Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende/ 1970-1973 | L. A. Moniz Bandeira

Recém chegado às livrarias, o novo livro de Moniz Bandeira (Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008) é sucesso de venda, tanto em sua versão portuguesa quanto espanhola. Conhecido por seus livros acerca da história das relações internacionais hemisféricas, o historiador angariou fama e respeito no mundo acadêmico, jornalístico e político, como profundo conhecedor dos Estados Unidos, do Brasil, da Argentina e de outros países da América do Sul.

A narrativa original sobre os três anos de governo de Salvador Allende, bem como sobre a trama interna e internacional que resultou no bombardeio do palácio La Moneda e na assunção de Augusto Pinochet, foi elaborada à base de documentação primária fornecida por arquivos chilenos, brasileiros e norte-americanos, especialmente os arquivos da CIA.

O leitor descobre no livro de Moniz Bandeira duas contribuições essenciais à compreensão de um evento que marcou profundamente a história do Chile e a vida de tantos exilados latino-americanos que se refugiaram naquele país, fugindo de outras ditaduras militares. Em primeiro lugar, a história interna do país e a articulação de forças econômicas, militares e políticas que contribuiu para desestabilizar o governo de Allende. Em segundo lugar, a ingerência de forças externas, tanto aquelas do sistema econômico, que René Armand Dreifuss chamou de internacional capitalista, como a decisiva ingerência da CIA por meio de suas operações encobertas, e a ajuda da diplomacia militar paralela dos regimes da América do Sul. Fórmula para o caos, o título do livro, foi tomado da denominação dada pela própria CIA para o conjunto de atividades com que ela mesma tramava o golpe militar.

Inspirado pela idéia de Antonio Gramsci, Bandeira escreve com o objetivo de tornar conscientes essas forças que explicam o passado e podem influir sobre o presente. Um livro de história para ler por quem pretende dela ser parte ativa em seu próprio tempo.

Com efeito, espalhavam-se nos anos 1960 e 1970 os regimes militares pela América do Sul. O aprofundamento de estudos sobre casos como o chileno conduz o leitor ao conhecimento das forças que subjaziam em sua origem e evolução por toda a região. Por isso tais estudos, como este sobre o Chile, feito com tanta fidelidade às fontes, objetividade descritiva e linguagem escorreita, tornam-se indispensáveis ao conhecimento da América do Sul, da margem de autonomia dos Estados nacionais e de sua vulnerabilidade.

Temas delicados e relevantes que envolvem o governo Allende são expostos pelo autor com coragem: o papel da diplomacia brasileira e do governo dos Estados Unidos; a importância da instabilidade financeira e econômica; o envolvimento de empresas multinacionais com elites políticas e militares; a ação de organizações revolucionárias; o processo eleitoral. Sobretudo, a ação de poderosa força desestabilizadora norte-americana, a CIA, sobre governos democráticos, como foram os governos de João Goulart no Brasil e de Salvador Allende no Chile, ambos derrubados com ajuda externa decisiva. E os planos: planos de reforma política, de reformas sociais, planos de conspiração, de apoio, planos de insurgência e de contra-insurgência, planos de salvação da pátria.

A CIA foi, segundo a conclusão do autor, o grande vencedor do 11 de setembro de 1973, dia do golpe. Allende e seu projeto de implantação do socialismo pela via pacífica, o grande perdedor. Mesmo porque contrariou, talvez sem saber, a teoria marxista, no ponto em que esta concebe a transição para o socialismo como via natural da organização capitalista, ponto de chegada, maturação. Como a própria União Soviética não havia reunido tais condições, o socialismo de Estado lá teve de ser implantado pelo terror. Ademais, Moniz Bandeira chega a uma terceira conclusão: os militares chilenos, entre os quais o próprio general Carlos Prats, comandante do Exército, entenderam o projeto socialista como uma utopia e os regimes militares de Brasil e Argentina não tolerariam outra Cuba socialista, desta feita na América do Sul


Resenhista

Amado Luiz Cervo – Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

MONIZ BANDEIRA, L. A. Fórmula para o caos: a derrubada de Salvador Allende, 1970-1973. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. Resenha de: CERVO, Amado Luiz. Meridiano 47, v.9, n.100, p.46-47, nov. 2008. Acessar publicação original [DR]

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