Financing Regional Growth and the Inter-American Development Bank: the case of Argentina |

A guinada neoliberal do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) nos anos noventa alterou a sua missão histórica de ajudar na promoção do desenvolvimento definido em termos estruturais-cepalinos, centrado na estratégia de industrialização por substituição de importações, para a financeirização do desenvolvimento e a integração à economia global. Nas relações entre BID e Argentina, a nova missão se manifestou de forma mais patente no regime de conversibilidade (paridade entre o peso argentino e o dólar). Em termos empíricos, o autor se propôs a estudar o envolvimento do BID em dois casos: na consolidação e no declínio do regime de conversibilidade.

A maioria dos trabalhos sobre as relações entre bancos de desenvolvimento e seus prestatários são construídos em uma perspectiva racionalista (com pressupostos realistas ou institucionais liberais) e na Economia Política Internacional mainstream que implicam algumas limitações como uma leitura a-histórica, naturalizada e universalizante do mercado, a separação artificial de doméstico e internacional, a dissociação entre o político e o econômico e a oposição entre as explicações centradas na eficiência e racionalidade e aquelas centradas na dinâmica própria da multilateralidade.

Como alternativa teórica-metodológica, Vivares propõe o uso de elementos da Teoria Crítica à Robert Cox e da Nova Economia Política Internacional: o método focado nas estruturas históricas, às quais são atribuídos três níveis (relações sociais de produção, formas de Estado e ordem mundial); a hegemonia definida em termos gramscianos, isto é, de uma dominação na qual confluem coerção e consenso; o debate sobre o Estado sob a forma de complexos estado-sociedade e estado-instituições internacionais; o papel das instituições internacionais dentro da ordem mundial e regional.

Para o autor, a importância do BID não está propriamente no volume de recursos desembolsados para financiar as reformas estruturais de inspiração neoclássica, uma vez que elas ocorriam em complementaridade e coordenação com outras instituições financeiras internacionais como Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Na realidade, o que se destaca no BID é o seu potencial em legitimar essas reformas diante dos atores domésticos e internacionais importantes e em construir consenso em torna da necessidade delas. Esse potencial teria a ver com uma questão identitária historicamente construída e a percepção do banco como uma instituição na qual os países latino-americanos são membros efetivos e ativos e na qual a Argentina é uma das maiores sócias. Reitera-se, no entanto, que devido à forte influência dos Estados Unidos, o banco tem uma natureza não especificamente latino-americana, mas hemisférica ou continental.

No primeiro caso, analisa-se o que é considerado pelo BID como o caso mais bem sucedido de reforma pró-mercado feito no setor elétrico em nível regional sob uma democracia, na qual o banco participou – o da privatização das empresas argentinas de eletricidade. Embora não tenha sido o principal ator, o BID teve um papel ativo, sobretudo no apoio técnico, no planejamento, na implementação e no cofinanciamento do processo, além de garantir as condições de participação do setor privado. Para que isso pudesse ocorrer, o tema passou por um processo de despolitização, sendo transformado em uma questão meramente técnica: apresentaram-se como irrefutáveis ideias como as de que nenhuma empresa poderia ser gerida pelo Estado tão bem quanto pela iniciativa privada, de que o setor elétrico estava sucateado e da necessidade de demonstrar que o país estava comprometido com as reformas estruturais. Mas, obviamente, também havia outros motivos como a destruição de um ícone da ala tradicional peronista e a arrecadação de recursos em moeda estrangeira para ajudar a manter o regime de conversibilidade. Em seguida, o governo Menem buscou a desarticulação daqueles que pudessem se opor à privatização – as províncias e os sindicatos. Apresentou-se a privatização como necessária e inevitável de modo que se opor a ela poderia implicar a exclusão na participação de futuros arranjos políticos. Além disso, para cooptar potenciais opositores, fez-se uso da promessa de compensações, de side-payments e recompensas políticas.

No segundo caso, analisa-se a deterioração do regime de conversibilidade, que era um dos principais pilares da estratégia argentina de inserção na era da globalização. Na segunda metade dos anos noventa, as condições que permitiram a ascensão do modelo argentino não eram mais as mesmas. De um lado, o consenso dentro do país esmaecia-se diante dos resultados insatisfatórios das reformas estruturais anteriormente implementadas, como os problemas dos empresários afetados pela paridade do câmbio, o desemprego crescente e a deterioração da qualidade de vida das classes mais humildes. Muitos dos críticos viam esse regime como insustentável e a desvalorização do peso como parte necessária da solução. De outro, as instituições financeiras internacionais e o mercado financeiro global pressionavam pela continuidade da conversibilidade e o aprofundamento das reformas, chegando ao ponto de cogitarem a dolarização da economia argentina. Enquanto isso, o BID estava dividido entre financiar esse modelo de integrar a Argentina à economia global e investir no desenvolvimento, fazendo suas ações parecerem inconsistentes e até contraditórias.

Se no primeiro caso, as dimensões financeira, política e técnica do banco convergiam diante das expectativas de sucesso daquele modelo; no segundo caso, diante de um contexto de crise, contou-se apenas com a solidariedade da dimensão política do BID em uma tentativa de não deixar o país cair em um ostracismo em relação à governança financeira global em face da desvalorização, mas mesmo essa solidariedade ocorreu a contragosto do FMI e do Banco Mundial.

O livro de Vivares, ao utilizar-se de marcos teóricos não muito comuns no estudo das relações entre bancos de desenvolvimento e países prestatários, lança luz sobre aspectos pouco explorados como o papel deles na (des)construção de ordens de desenvolvimento, na sua complexa relação com outros atores domésticos e internacionais, na especificidade da contingência histórica que condiciona a sua missão e na importância da legitimação e construção de consenso em torno dos projetos nos quais se envolve.


Resenhista

Rogério Makino – Doutorando em Ciências Sociais pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

VIVARES, Ernesto. Financing Regional Growth and the Inter-American Development Bank: the case of Argentina. Routledge, 2013. Resenha de: MAKINO, Rogério. Meridiano 47, v.15, n.144, p.37-38, jul./ago. 2014. Acessar publicação original [DR]

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