgorny

Recentemente, Martin Rudwick, historiador da Paleontologia, parafraseando Bruno Latour e Steve Woolgar, considerou que, comparadas à vida social dos laboratórios, as ciências de campo e os museus são terra semi-incógnita. A obra de Irina Podgorny, nos últimos anos, vem desbravando o terreno, pontuando os caminhos por que percorreram, na Argentina, a História Natural e a Arqueologia. Escritora prolífica, Podgorny dedica-se a uma variedade de temas: Arqueologia e Educação, recepção da New Archaeology na Argentina etc. Todos os temas relacionam-se, quase sempre, à compreensão da formação histórica de la argentinidad.

Sua obra comporta, pelo menos, duas vertentes teóricas. Primo, os estudos históricos, iniciados desde meados de 1970, sobre a função da Arqueologia e da cultura material em geral para a formulação de identidades sociais. De outro lado, ela partilha dos aportes da História social das ciências, definidos, nos anos 1980, na Europa, América do Norte e América Latina. Estuda como os enunciados científicos conformam habitus sociais e cognitivos, arranjos em permanente transformação, negociação e conflito. Examina as práticas científicas concretas abrigadas por instituições de pesquisa, os projetos políticos que as recobrem, a ação social, alianças e lutas entre cientistas. O ponto de partida, pois, é a interpretação de como as ciências, em articulação aos grupos sociais e contextos históricos, inventam uma ordem. Leia Mais

O jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos | Luiz Alberto Oliveira Gonçalves

De autoria do professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Luiz Gonçalves, que fez pós-doutorado em Sociologia pela Ecole des Hautes Etudes em Sciences Sociales (Paris-França), e da professora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Petronilha Silva, que possui pós-doutoramento em Teoria da Educação pela University of South Africa (Pretória-África do Sul), o livro “O jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos” faz parte de uma coleção denominada “Cultura Negra e Identidades”, cuja coordenação é da educadora Nilma Lino Gomes.

A importância dessa obra é patente para quaisquer sujeitos. Serve tanto para o que educa, como para o que está se formando educador. Serve igualmente aos indivíduos que querem “apenas” praticar a ação de respeitar o outro. Leia Mais

Arqueologia | Pedro Paulo Funari

O livro de síntese e divulgação de alto nível é fundamental para o desenvolvimento científico. Por um lado, contém os recortes didáticos dos conteúdos teóricos e metodológicos mais significativos da sua época. Por outro, pode atrair novos adeptos, ajudando a ampliar a comunidade acadêmica. Também é importante para informar o público leigo, contribuindo para disseminar o conhecimento e para reduzir os mal-entendidos e as distorções corriqueiros ao senso comum.

Com a publicação de Arqueologia passamos a ter no Brasil o mais completo e atualizado manual de divulgação da disciplina. Ele preenche uma lacuna importante, pois são raros os manuais em português, sem contar com as dificuldades existentes no país para a tradução/publicação ou para importar de obras similares escritas em outros idiomas. Aliás, em meio século de profissionalização, é apenas o terceiro trabalho do gênero publicado por brasileiros, sendo precedido pelo Manual de Introdução à Arqueologia, de Pedro Augusto Mentz Ribeiro (Sulina, 1977) e pelo Arqueologia, do próprio Pedro Paulo Funari (Ática, 1988). Apesar do mesmo título de 1988, a obra em questão não é uma reedição ou simples ampliação, mas um novo livro com uma seleção de tópicos que se destacam por apontar com precisão qual é o campo mais contemporâneo de atuação do arqueólogo. O sumário, em suas oito partes, logo apresenta os propósitos da obra: 1) O que é arqueologia?; 2) Como pensa o arqueólogo; 3) Como atua o arqueólogo; 4) Formas de pesquisa; 5) A arqueologia e as outras áreas do conhecimento; 6) Arqueologia e poder; 7) Ser arqueólogo no Brasil; 8) Questões profissionais. No fim sugere leituras, filmes, sites e cds. Leia Mais

História em Reflexão | UFGD | 2007

Historia em Reflexao2 2 História em Reflexão

Revista Eletrônica História em ReflexãoREHR (Dourados, 2007-) é uma publicação do discentes de Mestrado e Doutorado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Grande Dourados (PPGH-UFGD).

A REHR recebe contribuições em fluxo contínuo e tem como objetivo divulgar trabalhos acadêmicos desenvolvidos na área da História que possibilitem refletir sobre o fazer histórico, bem como em suas relações com a Literatura, a Sociologia, a Antropologia, a Geografia, a Linguística, Educação, entre outros, de forma a propiciar melhor compreensão nos estudos da História e promover a interdisciplinaridade. Ademais, não privilegia uma especificidade temática, na medida em que prevê a divulgação de trabalhos originais.

A Revista Eletrônica História em Reflexão, destina-se tanto a estudantes de graduação e pós-graduação que tenham interesse nos trabalhos publicados, assim como professores de graduação e pós-graduação. Aceita trabalhos em português, inglês e espanhol sob a forma de artigos, entrevistas, resenhas de livros, comentários sobre fontes inéditas, resumos expandidos de trabalhos de conclusão de curso, dissertações e teses, textos livres produção iconográfica e audiovisual e notas breves.

Periodicidade semestral.

Aceso livre.

ISSN 1981 2434

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Escrita de si/ escrita da História | Ângela de Castro Gomes

Organizada por Ângela de Castro Gomes, chega-nos uma significativa contribuição ao debate teórico-metodológico referente à “escrita de si”. Embora sempre tenham sido usados como fontes pelos historiadores, o conjunto de fontes documentais composto por diários, correspondências, biografias e autobiografias, apenas recentemente passaram a ser considerados fontes privilegiadas de análise e objetos da pesquisa histórica. Resultado das transformações na prática historiográfica vindas da consolidação da chamada História Cultural, segundo a organizadora também social e política, que estabeleceu novos recortes e temáticas, bem como objetos, metodologias e fontes ao trabalho do historiador.

Visto que ainda são poucos os estudos voltados a uma reflexão sistemática sobre esse tipo de texto na área da história, a coletânea composta por dezesseis artigos não se apresenta como uma obra definitiva. Mas sim, como uma amostra expressiva das diversas possibilidades e limites do trabalho historiográfico que se utiliza desse conjunto de documentos seja como fonte, seja como objeto de pesquisa. “Exercícios de análise” demarcados pelo debate das relações ente história e memória, pela questão da temporalidade e pelo enfretamento da questão da dimensão subjetiva dessa documentação, onde se estabelecem procedimentos metodológicos de críticas as fontes históricas que descartam “a priori qualquer possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu” ou, a “verdade dos fatos”. Leia Mais

O que é história Cultural? | Peter Burke

O historiador Peter Burke é uma daquelas “figurinhas carimbadas” nas reflexões teóricas e historiográficas contemporâneas. Sua presença na academia brasileira é marcante e pode ser lembrada pela importância de sua produção intelectual quanto por sua freqüência em eventos acadêmicos no Brasil.

Interessa aqui recordar que os diversos trabalhos de Burke traduzidos para a língua portuguesa brasileira se constituem, via de regra, em sucessos editoriais. Neste “O que é História Cultural?”, aparecido na Inglaterra em 2004, Peter Burke trabalha para elaborar um texto de natureza introdutória a discussões já bem postas na historiografia brasileira: a história cultural, suas características e práticas. Leia Mais

O golpe e a ditadura militar: quarenta anos depois (1964-2004) | Daniel Aarão Reis, Marcelo Ridenti e Rodrigo Sá Motta

Em 2004 muitos foram os pesquisadores que se reuniram em seminários, palestras e eventos tendo como objetivo discutir a questão da ditadura militar no Brasil. Foi um momento de refletir um acontecimento – o golpe militar – que marcou profundamente a história do povo brasileiro. Já tinham se passado quarenta anos, mas as lembranças daquele momento permaneciam na memória daqueles que presenciaram os direitos democráticos se desfazerem com as ações políticas dos militares.

A produção historiográfica referente ao golpe civil-militar de 1964 e o governo que se instalou desde então vem aumentando constantemente. Essa preocupação pode ser compreendida devido ao acesso a determinados documentos que anteriormente eram impossíveis de serem analisados, embora o estudo sobre a ditadura ainda careça de fontes. A intensa revisão desse momento histórico pode ser dada pelo fato desse período ainda provocar muitas contradições, como por exemplo a construção de narrativas daqueles que defenderam o regime e dos que foram vítimas desse sistema ditatorial. O que ocorre também é uma tentativa de redefinição desse passado pelos diferentes sujeitos, de um lado aqueles que vivenciaram essa experiência ditatorial e de outro os que investigam e interpretam esse passado com base em documentos escritos e orais. Leia Mais