Feminismos e Democracia | Joana Maria Pedro e Jair Zandoná

Publicado em 2019, o livro organizado por Joana Maria Pedro e Jair Zandoná conta com dezoito capítulos estruturados em sínteses-soma. Engloba temas diversos para repensarmos a amplitude entre os Feminismos, Democracia –ou na ausência dela- e a própria História. Discorre-se, com isso, o quão plural é o Feminismo -por isso Feminismos- (PAULA; GALHERA, 2019) e a importância das reivindicações e dos debates, tanto em períodos ditatoriais, como em períodos democráticos no sub- Continente. Assim, Dora Barrancos, Olga G. Duhart, Roselane Neckel, Mariana Joffily e Maurício Cardoso evidenciam a relação entre Feminismos e Democracia nos dias atuais. Cristina Scheibe Wolff, Soraia C. de Mello, Jair Zandoná, Heloneida Studart, Ana R. Fonteles Duarte e Lorena Zomer os analisam diante do cenário ditatorial na América Latina. Já Cintia Lima Crescêncio por meio da perspectiva do humor, Elias Ferreira Veras pela operação historiográfica, Claudia Regina Niching pelo Direito, Karina J. Woitowicz diante do Jornalismo, Silvana Maria Pereira pela Medicina, História e Gênero, Ana Maria Marques e Giseli Origuela Umbelino finalizam pela perspectiva do estudo das mulheres na História dentro das escolas. Uma obra que reflete, sem dúvidas, acerca dos Feminismos na História de ontem e de hoje, com debates dos mais diversos Feminismos existentes.

Com base nisso, ainda que pensemos nos debates sobre a Democracia e os Feminismos no presente, é fundamental evidenciar as lutas durante o período ditatorial da América Latina. O feminismo representou um vasto conflito social no Brasil sob esse regime de 1964 a 1985, uma vez que a autonomia em si já pode ser considerada um conflito. Por esse viés, os arquivos dos Feminismos das ditaduras do Cone Sul no Laboratório de Estudos de Gênero e História, embora não seja um arquivo clássico, ajudou a contribuir com a memória dos Feminismos e das ditaduras do Cone Sul, evidenciando esses conflitos sociais. Além dele, o papel de Heloneida Studart (1932-2007) em seus discursos literários foram fundamentais contra o apagamento ou tentativa de banalização e de esquecimento da memória coletiva. Dessa forma, reforçamos a importância da literatura para a tomada de consciência social, dentre as questões de gênero, as desigualdades e a vontade de romper com discursos conservadores, não apenas do Brasil ditatorial, como do Brasil atual cuja “marca” são os diversos ataques aos Feminismos e a Democracia.

Além disso, durante a Ditadura militar no Brasil, é importante ressaltarmos as questões de gênero na forma em que as mulheres recuperaram suas ações políticas e trajetórias de vida, compreendendo a elaboração das subjetividades por meio da experiência coletiva. Desse modo, consideramos que a própria televisão se somou à crise de uma família confinada a espaços de moradia cada vez menores. Para Soraia C. de Mello, com o seu poder de sedução e divulgação de novos comportamentos, a televisão forneceu elementos poderosos para indagar sobre a partilha de valores em expressivas camadas sociais, permitindo pensar por outras vias os usos e mobilizações do gênero. Envolto nesse debate, no Brasil do século XX, a capital Curitiba destacou-se com questionamentos de algumas mulheres acerca de seus lugares dentro de uma sociedade conservadora. Leonor Castellano (1899-1969) e outras mulheres da época tiveram papeis fundamentais para as conquistas, as quais se deram nos Espaços Literários, o Centro de Letras do Paraná e o Centro Paranaense Feminino de Cultura. Mas tais conquistas só puderam ser acessadas pelas mulheres depois das reivindicações de Castellano e de outras mulheres, alterando ainda, outros comportamentos engessados na época. Há, portanto, uma clara evidência da importância de Castellano às mudanças de comportamentos enraizadas na sociedade curitibana do século XX.

Já ao analisarmos os dias atuais -especificamente 2015- e com vistas ao Cone Sul, os vínculos existentes entre a Democracia e os Feminismos refletem a importância do acordo transversal entre o movimento feminista e as forças políticas progressistas. Como sabemos, um programa antifeminista, autoritário e antidemocrático estava à ocorrer, inclusive no Brasil. Diante dessas dificuldades, a ideia de desestabilização da configuração tradicional das identidades masculinas, aliada à desmoralização intensa da política, configuram elementos centrais à fragilização dos movimentos feministas e da ordem democrática latina.

Ao mesmo tempo, notamos que resistências também ocorreram, reforçando que as mulheres não são “vítimas” da história, mas sujeitos históricos ativos. Ao nos voltarmos ao caso do Brasil, recordemo-nos da “Primavera das Mulheres” nos impasses atuais da Democracia Brasileira. As manifestações de 2015, também consideradas como parte da 4ª Onda Feminista, foram um conglomerado de movimentos sociais de maioria feminista que floresceram e renovaram os Feminismos contemporâneos do maior país sul-americano. Em meio a esse conglomerado de manifestações, as ocupações das escolas em São Paulo, cuja frase “Lute como uma garota” tornou-se imenso símbolo de resistência no país, comprovaram a importância do ativismo que várias mulheres tiveram em um país marcado pela opressão. Desse modo, houve um protagonismo feminino nas ocupações, aprimorando as experiências de sociabilidade e cultura escolar, apesar da inexperiência revolucionária das alunas. E, apesar das controvérsias entre os movimentos feministas e as tradições religiosas, houve a contribuição da teologia feminista da libertação para as mobilizações ocorridas no Brasil, em 2015. Diante disso, o conceito chave da teologia feminista é a própria experiência das mulheres. A teologia queer é emancipadora e propositiva ao apontar para relações igualitárias, dignas e justas, não somente na religião, mas também na sociedade, como ressalta Claudete Beise Ulrich. Portanto, mesmo que parecessem divergentes, se complementaram.

Para Cintia Lima Crescêncio, por sua vez, atualmente também há outro debate: o humor e o feminismo. Ao discutir a construção do cômico e do humor como categoria teórica, podemos compreender que o humor feminista é uma forma de subversão da escrita acadêmica e possibilita a construção de uma nova maneira de produzir e difundir a ciência. Assim, romper a oposição entre sério e cômico tem muito a contribuir para a escrita acadêmica de historiadoras engajadas nas lutas feministas. Dentro das Universidades, além do humor, é importante destacar a área da Historiografia. Elias Ferreira Veras demonstra que a operação historiográfica pirotécnica e a História das Mulheres e da relações de gênero, mais do que somente uma operação intelectual ou ferramenta teórico-metodológica, é capaz de desconstruir as fortalezas erguidas sob os pilares do machismo, do racismo, do classismo e da lgbtfobia. Por assim dizer, construirmos uma sociedade efetivamente democrática, afinal, apesar da Democracia ser o regime vigente pela Constituição Federal de 1988, sabemos que diversos grupos ainda são excluídos.

Nesse sentido, destaquemos que na área do Direito o debate sobre Feminismos é pouco presente no país. Portanto, é necessário questionar a pretensa imparcialidade da ciência jurídica brasileira, porque mesmo que a Constituição Federal de 1988 coloque homens e mulheres como iguais, para Claudia R. Niching, certamente há o controle dos corpos das mulheres quando considerado o aborto. No caso das mulheres transexuais, travestis, prostitutas, etc. o debate se articula diante da Lei Maria da Penha. Elas não deveriam ter proteção segundo essa Lei? Diante desses questionamentos, inferimos que é a partir das determinações e atuações de advogadas, juízas e professoras feministas que uma revolução no campo do Direito será possível, abandonando o Direito misógino, sexista e lgbtfóbico.

Para além do Direito, a área do Jornalismo ainda apresenta vários desafios. Apesar do aumento da participação feminina nos veículos de comunicação após 1980, ainda observamos a desigualdade de gênero nesse ramo, em que o principal desafio é o compromisso para ampliar o debate com os setores da sociedade e falar sobre as diferenças no mercado profissional. Para Karina Janz Woitowicz, somente quando “vencidos” é que será possível visibilizar pesquisas voltadas à temática, fortalecendo iniciativas do jornalismo com foco nas questões de gênero.

E por fim, cabe destacar a importância da educação nesses debates, por meio da construção de caminhos metodológicos que se pautem na perspectiva histórica, feminista e interdisciplinar. É necessário que uma nova forma de escrever História se construa, uma forma que demonstra que o corpo das mulheres pertencem somente a elas mesmas. Assim, Ana Maria Marques e Giseli O. Umbelino argumentam que é necessário levar às salas de aula os estudos das mulheres na História, a fim de desconstruir-se a ideia equivocada de que somente homens participam da História. Com isso, entendemos que é preciso resgatar a ideia de História das Mulheres e descolonizar o pensamento sobre Gênero. Propiciarmos uma formação continuada aos professores para superar o caráter elitista do ensino de História, transformando as práticas educativas. A educação é, com certeza, outra área fundamental para ampliar o debate sobre gênero, Feminismos e a própria Democracia, para que possamos romper e quebrar estigmas de opressão que impera na sociedade atual.

Dessa maneira, as diversas reflexões e debates apresentados nos fazem compreender a multiplicidade Feminista, tanto em regimes políticos ditatoriais, como nos democráticos. Os debates sobre os Feminismos estão em todas as áreas, marcadas pela opressão construída historicamente. Portanto, e necessário resistir nos mais variados campos, como é demonstrado. Mas, não apenas isso. Também ressalta-se o quão desafiador o campo de estudos feministas pode ser. É de extrema importância que não nos restrinjamos e não nos calemos. Por isso, os Feminismos não podem parar.

Referência

PAULA, Thaís Vieira; GALHERA, Katiuscia Moreno. Feminismos plurais: a América Latina e a construção de um novo feminismo. Estudos Feministas, n. 2, v. 27, Florianópolis, jul. 2019. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2019000200804 . Acesso em: 01 jul. 2020.


Resenhista

Nicoli Ferreira de Mello – Graduanda em História Pontifícia Universidade Católica do Paraná. E-mail: [email protected]


Referências desta resenha

PEDRO, Joana Maria; ZANDONÁ, Jair. (Org.). Feminismos e Democracia. Belo Horizonte: Fino Traço, 2019. Resenha de: DE MELLO, Nicoli Ferreira. Temporalidades. Belo Horizonte, v.12, n.3, p.1011-1015, set./dez. 2020. Acessar publicação original [DR]

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